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Cartas para

Julietta
um impulso de saudade

13/08/16XX
Querida Julietta,
Não sei exatamente quando esta carta chegará em suas
mãos, mas é a terceira noite que passarei sem dormir ao seu
lado. Está sendo horrível. Espero que Ligeiro esteja te
protegendo agora que não estou aí. Me certifiquei de deixá-lo
bastante a par dos seus deveres agora que viajei, e se ele não
está cumprindo nenhum deles, você pode me deixar saber
quando eu voltar. Terei outra conversa com ele.
Estou chegando ao litoral do reino, mas se você quiser
imaginar o lugar preciso onde estou, essa pensão é muito pior
do que a que temos no vilarejo. Tem muito barulho, e os
lençóis são suspeitamente malcheirosos. Tenho sorte por ter
trago sua essência. Posso dormir melhor, e ao menos fingir
que você está comigo, que saiu do quarto por apenas um
instante e que deixou sua presença presa a mim com essas
rosas perfumando este cubículo. Mas não posso abusar. Vou
acabar gastando tudo antes que volte para você.
Ainda não cheguei a nenhum lugar interessante que
pudesse descrever, mas não se preocupe. Vou me certificar de
contar e enviar cada detalhe, toda segunda, só para garantir
que você receba minhas cartas ainda na mesma semana, se
possível. Pretendo cumprir minha promessa, meu bem. Não
sei nem ao menos o que dizer para você agora, sei que deveria
ter deixado passar mais alguns dias, mas o desejo que tive de
sentir que estou perto foi mais forte do que a consciência de
escrever só quando eu tivesse algo a contar. E espero que
você receba todas as palavras que vou dedicar a você. Além
do seu perfume, não tenho nada que me deixe perto além da
vontade de te ver de novo. Almejo conseguir fazê-lo o mais
rápido possível, e que esteja sentindo minha falta como sinto
a sua, mesmo que isso seja um pouco egoísta. Amo você,
Doce Julietta.

P.S.: você tem permissão para enxotar qualquer cliente


que passe de algum limite na taberna. E peça a Titus para
comprar as coisas que você quiser de noite. Lhe dê algumas
castanhas em troca.

K.W.
a primeira semana

18/08/16XX
Querida Julietta,
Antes de tudo, estou com saudades de você. Muita.
Talvez você não faça ideia do quanto, mas comecei a sonhar
com você todas as noites – o que eu espero que signifique
você está sonhando comigo também. Lembra do que disse a
você antes de partir? Talvez esteja funcionando. E, bem,
quanto ao conteúdo dos sonhos, espero contar a você cada
um deles em breve. E não pense besteiras, pelo menos não
sobre todos.
Torço para que você não deixe algum dos seus irmãos ler
esta carta.
Estou em Yorkshire, em Whitby, no litoral. Está bem
quente e cheguei tem dois dias. Vi a praia no caminho, e eu
estava certo: as ondas realmente me lembraram o seu cabelo.
Pode ser que talvez apenas seja a saudade, mas você vai
poder ver com seus próprios olhos quando eu trouxer você
aqui. Espero ganhar um beijo de recompensa, onde você ou
qualquer outra desculpe, minha saudade ultrapassa alguns
limites. Ganho o que você quiser me dar de recompensa,
amor. Pense com carinho.
Eu queria muito saber como você está, ou os outros. Não
conte a Jaime ou Hugh, mas até ser vigiado como um garoto
está me fazendo falta. Certamente mudarei de opinião
quando voltar, e talvez eu devesse riscar isso, mas vou
confiar em você. Espero que Jonathan e Nadinne estejam
bem, e Lydia e Raymond. Mande lembranças a todos por
mim. Sinto que Lydia vai ficar chateada se eu não lembrar
dela nem por um instante. Também imagino que agora ela
anda no seu pé, não é? Queria ter certeza das coisas ao invés
de apenas especular. Argh. Te culpo por amar tanto você, sua
pilantrinha. Nunca foi tão difícil ficar longe como agora.
Vou ficar em Whitby por mais alguns dias antes de partir
para Aldeburgh, que é tão quente quanto, mas as púmulas
estão sempre ótimas por aqui nessa época do ano, e torço
para que as sementes que tenho delas não sequem até eu
voltar. São ótimas para dor de cabeça, e um dos nossos
vizinhos do vilarejo parece me ver como uma divindade
sempre que levo um tônico disto a ele.
Ainda estou com saudade, Doce Julietta. Escrever para
você alivia por alguns instantes, mas em outros, só aumenta
a vontade de estar perto de novo. De dizer tudo
pessoalmente. Seria bem melhor se você estivesse aqui. Você
ia adorar a praia. Ou as senhoras daqui. Elas sempre estão
sorrindo, mas é o seu sorriso que eu queria ver agora. Ele é
lindo, assim como você inteira.
Ainda posso me portar como um príncipe mesmo estando
longe, está vendo só? Mais um motivo para a minha
recompensa ser... Como você quiser, é claro. As suas surpresas
sempre me fazem te adorar mais. Mas preciso ir agora,
princesa. Mal amanheceu, e um médico daqui me convidou
para uma conversa. Tenho que me apressar se quiser que esta
carta chegue a você o mais rápido possível.
Com saudades,
K. W.
a segunda semana

