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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Processo nº 104.

537-4/22
GABINETE DA CONSELHEIRA SUBSTITUTA
ANDREA SIQUEIRA MARTINS

VOTO GCS-2

PROCESSO: TCE-RJ Nº 104.537-4/22


ORIGEM: GOVERNADORIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
ASSUNTO: CONSULTA

CONSULTA. DÚVIDA RELACIONADA À


METODOLOGIA DE APURAÇÃO DO CUMPRIMENTO
DA NORMA PREVISTA NO ARTIGO 42 DA LEI DE
RESPONSABILIDADE FISCAL E DA APLICABILIDADE
DO ARTIGO 9º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 194, DE
23 DE JUNHO DE 2022. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
POSITIVO. CONHECIMENTO. OBSERVÂNCIA DE
PREMISSAS POR OCASIÃO DA ANÁLISE DO
CUMPRIMENTO DO ARTIGO 42 DA LEI DE
RESPONSABILIDADE FISCAL. ADMISSIBILIDADE DE
COMPENSAÇAO ENTRE FONTES DE RECURSOS
NÃO VINCULADOS. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO
DE EVENTUAL SALDO DE DISPONIBILIDADE DE
CAIXA LÍQUIDA NO GRUPO DE RECURSOS NÃO
VINCULADOS PARA COBERTURA DE EVENTUAIS
INSUFICIÊNCIAS EM FONTES DE RECURSOS
VINCULADOS. INADMISSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO
DE SUFICIÊNCIA DE DISPONIBILIDADE DE CAIXA
ATINENTE À DETERMINADA FONTE DE RECURSOS
VINCULADOS PARA COMPENSAR INSUFICIÊNCIA
DE RECURSOS REFERENTE A QUALQUER OUTRA
FONTE DE RECURSOS. NÃO RESPONSABILIZAÇÃO,
NO EXERCÍCIO DE 2022, DE AGENTES PÚBLICOS
ACASO O DESCUMPRIMENTO DO ARTIGO 42 DA LEI
DE RESPONSABILIDADE FISCAL RESULTE DA
PERDA DE ARRECADAÇÃO DO ICMS DECORRENTE
DA LEI COMPLEMENTAR Nº 194/2022. EXPEDIÇÃO
DE OFÍCIO AO CONSULENTE. ARQUIVAMENTO.

Versam os autos sobre Consulta subscrita pelo Senhor Claudio Bomfim de


Castro e Silva, Governador do Estado do Rio de Janeiro, por meio da qual solicita a esta
Corte esclarecimentos acerca da metodologia de apuração do cumprimento da norma
prevista no artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal, bem como da aplicabilidade do
artigo 9º da Lei Complementar nº 194, de 23 de junho de 2022.

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A Coordenadoria de Análise de Consultas e Recursos – CAR, após análise


dos autos, concluiu nos seguintes termos:

1. O CONHECIMENTO da presente consulta;

2. A EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO ao consulente, dando-lhe ciência da decisão desta Corte,


consignando as seguintes teses:

2.1. A metodologia a ser aplicada na verificação do cumprimento do disposto no art. 42 da LRF


no âmbito das contas de governo do exercício de 2022 seguirá as seguintes premissas:

a) As fontes de recursos vinculados serão analisadas individualmente, apurando-se a


suficiência/insuficiência das disponibilidades de caixa relativa a cada uma delas depois de
deduzidas as respectivas obrigações de despesas do montante de disponibilidade financeira
correspondente, em observância ao que estabelece o art. 8º, parágrafo único, da Lei
Complementar nº 101/00;

b) As fontes de recursos não vinculados a um fim específico serão examinadas individualmente,


apurando-se a suficiência/insuficiência da disponibilidade de caixa frente às obrigações de
despesas pelo critério de grupo;

c) A suficiência de disponibilidade de caixa atinente a determinada fonte de recursos vinculados


não poderá ser utilizada para compensar insuficiência de recursos referente a qualquer outra
fonte, ainda que seja também de receitas vinculadas, em razão do disposto no art. 8º, parágrafo
único, da Lei Complementar nº 101/00;

d) Admitir-se-á a compensação entre as fontes de recursos sem destinação específica (não


vinculados);

e) Não será admitida a compensação de insuficiência de disponibilidade de caixa atinente a fonte


de recursos vinculados com o saldo positivo do grupo das fontes de recursos sem destinação
específica.

