Você está na página 1de 7

GRUPO II

Nas respostas aos itens de escolha múltipla, seleciona a opção correta. Lê


o texto.

Naquela longa varanda suspensa no espaço, pista de corridas, parque infantil,


observatório do mundo, passei horas inesquecíveis. Recordo particularmente as noites
de verão, cálidas, cheirosas das flores da vizinhança, na meia obscuridade. Apagava-
se a luz da casa de jantar, para poupar o gás e porque nem sequer se justificava o seu
consumo. A mãe trazia uma cadeira para a varanda, e sentava-se, permanecendo
com os olhos fechados e o seu sorriso de todas as horas. O pai ficava cá dentro a
ressonar na sua cadeira de braços. A avó estava na cozinha a lavar a loiça, e as irmãs
andavam por cá e por lá.
Cálida e cheirosa, a noite. O céu, azul-escuro, repleto de estrelas cintilantes.
Espetáculo maravilhoso de um firmamento que a civilização aniquilou. Não é
saudosismo. Juro! Já não se veem estrelas, à noite, no céu de Lisboa, nem nos céus
dos grandes aglomerados populacionais. Os gases de combustão da gasolina dos
automóveis, dos óleos dos camiões, do combustível dos aviões, a incessante
fumarada das chaminés das fábricas, cobriram a cidade de um capacete denso que
não se deixa atravessar pela fraca luz das estrelas. É um facto observado; não é
saudosismo, repito. As novas gerações não sabem o que é um céu estrelado, a não
ser que o tenham visto em regiões menos poluídas, talvez no campo ou na praia. Mas
o campo não interessa aos jovens, e a praia, à noite não é para fitar o céu mas para
morder a terra. [...]
Estas vigílias na varanda não eram hábito particular da casa dos meus pais.
Olhando a rua, e pelas outras ruas igualmente, viam-se sempre pessoas nas
varandas, quando as tinham, ou muito repousadas com os antebraços apoiados nas
sacadas das janelas de peito. Estavam ali, de verão e de inverno, na primavera e no
outono, a bisbilhotar, a ver quem passava, a espreitar os vizinhos, a chamar os
vendedores ambulantes, a tomar ar simplesmente. Havia sempre na vida das pessoas
domésticas um tempo destinado a estar à janela, em particular ao fim da tarde, depois
de terminadas as lides da casa, após o jantar. Era um hábito excelente, saudável, de
comunicação social. As pessoas, à janela, falavam para a rua, conversavam com os
vizinhos próximos, confraternizavam ou descompunham--se, batiam com as vidraças
ostensivamente quando se zangavam ou permaneciam gozosas e, a desfrutarem as
guerrilhas dos outros.
Era uma característica do tempo, do meu tempo, hoje totalmente ultrapassada.
Chego à janela, nos dias que decorrem, e verifico que todas as janelas estão
fechadas, dia e noite, a não ser quando as abrem, da parte da manhã para arejar os
quartos, mas sem ninguém à vista. À noite é o encerramento total. Que teria
acontecido? Que prenderá as pessoas, dentro de suas casas, invisíveis do exterior,
como se o Governo tivesse declarado o estado de sítio?
Aqui, e em todo o mundo (civilizado, é claro) a humanidade foi submetida a
uma opressão ditatorial que todos acolhem voluntariamente. Que estarão a fazer as
pessoas nas suas casas, segregadas, com as janelas fechadas, sem darem sinais de
vida? Se formos espreitá-las vê-las-emos todas sentadas, homens, mulheres e
crianças, novos e velhos, sem trocarem uma palavra entre si, de boca semiaberta, a
olharem para uma caixa, colocada estrategicamente em certo lugar do compartimento,
de onde todos a possam ver bem. A caixa é o televisor e a humanidade o conjunto dos
telespetadores.
Rómulo de Carvalho, [Memórias], Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, pp. 60 a 62.
1. No primeiro parágrafo, o memorialista recorda as noites passadas «numa
longa varanda» (linha 1) através da referência a sensações de natureza,
respetivamente,
(A) táteis / olfativas / visuais / auditivas. (B) olfativas / táteis / auditivas /
visuais.(C) visuais / táteis / olfativas / auditivas.(D) táteis / auditivas /
olfativas / visuais.

2. A frase «cobriram a cidade de um capacete denso» (linha 12) integra


uma(A) hipérbole.(B) personificação.(C) metáfora.(D) comparação.

3. Com a frase «a não ser que o tenham visto em regiões menos poluídas.»
(linhas 14 e 15) o memoria-lista exprime(A) uma afirmação.(B) uma
exceção.(C) um contraste.(D) uma alternativa.