25/08/16XX
Minha amada Julietta,
Parece haver passado um século desde a última vez que a
vi, mas pelo modo como eu não conseguia ficar longe de você
quando estava por perto, estas duas semanas de fato tiveram
a duração de 100 anos. Às vezes preciso conter a vontade de
pegar minhas bagagens e mudar meu destino de viagem,
porém, você já deve me conhecer o bastante para saber que
seu noivo não costuma se desviar dos seus afazeres, não
dessa forma. Desculpe por não ser tão aventureiro pelo nosso
amor.
É noite, um momento em que é inevitável sentir sua falta,
mas o único instante em que posso parar e escrever para você.
A viagem é cansativa, no entanto, saber que você está
pensando em mim como penso em você é o bastante para
renovar minhas energias. Choveu pela tarde, e por apenas
alguns minutos perdi a chance de não ficar encharcado por
inteiro, foi até prazeroso. O filho do cocheiro pareceu achar
graça ao me ver completamente molhado, apesar de estar
também, e pude rir por alguns momentos. Falei que tinha
uma esposa, que ela era linda e que estava me esperando em
casa. Ele perguntou se ela teria alguma irmã mais nova.
Ficou muito insatisfeito ao saber que não. Tenho fortes
opiniões de que ele me pediria sua mão caso eu tivesse
mostrado um retrato seu, o pequeno abelhudo.
De qualquer jeito, não fiquei muito tempo em Aldeburgh.
Passei apenas duas noites lá antes de partir para Bath e,
depois de chegar, o que demorará mais alguns dias, irei até
Londres. Há sempre novidades por aqueles lados, detalharei
quando chegar na cidade. Não é como se eu pudesse pensar
muito sobre isso no momento. Estou me sentindo um tanto
melancólico demais para me concentrar em outra coisa que
não seja pensar em como você deve estar agora. Desculpe,
prometi contar mais detalhes da viagem, mas acho que você
irá gostar de saber que seu noivo está com tantas saudades
assim. Ou talvez seja porque está frio e noites frias são ainda
mais solitárias. Deixo você pensar o que quiser sobre isso.
Entretanto, inteirando você um pouco mais, Aldeburgh
estava particularmente movimentada este ano. Se parece
muito com Whitby com todo aquele clima úmido e pessoas
com rosto queimado, e é ainda mais ensolarada do que nosso
pequeno vilarejo. Experimentei um pequeno doce de lá
também. Você gosta de figo? Se sim, tenho certeza de que vai
adorar. Eu detestei, mas tentei ser educado enquanto aquela
mulher gorducha tentava me convencer a comprar mais dois.
Acho que não tive tanto sucesso assim em disfarçar meu
descontentamento.
Quando você viajar comigo, vou comprar todos os doces
que você desejar, e se não gostar de nenhum, compro
toneladas de manga para compensar. Você vai correr o risco
de enjoar. Ou não. Não consigo imaginar você enjoando de
comer mangas, mas veremos isso quando chegar a hora.
Estou ansioso por isso.
Com amor,
K. W.
a terceira semana

