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Materiais Didáticos
GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Rosinha Garotinho
SUBSECRETARIA ADJUNTA DE
PLANEJAMENTO PEDAGÓGICO
Alba Rodrigues Cruz
GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
EQUIPE TÉCNICA
Celia Maria Penedo
Esther Santos Ferreira Monteiro
Flávia Monteiro de Barros
Hilton Miguel de Castro Júnior
Maria da Glória R. V. Della Fávera
Roseni Silvado Cardoso
Tânia Jacinta Barbosa
Materiais Didáticos
Direção Geral
Profª. Ângela Rocha
Doutora em Matemática – Instituto de Matemática da UFRJ
Coordenação Geral
Profª. Maria Cristina Rigoni Costa
Doutora em Língua Portuguesa – Faculdade de Letras da UFRJ
Professor Orientador
Prof. Fernando Santoro
Doutor em Filosofia - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro) fsantoro@ifcs.ufrj.br
Professores Autores
Ana Cláudia de Freitas Bucker C.E. Teotônio Brandão Vilela
Ana Regina Prazeres Lemos C.E. Prefeiro Mendes de Moraes (anarprazeres@bol.com.br)
Ângela de Assis Melo C.E. Prof. Alcina Rodrigues Lima
Angélica Domingues dos Santos Figueira CIEP-275 Lenine Cortes Falante
Daniel Vieira Inácio CIEP-175 José Lins do Rego (danvinacio@yahoo.com.br)
Devanir Rodrigues de Campos C.E. Visconde de Itaboraí (devanir-campos@ig.com.br)
Dora Maria Couto Marques Cardozo I.E. Rangel Pestana
Idali da Rocha Silva CIEP-275 Lenine Cortes Falante
Iza Maria dos Santos C.E. Nilo Peçanha
José Augusto da Silva Santos Júnior E.E. Prof. Hennry de Mendonça Gama
José Manoel Tiago Bessa da Costa C.E. Conselheiro Macedo Soares
Jussara Azevedo da Silva C.E. Teotônio Brandão Vilela
Maria Tereza Marcelino C.E. José Fonseca
Patrícia Pereira Consendey CIEP-274 Lenine Cortes Falante
Rachel Audízio Miranda Mota CIEP-275 Lenine Cortes Falante
Sérgio Lúcio Garcia Ramos E.E.E.S. Jornalista Orlando Dantas
APRESENTAÇÃO
A Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro apresenta a segunda versão do
documento de Reorientação Curricular. A elaboração deste documento encerrou vários
desafios. Foi preciso considerar a diversidade de níveis e modalidades de ensino, as diretrizes
da política educacional e, sobretudo, a participação dos professores regentes, pois acreditamos
que a realidade das escolas e as práticas docentes constituem o ponto de partida de qualquer
reflexão curricular. Para tanto, foi estabelecido um planejamento criterioso que atendesse às
diversas especificidades.
Assim, no ano de 2004, foram constituídos grupos de trabalho compostos por consultores
de instituições de ensino superior e professores de escolas da Rede Estadual de Ensino, sob
a coordenação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O objetivo fora elaborar
um documento para cada área de conhecimento, dos diferentes níveis e modalidades de
ensino: Fundamental (5ª a 8ª séries), Médio, Normal e Jovens e Adultos (5ª a 8ª fases e Ensino
Médio).
A primeira versão deste documento foi apresentada aos professores para debate em workshop
realizado em novembro de 2004. Objetivando ampliar as discussões, a proposta foi enviada
para todas as escolas, acompanhada de um formulário específico para avaliação. A SEE/RJ
recebeu cerca de 8000 questionários, encaminhados pelos professores, com sugestões e críticas.
A incorporação destas contribuições, associada à revisão realizada pelos especialistas, resultou
na segunda versão do documento que está sendo entregue ao corpo docente, neste início do
ano letivo de 2005. Durante todo o ano, os professores terão oportunidade de desenvolver e
avaliar a proposta em seu cotidiano, podendo enviar subsídios que serão consolidados em um
documento final.
Claudio Mendonça
Sumário
Apresentação
das reflexões e sugestões
didáticas para o curso de
Filosofia no Ensino Médio
Janeiro de 2006
Filosofia
Muitos dos artigos e das propostas surgiram orientados, seja para atender algum dos objetivos
dos parâmetros curriculares, seja para enfrentar dificuldades experimentadas na sala de aula.
Duas idéias percorreram quase todas as avaliações e sugestões didáticas: primeiro, o objetivo
de buscar uma formação humanista e cidadã (contra a idéia de uma educação meramente
informativa); segundo, a ênfase no caminho da interdisciplinaridade, tanto no diálogo transversal
com outras disciplinas escolares, quanto no uso de meios de expressão diversos, não restritos
ao universo dos textos filosóficos.
Apresentação 15
Os três primeiros artigos são bastante representativos da discussão geral empreendida e
discutem e sustentam os princípios de todas as sugestões didáticas, tanto as suas quanto as
dos demais artigos. O primeiro, de José Manoel da Costa e Ana Regina Lemos, apresenta
os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, já na perspectiva de sua
aplicação em sala de aula. O segundo artigo, de Sérgio Ramos, propõe um dialogo sobre as
diversas transversalidades possíveis no ensino de Filosofia e apresenta alguns exemplos de
atividades didáticas. O terceiro, de Daniel Inácio, ressalta a importância da preocupação com
a formação da cidadania no ensino de Filosofia e também propõe práticas para a sala de
aula.
Durante o período dos encontros, aconteceu, paralelamente, uma discussão, promovida pelo
Departamento de Filosofia da UFRJ, sobre as formas de implementação da prova de Filosofia
no vestibular. Foi feita uma ponte entre os dois foros de discussão, o que contribuiu para o
amadurecimento da questão em ambos. Por conta desta interação, acrescentamos um artigo
sobre o Ensino Médio e a prova de Filosofia no vestibular.
Nem seria preciso lembrar que estas atividades são apenas algumas poucas sugestões
repertoriadas nas experiências de um pequeno universo de professores, ainda que bastante
representativo; elas devem servir para atiçar a imaginação de todos nós, professores de Filosofia,
na lida com os estudantes. Os professores podem e devem usar, inverter, transformar, recriar
suas próprias atividades, segundo seu repertório filosófico e cultural e, sobretudo, segundo as
características de recepção dos estudantes da sua escola.
Fernando Santoro
Reflexões Iniciais
Interpretando para a sala de
aula os Parâmetros Curriculares
Nacionais referentes à Filosofia
Janeiro de 2006
Filosofia
Resumo
Leitura dos principais valores, instrumentos e metas, apontados
pela legislação dos Parâmetros Curriculares Nacionais referentes
ao estudo de Filosofia no Ensino Médio. Considerações sobre o
modo de aplicá-los à sala de aula.
O Ensino Médio, como parte da educação básica, deve educar todo jovem brasileiro e tem
como fundamento: formar e orientar o cidadão para suplantar obstáculos e obter uma vida
adulta equilibrada, solidária e feliz. A Lei de Diretrizes e Bases estabelece, no Artigo 35, como
finalidades do Ensino Médio:
• a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino
fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos (inciso I);
• a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar
aprendendo (inciso II);
• o aprimoramento do educando, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da
autonomia intelectual do pensamento crítico (inciso III);
• a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos
(inciso IV).
Por essa razão, propõe-se um currículo que tenha como precedência as competências básicas
e não o acúmulo de informações. Um currículo que esteja inserido nos contextos culturais,
éticos e sociais em que o aluno se desenvolve e não restrito a um repertório unificado de textos
e formulações.
A LDB procura indicar o que é relevante aprender com a Filosofia, extraindo, do enorme
universo de conhecimentos filosóficos, aquilo que pode ser desenvolvido para o aluno do Ensino
Médio, enfatizando a forma da atitude e atividade filosófica mais do que um conhecimento de
doutrinas abstratas.
Para desempenhar este exercício pleno da cidadania, entendida como horizonte de consumação
das virtudes humanas, surge o papel essencial da Filosofia numa formação humanista integral
que “costura os pedaços” do agir e do saber, numa visão mais ampla e crítica dos vários
conhecimentos específicos e especializados produzidos pelo ser humano.
Reflexões Iniciais 19
Conforme indicado expressamente pela resolução 03/98, a saber, no § 2º alínea b, art. 10:
“As propostas pedagógicas das escolas deverão assegurar tratamento interdisciplinar e
contextualizado para os conhecimentos de Filosofia”.
Por outro lado, não se pode esquecer o caráter histórico cultural da Filosofia, que nos remete às
origens de nossa civilização. A Filosofia surge no amplo diálogo da praça pública grega, onde
cada cidadão podia se pronunciar, gerando, dessa forma, a possibilidade de cada habitante
da cidade desenvolver o espírito crítico com o diálogo e o debate daquilo que era melhor
para cada um e para a cidade. Nesse ponto, ressaltamos o papel da Filosofia na sua natureza
reflexiva, aflorando a capacidade de o homem pensar e avaliar a sua condição e suas
relações com os outros e com o mundo em sua totalidade.
“Observadas as diferenças de intenção nas várias abordagens filosóficas, o conceito de
reflexão, em geral, abarca duas dimensões distintas, que freqüentemente se confundem:
a reconstrução (racional), quando o exame analítico se volta para as condições de
possibilidade de competências cognitivas, lingüísticas e de ação (...); a crítica, quando
a reflexão se volta para os modelos de percepção e ação compulsivamente restritos,
pelos quais, em nossos processos de formação individual ou coletiva, nos iludimos a nós
mesmos e, por um esforço de análise, consegue flagrá-los em sua parcialidade”.
“(...) Aliás, é fundamental para esta proposta que ele (o professor) tenha feita a sua escolha
categorial e axiológica a partir da qual lê e entende o mundo, pensa e ensina.”
Cada professor de Filosofia já possui um modo determinado de pensar, segundo a sua opção,
que ele considera justificada e com a qual ele lê e entende o mundo. Essa condição é suposta
como ponto de partida, consolidada pela formação cultural necessária do professor, mas não
implica em um uso doutrinário. Ao contrário, são justamente esses valores e categorias trazidos
pelo professor, junto com os trazidos pelos seus alunos, que devem dar início à reflexão e
serem, ao longo do curso, esclarecidos, avaliados, analisados, debatidos, sustentados e criticados.
