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A Roda dos Expostos, ou Roda dos Enjeitados em Proença-a-Velha

A Roda dos Expostos, ou Roda dos Enjeitados


em Proença-a-Velha,
entre os anos de 1576 e 1900

João Adolfo Geraldes


prohensa@gmail.com

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1. Introdução
O abandono de crianças é um problema de hoje, de ontem, de sempre.
Desde pequeno que me lembro de ouvir falar da Roda. Os meus avós, e os meus pais, diziam-me
que na Misericórdia tinha havido uma Roda na qual se “botavam” os enjeitados.
“Depois eram criados por quem os queria, nunca chegavam a saber que eram os pais. Olha,
sabes, o Ti … (Fulano de Tal) é enjeitado!”
Estas palavras, ouvidas aos meus avós, martelavam-me na cabeça e sempre fizeram muita
impressão a quem, como eu, nasceu e foi criado numa pequena aldeia, com o amor, o afecto, o
carinho e o aconchego dos pais, dos avós, da família, da vizinhança e de toda a comunidade. Tinha
dificuldade em imaginar como é que seria ser criado, e viver, sem poder usufruir de tudo isto?
Há algum tempo, ao pesquisar os Registos Paroquiais de Proença-a-Velha, ao aparecerem-me
assentos de Baptismo de filhos de pais incógnitos, o tema avivou-se na minha memória e começou a
ressoar com maior força à medida que analisava os dados para o século XIX, época em que tais
ocorrências começavam a surgir com uma frequência cada vez mais acentuada.
Achei que o tema merecia um olhar mais pormenorizado, que me permitisse perceber melhor
este fenómeno e tentar explicar o inexplicável.
Que razões poderiam levar alguém a abandonar um filho?
Podemos dizer que a pobreza será uma dessas razões, para esse abandono por parte dos pais, mas
ao longo dos tempos houve, e há certamente, muitas outras causas que estiveram, e estão, na origem
deste fenómeno.
Em famílias numerosas, em que os parcos recursos, para não dizer nenhuns, não permitiam
sustentar mais uma boca, a solução seria abandonar a criança, na grande maioria dos casos recém-
nascida, num local onde alguém a pudesse encontrar com facilidade e vir a sustentar, isto como
única alternativa a um final mais trágico, que era também infelizmente usual.
Depois aparecia a questão da honra! Claro, as mães solteiras, as viúvas, ou as casadas com
maridos ausentes, que ficariam para sempre desonradas e marginalizadas socialmente caso viessem
a ter um filho em tais circunstâncias, optando, talvez por isso, pelo seu abandono.
Quantos não seriam fruto de relações forçadas e de violações, em resultado de guerras e não só.
Alguns certamente em resultado de relações incestuosas, ou filhos de “grandes” senhores:
fidalgos, clérigos, homens de “bem”...
As crianças eram abandonadas em locais que lhes permitiriam, no entender dos progenitores (a
mãe na grande maioria das vezes), serem fácil e rapidamente encontradas, por forma a serem salvas
e bem tratadas. E quando, no parêntesis atrás, dizemos que na grande maioria das vezes era a mãe a
abandonar a criança, não significa que o pai o não fizesse também, antes pelo contrário, ele já muito
antes disso o havia abandonado. Este era sobretudo um problema de mulheres, numa sociedade
onde lhes estava destinado um papel secundário, tinham que assumir aqui o papel principal.
Os conventos e os hospícios, ou hospitais, foram desde sempre dos locais preferidos para o
abandono destas crianças. Confiava-se na caridade cristã para garantir uma esperança de futuro a
quem havia nascido tão desvalido.

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E talvez venha daí o conceito de Roda e o seu nome. Desde há muito que era comum a
existência, nalguns conventos, de um mecanismo de madeira, em forma de cilindro giratório, aberto
de um dos lados, que estava inserido geralmente numa janela do edifício e que permitia que as
pessoas passassem para dentro do convento bens e géneros, sem que necessitassem de entrar em
contacto directo com as freiras, que aí viviam em clausura. Os bens que eram colocados na parte
aberta, virada para o exterior, ao rodar-se o cilindro eram passados para o lado de dentro, ficando
nessa altura virada para fora a parte tapada da Roda.
Foi este mesmo mecanismo que passou a ser espalhado por praticamente todas as cidade, vilas e
até em muitas aldeias de Portugal, para nele serem expostos os enjeitados sem que fosse visível
quem os abandonava, mantendo-se assim o anonimato.
Estava implantada e legalizada a Roda.