01/09/16XX
Minha cara e belíssima Julietta,
Antes de tudo, faço questão de registrar neste pergaminho
que amo você mais do que amava na semana anterior, e
certamente amarei você mais na semana que vem do que
agora, porque minha saudade será ainda maior. Só queria
deixar isso claro antes de prosseguir.
Bem, finalmente estou em Bath, e apesar de ter quase
certeza de que você gostaria de todos os lugares que
passaremos quando eu trouxer você, sinto que Bath lhe
encantaria um pouco mais do que o resto – pelo menos antes
de chegarmos em Londres. Okay, talvez eu também goste
daqui um pouco mais do que o resto, mas estou sendo
verdadeiro. Parece haver sempre algo novo para se ter aqui,
apesar do tamanho diminuto, e é cheio de lugares em que eu
teria o prazer de fazer você sentir-se uma princesa.
Simplesmente não posso descrever para você aqui, amor.
Você vai ter que esperar até o próximo ano para ver com seus
próprios olhos.
Mas, apesar do encanto, acabei tendo de relembrar meu
ofício ainda no caminho para cá. Havia um garoto com crises
de tosse na hospedaria ontem, e ajudei-o até que ele pareceu
sentir-se melhor. Esta manhã até recebi rebuçados e mais um
pão de presente, e estou realmente satisfeito. Até pensei em
me exibir para você, mas acho que Nadinne está sendo boa
até demais e enchendo você de guloseimas, não é? Bendita
menina. Como vou sobreviver por mais algumas semanas sem
saber se arranquei um daqueles seus sorrisos enviesados?
Pois fique sabendo que os rebuçados estavam uma delícia.
Estou com tantas saudades, minha Doce Julietta.
Gostaria de saber como você anda, se está se alimentando
bem. Gostaria de saber se você está feliz, nem que fosse um
pouco. Sinto falta de dormir com você ao meu lado, e
especialmente do que fazíamos antes de dormir, nem que
fosse apenas abraçá-la, ou tentar não jogar maldições ao
vento pelo que você me causava (e você sabe muito do que
estou falando). Não esqueci nenhuma das promessas que fiz
a você, e nem as que você fez para mim.
Novamente, espero que você não permita que nenhum dos
seus irmãos leia esta carta. A taberna não seria um bom
lugar para morar agora.
Gostaria de saber como andam Nadinne e Jonathan. Já
começaram os preparativos do casamento ou Moustache
ainda está tentando fazê-lo desistir? Bem, você terá de
contar tudo a mim quando eu retornar. Mande lembranças a
todos.
Terei de me despedir agora, meu bem. A luz do candelabro
está apagando, e preciso descansar para evitar a exaustão e
voltar o mais rápido para você.
Com saudades,
K. W.
a quarta semana

08/09/16XX
Minha amada Julietta,
Espero que o mensageiro entregue-a esta carta logo pela
manhã, e também espero que também tenha acabado de
acordar, só para que possa me imaginar dando-lhe um beijo
no seu rosto, vermelho e adorável, como sei que fica logo
cedo.
Estou escrevendo pela manhã também. Na verdade, o dia
mal raiou, mas eu estava animado para contar-lhe as
novidades. Finalmente estou em Londres, na capital, e aqui
é tão movimentado quanto lembro de anos atrás. A viagem é
cansativa, e embora eu tenha enchido seus olhos na carta
anterior, estar aqui é revigorante, talvez movimentado
demais, mas era de se esperar. Sinto que você iria amar vir
aqui, e todos que a vissem amariam conhecê-la – talvez eu
fique até um tanto enciumado, você vai ter que me aguentar
ao seu lado o tempo inteiro, só para que saibam eu a
encontrei primeiro e que você é minha esposa. Espero que já
tenhamos casado até lá.
Mas deixe-me contar. Cheguei duas noites atrás, mas perdi
tempo demais dormindo e precisei gastar o resto do dia
inteiro de ontem caçando meus afazeres, e então, no
finalzinho da tarde, creio terem se informado da presença do
novo forasteiro e me mandado um convite para o congresso!
Haverão muitos médicos por lá, e embora eu já tenha ido,
todos olharam-me como se eu fosse jovem e inexperiente
demais para merecer um pouco de atenção, então, na vez
seguinte, acabei declinando também. Você acha que será
melhor desta vez, meu bem? Espero que sim. As coisas não
são tão divertidas ou interessantes quando se é ignorado a
maior parte do tempo. Não que eu esteja muito mais velho,
mas ser otimista sempre é bom. O congresso é hoje a noite
(cheguei a tempo, o que é uma sorte) então aguardarei e
terminarei de escrever para você assim que chegar. Espero
que tudo ocorra bem.

