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Depois de velho, visitava a velha cidade da infância. Digladiava-se em silêncio.

Por um lado,
tudo tão diferente, o progresso passando a perna nas lembranças; por outro, o contraste que
algumas ruas de terra batida resistentes produziam com a distância estrangeira a que se
submetera, ao escolher a cidade grande, há mais de três décadas. Ao contrário do que
geralmente acontece, foi ele a abandonar a cidade natal e não os filhos. Plantou as sementes e
cortou as raízes. Voou, folha de outono, a t

rair as cercas de casa. Abandonou o ritmo compassado do pequeno lugarejo, para aportar no
mar de ilhas nômades da selva urbana. Trocou o povoado solitário pela solidão compartilhada
da terra das multidões. Queria, entretanto, visitar o neto. Recebera-o em casa, quando ainda
de colo, mas desejava vê-lo andar com as próprias pernas, tropeçar nos próprios impasses,
sem o abrigo excessivo de todos aqueles colos. O neto devolveu-lhe o abraço com um sorriso
tímido e um silêncio respeitoso, desses de quem passa pela ponte de um rio imenso. E então o
velho sentenciou, Vais com o vô, dar uma volta na praça.

O menino, de lá de baixo dos seus seis anos, olhou para a mãe, à espera do sinal verde. –
Voltem para o almoço... A praça tinha traços do passado e do presente. O coreto permanecia,
mas com outra pintura. A velha estátua do poeta ainda servia de palanque ao sarau dos
pequenos pássaros. Enquanto que os velhos brinquedos, gangorras, balanços e cubos
labirintos, agora dividiam espaço com uma espécie de horto, separado do resto por uma grade
comprida, porém espaçada. Depois de passear um pouco, avô e neto decidiram, em silêncio,
pela gangorra. Uma forma de conciliarem o af

ã do menino com o cansaço do velho. 18 II Prêmio Ufes de Literatura Nas grades do horto,
insinuava-se uma comprida trepadeira, natureza que insiste, apesar de todo o espaçoso
mundo humano. O menino fitou-a com a escada dos olhos, enquanto descia no suave balé da
gangorra. Os olhos do velho buscavam o nó que ancorava o e

ncontro. A esperança de que o neto crescesse livre dos tropeços do destino. Sentimento que
nutria mais por obrigação do que por experiência. Sabia que o destino não admite delírios
retilíneos. Que a vida acaricia, mas também agride. Conduzia a gangorra com cautela, distância
segura dos extremos. O neto ainda perdia os olhos nas curvas da estranha corda vertical. Na
cordilheira dos instantes, o sol abraçava o ambiente inteiro.

O dia corava e corria, pincel de pequenos plágios. O baralho dos velhos, as mães e as proles,
coração da vida que pulsa. Somos todos analfabetos de futuro. E, entretanto, como somos
também algo reféns do passado, deliramos o presente, a exigir redundâncias em excesso. O
avô desenhando, dedos de Narciso, o asfalto do porvir do neto. Ao mesmo tempo em que
sabia que no mapa do tempo não há estrada sem neblina,

buracos ou encruzilhadas febris. Vô, essa corda cresce até o céu?, o menino interrogava, sem
desgrudar os olhos do topo do horto. Uma dessas perguntas que foge do script. Teatro sem
roteiro. Esse voo da infância, que desconhece a gaiola da gravidade.

Depois de velho, visitava a velha cidade da infância. Digladiava-se em silêncio. Por um lado,
tudo tão diferente, o progresso passando a perna nas lembranças; por outro, o contraste que
algumas ruas de terra batida resistentes produziam com a distância estrangeira a que se
submetera, ao escolher a cidade grande, há mais de três décadas. Ao contrário do que
geralmente acontece, foi ele a abandonar a cidade natal e não os filhos. Plantou as sementes e
cortou as raízes. Voou, folha de outono, a trair as cercas de casa. Abandonou o ritmo
compassado do pequeno lugarejo, para ap

ortar no mar de ilhas nômades da selva urbana. Trocou o povoado solitário pela solidão
compartilhada da terra das multidões. Queria, entretanto, visitar o neto. Recebera-o em casa,
quando ainda de colo, mas desejava vê-lo andar com as próprias pernas, tropeçar nos próprios
impasses, sem o abrigo excessivo de todos aqueles colos. O neto devolveu-lhe o abraço com
um sorriso tímido e um silêncio respeitoso, desses de quem passa pela ponte de um rio
imenso. E então o velho sentenciou, Vais com o vô,