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Imagem 1. Roda do Convento do Calvário em Évora. (in Cadernos Nº10. Arquivo Municipal de Évora)

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Temos que falar aqui, entretanto, de uma outra realidade que embora diferente da dos expostos,
assolava também a sociedade medieval.
As inúmeras guerras, a pobreza, as miseráveis condições sanitárias da quase totalidade das
povoações, as pestes e as epidemias que frequentemente assolavam os povos, aliadas às altas taxas
de natalidade e de mortalidade, provocavam um elevadíssimo número de órfãos.
E se alguns desses órfãos eram filhos de famílias com posses, outros, certamente a grande
maioria, sê-lo-iam de famílias sem quaisquer recursos que ficariam também entregues à sua sorte.
Estes fenómenos não passaram despercebidos aos poderes públicos e desde muito cedo temos
notícia da interferência do poder régio na tentativa de encontrar soluções para melhorar estas
situações.
Maria Antónia Lopes, no livro “ Os Expostos no concelho da Meda em meados do século XIX
(1838-1866), subsídios para o seu estudo, Coimbra 1985”, diz-nos que:
“Datam do Século XIV as primeiras referências seguras à existência de organismos fundados
com o objectivo de recolher e educar crianças expostas. Já no século anterior D. Beatriz, mulher
de D. Afonso III, criara em Lisboa um Collegium orphanorum, mas ignora-se se entre as crianças
protegidas se encontravam expostos”.
Para logo de seguida referir que: “É a Rainha D. Isabel que em 12 de Dezembro de 1321 funda
em Santarém o Hospital de Santa Maria dos Inocentes, o primeiro estabelecimento português
expressamente destinado à criação dos enjeitados.
Diz-nos ainda a autora que: “Pretendia-se com a sua fundação, impedir as exposições em locais
públicos, costume que fazia perigar a vida das crianças que na sua maioria se supunha não
estarem baptizadas. Assim, a verdadeira motivação da rainha fundadora era a salvação eterna das
almas destes pequenos seres. Pouco tempo depois, em 1325, funda a rainha, em Coimbra, a Real
Casa dos Expostos. Destinavam-se as duas instituições a recolher exclusivamente filhos ilegítimos.”
Mas é nos finais do século XV, dealbar do XVI, no reinado de D. Manuel I, com a criação das
Misericórdias e logo depois com a promulgação das “Ordenações Manuelinas” que podemos ver
uma maior intenção dos poderes régios em remediar estes males.
No Título LXVII do Livro I das supracitadas Ordenações estipula-se:
“ Mandamos que em todalas Villas e Luguares, onde na Villa e Termo ouuer quatrocentos
vezinhos e di pera cima, aja sempre Juiz dos orfãos apartado; e onde os nom ouuer, os Juízes
Ordinarios do dito Luguar serviram o dito Officio de Juiz dos orfãos com os Tabaliães da dita
Villa;...”
Pouco adiante, no §2: “ E o Juiz dos orfãos deue com grande deligencia e cuidado saber quantos
orfãos ha em a Cidade, Villa, ou Luguar de que elle he Juiz, e fazelos todos escreuer em huũ Livro
ao Escriuam deste Officio, declarando o nome de cada huũ orfão, e cujo filho he, e de que hidade,
e onde uiue, e com quem, e quem he seu Tutor, ou Curador; e isso mesmo deue saber quantos bens
tem, assi moueis, como de raiz, e quem os traz, e se andam bem aproueitados, ou se sam
dãnificados os perdidos...”
Depreende-se que não se fala aqui dos enjeitados, mas sim das crianças que tinham ficado órfãs,
mas das quais se sabia quem haviam sido os seus pais, quer fossem filhos legítimos ou ilegítimos.
Mas ainda no mesmo Título LXVII, §10 podemos constatar que os enjeitados seriam então da
responsabilidade dos Hospitais e Albergarias, e por esta altura das Misericórdias que ocuparam o