Assim, o aluno deve desenvolver a capacidade de analisar e avaliar quaisquer posições, valores
e argumentos, com os quais ele convive normalmente, muitas vezes apresentados na lida
quotidiana de forma parcial, intolerante, ideológica e mesmo falaciosa.
A Filosofia aponta para a formação básica do aluno no Ensino Médio como cidadão, expresso
nesta Resolução, aprofundando três dimensões da totalidade do ser humano: a Ética, a
Estética e a Política.
Tais valores projetam um fundo de valores e atitudes, um ethos como base de formação da
pessoa humana, salientando as dimensões da sensibilidade para a diversidade cultural, da
responsabilidade e integridade nas atitudes e da participação cidadã, que devem permear a
vivência escolar. Isto ultrapassa a idéia de educação meramente informativa, meramente voltada
para a aquisição de conhecimentos. Assim, a aula de Filosofia, não apenas se serve do amplo
espectro da cultura para introduzir as especificidades próprias da sua disciplina; mas interage
Reflexões Iniciais 21
com essa cultura circundante, refletindo sobre seus valores enquanto os apresenta e aprecia. O
que se pretende é a formação autônoma do caráter, o reconhecimento dos direitos humanos
e o desenvolvimento da sensibilidade “na igualdade do acesso aos bens naturais e culturais”
(p.332).
Alem disso, é comum a pergunta “Para quê Filosofia?”. Já se pode sentir, na lida com os jovens,
os pressupostos de uma ética utilitarista que não percebe os valores autônomos da reflexão, do
conhecimento, da fruição cultural. Pressupostos que vêem a escola como mera capacitação para
o mercado de trabalho e têm dificuldade de perceber uma experiência de formação humana
integral, de pensamento livre, de prazer com as produções culturais.
Referências bibliográficas
Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio (Orientações
Educacionais Complementares). www.mec.gov.br, 2005.
Reflexões Iniciais 23
Filosofia
Transversalidade
no ensino de
Filosofia
Janeiro de 2006
Filosofia
Resumo
Discussão sobre a transdisciplinaridade no ensino da Filosofia,
seus obstáculos, suas vantagens, sua adequação aos valores
de formação humanista e cidadã, prescritos pelos Parâmetros
Curriculares do ensino de Filosofia. Algumas sugestões para
situar o ensino de Filosofia no contexto social e cultural do
estudante.
1. Introdução
Em algumas situações, o maior desafio de escrever um texto não está na seleção ou na
especificação de seu conteúdo, mas na maneira de escrevê-lo. Responder adequadamente à
pergunta do como escrever constitui o primeiro e mais significativo passo para se definir que
tipo de relação se quer ter com o leitor. Entre quem escreve e a palavra escrita, há sempre
uma conversa silenciosa com quem a lerá. E assim, mesmo antes de ler um texto, o leitor já
esteve presente em sua concepção, como um elemento desafiador e questionador que alavanca
a produção. E, para esse texto em especial, há um fator que aprofunda a necessidade desse
diálogo: ele se destina a semelhantes, vai de professores para professores. Talvez, por isso, o
clima de conversa precise ser mais cuidadosamente cultivado. Portanto, caros leitores, sintam-
se convidados a um daqueles papos na sala de professores, onde o magistério acontece como
troca de experiências.
Não é de hoje que nós, professores, nos vemos às voltas com a temática da transdisciplinaridade,
como quem carrega uma difícil tarefa, muito alardeada e pouco realizada. E, mesmo para
aqueles que a vêem como uma grande oportunidade para a reformulação do fazer pedagógico,
não há como negar que, em muitas situações, ela parece ser um desafio maior do que as nossas
possibilidades de ação. Com efeito, a Escola é uma instituição social e, como tal, está sempre
em contato muito estreito com as demandas de uma sociedade em contínua transformação.
Dependendo da escola e do contexto cultural e social específico no qual ela se encontra,
percebemos a dificuldade de estabelecer um diálogo direto e efetivo com essas transformações.
O que este trabalho pretende mostrar é que esse desafio cotidiano tem, como principal
trincheira, não o que está fora dos muros da escola, mas, sim, dentro deles. A frase acima de
Merleau-Ponty nos aponta este caminho: reaprender a ver.
O frenético ritmo das mudanças culturais e sociais mundiais, ocorridas, sobretudo, na segunda
metade do século passado, estabeleceu a necessidade de novos rumos para os fazeres didático-
pedagógicos. Muitas e diversificadas foram as propostas teóricas que se apresentaram em nossa
área e se colocaram sobre nossa mesa. Embora cada uma com sua peculiaridade conceitual, de
Contudo, há mesmo uma enorme distância entre teoria e prática, e nós, que somos a escola,
estamos situados no meio, para desfazer essa distância. Árdua tarefa? Com certeza. Mas, assim
como caju que não tem cica, escola sem utopia não tem a menor graça. E cá estamos nós em
nossa tarefa diária de superação, buscando novos olhares ou, como afirmou Merleau-Ponty,
reaprendendo a ver.
O foco em quem aprende e não mais em quem ensina trouxe-nos uma nova LDB, preocupada
com a formação cidadã e a autonomia crítica e intelectual do aluno, colocando de vez, como
prioridade, a questão metodológica da prática escolar. Não mais o quê? mas como?. Nesse
contexto é que aparece a Filosofia no currículo do Ensino Médio. Não são raros os momentos
em que, na leitura dos PCNEM, percebemos toda a expectativa que o legislador debruça sobre
essa inclusão. Por exemplo: “...enquanto os temas de ética e cidadania bordejam as demais disciplinas
como reflexão transversal, no ensino da Filosofia esses temas podem constituir os eixos principais do conteúdo
programático”. Essa enorme responsabilidade integradora colocada para nós, professores de
Filosofia, ou filósofos-educadores, como prefere nos denominar o texto dos PCNEM, resulta
numa imensa oportunidade de mostrar, na prática, toda a vitalidade do pensar filosófico e
sua importância curricular. Inclusive se, futuramente, quisermos demonstrar a necessidade de
adotar a Filosofia em todas as séries do Ensino Médio, e não mais apenas na primeira, ou até
mesmo no segundo segmento do Ensino Fundamental, o que, desde já, nos parece razoável.
Desde os seus primórdios, já na Grécia Clássica, a Filosofia nasce e se desenvolve tendo como
principal objetivo o que Platão denomina conversão da alma. Contudo, essa tarefa não se conclui
pela visão absoluta de uma verdade, mas pela reorientação do olhar. Em suas palavras, na
República: “...ela (a Filosofia) não consiste em dar a vista ao órgão da alma, pois que este já a
possui; mas como ele está mal disposto e não olha para onde deveria, a educação se esforça
por levá-lo à boa direção”.
Esse foco, não no que se vê, mas no olhar que liberta, como expresso no Mito da Caverna,
está presente não só em Platão, mas em toda a História da Filosofia; na concepção de Merleau-
Ponty, anteriormente citada, ou mesmo na idéia de Adorno de que o problema filosófico é
uma ferida aberta no tempo. E nesse sentido é que os PCNEM admitem a impossibilidade de
definir saberes oficiais para a disciplina da Filosofia, estabelecendo como norte pedagógico não
conteúdos específicos, como nas outras disciplinas, mas o desenvolvimento de competências
como a leitura significativa, o debate argumentativo e a reflexão crítica.
Todas essas metas, colocadas como objetivos operacionais para nós, professores, estão
fundamentadas na intensidade da relação que o aluno adquirirá com a leitura e a capacidade
de compreensão e interpretação. Como pensar fora da linguagem, se nos nossos mais
despretensiosos pensamentos ela se apresenta como liberdade e limite, simultaneamente?
Limite do que pode ser dito e liberdade de expressar-se dizendo. É preciso então fazer com
que o aluno descubra na linguagem uma porta pela qual ele abra para si a sua realidade, onde
ele se coloque inteiro, de forma crítica e interpretativa. Nesse sentido é que os PCNEM, em
suas orientações educacionais complementares, apresentam, como a principal ferramenta
pedagógica a ser utilizada, a leitura significativa de textos, filosóficos ou não, contanto que
estes últimos sejam abordados dentro do espectro conceitual da disciplina. E, de fato, sem a
perspectiva da formação de um leitor ativo não há possibilidade de formação cidadã. O ato de
ler tem que promover a significação do mundo e da vida. Deve despertar um certo incômodo
para com a realidade, que leve o aluno a superar o conhecimento que traz dela previamente,
colocando para si o desafio da reflexão e da descoberta. Deve buscar a contextualização do
texto filosófico com a sua realidade de vida.
Assim como música e dança são dimensões que se condensam de forma complementar,
também a escrita se coloca como movimento que complementa a leitura. Além de um momento
de intimidade com a reflexão, alavancado pela necessidade de produzir um texto, escrever
promove a organização das idéias no sentido do desdobramento e do aprofundamento de um
pensamento. Contudo, sabemos das adversidades que a realidade escolar nos apresenta. Não
é incomum, principalmente para nós, professores da primeira série do Ensino Médio, receber
alunos que beiram o analfabetismo funcional. E aí, o que fazer? Em primeiro lugar, não desistir
do desafio. Avaliar o aluno pelo que ele construiu ao longo do ano letivo. Estimulá-lo à prática
do debate em grupo para promover a capacidade de se fazer entender e de participar. Depois,
colocá-lo para escrever o que pensou e falou, estimulando o desafio da coerência escrita.
Dependendo da deficiência com que se está trabalhando, o crescimento do aluno pode não vir
a ser percebido em uma ou duas aulas apenas, mas, com uma boa dose de insistência e estímulo,
ele certamente ocorrerá. Lembremos: não se constrói o leitor sem o gosto pela leitura, nem a
capacidade de escrever sem ter o que dizer e a premência de dizê-lo. Quando percebe a leitura
Para essa realidade deficiente de aproveitamento do idioma, vale também uma boa dica: por
vezes o texto filosófico pode ser denso em demasia para ser colocado de primeira para os
alunos. E é aí que cresce em importância metodológica o texto não filosófico. Nesse sentido,
uma música (o rap, pela penetração cultural e pela postura crítica, pode ser uma boa opção),
uma poesia, um pequeno conto ou até mesmo um filme podem servir como boas ferramentas
para a abordagem de um problema filosófico, antes de este ser trabalhado conceitualmente.
Isto facilita a entrada no texto filosófico e evita o desestímulo pela sensação de incapacidade
de compreensão por parte do aluno.