2.2. Os governantes não poderão ser responsabilizados caso o descumprimento do art. 42 da


Lei Complementar nº 101/00 ocorra, exclusivamente, no exercício de 2022 e em razão da perda
de arrecadação do ICMS decorrente das alterações introduzidas na legislação tributária pela Lei
Complementar nº 194/22, conforme dispõe o seu art. 9º, §2º.

3. O posterior ARQUIVAMENTO deste processo.

Submetido o feito à apreciação da douta Procuradoria-Geral deste Tribunal, o


ilustre Procurador Felipe Rocha Deiab proferiu parecer divergente em parte da opinião
do Corpo Instrutivo, endossado pelo Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Sérgio
Cavalieri Filho, concluindo nos seguintes termos:

Pelo exposto, pode-se concluir que:

a) a ausência de previsão, em lei complementar federal (rectius: nacional), da metodologia de


cálculo para apurar a “suficiente disponibilidade de caixa”, referida no art. 42 da LRF, não

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implica atribuição de poder legiferante a esta Egrégia Corte de Contas para, em substituição
ao legislador federal, fixar normas gerais de Direito Financeiro;

b) à luz do art. 11, caput, inciso III, alínea “c” da Lei Complementar federal n° 95/98, a
interpretação lógica da regra do parágrafo único do art. 8° da LRF só pode ser a de que este
complementa a regra do caput do mesmo dispositivo;

c) a disposição do parágrafo único do art. 8° da LRF é destinada exclusivamente à execução


orçamentária e ao Chefe do Poder Executivo, na qualidade de titular da iniciativa de projeto
de lei em matéria orçamentária, e não tem relação direta com a regra do art. 42 da LRF, que
versa sobre disponibilidade de caixa e é destinada a todos os titulares de Poder ou órgão
constitucional autônomo;

d) disponibilidade de caixa é um conceito não só contábil, mas também jurídico, essencialmente


material e dinâmico, que, segundo a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal,
pode ser sintetizado como “dinheiro não afetado a determinado fim”;

e) justamente por ser “dinheiro não afetado a determinado fim”, a disponibilidade de caixa pode
ser utilizada para cobrir a insuficiência de recursos destinados à certa finalidade, ou seja,
para cobrir despesas não suficientemente cobertas pela receita de fonte vinculada;

f) o art. 50, caput, inciso I, da LRF veicula norma de contabilidade pública e de escrituração de
contas públicas, que, em momento algum, veda a utilização de recursos livres para despesas
vinculadas;

g) o eventual descumprimento da regra do art. 42 da LRF não se limita à esfera administrativa,


tendo também repercussão criminal, nos termos do art. 359-C do Código Penal, de modo
que a adoção da nova metodologia de cálculo proposta pode implicar sanções de natureza
penal e não apenas administrativa;

h) de acordo com a metodologia de cálculo adotada pelo próprio Tribunal de Contas da União,
órgão de controle externo conhecido pelo rigor na aplicação das normas de Direito
Financeiro, considera-se cumprida a norma do art. 42 da LRF “quando existem suficientes
disponibilidades financeiras líquidas (após a inscrição em restos a pagar não processados)
não vinculadas a determinada destinação (recursos ordinários ou livres) para cobrir eventuais
insuficiências em grupos de fontes vinculadas de forma agregada ou em fontes vinculadas
específicas”, sendo esta muito mais adequada do que a nova, proposta pelo Corpo Instrutivo
desta Egrégia Corte de Contas;

i) os agentes públicos não poderão ser responsabilizados, no exercício financeiro de 2022, por
violação ao art. 42 da Lei Complementar federal nº 101/00, caso este decorra da perda de
arrecadação do ICMS decorrente das alterações introduzidas na legislação tributária pela Lei
Complementar Federal nº 194/22, conforme dispõe o seu art. 9º, §2º.

É o parecer, s.m.j.

Encaminhados os autos ao Ministério Público de Contas, o ilustre Procurador-


Geral, Henrique de Cunha Lima, divergiu do corpo instrutivo quanto ao item “e” da
proposta de tese apresentada, de que não seria admitida a compensação de insuficiência
de disponibilidade de caixa atinente à fonte de recursos vinculados com o saldo positivo

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do grupo das fontes de recursos sem destinação específica, e corroborou o entendimento


esposado pela Procuradoria-Geral desta Casa acerca da questão, consignando que
eventuais sobras de disponibilidades financeiras não vinculadas possam compensar
eventuais insuficiências de disponibilidades financeiras para a cobertura de obrigações
decorrentes de fontes vinculadas, para fins de apuração do cumprimento do artigo 42 da
LRF.