Meu bem, cheguei a pouco, e embora meu corpo esteja


implorando por descanso, eu precisava contar a você: foi
ótimo. Haviam mais outros jovens médicos com quem pude
me enturmar, e embora os mais velhos ainda aparentassem
receio conosco, nos demos muito bem. Conversamos e
discutimos sobre nossas experiencias e descobertas, e irei me
certificar de aplicar tudo o que aprendi quando retornar ao
vilarejo.
E adivinhe só, meu doce, havia uma médica também. Foi
inevitável não lembrar de vovó – e de você. Mas, diferente
de vovó, ela também recebera estudos como eu. Seu nome é
Hansie Goodend, e ainda que seja um pouco mais velha, fora
o primeiro congresso a qual fora convidada. Não sei se sua
experiência pudera ser tão boa quanto ela imaginava, mas sei
que você iria amar conhecê-la. Contei de você para ela, que
você um dia irá me acompanhar, e embora tenha rido,
mandou-me dizer que um espírito feminino é o que falta para
dar um toque especial em qualquer lugar. Também disse que
iria ficar agraciada em conhecer você, e que podemos visitá-
la da próxima vez que viermos juntos. Ela mora por estas
bandas desde que nasceu.
E, meu bem, toda aquela conversa quase me fez dizer que
fiquei a um triz de sequestrar você para estar aqui comigo.
Espero que as coisas por aí estejam bem. Mande
lembranças aos seus irmãos e ao seu pai, só para que não
pensem que sou tão ingrato. Também mande lembranças ao
seus lábios, que estou morrendo de saudades de beijar. Não
achei que abstinência por distância pudesse enlouquecer
alguém, mas é isso: sinto que irei perder as estribeiras se ficar
mais tempo longe de você, mais ainda do que o necessário.
Ainda uso sua essência em meu travesseiro ao dormir, sabia?
Não sei se devia contar coisas como essa para você, mas um
homem ainda pode sentir grandes saudades de sua noiva, não
é?
Sinto saudades de conversar com você, ouvir sua voz,
beijar sua pele e todas essas coisas. Entende o que fez
comigo, Doce Julietta? Não largarei você um segundo sequer
quando retornar, e se você pensar em reclamar, grudo em
você duas vezes mais. Você não poderá me culpar por nada,
porque é completamente culpa sua ser tão apaixonante. Puff.
Estou bravo. Isso não é nada emocionante como fazem
parecer as histórias de amor que leem por aí. E é melhor eu
parar antes que comece a reclamar por todas as coisas que
não podemos mudar.
Ah! Antes de tudo, encontrei algo para mostrar para você.
É um termômetro, e o usam para medir a temperatura das
coisas. Não é fascinante, meu bem? Um físico importante
inventou há alguns anos, mas ainda não haviam mostrado a
ninguém, e um dos senhores até fantasiou poder usá-lo em
pessoas, mas, por enquanto, permaneceremos usando-o para
medir ambientes. Vou mostrar para você, meu bem,
especialmente se até eu for embora descubram, por ventura,
como fazê-lo em pacientes. Gostaria de ser bom em desenhos,
mas não sou, então você terá de aguardar para ver.
Com muitas saudade,
seu K. W.
a quinta semana