4. O tempo que as pessoas passavam «nas varandas» ou «nas sacadas


das janelas» (linhas 18 e 19) era fundamentalmente um tempo(A) de
observação.(B) de socialização.(C) perdido.(D) de alegria.

5. O autor estabelece entre esse tempo e o nosso, uma relação de (A)


semelhança.(B) identidade.(C) inferioridade.(D) contraste.

6. Os pronomes presentes na frase «Se formos espreitá-las vê-las-emos


todas sentadas,» (linhas 34 e 35) constituem, mecanismos de construção
da coesão(A) frásica.(B) referencial.(C) temporal.(D) interfrásica.
7. A visão que o enunciador tem da humanidade, na sua relação com a
televisão, tal como exposta no ultimo parágrafo do texto, é de natureza(A)
irónica.(B) hiperbólica.(C) metafórica.(D) antitética.
8. Refere o valor modal presente na utilização do verbo poder no enunciado
«uma caixa, colocada estra-tegicamente em certo lugar do compartimento,
de onde todos a possam ver bem.» (linhas 36 e 37).
9. Indica a função sintática da oração subordinada presente na frase
complexa «verifico que todas as janelas estão fechadas»(linha 28).
10. Classifica a oração subordinada presente na frase complexa «Chego à
janela, nos dias que decor-rem,» (linhas 27 e 28)
GRUPO II
Lê o texto.

A Quinta da Alorna, em Almeirim, era e é ainda hoje uma vastíssima e bela


propriedade, uma das uma das melhores do país. Pertencera, até meados do século
XIX, aos Marqueses da Fronteira e da Alorna e deles tomara o nome. Adquirira-a por
essa altura o Visconde da Junqueira, magnate financeiro1nobilitado pela monarquia
liberal2. Ligado à indústria dos tabacos, tinha o novel titular3 fortuna suficiente para se
substituir, na posse das terras, à velha aristocracia carregada de títulos4 e aligeirada
de bens. [...]-

Pois foi para a Alorna, menina dos meus olhos – tão grande que eles não
puderam reter-lhe por muito tempo a imagem –, que partimos em caravana de
automóveis, mandados vir de Lisboa, da Companhia das Carruagens, dona dos
coupés usados pela família e agora já de alguns desses novos veículos motorizados
que ainda eram luxo de espantar pobres e remediados e até ricos pouco afeitos a tais
conquistas do progresso.
Levava quatro horas a viagem do Linhó até Almeirim, porque as estradas eram
de macadame6ruim, os automóveis de parca velocidade, diminuída ainda pelos
cuidados que exigia o transporte de minha avó, entrevada e dorida. No primeiro carro
seguiam a avó, a tia Jesuína, minha madrinha, uma criada, o Carlos Eugénio7 e eu. O
automóvel tinha a disposição interior do coupé, a mesma carrosserie escura e dois
assentos pequenos, por nós dois ocupados, em frente do banco traseiro. Portinholas
altas, com vidraça de correr na metade superior.
No segundo automóvel, gémeo do primeiro, seguiam as duas tias Isabéis, a do
Linhó, irmã da nossa avó, e a de Lisboa, filha mais nova desta; e também a Maria,
neta da falecida Mãe Carlota8, e outra criada.
Marchava lentamente a caravana, pelas estradas esburacadas e cheias de pó.
Eu falava todo o tempo e o Carlos Eugénio interrompia-me para me dar conselhos de
moderação ou para responder, com o seu saber privilegiado, às perguntas da minha
curiosidade. Com o aparelho metálico pesado que dava vida precária à sua perna
atrofiada pela paralisia infantil, ele sofria sem um queixume os incómodos da longa
viagem e dos solavancos frequentes. A nossa avó, que as tias e as criadas tinham
trazido ao colo até ao banco do automóvel donde ao fim das longas horas do trajeto a
tirariam, era pouco mais do que um molho de ossos minados pelo reumatismo
deformante, e a viagem era para ela uma via de sofrimento suportada com o
estoicismo da grande alma escondida em corpo tão minguado. Só eu tagarelava o
tempo todo, ante o sorriso benevolente da tia Jesuína e a repreensão delicada do
Carlos Eugénio.
A viagem fazia-se por Santarém, pois muitos anos ainda haviam de decorrer
antes de se construir a ponte de Vila Franca. Ao atravessarmos a velha ponte que liga
Santarém à margem esquerda do Tejo, via-se já, a despontar na terra baixa da
lezíria9, escassos quilómetros ao sul, o vulto branco do palácio da Alorna, meta da
nossa expedição. Passávamos por Almeirim e descíamos pela estrada que leva a
Benfica do Ribatejo. À direita abria-se, à nossa espera, o grande portão da quinta. Os
automóveis percorriam uma estreita alameda, torneavam o jardim cuidado. E paravam,
parecia que exaustos do esforço singular, em frente aos degraus onde o Dr. Mateus
Barbosa, administrador das propriedades desde o tempo da Condessa da Junqueira, a
governanta e toda a criadagem esperavam outra condessa que não tinha nem o saber
agronómico nem a autoridade daquela.
Joaquim Paço D’Arcos, Memórias da minha vida e do meu tempo, Lisboa,
Guimarães, 2013, pp. 81, 83 e 84.
1. Para responderes a cada um dos itens de 1.1 a 1.5, seleciona a
única opção que permite obter uma afirmação correta.
1.1 Os pronomes pessoais presentes em «Pertencera, até meados do
século XIX, aos Marqueses da Fronteira e da Alorna e deles tomara o
nome. Adquirira-a por essa altura o Visconde da Junquei-ra,» (linhas 2 e 3)
são mecanismos de construção da coesão(A) interfrásica. (B) referencial.
(C) lexical. (D) temporal
~