Estão relacionadas abaixo algumas sugestões de atividades pedagógicas transversais, para serem
utilizadas, transformadas, recriadas etc.
2. Palavra e poder
Duração: 1h/aula
Esta atividade é interessante de ser trabalhada ao final do ano letivo, como última avaliação.
Iniciar perguntando qual a função de um dicionário. Mostrar que o significado e o sentido de
cada palavra são dados sempre por outras, e assim indefinidamente. Escrever então a palavra
FILOSOFIA no quadro e sugerir a elaboração em conjunto de um dicionário filosófico
diferente, em que não se produzirá uma definição específica para FILOSOFIA, mas serão
citadas diversas palavras que tenham uma relação estreita com ela. Estimular a citação dos
termos pelos alunos e ir escrevendo em volta da palavra FILOSOFIA cada um deles na medida
em que são propostos. Quando formar um universo de uns vinte termos citados pelos alunos,
propor a elaboração de um texto que forme uma imagem do que eles entendem por Filosofia,
contendo necessariamente um mínimo de oito termos dentre os que foram por eles citados.
4. O julgamento de Sócrates
Duração: 3h/aula
Aula expositiva sobre o julgamento de Sócrates, na Atenas Clássica, com leitura de trechos
da Apologia de Sócrates de Platão, da comédia As Nuvens de Aristófanes e da Apologia de Sócrates
de Xenofonte. Em seguida, simular um julgamento, em que os alunos serão distribuídos para
exercer os papéis de juiz, advogados, promotores, júri e réu. Em aula posterior, serão discutidas
as formas de poder da Comunicação e a utilização política da persuasão. (3h/aula)
5. Filosofia e comunicação
Duração: 3h/aula
Objetivos
1. Desconstruir o senso comum que entende a Comunicação como essencialmente lingüística,
conduzindo à experimentação da arte como meio de expressão e comunicação.
Conteúdo
Introdução ao pensamento crítico da Teoria da Comunicação.
Introdução à Filosofia da Linguagem.
Introdução ao pensamento crítico da Comunicação Social.
Procedimentos
Utilização de textos, poesias, matérias jornalísticas, músicas, telas de pintura e obras de arte em
geral a serem sugeridos pelos alunos e pelo professor como instrumentos pedagógicos para as
discussões.
Trabalhar a relatividade da linguagem como suposto meio objetivo de comunicação. Para tanto,
utilizar três matérias atuais de diferentes jornais que se ocupem de um mesmo conteúdo para
trabalhar com as diferenças de sentido. (1h/aula)
Utilizar telas de Claude Monet e Salvador Dali para trabalhar com os aspectos sensíveis,
contraditórios e instáveis da Comunicação. (1h/aula)
Dividir a turma em três grupos que discutirão a comunicação a partir da poesia de uma música
conhecida, de uma fotografia do Sebastião Salgado e de uma bula de remédio respectivamente.
Depois abrir uma roda para discutir os meios e maneiras da comunicação. (1h/aula)
Sugestões bibliográficas
ADORNO, T. W. et al. Teoria da Cultura de Massa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
BARROS, Manoel de. O Livro das ignorãças, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 3ªed., 1994.
CASSIN, Bárbara. Ensaios sofísticos. São Paulo: Edições Siciliano, 1990. (Ed. A.L. de Oliveira e
L.C.Leão).
COLLI, Giorgio. O Nascimento da Filosofia. Campinas: Ed. Unicamp, 1992 (Ed. F. Carotti).
CORNFORD, F.M. Principium Sapientiae - As origens do pensamento filosófico grego. Lisboa: F.C.G.,
1981 (Ed. M.M.R. dos Santos).
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 1986 (Ed. P.Civelli).
LAÊRTIOS, D. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Brasília: Editora UnB, 1988 (Ed. M.G.
Koury).
RILKE, R. M. Cartas a um jovem poeta. Porto Alegre: Globo, 1953, 8ªed.1976 (Ed. P Rónai).
SCHILLER, F. Cartas sobre a educação estética do homem. Trad. de R. Schwarz e M. Suzuki. São
Paulo: Iluminuras, 1990.
SNELL, Bruno. A Cultura Grega e as Origens do Pensamento Europeu. Trad. de P. Carvalho. São
Paulo: Perspectiva, 2001.
A formação
do cidadão e a
Filosofia
Janeiro de 2006
Filosofia
Resumo
Encontramos, na origem da Filosofia e da vida política,
algumas condições coincidentes que podem orientar a prática
do professor de Filosofia. Essas condições devem aparecer
também na escola e na sala de aula, para que os alunos
possam seguir no seu aprendizado de cidadania. Avaliamos,
por outro lado, algumas situações em que tais condições
desaparecem, podendo comprometer o desenvolvimento do
aluno. Por fim, conhecendo melhor o contexto necessário para
a formação cidadã, indicamos caminhos (conteúdos, textos e
práticas) que possam estimular a prática e o concernimento
político do aluno.
Mas a palavra se estabelece sobre outra grande marca da Polis: um espaço de trocas, de trânsito
e de plena publicidade, a Ágora. Esse espaço indica uma submissão do privado e individual face
ao interesse comum. Esse campo aberto de interesse comum marca a percepção do vínculo
entre os membros; ele é uma necessidade pois, com a vontade de participar do poder, espera-se
dos outros membros práticas claras e acessíveis. Dessa forma, as condutas, os procedimentos
e os conhecimentos, que antes eram restritos, vão aparecendo no espaço público e tornando-
se elementos da cultura comum. Estes, ao chegarem à praça pública, podem ser reavaliados
e confrontados. A norma deixa de ser indiscutível, e não pode mais se manter se não for
adequada ao interesse público, porque a palavra que antes lhe servia obediente pode voltar-
se contra ela. Para auxiliar nas necessidades de publicidade, os gregos se apoderam da escrita
fenícia e a adaptam à sua língua. Dessa forma podem, além de redigir as leis, transmitir ao
público, com maior facilidade, os conhecimentos que antes eram restritos a poucos.
Mas, apesar do uso da escrita dar acesso ao conhecimento e torná-lo um bem comum, muitas
vezes esse conhecimento é encarado ainda como algo misterioso. Principalmente no aspecto
Essa posição do sábio o desloca da cidade porque foge a outro elemento constante da Polis,
a Philia - amizade. Um sentimento perceptível na vida militar – em que a bravura individual
passa a ser menos valorizada diante da formação do grupo –, mas que envolve, de fato, todo
o espírito da cidade. O sentimento de associação só pode ser assegurado no mundo devido
à percepção, entre os membros, de sua semelhança e mais abstratamente de sua igualdade.
Abstraindo as distinções sociais e considerando as relações recíprocas, ficamos diante do
vínculo, um sentimento compartilhado de participação. Cada cidadão é a unidade do sistema
político, que é guiado pelo equilíbrio. Esta relação ganhou uma forma conceitual com a palavra
isonomia, “igual participação de todos os cidadãos no exercício do poder”.
Dentro desse contexto, a Filosofia oscila entre uma total dedicação às causas políticas – como
nos sofistas e com Sócrates – e o deslocamento da cidade, que vive o Sábio – como nos
pitagóricos. Entre esses dois caminhos originários, nós, professores da rede pública estadual,
devemos fazer uma opção: considerar a Filosofia um conhecimento de acesso restrito
que não cabe em um espaço público como a escola, ou considerá-la um elemento
acessível a todos aqueles que tiverem uma postura ativa e interessada.
Se considerarmos que a Filosofia é um campo de difícil acesso, e que nossos alunos só poderão
caminhar por ela após uma iniciação ou preparo especial, estaremos fechando a eles a possibilidade
de aprenderem a Filosofia na íntegra. Este pode não ser o objetivo do curso atual de Filosofia
no Ensino Médio, cabendo melhor a uma graduação universitária. Porém, ver a Filosofia como
algo elevado não impede que possamos abordar elementos dela, de encontrarmos textos mais
acessíveis ou autores mais acessíveis, pela identificação com as questões abordadas, pelo uso
mais leve do vocabulário teórico ou, quem sabe, um outro caminho.
Se considerarmos a Filosofia como algo acessível, então basta o interesse pessoal para se
adentrar no emaranhado de idéias dos livros de Filosofia e alcançar o seu foco. Mas poderá
faltar ao aluno esse interesse que aparece como elemento fundamental. Assim, uma crítica que
podemos fazer é a de que a Filosofia, mesmo sendo considerada acessível, é difícil para as mentes
pouco amadurecidas dos alunos do Ensino Médio e, exatamente por isso, faltará interesse da
parte dos alunos. Dessa forma, igualamos as duas possibilidades na dificuldade – é difícil, por
isso não será interessante, e terá pouco acesso. Porém, o que esta segunda possibilidade tem
em foco – e nos ligamos aos gregos nesse momento – é a percepção da sua condição de igual
diante dos outros interlocutores, inclusive do texto lido. Tanto os interlocutores de um diálogo
Idem, p. 47-48.
Idem, p. 49.
devem tratar-se como de igual capacidade, como os textos devem considerar o leitor da mesma
forma. Então, cabe ao professor perceber se a falta de comunicação acontece pela falta de
atenção do ouvinte ou leitor, como também da falta de habilidade de se expressar de quem diz
e escreve, ou do desinteresse pelo dito e pelo escrito. O professor deve deixar aflorar no jovem
a consciência de não ser maior nem menor, mas de igual capacidade.
Essa consciência é o grande elemento desejado por qualquer professor. Pois, a partir dela, o
aluno deixa de ser aquele menino omisso que nada quer, para ser alguém que procura o que
quer e precisa. Se, por um lado, a consciência de poder compreender é requisito fundamental
para aprender, por outro, a consciência de ser parte é requisito para o agir político do
cidadão. E se considerarmos a omissão como um elemento político, cada cidadão deverá se
responsabilizar por abandonar nas mãos de outrem o poder que lhe cabe. E já vimos condições
dessa consciência, vivida no mundo grego antigo: um sentimento de vínculo que somente os
semelhantes podem ter; o poder da palavra que disputa e depois soluciona, próprio de cada
um; um lugar especial onde todos possam se manifestar sobre coisas de interesse público.
Sobre essas condições, os indivíduos podem convocar outros indivíduos a tomar parte numa
mesma causa; interceder pelos semelhantes; como proceder a qualquer benefício imaginável
envolvendo o apoio do grupo. Apoio que é convocado pela palavra e deve ser expresso em
público. Publicidade que torna o conhecimento um bem comum; em que podemos perceber
sua busca como uma decisão pessoal referente à sua ligação com a coletividade, e que, ao fim,
lhe oferece seus frutos.