15/09/16XX
Querida Julietta,
O congresso que participei durou mais dois dias apenas, e
embora tenha sido convidado a permanecer por mais alguns
dias e visitar mais alguns senhores do que o fiz – todos
bastante experientes e acolhedores, por sorte -, não pude
aceitar. Declinei os convites restantes, e sinto prazer em
dizer-lhe que estou retornando para Bath, só para refazer
todo aquele caminho e enfim voltar para você. Estou tão
aliviado, Doce Julietta, mas não se preocupe, continuarei
escrevendo-a por todas as semanas que ainda restarem entre
nós, para que você sinta que, a cada carta que chegar a você,
estarei cada dia mais próximo.
Ainda estou em Londres, ,mas partirei com a carruagem
logo pelos meados de amanhã. Estou cansado, mas animado
que a verei novamente em breve. Poucas semanas nos
separam, meu amor, e talvez, quando essa carta chegar até
você, menos ainda do que você estará esperando.
Lembra-se de Hansie? Também visitei-a nos dias em que
permaneci por aqui. Ela e o marido, Albert, receberam-me
muito bem em sua casa. Eles não tem filhos, e não sei se um
dia pretendem tê-los, mas me garantiram novamente que, se
um dia eu necessitar de uma hospedagem com você, suas
portas estarão sempre abertas e espaço não irá faltar. Achei-
os de uma gentileza ímpar, mas não sei se, até o dia que isso
acontecer, gostarei de dividir você tanto assim.
Sim, meu bem, ainda penso que ficarei grudado em você por
todo o tempo, mas talvez você já esteja cansada de ler sobre
o homem bobo que seu noivo é, e como não posso saber como
você está, torço para que esteja tudo bem. Londres é grande
demais para que um cavalheiro a explore apenas com a
própria presença, mas, se você quer saber, anotei algumas
coisas que talvez você fosse gostar:
- Há muitas senhoras com vestidos pomposos, mas não acho
que as perucas as valorizem tanto assim. Saiba de antemão
que, se você gostar de algum peruca como as delas, irei rir
enquanto você a colocar.
- As igrejas são lindas. Sei que você vai adorar visitar todas
que encontrar, tão diferentes da capela simples do vilarejo.
- Em toda a cidade, em todos os lugares que passei, você
permanece sendo a mulher mais bonita em que já pude
colocar meus olhos.
- Os casarões também são bastante esplendorosos.
- A cada docinho de fruta vendido em cada esquina que
passei (e foram muitos), lembrava de você, mesmo que não
houvessem doces com mangas a se vender.
E uma última coisa, ainda que ela não tenha nada a ver
com Londres: vou fazer de tudo para chegar em uma quinta-
feira, para encontrar você na entrada do vilarejo, mas como
ainda não posso prever minhas condições de viagem, saiba
que farei de tudo para seu rosto ser o primeiro que irei
enxergar quando retornar.
Em breve com você,
K. W.
a sexta semana