dar uma volta na praça. O menino, de lá de baixo dos seus seis anos, olhou para a mãe, à
espera do sinal verde. – Voltem para o almoço... A praça tinha traços do passado e do
presente. O coreto permanecia, mas com outra pintura. A velha estátua do poeta ainda servia
de palanque ao sarau dos pequenos pássaros. Enquanto que os velhos brinquedos, gangorras,
balanços e cubos labirintos, agora dividiam espaço com uma espécie de horto, separado do
resto por uma grade comprida, porém espaçada. Dep

ois de passear um pouco, avô e neto decidiram, em silêncio, pela gangorra. Uma forma de
conciliarem o afã do menino com o cansaço do velho. 18 II Prêmio Ufes de Literatura Nas
grades do horto, insinuava-se uma comprida trepadeira, natureza que insiste, apesar de todo o
espaçoso mundo humano. O menino fitou-a com a escada dos olhos, enquanto descia no
suave balé da gangorra. Os olhos do velho buscavam o nó que ancorava o encontro. A
esperança de que o neto crescesse livre dos tropeços d

o destino. Sentimento que nutria mais por obrigação do que por experiência. Sabia que o
destino não admite delírios retilíneos. Que a vida acaricia, mas também agride. Conduzia a
gangorra com cautela, distância segura dos extremos. O neto ainda perdia os olhos nas curvas
da estranha corda vertical. Na cordilheira dos instantes, o sol abraçava o ambiente inteiro. O
dia corava e corria, pincel de pequenos plágios. O baralho dos velhos, as mães e as proles,
coração da vida que pulsa. Somos todos analfabetos de futuro. E

, entretanto, como somos também algo reféns do passado, deliramos o presente, a exigir
redundâncias em excesso. O avô desenhando, dedos de Narciso, o asfalto do porvir do neto.
Ao mesmo tempo em que sabia que no mapa do tempo não há estrada sem neblina, buracos
ou encruzilhadas febris. Vô, essa corda cresce até o céu?, o menino interrogava, sem
desgrudar os olhos do topo do horto. Uma dessas perguntas

que foge do script. Teatro sem roteiro. Esse voo da infância, que desconhece a gaiola da
gravidade.

Depois de velho, visitava a velha cidade da infância. Digladiava-se em silêncio. Por um lado,
tudo tão diferente, o progresso passando a perna nas lembranças; por outro, o contraste que
algumas ruas de terra batida resistentes produziam com a distância estrangeira a que se
submetera, ao escolher a cidade grande, há mais de três décadas. Ao contrário do que
geralmente acontece, foi ele a abandonar a cidade natal e não os filhos. Plantou as sementes e
cortou as raízes. Voou, folha de outono, a t

rair as cercas de casa. Abandonou o ritmo compassado do pequeno lugarejo, para aportar no
mar de ilhas nômades da selva urbana. Trocou o povoado solitário pela solidão compartilhada
da terra das multidões. Queria, entretanto, visitar o neto. Recebera-o em casa, quando ainda
de colo, mas desejava vê-lo andar com as próprias pernas, tropeçar nos próprios impasses,
sem o abrigo excessivo de todos aqueles colos. O neto devolveu-lhe o abraço com um sorriso
tímido e um silêncio respeitoso, desses de quem passa pela ponte de um rio imenso. E então o
velho sentenciou, Vais com o vô, dar uma volta na praça.

O menino, de lá de baixo dos seus seis anos, olhou para a mãe, à espera do sinal verde. –
Voltem para o almoço... A praça tinha traços do passado e do presente. O coreto permanecia,
mas com outra pintura. A velha estátua do poeta ainda servia de palanque ao sarau dos
pequenos pássaros. Enquanto que os velhos brinquedos, gangorras, balanços e cubos
labirintos, agora dividiam espaço com uma espécie de horto, separado do resto por uma grade
comprida, porém espaçada. Depois de passear um pouco, avô e neto decidiram, em silêncio,
pela gangorra. Uma forma de conciliarem o af

ã do menino com o cansaço do velho. 18 II Prêmio Ufes de Literatura Nas grades do horto,
insinuava-se uma comprida trepadeira, natureza que insiste, apesar de todo o espaçoso
mundo humano. O menino fitou-a com a escada dos olhos, enquanto descia no suave balé da
gangorra. Os olhos do velho buscavam o nó que ancorava o e

ncontro. A esperança de que o neto crescesse livre dos tropeços do destino. Sentimento que
nutria mais por obrigação do que por experiência. Sabia que o destino não admite delírios
retilíneos. Que a vida acaricia, mas também agride. Conduzia a gangorra com cautela, distância
segura dos extremos. O neto ainda perdia os olhos nas curvas da estranha corda vertical. Na
cordilheira dos instantes, o sol abraçava o ambiente inteiro.