É o relatório.

Conforme exposto em meu relatório, este feito trata de consulta subscrita pelo
Governador do Estado do Rio de Janeiro, acerca da metodologia de apuração do
cumprimento da norma prevista no artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal, e da
aplicabilidade do artigo 9º da Lei Complementar nº 194, de 23 de junho de 2022.

No que diz respeito aos pressupostos de admissibilidade, coaduno-me com a


sugestão da instância instrutiva, corroborada pela Procuradoria-Geral desta Corte, pelo
seu conhecimento, porquanto devidamente observadas as normas previstas na
Deliberação TCE-RJ nº 276/2017. A peça inicial (i) foi ofertada por parte legítima; (ii)
versa sobre matéria situada na esfera da competência constitucional desta Corte; (iii)
refere-se a questionamento em tese, não se relacionando a dúvidas sobre caso concreto;
e (iv) contém indicação precisa da dúvida suscitada.

Vale lembrar a desnecessidade de demonstração da compatibilidade entre a


matéria objeto da consulta e os temas afetos à área de atribuição do órgão representado
pela autoridade legitimada, visto ser o consulente Chefe do Poder Executivo do Estado,
consoante o artigo 5º, inciso V, da Deliberação acima mencionada.

Em relação à identificada ausência de parecer jurídico, peça exigida pelo


parágrafo único do artigo 5º da supracitada deliberação, concordo em relevá-la, na
mesma linha de precedentes desta Corte, por não vislumbrar qualquer prejuízo à
compreensão do questionamento sob análise, mormente pelo fato de a peça exordial
estar acompanhada da Nota Técnica Conjunta SUBTES/SUBCONT n° 01/2022,
elaborada pela Secretaria de Estado de Fazenda (Arquivo: “Documento Anexado: SEI

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ERJ - 37744063 - NOTA TÉCNICA”), em que são expostas as dúvidas e a devida


contextualização.

Dessa forma, entendo não haver óbice à análise meritória da presente


consulta, o que passo a fazer a seguir.

Cabe consignar, inicialmente, que o artigo 3º, §§1º e 2º, da Deliberação TCE-
RJ nº 276/2017, prevê que a resposta à consulta constitui prejulgamento de tese, sem
caráter normativo ou vinculante e sem adentrar em caso concreto, devendo ser
considerada revogada ou reformada sempre que este Tribunal de Contas firmar nova
interpretação.

Como bem pontuado pelo zeloso corpo instrutivo, o “Tribunal de Contas do


Estado do Rio de Janeiro, ao exercer função orientadora, não substitui o Corpo Jurídico
dos entes submetidos a sua jurisdição, haja vista pronunciar-se em abstrato,
considerando os pareceres técnicos e a legislação que suscitaram o impasse enfrentado
pelo consulente.”

Pois bem. Narrou o consulente, no expediente inicial, que esta Corte de


Contas teria adotado, para fins de verificação do cumprimento do artigo 42 da Lei de
Responsabilidade Fiscal e até a apreciação das contas de governo estadual do exercício
de 2018, metodologia que considerava os valores referentes às disponibilidades de caixa
e as obrigações de despesas contraídas, de forma global, sendo os montantes
consolidados, independentemente das características das fontes de recursos com as
quais guardavam vinculação, expurgando, da análise, tão-somente os valores relativos
aos convênios firmados e ao Regime Próprio de Previdência dos Servidores, por
possuírem destinação específica.

Ressaltou que, por ocasião da análise das contas de governo do exercício de


2018, esta Corte teria indicado a alteração da metodologia de apuração do cumprimento
do artigo 42 da Lei em comento, a partir da prestação de contas do exercício de 2022,
de modo que as disponibilidades de caixa e obrigações contraídas passassem a ser
observadas de forma segregada e por fonte de recursos.