Pensar se essa consciência pode ser promovida no aluno é pensar se as pessoas podem ser
divididas entre os melhores e os piores, fortes e fracos. Acaso seria pensar como Platão, que
é melhor optar por um único intelecto maior para dirigir a cidade, um Rei Filósofo, pois
este poderia vislumbrar o bem, em vez de entregarmos o destino da cidade nas mãos de
um grande grupo, incapaz de avaliar adequadamente o que é o bem? Mas Platão também
reconhece que a impossibilidade da maioria é a proveniente da não educação, ou falta da
educação correta (daquela educação para vislumbrar o bem e que deve ser ascendente), mas
não da impossibilidade da educação, pois para ele o aprendizado é o vislumbrar consciente
daquilo que já está impresso na alma.
A não ser que desejemos abandonar a democracia ou abandonar a Filosofia no Ensino Médio
– pela impossibilidade de ensiná-la –, a nossa opção é a de mostrar ao aluno suas possibilidades
educacionais e políticas, os elementos que cerceiam essas possibilidades e as condições internas
e externas ao sujeito para realizá-las.
Platão. A República.
Um homem socialmente ativo deverá construir suas relações com os outros membros da
sociedade; modelos serão para ele elementos a serem avaliados e que poderão suspender,
se assim o decidir. É importante, para garantir a autonomia, que ele seja capaz de avaliar
opções, de pensar sobre elas, e o princípio de “aprender a conhecer”, se levado a sério, deverá
libertar o aluno do professor. Não podemos considerar suficiente para a cidadania a posse de
instrumentos para seguir orientações, pois isto, ao invés de libertar a pessoa, a manterá presa
às idéias de outros. A postura reprodutora isolada dentro da escola é considerada como algo
nocivo à formação do aluno, e em seu lugar busca-se erigir uma postura ativa.
A liberdade é parte da condição humana e pré-requisito para agir efetivamente. Entretanto, muitas
confusões sobre o exercício da liberdade aparecem, tanto em alunos quanto em professores e
administradores. Essas confusões têm origem na padronização exigida dentro da instituição:
não se pode abandonar universalizações (idéias padrões para conduzir o todo), mas também se
deve valorizar as singularidades (as manifestações culturais ou produções pessoais). Noções
universais são utilizadas nas instituições por motivos óbvios como avaliação do conhecimento e
comportamento, que refletem necessidades de qualidade de ensino, de acesso, de ordem pública
dentro da instituição etc. Diante dessas necessidades, pode-se ser orientado por uma idéia geral
e gerar práticas totalitárias que não prevêem as manifestações distintas do plano administrativo,
pois este está fechado. Mas a escola estará diante da diferença, estampada em cada aluno, que
traz porta adentro uma parte do mundo. Por isso, a escola deve preocupar-se em não negar aos
A preocupação com a tendência ao totalitarismo através de sistematização teórica e práticas políticas já foi apresentada
no artigo de Rosely Giordano “Políticas da educação e sistemas filosóficos: a vontade da exclusão”, que saiu no caderno
CEDES, no número 64, dedicado ao ensino de Filosofia no Ensino Médio.
Primeiro, esperar o desenvolvimento cidadão onde não há espaço para um cidadão é como
esperar nascer uma planta no asfalto. Se a escola não for espaço para a cidadania, não pode
tentar desenvolvê-la nos alunos. Segundo, formar cidadãos sem que os aprendizes se manifestem
é como tentar ensinar futebol sem tocar numa bola. O uso da palavra como elemento de
enfrentamento é condição para a cidadania. Terceiro, não podemos esperar alguém tornar-se
apto para a cidadania e só depois dar-lhe o direito para isto, senão estaremos vinculando o
direito a uma aptidão: só terão direito à cidadania aqueles que forem aptos! E quem decide
quem é apto para a cidadania? Ninguém, a cidadania é um direito de todos.
A escola não deve ser para o aluno um outro, que mesmo diante da boa vontade de alguns
professores, existe para ensinar-lhe coisas das quais não consegue retirar nenhum sentido, mas
ainda assim deverá aprender, e de alguma forma muito nebulosa aceitar, para conseguir emprego
ou passar no vestibular. Pois, em geral, o sentido estabelecido pelos alunos não está ligado nem
ao conhecimento oferecido pela escola, nem a uma idéia de cidadania, mas no diploma, como
uma espécie de status exigido para participar de algumas entrevistas de emprego. Assim, muitos
alunos, longe de desejar uma vida democrática, nem mesmo se interessam pelos conteúdos
oferecidos e, por vezes, sequer querem ir à escola. Por contraditório que seja, os “bons alunos”
são os que aceitam as normas sem nunca manifestar sua insatisfação ou lutarem contra elas, e
os alunos que desenvolvem um valor de liberdade, mesmo que distorcido e irresponsável, estão
sempre em confronto com as normas e insatisfeitos com a escola, não valorizam a escola e não
ligam de arriscar suas notas. Ou seja, nem o aluno “comportado”, nem o “bagunceiro” está se
aproximando do sentido de cidadania. E sabemos que o aluno ativo não pode se manter fora
do grupo, à margem, nem considerar a ordem existente como intocável.
Agora, após observar as condições, objetivos e alguns empecilhos para a formação cidadã,
cabe-nos encontrar caminhos para viabilizar tal formação cidadã e vislumbrar, dentro desses
caminhos, a parcela que cabe aos professores de Filosofia.
Pode-se centrar o trabalho em uma dessas três atividades ligadas à leitura: debate, pesquisa
e redação. O debate deve ser mais que um bate-boca, uma tentativa de afirmar, defender e
derrubar teses. Para isso, as idéias expressas pelos alunos devem ser apontadas em forma de
proposição para serem avaliadas. Mas, para que o debate não se torne uma guerra, deve-se
manter claro o que buscamos: entender algo a respeito de um assunto, descobrindo idéias
coerentes e defensáveis, e eliminando idéias incoerentes e indefensáveis. A pesquisa é proposta
no sentido de conhecer a opinião pública, o senso comum, a respeito do assunto tratado. Isto
exigirá, primeiro, que os alunos formulem perguntas objetivas; segundo, que eles avaliem o
resultado da pesquisa, relacionando com as teses conhecidas (tenham surgido do debate ou da
leitura). As perguntas devem ser pensadas com o professor (e não pelo professor) e aprovadas
por ele. A redação pode enfocar a defesa de idéias, uma crítica sobre o resultado da leitura, da
pesquisa ou do debate; mas também pode consistir em propostas dentro do tema, no intuito
de corrigir os problemas encontrados.
O material básico será a fonte de leitura, que pode aparecer em três situações: um despertar
para o assunto, uma definição conceitual e uma abordagem filosófica propriamente dita. Para
debate não precisa ser um texto filosófico, pode ser trecho de obra literária, propaganda, objeto,
música ou qualquer outro, desde que seja associado ao assunto e incentive interpretações dos
alunos. Ou seja, algo que chame a atenção do aluno e provoque sua fala. Definições conceituais
podem ser encontradas em dicionários de Filosofia, mas também em dicionários da Língua
Portuguesa. Mas não pode faltar a leitura de um trecho de texto filosófico, pois o objetivo
da disciplina Filosofia é alcançar a expressão pública das idéias e sua defesa racional, o que
acontece no texto filosófico; mas devemos evitar trechos demasiadamente complexos, para
não tornar o trabalho de esclarecimento demasiado cansativo.
4. Procedimentos didáticos
1º) Material
Texto para debate: Asimov, Isaac. As três leis da robótica. In: Eu, robô.
AS TRÊS LEIS DA ROBÓTICA
1 – Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser
humano sofra algum mal.
2 – Um robô deve obedecer as ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto
nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei.
Texto filosófico selecionado em: Kant, Immanuel. Da relação da teoria à prática no direito
político. In: A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições 70.
Ninguém me pode constranger a ser feliz à sua maneira (como ele concebe o bem-estar dos
outros homens), mas a cada um é permitido buscar a sua felicidade pela via que lhe parecer boa,
contanto que não cause dano à liberdade dos outros (isto é, ao direito de outrem) aspirarem a
um fim semelhante, e que pode coexistir com a liberdade de cada um, segundo uma lei universal
possível. – Um governo que se erigisse sobre o princípio da benevolência para com o povo à
maneira de um pai relativamente aos seus filhos, isto é, um governo paternal (imperium paternale),
onde, por conseguinte, os súditos, como crianças menores que ainda não podem distinguir o
que lhes é verdadeiramente útil ou prejudicial, são obrigados a comportar-se apenas de modo
passivo, a fim de esperarem somente do juízo do chefe do Estado a maneira como devem
ser felizes, e apenas da sua bondade que ele também o queira – um tal governo é o maior
despotismo que pensar se pode (constituição, que suprime toda a liberdade dos súditos, os quais,
por conseguinte, não têm direito algum). Não é o governo paternal, mas um governo patriótico
(imperium, non paternale, sed patrioticum), o único concebível para homens capazes de direitos, ao
mesmo tempo em relação com a benevolência do soberano. Com efeito, o modo de pensar é
patriótico quando cada qual no Estado (sem excetuar o chefe) considera a comunidade como o
seio materno, ou o país como o solo paterno de que provém e no qual nasceu, e que deve deixar
também atrás de si como um penhor precioso para unicamente preservar os direitos do mesmo
mediante leis da vontade comum, mas não para se sentir autorizado a dispor dele segundo o
seu capricho incondicional. – Este direito da liberdade advém-lhe, a ele que é membro de uma
comunidade, enquanto homem, ou seja, enquanto ser que em geral é capaz de direitos.
2º) Procedimento
1- Ler com os alunos as três leis da robótica e realizar um debate. Podemos propor questões
como: Os robôs são livres? Por quê? Os homens são livres? Por quê? Os robôs fazem ações
além das previstas nas três leis? Por quê? (Precisaria de outra lei? Precisaria ter desejos ou
sentimentos?) Os homens fazem ações além das previstas por lei? O que as leis pedem aos
homens? As leis determinam nossas ações? Podem ser usadas para nos controlar?