O dia corava e corria, pincel de pequenos plágios. O baralho dos velhos, as mães e as proles,
coração da vida que pulsa. Somos todos analfabetos de futuro. E, entretanto, como somos
também algo reféns do passado, deliramos o presente, a exigir redundâncias em excesso. O
avô desenhando, dedos de Narciso, o asfalto do porvir do neto. Ao mesmo tempo em que
sabia que no mapa do tempo não há estrada sem neblina,

buracos ou encruzilhadas febris. Vô, essa corda cresce até o céu?, o menino interrogava, sem
desgrudar os olhos do topo do horto. Uma dessas perguntas que foge do script. Teatro sem
roteiro. Esse voo da infância, que desconhece a gaiola da gravidade.

Depois de velho, visitava a velha cidade da infância. Digladiava-se em silêncio. Por um lado,
tudo tão diferente, o progresso passando a perna nas lembranças; por outro, o contraste que
algumas ruas de terra batida resistentes produziam com a distância estrangeira a que se
submetera, ao escolher a cidade grande, há mais de três décadas. Ao contrário do que
geralmente acontece, foi ele a abandonar a cidade natal e não os filhos. Plantou as sementes e
cortou as raízes. Voou, folha de outono, a trair as cercas de casa. Abandonou o ritmo
compassado do pequeno lugarejo, para ap
ortar no mar de ilhas nômades da selva urbana. Trocou o povoado solitário pela solidão
compartilhada da terra das multidões. Queria, entretanto, visitar o neto. Recebera-o em casa,
quando ainda de colo, mas desejava vê-lo andar com as próprias pernas, tropeçar nos próprios
impasses, sem o abrigo excessivo de todos aqueles colos. O neto devolveu-lhe o abraço com
um sorriso tímido e um silêncio respeitoso, desses de quem passa pela ponte de um rio
imenso. E então o velho sentenciou, Vais com o vô,

dar uma volta na praça. O menino, de lá de baixo dos seus seis anos, olhou para a mãe, à
espera do sinal verde. – Voltem para o almoço... A praça tinha traços do passado e do
presente. O coreto permanecia, mas com outra pintura. A velha estátua do poeta ainda servia
de palanque ao sarau dos pequenos pássaros. Enquanto que os velhos brinquedos, gangorras,
balanços e cubos labirintos, agora dividiam espaço com uma espécie de horto, separado do
resto por uma grade comprida, porém espaçada. Dep

ois de passear um pouco, avô e neto decidiram, em silêncio, pela gangorra. Uma forma de
conciliarem o afã do menino com o cansaço do velho. 18 II Prêmio Ufes de Literatura Nas
grades do horto, insinuava-se uma comprida trepadeira, natureza que insiste, apesar de todo o
espaçoso mundo humano. O menino fitou-a com a escada dos olhos, enquanto descia no
suave balé da gangorra. Os olhos do velho buscavam o nó que ancorava o encontro. A
esperança de que o neto crescesse livre dos tropeços d

o destino. Sentimento que nutria mais por obrigação do que por experiência. Sabia que o
destino não admite delírios retilíneos. Que a vida acaricia, mas também agride. Conduzia a
gangorra com cautela, distância segura dos extremos. O neto ainda perdia os olhos nas curvas
da estranha corda vertical. Na cordilheira dos instantes, o sol abraçava o ambiente inteiro. O
dia corava e corria, pincel de pequenos plágios. O baralho dos velhos, as mães e as proles,
coração da vida que pulsa. Somos todos analfabetos de futuro. E

, entretanto, como somos também algo reféns do passado, deliramos o presente, a exigir
redundâncias em excesso. O avô desenhando, dedos de Narciso, o asfalto do porvir do neto.
Ao mesmo tempo em que sabia que no mapa do tempo não há estrada sem neblina, buracos
ou encruzilhadas febris. Vô, essa corda cresce até o céu?, o menino interrogava, sem
desgrudar os olhos do topo do horto. Uma dessas perguntas

que foge do script. Teatro sem roteiro. Esse voo da infância, que desconhece a gaiola da
gravidade.

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