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De fato, esta Corte, acompanhando sugestão oferecida pelo Corpo Instrutivo


nos autos da prestação de contas de governo estadual daquele exercício – Processo
TCE-RJ nº 101.949-1/19, efetuou comunicação aos jurisdicionados, informando sobre a
referida alteração de metodologia de apuração, que ocorreria a partir da prestação de
contas de governo relativa ao exercício de 2022.

Alegou o consulente que, não obstante o novo método de apuração


representar um avanço sob o ponto de vista fiscal - uma vez que permite verificar se há
recursos suficientes para pagamento das obrigações vinculadas às destinações
específicas, impedindo que eventuais saldos positivos oriundos de tais fontes sejam
computados como garantia de recursos passíveis de financiar outras obrigações -,
desconsideraria a possibilidade de realocação de recursos que, por sua natureza, seriam
de livre destinação.

Neste contexto, fundamentado em nota técnica conjunta elaborada pela


Subsecretaria do Tesouro e pela Subsecretaria de Contabilidade Geral do Estado, o
consulente alertou para o risco patente de descumprimento do disposto no art. 42 da
LRF pelo Chefe do Poder Executivo, diante da nova metodologia de apuração definida
pelo TCE-RJ, tendo em vista o horizonte de drástica perda arrecadatória que recaiu
sobre a principal fonte de recursos do Estado, no decurso do exercício financeiro,
decorrente da repentina publicação da Lei Complementar n° 192, de 11 de março de
2022, e da Lei Complementar n° 194, de 23 de junho de 2022, bem como da medida
liminar concedida nos autos da ADI n° 7.164, em trâmite no Supremo Tribunal Federal.

Como alternativa à forma de verificação do cumprimento da norma contida no


mencionado dispositivo legal, o consulente apresentou a metodologia de apuração que
seria adotada pelo Tribunal de Contas da União, que, a despeito de estabelecer regra
menos rígida, atingiria os objetivos pretendidos pelo legislador, uma vez que garantiria
que os recursos de fontes com destinação vinculada não seriam utilizados para o
financiamento de obrigações distintas daquelas, ao mesmo tempo que viabilizaria que
as fontes livres pudessem ser utilizadas para suportar obrigações que não contassem
com fontes suficientes.

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Outro ponto levantado pelo signatário do expediente inicial diz respeito aos
impactos estimados sobre a arrecadação estadual, oriundos da edição da Lei
Complementar nº 194/2022, que alterou a Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional) e
a Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir), para considerar bens e serviços essenciais os
relativos aos combustíveis, à energia elétrica, às comunicações e ao transporte coletivo,
para fins de incidência do ICMS.

Com a edição da referida norma, o legislador, dentre outras ações afetas à


seara tributária, vedou, em relação às mercadorias e serviços tidos como essenciais, a
fixação de alíquota do ICMS em patamar superior àquele aplicado nas operações em
geral, facultada a sua redução a alíquotas menores para beneficiar os consumidores,
além de proibir que a alíquota reduzida para combustíveis, gás natural e energia elétrica
fosse fixada em percentual superior ao da respectiva alíquota vigente na data da
publicação da Lei - que ocorreu em 05/08/2022.

Em decorrência de tais alterações legislativas, o consulente informou que o


Estado do Rio de Janeiro sofreria uma perda arrecadatória da ordem de R$3 bilhões já
no exercício de 2022, e de R$7,2 bilhões nos exercícios subsequentes.

Sendo assim, considerando o potencial de causar desequilíbrio nas contas


públicas estaduais e impossibilitar o atingimento dos compromissos e metas fiscais
originalmente estabelecidas e, especialmente, o atendimento à norma contida no
artigo 42 da LRF, o consulente indagou a esta Corte se o artigo 9º da Lei Complementar
nº 194/2022, a seguir transcrito, afastaria o cumprimento do referido dispositivo da LRF:

Art. 9º Exclusivamente no exercício financeiro de 2022, os Estados, o Distrito Federal, os


Municípios e os agentes públicos desses entes federados não poderão ser responsabilizados
administrativa, civil, criminalmente ou nos termos da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, pelo
descumprimento do disposto nos arts. 9º, 14, 23, 31 e 42 da Lei Complementar nº 101, de 4 de
maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).

§ 1º A exclusão de responsabilização prevista no caput deste artigo também se aplica aos casos
de descumprimento dos limites e das metas relacionados com os dispositivos nele enumerados.