3- Ler o trecho de Kant buscando a idéia principal (o direito à liberdade) e sua defesa. Depois
avaliar se está de acordo com as conclusões do debate e com os conceitos apresentados. Pode-
se, então, pedir aos alunos que apontem a idéia principal do texto e sua defesa em uma redação
própria.
4- Pode-se ainda debater a relação entre direito à liberdade, limites e a escola, e como eles
pensam que deveria ser a participação dos alunos dentro dela. Isto pode gerar um texto crítico,
ou uma pesquisa de opinião entre os membros da escola.
Sugestões bibliográficas
Filosóficas
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Brasília: Ed. UNB, (Ed. M.G.Kury), 1999.
HEGEL, F.W. Introdução à História da Filosofia. São Paulo: Abril Cultural, col. Os pensadores,
1974 (ed. A. Pinto de Carvalho).
NIETZSCHE, F.W. Genealogia da Moral, São Paulo, Companhia das Letras, 998, (Ed. P.C. de
Souza).
NIETZSCHE, F.W. Assim falava Zaratustra. Em especial os capítulos “Das três transformações”
e “Do novo ídolo”.
RICOEUR, Paul. Interpretação e Ideologias. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1977, (Ed. H.
Japiassu).
RUSSELL, Bertrand. Elogio do lazer. Zahar Editores. Rio de Janeiro, RJ. Em especial o primeiro
capítulo: divisão social, trabalho, ideologia, civilização.
HOBBES. Leviatã. Os pensadores. Nova Cultural. São Paulo, SP. Em especial os cap. X, XIV,
XVII e XX, mas usando trechos curtos e específicos.
Referências bibliográficas
Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais (Ensino Médio) – Parte IV – Ciências
Humanas e suas Tecnologias.
RIBEIRO, Marlene. Educação para a cidadania: questões colocadas pelos movimentos sociais. Educação
e Pesquisa, São Paulo, v. 28, n. 2, p. 113-128, jul./dez. 2002.
VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
GIORDANO, Rosely. Políticas da educação e sistemas filosóficos: a vontade da exclusão. Cad. CEDES
v.24 n.64 Campinas set./dez. 2004
Aulas de Filosofia
em Língua
Portuguesa
Janeiro de 2006
Filosofia
Resumo
Considerações sobre a produção filosófica em Língua
Portuguesa. Ampliação do conceito de texto filosófico ou de
temática filosófica. Vantagens da interdisciplinaridade com as
disciplinas de Literatura e Língua Portuguesa para a formação
das capacidades lingüísticas.
“Se você tem uma idéia incrível, é melhor fazer uma canção.”
Caetano Veloso, Língua in: Velô, 1984.
Trazida pelos padres jesuítas no período colonial, a Filosofia até os dias de hoje é pensada como
um saber adjacente e improdutivo na escola brasileira. Permanecendo à margem na formação
humanística da maioria dos brasileiros, o discurso filosófico ressoa como uma falação estranha
e acessível a poucos. Desta forma, o lugar da Filosofia passou a ser, e continua sendo, em
nossa formação humanista, um estar entre o que é disperso pela cultura literária geral e o que
é estreitamente acadêmico-universitário.
Porém, mesmo que de forma heterodoxa, a tradição cultural literária em Língua Portuguesa
provocou manifestações de pensamento que acumularam de modo não sistemático valores
que podemos chamar de filosóficos. Saindo do contexto acadêmico, certas questões próprias
da Filosofia manifestaram-se por variadas vias. Essa produção não acadêmica de questões
filosóficas, essa Filosofia alternativa tem provocado discussões dentro e fora da academia, às
vezes mais do que as originadas na academia. Compreender o que é Filosofia, compondo o
que é tradicional com o que é alternativo, não é algo evidente. Porém, é nessa composição do
alternativo com o tradicional que poderemos trilhar um sentido efetivo, e ao mesmo tempo
mais atraente, para a Filosofia na escola. Nas dificuldades com a docência tradicional de ensino
de Filosofia, baseada em textos de autores clássicos, acabamos por procurar a Filosofia também
em outros meios, tais como a literatura e a música quiçá por encontrar neste campo elementos
mais próximos de uma vivência autêntica e original do pensamento. Dado o caráter introdutório
Se pudermos apontar um método corrente para o ensino da Filosofia, certamente uma ampla
maioria concordará que uma boa formação filosófica passa pelo esclarecimento de questões
apresentadas pelos pensadores clássicos e tradicionais da Filosofia. Mas o problema central
do Ensino Médio está em como chegar a esses textos tradicionais sem afastar o interesse do
aluno com a complexidade e estranheza inerente aos mesmos. Sem entrar na questão de definir
a tradição ortodoxa (o que, em Filosofia, sempre é um problema, visto que a mesma é por
demais fecunda), voltemos um olhar a tudo o que pode ser filosófico. Aquilo que realiza uma
atitude filosófica, ou seja, uma perspectiva de reflexão.
Com esta ampliação do olhar, possibilitamos, também, uma ativa reflexão sobre a produção
filosófica em Língua Portuguesa, em particular a que compõe a história da Filosofia no Brasil.
Essa polêmica discussão — existência ou não de significativa Filosofia na história do pensamento
brasileiro — nos induz a indagar: devemos procurar questões filosóficas estritamente no que
é produzido dentro da academia? Tal indagação pretende, entre outras coisas, renovar o olhar
do professor quanto ao material que pode ser explorado em sua prática docente, assim como
evitar uma inocente banalização da Filosofia, em que qualquer coisa, qualquer objeto cultural,
possa ser tomada como objeto filosófico. Não queremos, também, perder de vista os objetivos
formadores do ensino de Filosofia, por ficarmos restritos à prática muito comum, porque fácil,
do debate sobre qualquer tema, e de qualquer modo.
Nesse campo, encontraremos questões filosóficas, ainda que nas formas próprias da literatura:
o romance, o sermão, o poema, a canção. Autores como Fernando Pessoa, Antônio Vieira,
Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Euclides da Cunha, Machado de Assis, Carlos Drummond
de Andrade, José Saramago e muitos outros abordarão de forma não-conceitual questões
claramente filosóficas. Mas, às vezes, também encontraremos a Filosofia em Língua Portuguesa
na forma de ensaios e tratados filosóficos, com um uso conceitual autêntico, como em
Fernando Pessoa, Farias Brito, Eudoro de Sousa ou José Gil. É importante também saber que
um conteúdo filosófico pode se apresentar em diversas formas de escritura: desde os poemas
dos Pré-Socráticos e diálogos de Platão, até os tratados sistemáticos de Hegel e aforismos de
Nietszche.
Um uso de tais materiais textuais aproxima, evidentemente, o curso de Filosofia das disciplinas
de Literatura e Língua Portuguesa. Vale lembrar que, entre os autores filosoficamente
aproveitáveis, estão os maiores mestres da língua, como já citamos. Essa interdisciplinaridade
pode e deve ser explorada em atividades elaboradas em conjunto com os professores dessas
ALVES, Francisco. História da Literatura Brasileira. Rio, 1916. 3ª ed.. Rio: José Olympio, 1954. p.308.
LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G. H.
Um conceito elaborado por Fernando Pessoa: perspectiva filosófica em que só existem como coisas reais as sensações.
PESSOA, Fernando. Poemas de Alberto Caeiro. p.70.
A inserção de material didático alternativo provoca no ambiente escolar uma nova visão sobre a
Filosofia, mas também uma nova visão sobre nossa própria produção cultural e nossa tarefa de
semeá-la e cultivá-la. Como vimos, os seus efeitos não se restringem aos objetivos específicos
da disciplina Filosofia, mas repercutem em toda a formação do aluno, especialmente no
desenvolvimento de suas capacidades lingüísticas.
2. Procedimentos didáticos
Primeira versão
Apresentar dois textos sobre um mesmo assunto, um filosófico, outro não. Listar as diferenças
entre os dois, com ajuda da turma. Depois, apresentar um novo tema e propor uma nova
questão. Dividir, então, a turma em dois grupos e pedir a cada integrante dos grupos a produção
um texto sobre a questão proposta. Ao primeiro grupo, um texto que aborde a questão de
forma não filosófica. Ao outro, um texto que aborde a questão de forma filosófica. Ao final, os
alunos deverão descobrir e listar as diferenças entre um e outro.
Segunda versão
Repetir os procedimentos descritos acima, mas, desta vez, utilizar três fontes didáticas para
o exercício: material filosófico em Língua Portuguesa; material não filosófico em Língua
Portuguesa e um texto filosófico tradicional da História da Filosofia.
Duração: 2h./aula
Apresentar um fragmento de texto filosófico a ser selecionado a partir do tema que estiver sendo
estudado. Ler o texto com a turma e realizar um debate aberto estimulando a interpretação.
Posteriormente, propor a transcrição do texto em estilos diferentes (diálogo, poesia, rap, carta
ou o que mais for sugerido pelos próprios alunos). A transcrição possibilita ao aluno identificar
o que há de essencial no texto, para, a partir daí, transformar apenas a maneira de dizê-lo.
a) literariamente filosófica
BARROS, Manoel de. O livro das ignorãças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 3ªed., 1994.
GUIMARÃES ROSA, João. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: N. Fronteira, 1986.
b) estritamente filosófica
BOTELHO, Afonso & BRAZ TEIXEIRA, Antônio (org.). Filosofia da saudade. Lisboa:
Imprensa Nacional, 1986.
QUADROS, Antônio. O espírito da cultura portuguesa, Lisboa: Soc. Expansão Cultural, 1967.
Referências Bibliográficas
ALVES, Francisco. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: 1916; 3ª ed., José Olympio,
1954 p.308
GALLO, Sílvio & KOHAN, Walter Omar. Filosofia no Ensino Médio. 2ª ed. Petrópolis: Vozes.
SANTORO, Fernando. Le Portugais, langue baroque, In : Vocabulaire Européen des Philosophies.
Paris : Le Robert/ Seuil, 2004 pp. 967-977.
As religiões
e o ensino da
Filosofia
Janeiro de 2006
Filosofia
Resumo
Discussão sobre o problema da intolerância e de como é
fundamental, para o exercício da Filosofia, a capacidade
de analisar todas as opiniões e suposições, a começar pelas
próprias, sem desrespeitar nem trivializar as diversas posições,
convicções e decisões dos demais. A relação, aparentemente
divergente, das atitudes religiosa e científica pode tornar-se,
numa abordagem de reflexão filosófica, o ponto de partida
para experimentar concretamente a virtude democrática da
tolerância.
