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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

GABINETE DO CONSELHEIRO SUBSTITUTO


MARCELO VERDINI MAIA

PLENÁRIO

PROCESSO: TCE-RJ 208.862-6/21


ORIGEM: CÂMARA MUNICIPAL DE DUAS BARRAS
NATUREZA: CONSULTA

CONSULTA. DÚVIDAS A RESPEITO DAS FÉRIAS DE AGENTES


POLÍTICOS DETENTORES DE MANDATO ELETIVO NO ÂMBITO
DO LEGISLATIVO. NECESSIDADE DE RESPEITO À
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, À LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO E
AO REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA MUNICIPAL E DE
REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA DA MATÉRIA POR MEIO DE
LEI DA RESPECTIVA CASA LEGISLATIVA, INCLUSIVE NO
TOCANTE À COINCIDÊNCIA OU NÃO DAS FÉRIAS COM O
RECESSO PARLAMENTAR E À POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO
EM PECÚNIA EM CASO DE IMPERIOSA NECESSIDADE DE
SERVIÇO OU IMPOSSIBILIDADE FÁTICA DE GOZO. PRESUNÇÃO
DE QUE, NA OMISSÃO LEGISLATIVA, AS FÉRIAS ESTÃO
INSERIDAS NO PERÍODO DE RECESSO PARLAMENTAR.
LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA QUE DEVERÁ TER EFEITOS
PROSPECTIVOS. IMPOSSIBILIDADE DE PERCEPÇÃO
RETROATIVA DE INDENIZAÇÃO OU GOZO SUPERVENIENTE DE
PERÍODOS DE FÉRIAS ANTERIORES AO DA REGULAMENTAÇÃO
ESPECÍFICA. CONHECIMENTO. COMUNICAÇÃO.
ARQUIVAMENTO.

Trata-se de consulta subscrita pelo Presidente da Câmara de Duas Barras em que são
suscitadas dúvidas acerca de recesso, férias, terço constitucional e 13º salário a vereadores. Eis o
teor dos questionamentos formulados:

a) O período de recesso parlamentar é considerado o período de descanso (férias)


dos vereadores, tal como um período de férias coletivas? Em outras palavras, o
recesso parlamentar já seria considerado o período de descanso dos vereadores ou
estes, além do período de recesso parlamentar, fazem jus a um período adicional
de descanso (férias) de 30 (trinta) dias, após cada período aquisitivo de 12 (doze)
meses?

b) Caso o período de recesso de parlamentar não seja considerado período de


descanso (férias coletivas), o vereador é obrigado a usufruir/solicitar férias durante
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o período de recesso parlamentar? Caso não o faça, haverá a perda de tal direito,
sem que haja indenização?

c) Caso o período de descanso das férias dos vereadores não se confunda com o
período de recesso parlamentar e nem seja obrigatório usufruir das férias durante
tal recesso, os vereadores que não usufruíram de tais férias nos anos anteriores (ou
não venham a solicitá-las nos próximos anos) podem, além do recebimento
retroativo do terço constitucional, serem indenizados por conta disso? Seria
possível o pagamento retroativo de tais indenizações?

d) Considerando que o vereador faça jus a um período adicional de férias distinto


do período de recesso parlamentar, seria possível ao vereador ser indenizado
(“vender”) por 1/3 dessas férias tal como fazem os servidores, caso haja
necessidade da Casa Legislativa?

e) Qual seria o período de prescrição para o pagamento das indenizações citadas


no questionamento “c”? Tais pagamentos estariam sujeitos aos limites traçados na
Lei de Responsabilidade Fiscal e nos limites constitucionais para pagamento de
pessoal do Poder Legislativo?

f) Tais pagamentos encontram alguma vedação na Lei Complementar nº 173 de


2021?

g) Caso, a resposta ao questionamento “c” seja negativa, seria possível afirmar, ao


menos, que os vereadores (reeleitos ou não), fariam jus a tal indenização referente
ao último ano de mandato, considerando que o último período aquisitivo das férias
do mandato se consuma em dezembro do quarto ano de tal mandato, bem como
considerando que o vereador ou não seria reeleito (não tendo como gozar das
férias referentes a tal período aquisitivo no ano subsequente) ou, ainda que
reeleito, o seria através de uma nova matrícula, sem qualquer liame jurídico com a
anterior, o que também justificaria a indenização?

A Coordenadoria de Análise de Consultas e Recursos – CAR manifesta-se no sentido de que o


recesso parlamentar deve ser considerado como período de descanso e que a natureza do cargo e a
previsão de recesso parlamentar no âmbito municipal seriam incompatíveis com a concessão de
período distinto e adicional a título de férias individuais. Também opina no sentido de que o período
de recesso não pode ser convertido em pecúnia. Eis o teor da sugestão da instância técnica:

1. O CONHECIMENTO da presente consulta;

2. A EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO ao consulente, dando-lhe ciência da decisão desta


Corte, consignando as seguintes teses:

2.1. O período de recesso parlamentar é considerado como período de descanso,


sem direito a período distinto e adicional de férias, cabendo à Casa Legislativa a
edição de ato normativo visando à regulamentação interna das intenções de férias
e o pagamento do terço constitucional, observando os parâmetros apresentados
na presente consulta.