§ 2º O previsto neste artigo será aplicável apenas se o descumprimento dos dispositivos referidos
no caput deste artigo resultar exclusivamente da perda de arrecadação em decorrência do
disposto nesta Lei Complementar.

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Foram estes os temas abordados pelo consulente que, ao final, apresentou


os seguintes questionamentos, que busca serem respondidos por esta Casa:

1. É possível a alteração da metodologia de apuração do cumprimento do art. 42 da LRF adotada


pelo TCE-RJ, de modo a harmonizá-la com a metodologia adotada pelo Tribunal de Contas da
União? Especificamente, considerando:

(i) a utilização do critério global e do critério de grupo de fontes, separado por fontes vinculadas
e fontes livres e;

(ii) a possibilidade de compensar eventuais fontes vinculadas negativas com o resultado positivo
da soma dos recursos não vinculados.

2. O TCE-RJ compartilha o entendimento do Poder Executivo Estadual no sentido de que o art.


9° da LC 194/2022 afasta o cumprimento do art. 42 da LRF em decorrência da perda de
arrecadação, em especial, na fonte de recursos 100?

No que diz respeito ao primeiro quesito formulado, o zeloso corpo instrutivo,


em síntese, entendeu que a apuração das disponibilidades de caixa para fins do disposto
no artigo 42 da LRF, a partir do exercício de 2022, devesse se dar de forma segregada
por fonte de recurso, e não mais pelo critério global, segregando-se as receitas e
despesas vinculadas a uma destinação específica daqueles recursos e obrigações não
vinculados, de livre destinação.

Defendeu a instância instrutiva que as fontes de recursos destinados a um fim


particular (recursos vinculados) e as fontes de recursos sem destinação específica
(recursos não vinculados), embora aglutinadas em grupos, devessem ser analisadas
individualmente, apurando-se a suficiência/insuficiência das disponibilidades de caixa
relativa a cada uma delas, depois de deduzidas as respectivas obrigações de despesas
contraídas nos dois últimos quadrimestres do último ano de mandato do montante de
disponibilidade financeira correspondente.

E, como consequência dessa análise individual, eventual suficiência de


disponibilidade de caixa atinente à certa fonte de recursos destinados a um fim específico
não poderia ser utilizada para compensar insuficiência de recursos referente a outra
fonte, mesmo que também de recursos vinculados, tendo em vista a dinâmica
estabelecida no art. 8º, parágrafo único, da Lei Complementar nº 101/00.

Por outro lado, admitir-se-ia a compensação entre as fontes de recursos não


vinculados, de tal forma que o saldo negativo de uma fonte pudesse ser compensado

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pelo resultado positivo de outra fonte do próprio grupo. E não seria admitida a
compensação de insuficiência de disponibilidade de caixa atinente à fonte de receitas
vinculadas com o saldo positivo do grupo das fontes de recursos sem destinação
específica.

Em resumo, no entendimento do corpo instrutivo, a metodologia que deveria


ser aplicada na apuração do cumprimento do disposto no art. 42 da LRF, nas contas de
governo relativas ao exercício de 2022, compreenderia uma análise individualizada da
disponibilidade de caixa quanto às fontes de recursos vinculados e não vinculados,
sendo que a disponibilidade negativa em fonte de recursos com destinação específica
não poderia ser compensada com saldo positivo de qualquer outra fonte, nem mesmo
dos recursos de destinação livre, admitindo-se, porém, a compensação entre as fontes
de recursos não vinculados a despesas específicas.

A douta Procuradoria desta Corte de Contas, divergindo da manifestação


técnica, concluiu que se considera cumprida a norma do artigo 42 da LRF quando
existem suficientes disponibilidades financeiras líquidas (após a inscrição em restos a
pagar não processados) não vinculadas à determinada destinação (recursos ordinários
ou livres) para cobrir eventuais insuficiências em grupos de fontes vinculadas de forma
agregada ou em fontes vinculadas específicas.

Segundo a PGT, a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal é no


sentido de que a disponibilidade de caixa representa “dinheiro não afetado a determinado
fim” e, em sendo assim, pode ser utilizada para cobrir a insuficiência de recursos
destinados à certa finalidade, ou seja, para cobrir despesas não suficientemente
cobertas pela receita de fonte vinculada.