Em sala de aula, encontramos muitas vezes uma situação potencialmente conflituosa gerada
pela abordagem de temas filosóficos que tocam, de algum modo, os valores e as convicções
vividas quotidianamente por todos nós. O professor de Filosofia, dependendo de como aborda
esses temas, pode acentuar a situação de conflito ou pode, por outro lado, conquistar, para
esses temas movedores de nossas paixões, uma relação pedagogicamente construtiva. Este
artigo busca refletir sobre algumas causas desses conflitos e propõe algumas atividades didáticas
para contorná-los ou enfrentá-los de modo ética e filosoficamente formador. A relação aqui
discutida é entre as religiões e o ensino de Filosofia, mas vale também para outras relações da
Filosofia com valores culturais, estéticos, morais, políticos, tradicionais ou não.
Destacamos que a Filosofia e as religiões apresentam pontos comuns, e por isso podem estar em
situação de atrito. Esses pontos são alguns temas de preocupação como: a existência humana e a
morte, os valores e as relações entre os homens, deus ou deuses e a idéia de princípio universal,
entre outros. Religiões e Filosofia, porém, implicam em atitudes essencialmente diferentes, uma
vez que as religiões se baseiam na fé e na revelação de princípios, valores e relatos, normalmente
inquestionáveis, enquanto que a Filosofia visa levantar questionamentos em todos os seus
temas e não se satisfaz com qualquer posição parcial ou doutrinária. O grande desafio de
cada ser humano, proposto pela Filosofia, é a compreensão dos princípios da realidade e a
reflexão de seus temas fundamentais e universais. Isso não implica necessariamente em abdicar
de convicções de fé ou valores tradicionais, e muito menos em ignorar ou ridicularizar as
convicções do outro, ferindo um dos princípios da alteridade e da convivência.
Um dos principais papéis da Filosofia é desenvolver uma formação humanista. Essa formação
não se faz apenas com a aquisição de informações, mas, sobretudo, com o desenvolvimento de
atitudes. Uma atitude essencial a desenvolver no trato com as questões filosóficas é a tolerância
com a diversidade de idéias e posições, mesmo aquelas que nos pareçam mais estranhas ou
diferentes.
O professor deve ser o primeiro a dar o exemplo da tolerância, não tratando com derrisão
nenhuma das crenças ou convicções dos alunos. Mas isto não quer dizer abdicar da reflexão
própria da atividade filosófica, inclusive pela análise das diversas posições e suposições das
convicções e seus argumentos de sustentação. Deve ficar clara, porém, a diferença entre
o momento da reflexão e da análise – momento filosófico –, e os momentos de decisão e
posicionamento, segundo valores e convicções pessoais, familiares, comunitários. Deve ficar
claro, sobretudo, que não há incompatibilidade entre esses dois momentos, ao contrário, podem
até fortalecer-se reciprocamente.
Procedimentos didáticos
Outro recurso que pode ser utilizado para motivar os debates são obras cinematográficas.
Algumas sugestões:
O nome da Rosa (Jean-Jacques Annaud)
Em nome de Deus (Clive Donner)
O sétimo selo (Ingmar Bergman)
O destino (Yossef Chahine),
O Evangelho segundo Mateus (Pier Paolo Pasolini), entre outros.
Duração: 2h/aula
As “Cartas Persas” de Montesquieu fazem um relato imaginário, sob a forma epistolar, da
visita de dois persas, Rica e Usbeck, à Paris. Eles escrevem para seus amigos na Pérsia tudo o
que vêem lá. Por meio dessa narrativa, o filósofo critica os costumes, as instituições políticas e
os abusos da Igreja e do Estado na França da época.
Atividade: Sugerir aos alunos que, após a leitura reflexiva do texto, montem uma dramatização
atualizada do olhar de dois estrangeiros em visita a um país com traços culturais diferentes de
seu país de origem.
Sugestões bibliográficas
AGOSTINHO, Sto. Confissões. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
AQUINO, Sto. Tomás de. Suma Teológica. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
HESÍODO. Teogonia. A origem dos deuses. São Paulo> Iluminuras, 1992 (Ed. Jaa Torrano).
KANT, Immanuel. A religião nos limites da simples razão, São Paulo: Abril Cultural, 1973 (trad.
T.M. Bernkopf).
KIERKGAARD, Soren. Temor e tremor. São Paulo: Abril Cultural, 1973, (Ed. M.J.Marinho).
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A genealogia da moral. São Paulo: Companhia das Letras,
1998, (Ed. P.C. de Souza).
O corpo no ensino
da Filosofia?
Janeiro de 2006
Filosofia
Resumo
O corpo é um tema recorrente da reflexão filosófica, mesmo
quando observamos que a tradição da Filosofia tendeu a
relegá-lo a uma condição subordinada ou inferior. Por outro
lado, a contemporaneidade traz novos problemas, sobretudo
no campo da ética, que fazem do corpo um objeto privilegiado
de discussão e compreensão do mundo atual. São propostas
algumas atividades para levantar esta discussão.
Em pleno século XXI, com toda a extraordinária evolução científica, tecnológica e informacional,
com todas as explicações racionais sobre os fenômenos que envolvem nossa existência, ainda
vemos como um desafio a interpretação do corpo humano e seu cuidado.
Sócrates, pode-se dizer, foi um pioneiro na atividade reflexiva do homem, e sua sabedoria
legendária passava também pela resistência e temperança com que cuidava do corpo. Com
Platão, o corpo e a alma assumem posições antagônicas: a alma é eterna, pura, sábia. O corpo é
mortal, impuro, degradável. O corpo torna-se, por assim dizer, a prisão da alma, impedindo-a
de ascender ao plano ideal perfeito. Para Descartes, o homem constitui-se de duas substâncias:
uma pensante, a alma, razão da existência, e outra, o corpo, simplesmente uma coisa extensa,
externa, que nada tem em comum com a alma. A consciência e a reflexão filosófica, então,
situam-se no plano da alma, não do corpo. Para ele, a união da alma com o corpo aloja-se numa
pequena glândula no cérebro, a glândula pineal. Sendo assim, caberia ao cientista o exame do
corpo fisiológico, enquanto o filósofo se preocupa com o âmbito reflexivo da alma.
No século XX, uma corrente filosófica, o existencialismo, foi responsável por uma mudança
radical na forma de a Filosofia perceber a corporeidade. Ela mostrou que não dá para pensar
em corpo sem falar em consciência (alma, espírito) e vice-versa. Segundo o existencialismo, o
único modo de conhecermos o corpo é vivenciá-lo.
Assim, vemos o corpo como ser sexuado, perceptível no nível de desejos e emoções recíprocas.
Outro existencialista, Maurice Merleau-Ponty, foi o filósofo que talvez mais tenha contribuído,
neste século, para a compreensão do corpo como ponto de partida para o conhecimento
filosófico e científico, colocando a percepção como fonte de descoberta do corpo e como
experiência de propagação, que se repete na relação com as coisas e com os outros.
Embora a vida presente nos imponha uma necessidade de sobrevivência nesta violenta
civilização, ainda assim precisamos fazer do corpo um elemento de preocupação e mesmo de
resistência face à servidão consumista. Um corpo que nos coloque no mundo e que seja capaz
de “aventurar-se” para vivenciarmos novas e impensadas perspectivas de vida.
Sendo como somos, seres incompletos e ainda nascendo, estamos sempre na pré-história de
nós mesmos, pois buscamos a cada dia as respostas aos conflitos de nossa alma e a cura às
feridas de nossa carne.
Somos mortais, mas custa-nos acolher a morte de nosso corpo dentro da vida, porque
pressentimos ou desejamos que haja algo além da morte. E suspeitamos que, num balanço
geral da vida, um gesto de amor e afeto, alimente verdadeiramente nosso corpo e nossa alma.
Procedimentos didáticos
Proposta 1
Duração: 1h/aula
Carta ao corpo – escreva uma carta ao seu próprio corpo, mantendo um diálogo de como
vocês se percebem entre si.
Proposta 2
Duração: 1h/aula
Músicas: Sorria, você está sendo filmado (Gabriel Pensador), Cérebro Eletrônico (Gilberto Gil)
Proposta 3
Duração: 1h/aula
Reflexão sobre os estereótipos impostos pelos modismos que descaracterizam a natureza de
nosso corpo (biótipo)
“... Tinha 30 anos quando fui internada. Quando comecei a fazer regime, pesava 46. Me
achava gorda, me olhava no espelho e me achava horrível. Achava que tinha que perder uns
10 quilos.
Fiz tudo para emagrecer, regime de frutas, regime de tudo. Tomei injeções para perder coxa e
bunda. É superdoloroso ...
Minha vida inteira foi de regime. Com 15 anos já fazia. Sempre pensando que iria ficar mais
bonita se fosse magra, que iria arranjar namorado, essas coisas ...
Meu corpo é inteiro de ossos. É horrível. Quero casar e ter filhos. Hoje não posso nem pensar
em ter filhos com esse peso.
Nunca mais saí, nunca mais viajei. Tenho vergonha de colocar um biquíni. Nunca mais comprei
roupa. Não tenho mais prazer.”
Texto - (Folha de São Paulo, 12/3/95, Caderno Cotidiano, p.3)
Metodologia: Debate
Proposta 4
Duração: 1h/aula
“A partir de agora, o domínio da ciência só se produz pela arte. Trata-se de juízos de valor sobre
o saber e o saber muito. Tarefa imensa e dignidade da arte nesta tarefa! Ela deve recriar tudo
e recolocar sozinha a vida no mundo”(...) “A nossa visão prende-nos às formas. (...) o filósofo
reconhece a linguagem da natureza e diz: “Temos necessidade da arte” e ‘só precisamos de uma
parte do saber”’’ (do livro do filósofo, aforismos 39 e 51)
Duração: 1h/aula
Sugestões bibliográficas
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
KLEIST, Heinrich V. Sobre o teatro de marionetes. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1997 (Ed.
P.Süssekind).
NIETZSCHE, F. W. A genealogia da moral. São Paulo: Cia das Letras, 1998 (Ed. P.C. de Souza).
Páginas de
Filosofia na
Internet
Janeiro de 2006
Filosofia
Navegar é preciso.