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lugar de muitas dessas instituições assistenciais, ou então à custa dos concelhos, não havendo as
ditas instituições.
“ Porem se alguũs orfãos que nom forem de legitimo matrimonio forem filhos d'alguũs homens
casados, ou de solteiros, em tal caso, primeiramente seram cosntrangidos seus pays, que os criem;
e nom tendo elles por onde os criar, se criaram aacusta das mãys; e nom tendo huũs nem outros
por onde os criar, sejam requeridos seus parentes que os mandem criar; e nom o querendo fazer, ou
sendo filhos de Religiosos, ou Frades, ou Freiras, ou de molheres casadas, por tal que as crianças
nom mouram por mingoa de criaçam, os mandaram criar aacusta dos bens dos Ospitaes, ou
Alberguarias, se os ouuer na Cidade, ou Villa, ou Luguar ordenados pera criaçam dos engeitados;
e nom auendo hi taes Ospitaes os Alberguarias, se criaram aacusta das rendas do Concelho; e nom
tendo o Concelho rendas por onde se possam criar, se lançará finta por aquellas pessoas que nas
fintas, e encarreguos do Concelho ham de paguar, a qual lançaram os Officiaes da Câmara”
Vemos assim que pertencia já aos Hospitais ou Albergarias, e às Misericórdias doravante, a
obrigação de criar os enjeitados, referindo-se que se criariam à custa das rendas do Concelho e
quando estas não fossem suficientes ficavam os ditos concelhos autorizados a lançar impostos, as
chamadas fintas, para obter os montantes necessários.
Cerca de um século depois, em 1603, foi impressa a primeira edição das “Ordenações Filipinas”
ou Código Filipino, mandado compilar por Filipe I de Portugal, mas publicado já após a sua morrte,
pelo seu filho Filipe II. Mantém-se a legislação no que toca às competências anteriormente
assinaladas para o Juiz dos Órfãos e as referências à criação dos enjeitados.
De referir que toda esta legislação vem já na sequência das “Ordenações Afonsinas”,
promulgadas no reinado de D. Afonso V, cujas primeiras cópias manuscritas, surgiram em meados
de mil e quatrocentos. No Livro IV, Título LXXXVII, lê-se:
“Tanto que o Juiz dos Horfoõs souber, que em essa Villa ou Lugar ha alguum horfom sem tetor,
ou curador, deve logo sem outra alguma perlonga encaminhar como lhe seja dado tetor, ou
curador...[que] deve logo mandar fazer inventairo de todolos beens, que lhe per morte de seu Padre
ficarom, asy movys, como de raiz...”

Será aquela legislação que se irá manter até 24 de Maio de 1783 quando, reinando em Portugal
D. Maria I, é publicada uma Ordem Circular da Intendência Geral da Polícia, da respon-
sabilidade de Pina Manique, que tenta regulamentar e disciplinar um problema que cada vez mais
estava a assolar o país.
Citando uma vez mais Maria Antónia Lopes, esta legislação “determina a obrigatoriedade do
estabelecimento, em todas as vilas do país, de 'huma casa em que haja hum lugar, em que se
possão expor as crianças, sem que se conheça quem as leva.' ”.
Pelos vistos a ordem não foi cumprida em todo o país daí que em 5 de Junho de 1800 seja
emitido um Ofício da Intendência Geral da Polícia onde, citando agora Irene Vaquinhas (Revista
de História da Sociedade e da Cultura n.º 17), se podia ler:
“ que todos os Juízes de Fora, e Ordinários da sua Comarca, de uns tempos a esta parte se
acham esquecidos de suas obrigações (…) que recomendam o estabelecimento das Rodas dos
Enjeitados, e a criação destes”.

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A Roda dos Expostos, ou Roda dos Enjeitados em Proença-a-Velha

O especial interesse relativamente ao tema, nessa época, justificava-se, no entender dos letrados
de então, em 3 aspectos:
a) uma tentativa de evitar, o que se dizia ser, um elevado número de infanticídios de recém-
nascidos;
b) a necessidade de salvar a vida de crianças, num país considerado despovoado;
c) a tentativa de evitar que, sobretudo nas povoações raianas, muitas dessas crianças fossem
enviadas para terras de Espanha, contribuindo também desta forma para esse mesmo
despovoamento.