Acrescenta a douta PGT que não encontra amparo jurídico a interpretação de


que o artigo 50, caput, inciso I, da LRF supostamente vedaria a utilização da
disponibilidade de caixa relativa a recursos não vinculados, para cobrir despesas de
fontes vinculadas:

(...) Na realidade, aquele dispositivo veicula norma de contabilidade pública e de escrituração de


contas públicas, que, em momento algum, veda a utilização de recursos livres para despesas
vinculadas, mas tão-somente impõe: (i) o registro próprio da disponibilidade de caixa, que, na
prática, é efetuado pelo DDC (demonstrativo de disponibilidade de caixa) e (ii) a identificação e

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escrituração individualizada de recursos vinculados a órgão, fundo ou despesa obrigatória, sem,


no entanto, proibir que o Chefe do Poder Executivo utilize recursos livres como melhor aprouver
à Administração Pública.

Considero adequado o entendimento esposado pela Procuradoria-Geral


desta Casa, no sentido de que eventuais sobras de disponibilidades financeiras não
vinculadas possam compensar eventuais insuficiências de disponibilidades financeiras
para a cobertura de obrigações decorrentes de fontes vinculadas, para fins de apuração
do cumprimento do artigo 42 da LRF, mormente pelo fato de que a própria Secretaria do
Tesouro Nacional, ao aprovar o Manual de Demonstrativos Fiscais – MDF, 12ª edição1,
cujos efeitos foram aplicados a partir do exercício financeiro de 2022, indicou, no capítulo
04.05.00 – Anexo 5 – Demonstrativo da Disponibilidade de Caixa e dos Restos a Pagar,
fls. 631, que, no caso de haver “saldo de disponibilidade de caixa líquida de recursos
ordinários, esse montante pode ser utilizado para cobrir eventuais insuficiências que
venham a ocorrer em fontes de recursos vinculados cuja própria disponibilidade não seja
suficiente para honrar as respectivas obrigações financeiras contraídas”.

O Parquet de Contas, em seu parecer, divergiu do corpo instrutivo quanto ao


item “e” da proposta de tese apresentada, de que não seria admitida a compensação de
insuficiência de disponibilidade de caixa atinente à fonte de recursos vinculados com o
saldo positivo do grupo das fontes de recursos sem destinação específica, e corroborou
o entendimento esposado pela Procuradoria-Geral desta Casa, conforme excerto a
seguir:

No mérito, a celeuma posta à apreciação desta corte versa acerca da possibilidade ou não de
compensar eventuais fontes de recursos vinculadas negativas com o resultado positivo de fontes
não vinculadas na apuração da disponibilidade de caixa, para fins de avaliação do cumprimento
do art. 42 da LRF nas contas do Chefe do Poder Executivo do ERJ do exercício financeiro de
2022 a serem apresentadas no exercício de 2023.

Conforme demonstrado acima, as manifestações do corpo técnico e da Procuradoria-Geral


(PGT) são diametralmente opostas sobre esta temática, concluindo o corpo instrutivo pela
inadmissibilidade “da compensação de insuficiência de disponibilidade de caixa atinente a fonte
de recursos vinculados com o saldo positivo do grupo das fontes de recursos sem destinação
específica” (item “e” da sugestão de resposta), ao passo que a PGT opina no sentido de que

1 Disponível em https://www.gov.br/tesouronacional/pt-br/contabilidade-e-custos/manuais/edicoes-anteriores-a-partir-da-
12a-edicao-em-2022/12a-edicao-manual-de-demonstrativos-fiscais-mdf-versao-4-de-15-06-2022-valido-ate-2022/view. Acesso
em: 16 de janeiro de 2023.

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recursos financeiros disponíveis não vinculados podem ser utilizados para saldar obrigações
decorrentes de fontes vinculadas para fins de verificação do cumprimento do art. 42 da LRF.

(...)

Ante todo exposto, o parquet de contas acompanha o fundamentado parecer da douta PGT, no
sentido de que não há impedimento legal para que os recursos financeiros de livre aplicação
sejam utilizados para pagamento de despesas vinculadas, podendo, portanto, eventuais sobras
de disponibilidades financeiras não vinculadas compensarem eventuais insuficiências de
disponibilidades financeiras para a cobertura de obrigações decorrentes de fontes vinculadas,
para fins de apuração do cumprimento do art. 42 da LRF.