Filosofia na literatura
“Funes, o Memorioso” , de Jorge Luis Borges. http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/funes.htm
“O Espelho”, de Machado de Assis, ou: “Sobre o problema da identidade do homem, em
Rousseau”, de Gilda Maciel de Barros. http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/gilda.htm
“O Segredo do Bonzo”, de Machado de Assis. http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/bonzo.htm
“O Mistério das Cousas”, de Fernando Pessoa. http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/pessoa1.htm
“Diálogo Filosófico”, C. Drummond de Andrade. http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/dialogo.
htm
“Tabacaria”, de Fernando Pessoa. http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/pessoa2.htm
“A Falsa Eternidade”, de C. Drummond de Andrade. http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/falsa.
htm
“Riobaldo: o Jagunço-Filósofo”, excertos de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.
http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/riobaldo.htm
Observação
Os interessados em textos completos de alguns dos maiores nomes da literatura nacional
podem consultar a página do Prof. Alckmar, intitulada: Literatura em Meio Eletrônico. http://
alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/
A Filosofia no
Ensino Médio e a
Prova de Filosofia
no Vestibular
Janeiro de 2006
Filosofia
Resumo
Embasando-se na dinâmica própria da atividade filosófica e de
sua tradição, são pensadas as práticas de ensino e avaliação
no Ensino Médio. Resulta dessa reflexão uma proposta de
implementação da prova de Filosofia no vestibular, bem
como de preparação dos estudantes para o desempenho dessa
prova.
A Filosofia é, antes de tudo, uma atividade e uma atitude; nesse sentido, a Filosofia está sempre
presente – no presente. Mas a atitude filosófica é uma postura e uma ação reflexiva, quer dizer,
flexiona sobre si mesma, como se olhasse por uma janela semi-espelhada em que se pode ver
o mundo e também o nosso olhar a vê-lo e, então, admira-se com esta visão reunida de efeito
e causa.
Para a Filosofia, não basta saber que as coisas estão aí à nossa frente, que há objetos no mundo
de um ou de outro jeito. Ela se pergunta por quê? Por que as coisas estão aí desse modo? Qual
a causa de serem assim? Quando a dúvida e o espanto se instalam em nosso pensamento é
que começamos a filosofar. O espanto e a dúvida, porém, nos retiram do presente, nos retiram
pelo menos da presença estável do mundo e de suas coisas. O presente das coisas se retrai e se
torna objeto do nosso pensamento. Então, o que se torna presente é o nosso pensamento, e
as coisas do mundo se tornam coisas pensadas (e passadas), objetos da nossa investigação. A
investigação das causas de as coisas serem assim, os gregos a chamavam de historía. Por isso,
não apenas chamavam de história a investigação dos fatos humanos, mas também chamavam
de história, por exemplo, a investigação empírica dos animais.
Mas a Filosofia não é apenas uma reflexão que investiga as causas das coisas. Ela quer ir além
e alcançar a causa última de todas as coisas, ela quer ser uma investigação não factual, não
empírica, não de cada coisa uma por uma, mas ela quer ser total, universal, originária. Para
tanto, ela usa um estratagema: ela flexiona uma segunda vez. Para além de perguntar as causas
de cada coisa, ela pergunta pela causa primeira, pelo princípio. Mas o princípio para a Filosofia
não é o começo, algo que ocorreu num passado remoto. Se buscar a causa primeira fosse
buscar a causa da causa da causa de um evento, buscando o primeiro dominó do tempo que
empurrou todos os demais, a Filosofia nunca iria encontrar o seu objeto de investigação, pois
em todo evento sempre há de se encontrar um anterior. Assim, a Filosofia, quando busca o
princípio, salta para fora do tempo eventual, do tempo linear, da sucessão do antes e do depois.
Ela salta para dentro do universal e busca não a causa desta coisa, mas a causa de toda coisa,
da coisa em geral.
Nesse movimento de reflexão, a Filosofia fez um salto sobre si mesma: deslocou com sua
atividade presente de pensamento todas as coisas para fora do presente, suspendendo-as de
sua presença. Essa suspensão o grego chama de epoché – é daí que tiramos a palavra “época”.
Assim, ao circunscrever a totalidade do presente, buscando as suas causas, a Filosofia cria no
seu tempo uma “época”. Mas ela faz isto mergulhando no que transcende toda época e toda
particularidade, buscando o universal, o que é para todos em todo tempo.
Nesse confronto temporal entre o conteúdo universal do pensamento que pensa o princípio
de todas as coisas, por um lado, e, por outro, sua realização efetiva, sempre situada numa
atividade humana, é que surge a dupla possibilidade de estudo da Filosofia. Possibilidades não
excludentes, mas sempre inter-relacionadas. Por um lado, esse estudo pode ser orientado pela
história e sua investigação das causas na diacronia dos eventos. Por outro, esse estudo pode ser
orientado pela busca do princípio universal que reúne as épocas, os filósofos e suas filosofias
numa totalidade temática.
Essa dualidade comporta dois desvios muito comuns, os quais passam por não perceber essa
dualidade e, geralmente, por apoiar-se em algum extremo de modo exclusivo e excludente.
O primeiro desvio é denunciado por Hegel na sua obra “Introdução à História da Filosofia”
(1816); trata-se de lidar com a Filosofia e sua história como uma galeria de doutrinas e opiniões
diferentes que se sucedem aleatoriamente e tendem a excluir umas às outras do campo da
verdade. O que importa é o fato de que cada filósofo construiu uma Filosofia, cujo conteúdo
é acessível pelos textos que deixou, e dos quais eu posso extrair um certo número de conceitos
e sentenças para compor uma coletânea ou manual. Esse tipo de História da Filosofia existe
desde a antiguidade e era chamado de “doxografia”. É o caso, por exemplo, do “Vidas e
Doutrinas dos Filósofos Ilustres” de Diógenes Laércio (séc. III), modelo até hoje do manual
de história da Filosofia, reunindo escolas doutrinárias e dispondo-as cronologicamente. Esse
modelo é nitidamente mais historiográfico do que filosófico, mas é o mais encontrado na
academia, e não nos cursos de História, mas nos próprios cursos de Filosofia.
Outro desvio, também bastante comum, é o que tende a enquadrar toda a diversidade dos
eventos históricos, todos os filósofos e suas obras, na unidade absoluta de um sistema,
organizando e distribuindo um conjunto de temas próprios da Filosofia. Esse desvio é a
praxe de abordagem da Filosofia e sua história, da parte dos próprios filósofos. A “História
da Filosofia” e a “Enciclopédia” de Hegel são os grandes paradigmas dessa abordagem, mas
ela existe, de fato, desde a primeira história da Filosofia, contada por Aristóteles no primeiro
livro da sua Metafísica (séc. IV a.C.). Esse tipo de abordagem, aliás, podemos denominar
de abordagem metafísica; tem ela a vantagem, para o interessado em Filosofia, de ser
indubitavelmente filosófica, quer dizer, voltada para um princípio universal. Tem, porém, a
desvantagem, também metafísica, de descolar-se da atividade presente e tender à abstração
vazia à medida que despreza a diversidade do caráter e das perspectivas de abordagem de um
Ainda que possamos ressalvar que muito do estudo da Filosofia tem se restringido atualmente
ao conhecimento superficial da história dos autores e suas máximas, o interesse primeiro de
quem busca a Filosofia não é a erudição histórica, mas o tratamento de temas e questões
fundamentais – incluindo aí também a própria problematização da História e da Filosofia.
Essa é a primeira consideração quando se busca uma relação autêntica com os textos de Filosofia:
interessa-nos menos que tenham dito isto ou aquilo assim ou de outra maneira; interessa-
nos, sobretudo, que, com eles, podemos também agora pensar questões sempre prementes
da realidade e de nossas relações com o real, com outros homens e com nós mesmos; que
possamos colocar em causa o mundo, o tempo, o homem, a ação, a criação, o conhecimento, a
verdade, a linguagem e outros temas de mesma relevância.
Como a Filosofia questiona temas universais, é de sua própria natureza que a reflexão de um
filósofo particular, em uma época também particular, possa repercutir como pensamento real
e fundamental em outros homens e outras épocas – inclusive em nós. As reflexões sobre a
natureza da morte que Sócrates desfia no Diálogo “Fédon”, de Platão, por exemplo, continuam
relevantes para todos nós que somos acometidos pela angústia de nossos limites de vida e
pela busca de seu sentido. As considerações políticas de Aristóteles acerca da superioridade da
beleza sobre a utilidade são excelentes para pensar o mundo contemporâneo da técnica. E onde
encontramos uma compreensão tão clara do sentido da ciência moderna como no prefácio da
“Crítica da Razão Pura” de Kant? As possibilidades são inúmeras, pois sempre há vias de
iluminar um problema de relevância atual por meio de algum texto da tradição filosófica.
Isso nos dá uma indicação clara e positiva sobre a maneira de apresentar a Filosofia para quem
nunca teve contato com seus textos, mas que sem dúvida já passou por temas e questões de
sua alçada: justamente fazer a ligação entre tais temas e questões, em uma reflexão perspicaz,
cuidadosa, rigorosa, bem argumentada, que pode ser propiciada pela leitura de um grande
autor, de um texto clássico de Filosofia.
O texto de Filosofia não “ensina Filosofia” didaticamente, mas é, ele mesmo, o pensamento
e o acesso ao pensamento filosófico, de modo que precisa ser tratado como tal e não como
um livro didático “mais difícil”. Efetivamente, se é buscado um conjunto de conhecimentos
verificáveis, um cabedal de conteúdos acumuláveis, o texto de Filosofia não só é difícil, mais
até, é impossível! Não é isso que se vai encontrar num texto de Filosofia. Um professor de
Filosofia sabe disso e sabe que o texto de Filosofia não é um texto didático, mas um percurso
de pensamento a ser experimentado e percorrido intensamente em várias direções e com muito
mais vagar. Um texto em que é preciso repertoriar um vocabulário novo, um tema, um conjunto
de questões, posições, suposições, intenções, conseqüências, em que é preciso acompanhar
passo a passo os argumentos e justificativas. Em suma, um texto que precisa ser lido e relido
muitas vezes e, a cada vez, com um olhar renovado pela leitura e discussão anteriores. Um
texto que não se lê passivamente para aprender, mas ativamente, para interrogar, questionar e
pensar.
Em mudando a atitude de leitura do texto, ele não entra mais numa escala de valor entre o mais
fácil e o mais difícil, pois na experiência do pensamento não se busca resolver os problemas, mas
antes encontrá-los e aprofundá-los. A função do professor de Filosofia é a de dar esse exemplo
de mudança na atitude de abordagem do texto e despertar o interesse por sua problematização.