Se atendermos aos números conhecidos para Proença-a-Velha, de que mais adiante falaremos
com algum pormenor, podemos concluir que a legislação em nada terá contribuído para solucionar
o problema, que durante a primeira metade do século XIX viria a atingir números deveras
assustadores.
E, pelos vistos, no resto do país a situação também não terá sido melhor, o que terá estado na
origem de nova legislação, nomeadamente o Decreto de 21 de Novembro de 1867, que aboliu a
legalidade do abandono anónimo de crianças em Portugal. Na prática este Decreto veio a provocar a
extinção das Rodas, passando a ser substituídas por hospícios, sediados em locais designados pelas
Juntas Gerais do Distrito.
No entando, e chegados que fomos ao final do século XIX, (os dados analisados aqui para
Proença-a-Velha terminam em 1900), podemos afirmar que o problema estava ainda longe de uma
solução satisfatória.

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2. Os Expostos, ou Enjeitados de Proença-a-Velha, entre os anos de


1576 e 1900

Havendo Juiz dos Órfãos e Escrivão dos Órfãos em Proença-a-Velha, comprovadamente a partir
do ano de 1575 para o primeiro caso e do ano de 1490 para o segundo, haveria garantidamente um
livro onde se assentariam os nomes de todos eles, como se ordenava na legislação, pelo menos
desde as Ordenações Afonsinas.
Havendo Câmara Municipal em Proença, desde muito antes, haveria também um livro onde se
assentariam os nomes dos enjeitados que estavam sob a responsabilidade directa do Concelho.
Não sabemos se existe ainda algum desses livros, que nos possa trazer uma visão mais completa
sobre a problemática dos órfãos e dos enjeitados em Proença-a-Velha. Esse será um tema para
eventuais pesquisas futuras.
Para já cingir-nos-emos aos dados relativos aos Assentos de Baptismo da Freguesia de
Proença- -a-Velha, disponíveis na Torre do Tombo e no Aquivo Distrital de Castelo Branco, para
os anos de 1576 a 1900.
De referir que alguns desses livros estão em muito mau estado, dificultando a leitura, e noutros
há mesmo a falta de algumas folhas, o que se traduz na ausência de dados relativos aos seguintes
períodos:
entre 20 de Outubro de 1580 e 18 de Janeiro de 1583;
entre 26 de Fevereiro de 1600 e 23 de Junho de 1602;
entre 14de Abril de 1602 e 08 de Fevereiro de 1618 e
entre 02 de Fevereiro de 1635 e 31de Maio de 1637.

Pela leitura desses assentos de baptismo podemos não só fazer uma primeira abordagem ao tema
dos expostos, ou enjeitados, como também à existência da Roda e respectivas Rodeiras e ainda
quanto às amas responsáveis por criarem essas crianças.
Sendo o 1º registo de Baptismo existente para Proença-a-Velha datado de 1576, apenas em 1585
nos surge a indicação do primeiro enjeitado, no caso uma menina a quem foi dado o nome de Ana:
“ Em 29 de Dezembro de 1585 annos [25Dez1585] Lourenço Mendes Vigário nesta Igreja baptizei
Anna que nesta vila se achou enjeitada huma noite do dito mês: forão padrinhos Cristóvão Vaz e
Antónia Fernandes mulher de António Fernandes Ferreiro: todos da dita vila. E per verdade o
assinei dia, mês e era ut supra.
// Lourenço Mendes //”
Será que o número de enjeitados era tão diminuto por essa altura que só após nove anos de
registos nos surge o pimeiro caso, ou haveria outros factores que levariam a que nem sequer
chegasse a haver o seu registo de baptismo?
O que é facto é que os registos de enjeitados continuam a ser muito pouco significativos nos anos
seguintes, como poderemos ver nos quadros que se apresentam mais adiante.
As crianças eram, e podemos supô-lo, abandonadas e locais onde pusessem ser facilmente
encontradas e recolhidas, e isso mesmo fica registado num assento de 25 de Agosto de 1688:

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“Em os vinte e cinco dias do mês de Agosto da era de mil e seiscentos e oitenta e oito annos
[25Ago1688] se achou huma criança no campanário da Igreja Matriz desta vila a qual foi baptizada
por mim o Pe. abaixo assinado vigário na dita igreja em os trinta dias do dito mês e era, sub
conditione, forão padrinhos Domingos João e Catarina da Silva viúva, todos moradores nesta
vila... à qual criança foi posto o nome Luísa e para constar fiz este termo, dia, mez e era ut supra.
// Fr. Manuel Gonçalves Ribeiro //”

Era comum na época, face às péssimas condições de higiene e saúde, haver um número muito
elevado de mortes de recém-nascidos o que levava a que muitas vezes as crianças em perigo de vida
fossem baptizadas logo após o parto, por algum religioso que estivesse por perto ou até mesmo
pelas parteiras, ou alguém com “autorização” para tal.
Assim, casos havia em que, quando os enjeitados chegavam à Igreja para serem Baptizados, não
se tinha a certeza se já anteriormente o haviam sido. O pároco fazia então o baptismo sub
conditione, ou seja sob condição de que ainda o não tivesse sido antes, muito embora algumas vezes
quando eram abandonados viessem acompanhados por bilhetes anónimos que diziam já o ter sido e
qual o nome, tal como podemos ver no seguinte assento:

“Aos vinte e hum dias do mês de Março de mil e seiscentos e noventa e três [21Mar1693] pus os
santos Óleos e fiz os exorcismos a huma criança, que foi achada no pelourinho da praça desta
vila, a qual trazia consigo hum escrito no qual se relatava estava baptizada e lhe pus o nome de
Bento e para constar fiz este assento.
// Fr. Manuel Gonçalves Ribeiro //”

Um outro exemplo de um menino, este deixado à porta da Misericórdia, também ele baptizado
debaixo de condição, ou sub conditione:
“Aos dezoito dias de Outubro da hera de mil e setecentos e hum [18Out1701] baptizei debaixo de
condiçam a huma criança engeitada que se achou à porta da Misericórdia desta vila, na forma da
constituiçam deste Bispado e lhe pus por nome Manoel, pera constar, digo foi padrinho o Pe.
Manoel da Costa Botelho, pera constar fis este assento.
// Fr. Manuel Gonçalves Ribeiro //”

Começam depois a surgir-nos assentos em que para além do padrinho, ou madrinha, nos surge
também o nome de duas testemunhas que estavam presentes no acto do Baptismo:

“Em os vinte e seis do mês de Setembro da hera de mil e setecentos e seis, [26Set1706] eu o Pe.
abaixo nomeado baptizei a Justina Maria, engeitada e a baptizei de licença do párocho forão
padrinhos o Doutor Phelipe da Cunha Robalo testemunhas o Pe. Manuel Robalo Branco e
Domingos Fernandes Morais, de que fis este termo que asinei oje, dia, mês e era ut supra.
// O Pe. Manuel da Costa Botelho // o Pe. Manuel Roballo Branco // Domingos Fernandes de
Morais //”

Alguns registos dão-nos informações complementares que nos podem ajudar a conhecer melhor
a própria freguesia, como seja o caso do assento seguinte em que ficamos a saber que havia um
nicho à quinta estação. Esta estação situa-se hoje na Rua da Amargura, junto ao local onde se cruza

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a Rua Conde de Proença-a-Velha com a Rua dos Loureiros e a Rua de St.º António, e nela não
existe nenhum nicho antigo (o que lá existe atualmente foi colocado há no ínicio do séc. XXI). Será
que o nicho de que fala o assento foi removido e destruído quando se procedeu à construção da
Casa do Barão, no final do século XIX? Vejamos o assento:

“Em o primeiro dia de Janeiro de mil setecentos e nove [1Jan1709] se pos uma criança [Maria]
em hum nicho que está à quinta estaçam e sem embargo de que trazia escrito que resava estar
baptizada, como nam vinha assinado, nem a letra hera conhecida, a tornei a baptizar sub
conditione e lhe pus os santos óleos em os trinta dias do sobredito mês e hera assima [30Jan1709]
foi padrinho o Capitam Major Luís Taborda e pera constar fis este assento.
// Fr. Manuel Gonçalves Ribeiro // Luís Taborda // Nuno Gomes de Távora //”
Pois, mesmo havendo escrito que dizia estar baptizada, como não vinha assinado (!) nem a letra
era conhecida (!), Frei Manuel Gonçalves Ribeiro decidiu-se por baptizá-la sub conditione.