1.2 Com a frase «– tão grande que eles não puderam reter-lhe por muito
tempo a imagem –,» (linhas 7 e 8) o memorialista pretende (A) descrever a
imagem da quinta.(B) reforçar a importância da quinta.(C) acentuar a
dimensão da quinta.(D) especificar a localização da quinta.
1.3 Para justificar a lentidão da viagem entre Linhó e Almeirim, o autor
apresenta(A) dois motivos. (C) quatro motivos. (B) três motivos. (D) um só
motivo.
1.4 A expressão «sorriso benevolente» (linha 29) configura uma(A)
comparação. (C) sinestesia.(B) hipérbole. (D) personificação.
1.5 O texto termina com uma comparação entre duas condessas cuja
função é(A) engrandecer a segunda.(B) engrandecer a primeira.(C)
enaltecer a segunda.(D) diminuir a primeira.
2. Responde, de forma correta, aos itens apresentados.
2.1 Refere o valor aspetual presente no verbo levar no enunciado «Levava
quatro horas a viagem do Linhó até Almeirim» (linha 12).
2.2 Identifica a função sintática da expressão destacada em «Marchava
lentamente a caravana» (linha 21).
2.3 Indica o valor da oração subordinada presente na frase complexa
«Passávamos por Almeirim e descíamos pela estrada que leva a Benfica do
Ribatejo.» (linhas 34 e 35).
GRUPO II
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, seleciona a opção correta.
Lê o texto.

Chaves, 1 de setembro de 1983 – Os Russos abateram um avião civil coreano.


Duas centenas de inocentes assassinados a frio. É de arrepiar. Mas a humanidade
sempre praticou os mais bárbaros atos sem se importar com os juízos da História. Ela
sabe que a única certeza certa que cada geração tem é a de ser tão cavernícola1
como as precedentes. Chaves, 2 de setembro de 1983 – Disse-lhe: – As coisas boas
esquecem. As más é que não. É que só elas deixam cicatrizes.
Castañeda, Puebla de Sanabria2, Espanha, 6 de setembrode 1983 –
Novamente nestas alturas a refrescar os olhos deslumbrados na frescura do lago e, de
caminho, a aconchegar a alma pecadora na santidade socialista3 dum S. Martinho4 de
granito5 que, em terras de neve e vento, divide cristãmente o agasalho. Do pórtico
singelo6 de uma igreja românica, o seu exemplo inculca a única fé que nos não aliena.
Uma fé mais intencionada à nossa condição do que à nossa justificação. Fé que por
seus bons ofícios também devo ter recebido na pia batismal, já que me foi dado ver a
luz deste mundo num lugar encomendado à proteção beatífica desse cavaleiro
andante da fraternidade concreta. Circunstância feliz que não me canso de bendizer.
Sempre acreditei que um sangue honrado nas veias, uma bela paisagem nos olhos e
a bênção dum orago paradigmático8 ao nascer, mais do que bens passivos, que
qualquer frouxidão9 da vontade depois podia atraiçoar, eram dons ativos, em todas as
horas futuras imperativamente a determinar. O nosso destino é um rio com muitos
afluentes. E o seu curso pode alterar-se quando os mais impetuosos nascem dentro
de nós.