Essa função requer muitas vezes uma preparação propedêutica, pois, sobretudo no ensino
médio, há mais dificuldades para realizar essa abordagem filosófica de um texto filosófico.
É que vigora, desde o ensino básico até a universidade, um grave problema conjuntural de
deficiência de leitura. Todos conhecemos os terríveis dados sobre o analfabetismo funcional,
e a leitura de um texto filosófico requer um pouco mais de maturação na leitura de textos. De
modo que o professor do ensino médio tem de colaborar, junto com seus colegas de todas as
disciplinas, para a aprendizagem e o desenvolvimento da leitura em geral.
são por eles substituídos!), mas também textos e matérias usados em outras disciplinas ou
provenientes do ambiente cultural mais próximo. É perceptível um crescente desenvolvimento
editorial para a elaboração de tais materiais.
Uma escola que desenvolve um ensino de matemática de qualidade, que desenvolve bons hábitos
de leitura e escritura, e que disponibiliza um acesso variado às diversas manifestações culturais
certamente está mais preparada para o ensino da Filosofia. Mas o ensino da Filosofia não deve
esperar que o aluno fique “bem preparado” para finalmente apresentar suas questões e sua
abordagem. O ensino de Filosofia deve colaborar o tempo todo com todos os caminhos que
levam à formação básica de um adulto autônomo e livre, apto a iniciar todos os desempenhos
humanos, cívicos, científicos e profissionais; a decidir sua vida, seja nas suas dimensões éticas
e existenciais, seja no desempenho de uma profissão com exigências gerais de qualificação,
seja ainda no prosseguimento de estudos para uma atividade com formações específicas
adicionais. Esta colaboração interdisciplinar pode conferir à escola justamente a idéia de que as
disciplinas não devem ser compartimentalizações excludentes do saber, mas instrumentos para
a realização de um mesmo fim: a formação desse cidadão esclarecido, livre e capaz. A Filosofia,
justamente por seu caráter pré-disciplinar, por não ser definida por um conjunto de conteúdos
informativos e por sua atitude reflexiva, é o melhor caminho para a integração das diversas
disciplinas escolares, e deve assumir efetivamente esse papel. O professor de Filosofia pode
buscar o trabalho conjunto com os diversos professores de outras disciplinas, buscando ler nos
seus conteúdos particulares as questões de ordem filosófica; e deve usar o seu tempo específico
para capacitar o aluno à leitura reflexiva de qualquer texto, auxiliando o aluno a desenvolver
uma capacidade mais aprofundada de compreensão em geral.
É bom lembrar também que a compreensão de um texto em geral, a reflexão estética sobre
as diversas formas da cultura e a problematização autônoma de questões éticas e políticas
quotidianas são algumas diretrizes afinadas com o que propõe a LDB. O sentido do estudo de
Filosofia no ensino médio, tal como propõe a lei de Diretrizes e Bases da educação brasileira,
não está na aquisição de informações sobre doutrinas ou autores da história da Filosofia, nem
na preparação específica para um estudante de Filosofia de nível superior, mas na formação
humanística geral que se quer para todo cidadão livre e capaz de compreender e lidar com seu
próprio mundo.
O livro de Danilo Marcondes, Textos Básicos de Filosofia (Zahar, 1999), é um bom exemplo de acesso aos textos
clássicos.
Há relatos de experiências com estudos coordenados entre diversas disciplinas notavelmente bem sucedidos, tais como
o estudo do “nome” e do “verbo” abordados do ponto de vista gramatical e filosófico, pelos professores das duas disciplinas
em conjunto (Prof. Dr. André Valente e Prof. Dr. Fernando Santoro, turma de terceiro ano do Centro Educacional Anísio
Teixeira, 1991).
Um exemplo é o recém premiado com o Jabuti, na categoria “paradidático”, Explicando a Filosofia com Arte de
Charles Feitosa (Ediouro, 2004).
Enfim, acreditamos que a ênfase maior do ensino de Filosofia não deva ser direcionada para
qualquer programa de conteúdos informativos determinados, mas para a compreensão reflexiva
das questões filosóficas em geral e para a capacitação da abordagem dessas questões a partir
da leitura de textos. Primeiro, de textos em geral, segundo, de textos propriamente filosóficos
– quaisquer.
Acreditamos, portanto, que o ensino de Filosofia deve priorizar o estudo e a leitura ativa
de textos em geral e alcançar a capacidade de pensar com um texto filosófico, buscando
encontrar questões universais e experimentá-las na vitalidade de sua realidade atual. Dessa
forma, os instrumentos de orientação e comprovação da efetividade dessa experiência devem
proporcionar e incentivar esse movimento. O Vestibular é um instrumento desse tipo: primeiro,
como ferramenta de seleção que é (a despeito de todas as críticas passíveis a um instrumento
de seleção para entrada no ensino superior), deve ele comprovar, num exame de Filosofia, a
capacidade de relacionar e questionar um tema universal (logo: atual) a partir de elementos
textuais filosóficos; segundo, como bússola orientadora do que devem buscar os educadores na
formação filosófica geral do estudante de Ensino Médio, o vestibular deve incentivar o estudo
autêntico e efetivo da Filosofia pelo modo e pela forma de propor as questões de sua prova.
Com certeza, há muitas formas de atender a esses propósitos. O que se propõe a seguir é
apenas uma dentre essas tantas, e bem simples.
Procedimentos didáticos
O formato
A prova apresentaria um trecho de um texto clássico (um parágrafo ou dois) e proporia uma
questão temática de interesse atual para que o estudante disserte sobre a mesma, usando
necessariamente elementos do trecho apresentado.
Variantes
1) O trecho pode ser confrontado com um outro elemento que configure a abordagem atual:
canção, imagem, notícia etc. 2) Podem ser apresentados mais de um texto, e o estudante
escolheria apenas um de sua preferência para desenvolver a questão.
Os requisitos
Ter estudado o texto apresentado, de modo a saber usar os seus conceitos, idéias, argumentos,
para pensar e desenvolver uma questão temática. Para tanto, a comissão de vestibular pode
estabelecer um repertório de textos clássicos, não precisa ser grande, que poderiam ter trechos
escolhidos para a prova. Os livros seriam anunciados com a antecedência necessária para serem
estudados e poderiam entrar num rodízio anual, de modo a não fixar um padrão demasiado
rígido de leitura. A cada ano poderiam ser anunciadas de duas a quatro obras diferentes para
serem estudadas (pensando na distribuição bimestral do ano letivo), das quais seriam extraídos
os trechos da prova. Não precisam ser livros inteiros, podem ser capítulos de livros, cartas,
sermões etc.
O repertório bibliográfico
Deve contemplar textos originais de filósofos ou escritores clássicos (ressalte-se que questões
filosóficas podem aparecer em obras não necessariamente reputadas como de Filosofia), mas
não manuais. Devem existir edições brasileiras acessíveis (recentes, baratas). Seria interessante
indicar todo ano, entre os textos a serem lidos, pelo menos um escrito originalmente em Língua
Portuguesa. É recomendável também que os textos sejam trocados anualmente. Obviamente,
o anúncio por si só deste repertório já mobilizaria a produção editorial e o barateamento das
edições, e isto é uma das repercussões paralelas positivas da implantação dessa prova.
O ano letivo tem quatro bimestres e a Filosofia é obrigatória nas escolas de Ensino Médio do Estado do Rio de Janeiro
pelo período mínimo de um ano. Dois a quatro textos podem ocupar parte ou todo o programa de quatro bimestres, se o
professor o quiser.
As demais obras indicadas, e outras mais, também passíveis de indicação, por serem clássicas,
são facilmente encontradas em livrarias e bancas de jornal, quase todas disponíveis em edições
de bolso (Coleções filosóficas das editoras L & PM, Martin Claret, Martins Fontes, Ediouro
etc.). Ver, no quadro do artigo anterior, endereços virtuais para baixar livros filosóficos da
Internet.
Critérios de correção
• Uso dos conceitos do trecho escolhido na resposta.
• Clareza e correção lingüística da redação.
• Circunscrição da resposta ao tema e à questão proposta.
• Aprofundamento interpretativo dos conceitos do trecho em direção à questão proposta.
• Ordenação e disposição coerente dos argumentos.
Na ocasião da prova, a Comissão de Vestibular selecionará uma questão para cada texto e um
trecho do texto respectivo que a ilustre ou provoque. Poderão ser acrescentados à formulação de
cada questão elementos de atualidade (canção, notícia etc.). Das quatro questões, o vestibulando
escolherá duas para desenvolver no formato de uma dissertação.
Duração: 6h/aula
Os requisitos de uma boa dissertação de interpretação de texto filosófico são:
1. Reconhecimento do tema.
2. Familiaridade com o texto, suas questões, seus argumentos, seus conceitos.
3. Leitura compreensiva.
4. Capacidade de expressão escrita.
1. Apresentação do tema e suas questões: para esta etapa inicial, pode-se despertar o interesse
do estudante com elementos que lhe sejam próximos e atraentes: canções, filmes, poemas,
notícias, fatos quotidianos. Nesta etapa, são mais importantes o interesse e a participação do
que propriamente um rigor filosófico conceitual. Despertado o interesse, passa-se à segunda
etapa.
3. Leitura ativa: o texto filosófico deve agora ser lido na integra em casa, mas não de modo
passivo. É preciso propor uma atividade, uma tarefa a ser cumprida, que dependa da leitura
do texto. Pode ser a apresentação de algum trecho por parte de um grupo, pode ser uma
representação dramática, uma disputa por dois grupos de posições opostas, a montagem de um
painel. É o momento de usar a criatividade para cativar o esforço de leitura.
4. Compreensão do texto: durante e depois das atividades de leitura ativa é preciso experimentar
e explorar a compreensão do texto. É a hora de o professor intervir com questões e buscar
extrair dos estudantes a expressão dos argumentos, dos conceitos, dos pontos relevantes do
texto.
5. Escritura: O tempo todo o professor deve incentivar a expressão escrita de cada etapa anterior,
visto que escrever se aprende com exercício intenso. Deve buscar que o estudante formule com
clareza as suas frases, as suas idéias. Para completar a preparação, deve ser proposta uma prova
de dissertação, nos moldes da que seria proposta no Vestibular, com os mesmos critérios de
formulação e avaliação.