Temos também casos de crianças que são deixadas junto à porta de uma qualquer habitação, em
vez de o serem junto à Misericórdia ou em locais públicos. As razões podem ser as mais variadas: a
proximidade relativamente ao local onde reside a mãe; o local ser recatado permitindo a colocação
sem que quem vai deixar a criança possa ser visto; os donos da casa terem posses para criar a
criança; serem pessoas de prestígio na povoação; ou ser o dono da casa, e porque não, o hipotético
pai ilegítimo da criança.

“Aos dezoito dias de Maio de mil setecentos e doze [18Mai1712] se botou huma criança à porta
do Juiz Gaspar Domingues Magro, a qual baptizei sub conditione e lhe foi posto o nome de
Urbano, em os vinte e cinco dias do dito mês e hera assima, foi padrinho o Pe. Manuel da Costa
Botelho para constar fis este assento.
// Fr. Manuel Gonçalves Ribeiro // Manuel António Marçal // Manuel Fernandes Leitam //”

Não queremos aqui afirmar que este Urbano fosse filho ilegítimo do Juiz Gaspar Domingues
Magro, nem aliás temos quaisquer dados que nos permitam dizer tal. Sabemos, isso sim, que o dito
Juiz à data estaria viúvo da sua primeira mulher, Maria Fernandes a qual havia falecido em 21 de
Novembro de 1703, na sequência de um parto que teve no dia 8 desse mesmo mês.
O Juiz Gaspar D. Magro casou segunda vez com Maria Nunes da qual temos registos ter tido
filhos em 1714, 1715 e 1716. Esta segunda mulher veio a falecer no dia 8 de Janeiro de 1726.
Ora no dia 10 de Dezembro de 1727 é baptizado um filho ilegítimo deste dito Gaspar Domingues
Magro, fruto do seu relacionamento com Josefa da Silva. Esta Josefa da Silva era filha de Manuel
Gonçalves e de uma Maria da Silva, sobre a qual escreveu o vigário uma nota à margem do dito
assento de baptismo: “Declaro que esta Maria da Silva hera pretta por natureza e já forra [liberta]
e tinha vindo do Alentejo para esta Villa, e por verdade me assigno. // Baratta // “
O dito Juiz tinha assim, em 1727, um filho ilegítimo da mulata Josefa da Silva, quando já era
viúvo da sua 2ª mulher. Há no entanto mais um assento em que nos surgem os dois como pais de
outra criança, no qual se lê:

“Anna, filha de Josefa da Silva e de Gaspar Domingues Magro, a quem deu por pay, naturais
desta villa de Proença, nasceo na hera acima de mil e sette sentos e oito, [1708] e foi baptizada em

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caza por necessidade [em perigo de vida] pelo Padre Manoel Roballo Branco conforme elle
declarou em sua certidão que por despacho do Reverendo Arcipreste e declaraçam do mesmo padre
que por nam ter assento fiz este. Proença de Janeiro de mil e sette senntos e trinta e oito.[Jan1738]
//Fr. Manuel Marques Baratta, vigário desta Igreja.//”

Não podemos, é evidente, dizer que o atrás mencionado Urbano, nascido em 1712 pudesse ser
filho ilegítimo do Juiz Gaspar Domingues Magro, mas já quanto à Ana, nascida em 1708, temos
aqui a prova de que seria sua filha, embora o assento de baptismo tenha sido feito apenas em 1738,
aparentemente por esquecimento do Padre Manuel Robalo Branco que a havia Baptizado.
Estaremos aqui perante um caso de legitimação? Terá Gaspar Domingues Magro, após a morte
da sua 2ª mulher passado a viver amancebado com Josefa da Silva?
Temos que ressalvar aqui que qualquer destes filhos de Josefa da Silva não são enjeitados mas
sim filhos ilegítimos. O tal Urbano sim era enjeitado, e como tal, filho de pais incógnitos.

Voltando atrás, podemos admitir que a escolha pela porta do Juiz pudesse ter apenas a ver com o
facto de ser uma personalidade com algum poder, que poderia ajudar num tratamento mais
atencioso para a criança. Mais casos há, aliás, de outros juízes que viram as suas portas serem
escolhidas, como podemos ver no assento que apresentamos adiante.