Pitões das Júnias, Barroso, 8 de setembro de 1983 – Só vistas, a aspereza


deste ermo10 e a pobreza do mosteiro desmantelado. Mas canta dia e noite, a correr
encostado às fundações do velho cenóbio beneditino11, um ribeiro lustral12. E o
asceta13 e o poeta que se digladiam em mim, de há muito peregrinos desta solidão,
mais uma vez se conciliam no mesmo impulso purificador, a invejar os monges felizes
que aqui humildemente penitenciaram o corpo rebelde e pacificaram a alma
atormentada. O corpo a magoar-se contrito14 no cilício15 quotidiano da realidade e a
alma a ouvir de antemão, enlevada, a música da eternidade.

S. Caetano, Chaves, 10 de setembro de 1983 – Sempre que venho dar largas


à imaginação neste recinto arqueológico, não deixo de me demorar algum tempo em
meditação junto do cemitério visigótico que mãos avisadas telharam16 e acautelaram.
Todas as campas estão abertas, sem vestígios mortais dentro. O que as torna mais
patéticas. O tempo, desde que tenha tempo, rói-nos tão completamente que não fica
de nós cisco17 de humanidade. Nem os epitáfios18 lhe resistem. E, no entanto, o
sepulcro onde um cadáver se desfez parece tocado de sacralidade. Habita-o não sei
que transcendência. E é essa presença ausente que me fascina em cada túmulo
vazio. É como se ele fosse um registo fossilizado da eternidade. [...]

S. Martinho de Anta19, 20 de setembro de 1983 – Há dias aqui, em retiro


espiritual, murado de silêncio. Medito, leio, observo. No intervalo, deixo que os
sentidos vadiem livremente no seio de uma natureza onde sempre se extasiam. O
mundo lá continua para além dos horizontes, irrespirável, feio e tirânico. É nele que
vivo habitual e publicamente, a fingir que sou como pareço e a constar assim nos
arquivos. Mas voltei-lhe costas novamente e, íntimo e verdadeiro, acrescento mais
algumas páginas caladas à minha biografia secreta. Não por ser inconfessável, mas
por ser incomunicável.
Miguel Torga, Diário, volumes XIII a XVI, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2011, pp. 132 a 134.
1. A propósito do facto de os passageiros de um avião terem sido assassinados, o
diarista acentua(A) a natureza desapiedada da humanidade.(B) o facto de a natureza
humana não mudar.(C) a capacidade de o homem matar o seu semelhante.(D) a sua
indignação perante o ocorrido.

2. Na entrada do diário do dia 2 de setembro de 1983, o diarista apresenta a


expressão(A) de uma alternativa através de uma metáfora.(B) de uma explicação
através de uma metáfora.(C) de uma possibilidade através de uma metáfora.(D) de um
contraste através de uma metáfora.

3. A expressão «Circunstância feliz» (linha 14) diz respeito ao facto de o diarista(A) ter
deparado com a estátua de S. Martinho.(B) ter apreciado o valor simbólico desta
estátua.(C) ter nascido no dia de S. Martinho.(D) admirar o exemplo de S. Martinho.

4. O diarista, perante o pequeno mosteiro arruinado de Pitões das Júnias e o ambiente


em que se integra, põe em evidência(A) um contraste.(B) uma identidade.(C) uma
contradição.(D) uma semelhança.

5. A propósito de uma visita a um «cemitério visigótico» (linha 27) o diarista reflete


sobre(A) a importância de se protegerem monumentos antigos.(B) o aspeto patético
das campas vazias.(C) a força do tempo, capaz de tudo apagar.(D) a força do tempo,
capaz de tudo transformar.

6. Os pronomes pessoais presentes em «É nele que vivo habitual e publicamente»


(linha 37) e «Mas voltei-lhe costas» (linha 38) são marcas de coesão(A) referencial.(B)
lexical.(C) frásica.(D) interfrásica.
7. A propósito da estadia na sua terra, o diarista confessa que (A) lá se sente num
ambiente propício à meditação.(B) prefere meditar noutros espaços que não a sua
terra.(C) é lá que se sente capaz de verdadeiramente se conhecer a si próprio.(D) é lá
que mais lhe apetece refletir sobre a vida.
8. Refere o valor aspetual do verbo abater no enunciado: «Os Russos abateram um
avião civil coreano» (linha 1).
9. Indica a função sintática da palavra destacada em «a alma a ouvir de antemão,
enlevada, a música da eternidade.» (linhas 24 e 25).
10. Classifica a primeira oração subordinada presente na entrada do diário do dia «10
de setembro de 1983».

Você também pode gostar