Com relação ao segundo quesito apresentado pelo consulente – se o TCE-RJ


compartilha o entendimento do Poder Executivo Estadual no sentido de que o art. 9° da
LC 194/2022 afasta o cumprimento do art. 42 da LRF em decorrência da perda de
arrecadação, em especial, na fonte de recursos 100 -, o zeloso corpo instrutivo,
acertadamente, consignou que a aplicação do disposto no caput do artigo 9º do referido
diploma legal é impositiva, pelo que não poderão ser responsabilizados os agentes
públicos que se enquadrem na hipótese descrita no mencionado dispositivo, acaso
observada a condição inserta no seu parágrafo 2º.

Restou afastada, de fato, pela novel norma, a possibilidade de


responsabilização dos agentes públicos pelo descumprimento do artigo 42 da LRF no
exercício de 2022, acaso a transgressão, comprovadamente, resulte de forma
exclusiva da perda de arrecadação em decorrência do disposto na Lei
Complementar nº 194/2022.

A douta Procuradoria-Geral deste Tribunal, em seu parecer, além de ratificar


o posicionamento do judicioso corpo instrutivo, lembrou que todos os Chefes de Poder e
órgãos Constitucionais autônomos estariam albergados pela mencionada norma,
valendo dizer não apenas o Chefe do Poder Executivo, mas também o Presidente do
Egrégio Tribunal de Justiça, o Presidente da Augusta Assembleia Legislativa, o
Presidente deste Egrégio Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da Justiça e o
Defensor Público-Geral do Estado do Rio de Janeiro.

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Diante de todo o exposto, manifesto-me PARCIALMENTE DE ACORDO com


a proposta do Corpo Instrutivo e DE ACORDO com o parecer da Procuradoria-Geral
desta Corte e com o parecer do Ministério Público de Contas, e

VOTO:

1. Pelo CONHECIMENTO da presente consulta.

2. Pela EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO ao consulente, dando-lhe ciência da decisão


desta Corte, consignando as seguintes teses:

a. as fontes de recursos vinculados devem ser analisadas individualmente,


apurando-se a suficiência/insuficiência das disponibilidades de caixa
relativa a cada uma delas depois de deduzidas as respectivas
obrigações de despesas do montante de disponibilidade financeira
correspondente, em observância ao que estabelece o art. 8º, parágrafo
único, da Lei Complementar nº 101/00;
b. as fontes de recursos não vinculados a um fim específico devem ser
examinadas individualmente, apurando-se a suficiência/insuficiência da
disponibilidade de caixa frente às obrigações de despesas, admitindo-
se a compensação entre as fontes deste mesmo grupo;
c. se restar saldo de disponibilidade de caixa líquida (após a inscrição em
restos a pagar não processados do exercício) no grupo de recursos não
vinculados, após efetuadas as compensações, se for o caso, entre tais
fontes, este montante excedente pode ser considerado para cobrir
eventuais insuficiências que venham a ocorrer em fontes de recursos
vinculados cuja própria disponibilidade não seja suficiente para honrar
as respectivas obrigações financeiras contraídas;
d. a suficiência de disponibilidade de caixa atinente à determinada fonte
de recursos vinculados não poderá ser utilizada para compensar
insuficiência de recursos referente a qualquer outra fonte, ainda que
seja também de receitas vinculadas;
e. os agentes públicos não poderão ser responsabilizados caso o
descumprimento do art. 42 da Lei Complementar nº 101/00 ocorra

GAASM126
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Processo nº 104.537-4/22
GABINETE DA CONSELHEIRA SUBSTITUTA
ANDREA SIQUEIRA MARTINS

exclusivamente no exercício de 2022 e em razão da perda de


arrecadação do ICMS decorrente das alterações introduzidas na
legislação tributária pela Lei Complementar nº 194/22, conforme dispõe
o seu art. 9º, parágrafo 2º.

3. Pelo posterior ARQUIVAMENTO deste processo.

GCS-2,

ANDREA SIQUEIRA MARTINS


CONSELHEIRA SUBSTITUTA

Assinado Digitalmente por: ANDREA SIQUEIRA MARTINS GAASM126


Data: 2023.01.25 12:19:56 -03:00
Razão: Processo 104537-4/2022. Para verificar a
autenticidade acesse https://www.tcerj.tc.br/valida/. Código:
8a24d688-77f4-488b-8134-5713d4972230
Local: TCERJ

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