“ Aos doze dias do mez de Maio da era de mil e settecentos e dezacette [12Mai1717] bautizei
debaixo de condissam a huma criança que se achou nesta vila à porta do Juiz Francisco
Gonçalves Gordo em dous de Maio, e fiz todas as mais cerimónias que a igreja manda, e tudo na
forma da Constituiçam, e foram padrinhos o mesmo Juiz asima nomeado Francisco Gonçalves
Gordo e Catherina Domingues molher de Manuel Pires do Balcão, sendo testemunhas presentes
André Aleixos e Manuel Marques Esquerdo todos desta vila de Proença-a-Velha, hoje, dia, mês e
era ut supra.
// O Vig.º Fr. Manuel Marques Baratta // André Aleixos // Manuel Marques Esquerdo //”
À margem deste assento pode ler-se:
“Athanazio, engeitado, defunto.”

A Taxa de mortalidade infantil e nomeadamente a de recém-nascidos era muito alta e mais ainda
no caso dos enjeitados que teriam que, na maior parte dos casos, ser criados por amas também elas
com parcos recursos e deficientes condições de habitabilidade, não obstante receberam uma ajuda
por parte da Câmara por cada criança que criavam.
E, tal como se refere na nota do assento de Baptismo, o dito Athanazio viria a falecer no dia 21
de Julho de 1717, com pouco mais de 2 meses de vida.

Caso semelhante o de Adrião:


“Adriam, Filho legítimo, digo exposto achado à porta de Domingos Luís Andrezo desta vila, em
o segundo dia do mez de Setembro de mil e setesentos e vinte e sette, [2Set1727] e foi baptizado
solenemente na matrix desta mesma vila por mim o vigário della abaixo asignado, aos oito dias do
dito mez e era sendo padrinhos o vereador do mesmo anno Domingos Leitam e Maria Bicha,
molher de Domingos de Almeida ferreiro desta vila de Proença-a-Velha, e para constar fiz este
assento Proença hoje, dia, mez e era ut supra. Sendo testemunhas o vereador Manoel Monteiro, o
Moço e o padre António Marques.

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// o Vigário Frey Manuel Marques Baratta // o Pe. António Marques// Domingos Leitão // Manuel
Monteiro //”
À margem surge: “ exposto, defunto”. Com efeito o dito Adrião viria a falecer a 3 de Julho de
1728, com 10 meses de idade.

Temos também registo de crianças abandonadas junto à Ermida da Senhora da Granja, talvez por
ficar no campo e ser aí mais difícil serem vistas as pessoas que as iam abandonar, sabendo contudo
que facilmente o ermitão, ou a família, as poderiam encontrar.

“António exposto em a Hermida de Nossa Senhora da Granja lemite desta vila, em os


dezanove de Setembro de mil e settesentos e vinte, [19Set1720] foi bautizado subconditione por mim
o vigário da matriz desta vila abaixo asignado na mesma igreja, e lhe pus os santos óleos e fiz as
mais cerimónias aos trinta do dito mês, sendo padrinhos Francisco Rodrigues Travanca e Maria
Gonçalves molher de Domingos Feyo todos desta vila sendo testemunhas presentes que aqui
asignaram Simam de Araújo e Manuel Velozo moradores nesta vila e para constar fiz este assento.
Proença-a-Velha
// O Vigº Fr. Manuel Marques Baratta // Simão de Araújo // Manuel Velozo //”

Também Rita foi exposta à porta do Ermitão de Nossa Senhora da Granja:


“Rita / Exposta, aos três de Junho de mil setecentos sessenta e sete [3Jun1767] na Igreja Matriz
desta Villa pus os santos óleos e fiz todas as mais cerimónias que manda o Ritual Romano a Rita
que foi exposta à porta do Ermitão de Nossa Senhora da Granja desta freguesia na noite do dia
dous de Março da sobredita era a eu baptizei subcondicione sendo testemunhas que prezentes
estavão à factura das cerimónias o Reverendo Domingos Robalo Leitão e Joze Gracia fregueses
desta freguesia e por verdade mandei fazer este asento que asignei. Proença dia mês hera ut supra.
// O Vig.º Fr. Manuel Ferreira // Domingos Robalo Leitão // José Gracia [assina de cruz] //”

Mas sabemos que alguns dos enjeitados seriam abandonados por uma questão de honra, ou por
dificuldades financeiras, que se presumiam temporárias, e na esperança de que resolvidas essas
contingências poderiam os seus pais voltar a recuperá-los e inclusivé a legitimá-los.