2.2. Mantém-se assegurado, nos termos do tema nº 484, tese de repercussão geral
reconhecida pelo STF, no bojo do RE 650.898/RS5 , bem como do Prejulgado nº
25/2019 desta Corte6 , o direito ao terço constitucional de férias cujo pagamento
deve ocorrer em algum dos períodos de recesso parlamentar previstos na
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legislação específica (Lei Orgânica do Município e Constituição Estadual), não sendo


a hipótese de lhes aplicar o conceito corrente de “período aquisitivo de férias”.

2.3. Considerando que durante o período de recesso parlamentar as sessões


parlamentares ordinárias são suspensas, restando apenas a execução de atividades
administrativas rotineiras, que não demandam a atuação direta do detentor do
mandato eletivo, não resta caracterizado, como regra, o interesse da administração
na conversão em pecúnia de recesso parlamentar (férias coletivas).

3. O posterior ARQUIVAMENTO deste processo.

A Procuradoria-Geral do Tribunal destaca que a celeuma que deu origem à consulta tem por
fundamento o reconhecimento, por parte do Supremo Tribunal Federal, com repercussão geral, do
direito ao pagamento de terço constitucional de férias e 13º salário a membros do Poder Legislativo
Municipal (RE 650.898), o que também ficou consignado no TCE no âmbito dos processos TCE-RJ
221.454-1/18 e 231.624-0/18. Opina a PGT que a condição de que os Vereadores são eleitos para
atuarem por um período de apenas 4 (quatro) anos, durante o qual espera-se que estejam presentes
na localidade em que vivem os cidadãos que os elegeram, e de que há 55 dias de recesso torna
desarrazoado o reconhecimento de férias adicionais. Com isso, defende a necessidade de
regulamentação própria do parlamento a fim de que as férias sejam gozadas dentro do período de
recesso. Salienta que a existência de funções meramente administrativas durante o recesso induz à
conclusão pela impossibilidade de conversão de férias – que devem ser gozadas no curso do recesso-
em pecúnia. Com isso, o parecer da PGT apresenta a seguinte conclusão:

a) As férias dos Vereadores devem corresponder a 30 dias a serem usufruídos no


período de recesso parlamentar, cabendo à Câmara Municipal regulamentar o
momento, dentro deste último lapso temporal, em que deve se dar o gozo e o
respectivo pagamento do terço constitucional;

b) Considerando que durante o período de recesso as sessões ordinárias são


suspensas e que resta apenas a execução de atividades que dispensam a atuação
direta dos parlamentares, não se vislumbra interesse público na conversão em
pecúnia de férias que devem coincidir com o período de recesso parlamentar.

O Ministério Público de Contas faz os seguintes apontamentos adicionais:

Primeiro, a matéria da consulta não tem impacto apenas para os vereadores, mas
também para os deputados, e por consequência, membros de Poder. Por isso todos
os aspectos devem estar aqui previstos e mensurados.

Segundo, não é o período de recesso parlamentar um período de descanso e nem


tampouco de férias coletivas, que é um instituto do Direito do Trabalho não
aplicável aos servidores públicos efetivos e nem aos membros de Poder, como é o
caso dos vereadores e deputados.

A atividade parlamentar não se limita ao período de elaboração das leis: ela


também se insere na fiscalização dos poderes, o que é algo permanente. Mesmo
não havendo sessões plenárias, os seus gabinetes podem estar em pleno
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funcionamento, atendendo os cidadãos, por exemplo. Da mesma forma, pode e


deve o parlamentar estar em contato com os representados, o que deve ser
realizado durante o recesso, principalmente para aqueles que residem distante dos
locais onde se realizam as plenárias.

Terceiro, o período de recesso parlamentar não se limita aos 30 (trinta) dias, como
bem esclarece a PGT. A título de exemplo, no caso de Duas Barras, o recesso
abrange dois períodos: de 15 de fevereiro a 30 de junho e de 1º de agosto a 15 de
dezembro, totalizando 31 (trinta e um) dias do mês de julho e 61 (sessenta e um)
dias do período de dezembro a fevereiro (LOM art. 18). Na Constituição do Estado
do Rio de Janeiro o período já é outro: são os meses de janeiro e julho (CE art. 107).
Portanto, caso se considere o recesso como férias, teríamos não apenas um
período, mas dois ou três.

Quarto, além dos aspectos mencionados, mesmo no recesso há o trabalho da


direção da Casa, cujas funções são exercidas por parlamentares. Algum gestor
sempre trabalha, independentemente do recesso.

Quinto, não havendo óbice legal, não há motivo para vedação à possibilidade do
pagamento em pecúnia de férias não gozadas, sob pena de enriquecimento sem
causa da Administração Pública.