24/09/16XX
Minha bela Julietta,
Neste instante em que me encontro, escrevo das janelas da
pensãozinha em que me hospedei, esperando que você esteja
dormindo bem agora. Não sei que horas são exatamente, e sei
que você provavelmente receberá esta carta quando o sol
ainda estiver alto no céu, mas imaginar o que você está
fazendo é reconfortante demais para não o fazer a cada
oportunidade.
Devidos a algumas intempéries, necessitamos de parar por
alguns dias com a viagem, mas não se preocupe, meu bem.
Serão poucos o bastante para você mal notá-los, e eles não
farão diferença quando eu enfim estiver com você outra vez.
A cama é confortável o suficiente para que eu consiga dormir
bem, e estarei energizado para abraçar você bem apertado
daqui poucas semanas.
Se puder, mande lembranças aos seus irmãos e ao seu pai.
Sei que eles o fizeram sua vida inteira – assim como você
também cuidou deles –, mas fico ainda mais aliviada com
tantos homens fortes zelando por você. Vou ficar muito forte
também, Doce Julietta, e então você vai dizer muitas coisas
e fazer mil brincadeiras sobre o quão malhado seu homem
acabou se tornando. Espero só. Vou erguer você em meus
braços e carregá-la por todos os cantos desse mundo para que
não nos separemos novamente.
Espero que esteja se alimentando bem, dormindo bem.
Sorrindo com Nadinne ou com qualquer um que mereça seu
sorriso. Fiquei curioso sobre como as coisas andam na
taberna, mas confio que você, tão inteligente e habilidosa,
esteja fazendo um ótimo trabalho. Talvez até melhor do que
o meu. Talvez os clientes queiram apenas você a partir de
agora, e então poderei ficar sentado por tardes inteiras
apenas observando minha linda esposa trabalhando. Não,
amor, isso não irá acontecer. E mesmo que eles prefiram você,
vou estar lá para atazaná-los e eles terão que me aguentar.
Também vou estar lá para roubar muitos beijos seus, mas isso
você já devia saber.
Estou indo deitar agora, Doce Julietta. Não esqueça de
ficar bem, e se você de fato receber esta carta pela manhã –
ou, numa sorte, nos fins da tarde para a noite, só para
efeitos mais dramáticos – saiba que sonharei com você por
noites inteiras até por fim nos encontrarmos.
Com amor,
K. W.
a sétima semana

A carta que nunca

chegou.
Minha amada Julietta,
Sinto dizer, mas acredito ter que adiar minha volta por
mais alguns dias. Já tem algumas noites que não estou muito
bem, mas não s procupe, logo estarei melhor para o meu
retorno. Realmente lameto ter de adiar noso encontro por
mais alguns dias, mas serão poucos, apenas mais alguns, o
bastante para que eu
Em uma cidade qualquer, em um dia final de
setembro de mil seiscentos e...

Kieran tentou, realmente tentou, mas não conseguiu


simplesmente dizer para Julietta que... que se sentia
péssimo.
Se sentia péssimo haviam muitos dias, mas não
confidenciara a ninguém, e estava tão abatido que
precisara parar em uma cidade qualquer porque mal
conseguira seguir a viagem sem sentir o próprio corpo
implorar por uma cama. No começo, achou que seria
apenas um leve resfriado ou uma fadiga devido à
exaustão da viagem, então não contou. Não possuía
coragem e, nos primeiros dias, nem via razão. Por que
preocupá-la estando tão longe? Provavelmente já estaria
melhor quando chegasse.
Mas, então, Kieran não melhorou. Piorara tanto que
passara dias inteiros sem a mínima vontade de levantar
do colchão. Piorara tanto que, agora que finalmente
criara coragem para contar-lhe de sua situação, não
conseguira fazer nada além de errar palavras e não
formular explicações. A pena caiu de sua mão, e Kieran
levantou, exausto. Terminava depois e deixaria Julietta
a par da situação. Era simples. A dona da pensão já
chamara haviam poucos minutos para o jantar, e ele
passou a mão na testa fria – mas, de algum jeito, ainda
suada – antes que tossisse e arrastasse o corpo para a
porta. Ah, a tosse. A dor de cabeça. O esforço ao
simplesmente respirar. Kieran estava com medo, mas
iria melhorar. Tinha de melhorar. Precisava voltar para
Julietta, sua noiva, sua esposa... Necessitava de
descanso, era disso o que ele precisava. De descanso e da
boa sopa repleta de legumes que a cozinheira preparara.
Kieran suspirou, os passos lentos ao descer as escadas.
Eram tão, tão longas... e tudo estava tão embaçado... O
mundo girava, e não devia. Kieran sabia disso. Sua
visão pareceu um borrão de repente e, quando chegou ao
último degrau, todo o escasso ar que o habitava pareceu
simplesmente sumir de seus pulmões.
Kieran não aguentou.
As mãos afrouxaram-se do corrimão, as pálpebras
despencaram sobre os olhos embaçados e com um último
passo desorientado em direção a sala de jantar, Kieran
caiu. O mundo tornou-se escuro e sombrio por segundos
intermináveis antes que sua consciência se perdesse por
completo.

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