Com isso, o Ministério Público de Contas assim opina:

a) As férias dos parlamentares devem corresponder a 30 dias a serem usufruídos


no período de recesso parlamentar, cabendo à Câmara Municipal regulamentar o
momento, dentro deste último lapso temporal, em que deve se dar o gozo e o
respectivo pagamento do terço constitucional;

b) É possível a conversão em pecúnia de férias não gozadas.

É O RELATÓRIO.

Em exame dos requisitos de admissibilidade da consulta consignados na Deliberação TCE-RJ


276/17, observa-se que a dúvida se refere a matéria que se situa na competência deste Tribunal de
Contas e foi formulada em tese por autoridade legítima. Os questionamentos formulados permitiram
a integral compreensão da possível controvérsia, de modo que a consulta preenche os requisitos de
admissibilidade.

No âmbito do Recurso Extraordinário 65098/RS, julgado com repercussão geral, o Supremo


Tribunal Federal consignou a possibilidade de pagamento de terço de férias e de 13º salário a
agentes políticos detentores de mandato eletivo. Por consectário lógico, em não havendo vedação
em abstrato ao terço, não há razão para negar a tais agentes a regular fruição de suas férias, sendo
certo que a regulamentação da questão se insere no espaço de conformação do legislador
infraconstitucional, inclusive quanto à necessidade de que os períodos de férias coincidam ou não
com o recesso parlamentar e de eventual possibilidade de conversão em pecúnia por imperiosa
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necessidade de serviço devidamente comprovada ou absoluta impossibilidade fática de gozo (a


exemplo de cassação de mandato).

Embora pareça razoável que, por questões usuais de necessidade de serviço, a respectiva
Casa Legislativa estipule como regra que as férias serão usufruídas no período de recesso
parlamentar, já que tradicionalmente esse lapso propicia o descanso aos parlamentares e a pausa
nas atividades ordinárias precípuas do Legislativo, não há óbices, ao menos em termos legais, no
sentido de que haja disposição em sentido diverso. Cabe, portanto, aos próprios detentores do
mandato eletivo, enquanto representantes do povo, a avaliação quanto aos critérios que melhor
poderão propiciar a conciliação da regulamentação de férias com os princípios da moralidade, da
razoabilidade e da eficiência e com o atendimento da finalidade a que se destinam os seus
mandatos. Também é importante consignar que a regulamentação deverá igualmente observar as
prescrições contidas na Constituição Federal, na Lei Orgânica do Município e no Regimento Interno
da Câmara Municipal.

Pelo exposto, eventual regulamentação do tema deve ter efeitos prospectivos, dada a
presunção de que, em não havendo tratamento anterior da matéria, os recessos parlamentares
equivaleriam ao período de descanso e neles estariam inseridas as férias, sendo inviável percepção
retroativa de indenização ou gozo superveniente de períodos de férias anteriores ao da
regulamentação específica.

Tais apontamentos são capazes de suprir a totalidade dos questionamentos postos pelo
consulente.

Dessa forma, posiciono-me EM DESACORDO com o Corpo Instrutivo, com o Ministério


Público de Contas e com a Procuradoria-Geral do Tribunal.

VOTO:

1 – Pelo CONHECIMENTO da consulta, por estarem presentes seus requisitos de


admissibilidade;

2 – Pela COMUNICAÇÃO ao consulente dando-lhe ciência quanto às seguintes respostas aos


questionamentos formulados:

2.1 – É possível ao Poder Legislativo local, por meio de lei, que deverá ser compatível com a
Constituição Federal, com a Lei Orgânica do Município, com o Regimento Interno da Câmara
Municipal e com os princípios da moralidade e da razoabilidade, regulamentar as férias a que fazem
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jus os agentes políticos detentores de mandato eletivo da respetiva Casa, sendo certo que a matéria
se insere no espaço de conformação do legislador infraconstitucional, inclusive quanto à necessidade
de que os períodos de férias coincidam ou não com o recesso parlamentar e de eventual
possibilidade de conversão em pecúnia por imperiosa necessidade de serviço devidamente
comprovada ou absoluta impossibilidade fática de gozo (a exemplo de cassação de mandato).

2.2 - Eventual regulamentação de férias deve ter efeitos prospectivos, dada a presunção de
que, em não havendo tratamento anterior da matéria, os recessos parlamentares equivaleriam ao
período de descanso e neles estariam inseridas as férias, sendo inviável percepção retroativa de
indenização ou gozo superveniente de períodos de férias anteriores ao da regulamentação
específica.

3 – Pelo ARQUIVAMENTO dos autos.

GCSMVM,

MARCELO VERDINI MAIA


Conselheiro Substituto

Assinado Digitalmente por: MARCELO VERDINI MAIA


Data: 2022.12.13 17:56:58 -03:00
Razão: Processo 208862-6/2021. Para verificar a
autenticidade acesse https://www.tcerj.tc.br/valida/. Código:
d65b96c1-a16f-41a4-8683-b9af146c7fba
Local: TCERJ

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