“Francisco. Aos três dias do mez de Setembro de mil e settesentos e trinta e dous annos
[3Set1732] eu Frey Manuel Marques Baratta vigário da matrix desta vila de Proença-a-Velha
bautizei solenemente subconditione na mesma igreja matrix desta vila a Francisco filho de N. e de
N. pais incógnitos do qual foi padrinho Manuel Rodrigues Alfayate morador nesta freguesia e elle
poderá saber e declarar quem sam seus pais e donde sam suas naturalidades por lhe ser entregue
e recomendada a criaçam que disse ter nascido aos doze de Setembro da sobredita hera [12Set1732]
sendo testemunhas o padre António Marques e Izidoro Gonçalves moradores nesta vila e para
constar fiz este assento era ut supra.
// Fr. Manuel Marques Baratta // Izidoro Gonçalves // Pe. António Marques //”

Também no assento seguinte se omitem os nomes dos progenitores, sendo que pelo menos a mãe
saber-se-ia quem seria. Aliás este assento de Baptismo está cheio de gralhas ou pormenores,
chamemos-lhe assim, voluntária ou involuntariamente redigidos pelo vigário.

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A Roda dos Expostos, ou Roda dos Enjeitados em Proença-a-Velha

“Joanna, filha natural de Ângela Pereira, diguo de pay e may incógnitos. Nasceo em os vinte
dias do mês de Mayo de mil setecentos cincoenta e dois [20Mai1752] de certa molher que se achava
de fora, em esta Vila de Proença, em casa de Leonor Giraldes viúva, da mesma, e foi baptizada
solenemente na igreja matrix desta Villa pelo Padre Thesoureiro da ditta Igreja Dominguos
Roballo Leytam de minha licença, em os vinte e sete dias do ditto mês e era, e foram padrinhos eu
o vigário abaixo asignado, e Ritta Maria solteira desta dita Villa, e testemunhas presentes António
de Gouveia, desta mesma Villa e Francisco de Faria de Aldea Nova do Cabo termo do Fundam, de
que tudo fiz este asento eu o vigário abaixo com as testemunhas asigando. Proença, dia, mês era ut
supra.
// O Vig.º Fr. José Gonçalves Pacheco // António de Gouveia // Francisco de Faria //”

O Vigário começa a deixar expresso nalguns asssentos que estas crianças, são criadas por conta
da Câmara, por não se saber quem são os pais:

“Francisco, aos vinte e três dias de Novembro de mil e sette sentos e trinta e dous annos
[23Nov1732] bautizei solenemente subconditione na matrix desta villa eu Frey Manuel Marques
Baratta vigário della a Francisco que se achou lançado a minha porta no dia que contavam oito do
dito mez e era, e foi padrinho por mim nomeado Domingos Marques desta villa e criado por conta
do Conselho por nam se saberem os pais, sendo testemunhas Joam Nabais e o padre António
Marques e para constar fiz este assento Proença ut supra.
// Fr. Manuel Marques Baratta // Pe. António Marques //”

Indicação semelhante surge neste outro assento:

“Joam Chrisóstomo, aos vinte de Janeiro de mil e sette sentos e trinta e sette [20Jan1737] se
achou hum menino à porta do Hospital desta vila sem se saber donde era nem de quem hera filho o
qual mandou criar o Conselho e foi baptizado solenemente na matrix desta mesma vila por mim o
vigário della abaixo asignado subconditione aos vinte e sette do dito mez e era sendo padrinho o
Tenente Luís de Mattos, e testemunhas prezentes que aqui asignaram Manuel Salvado e Manuel
Rebello moradores nesta Villa e para constar fis este assento. Proença dia e era ut supra.
// Fr. Manuel Marques Baratta // Manuel Rebelo // Manuel Salvado //”

Ainda relativamente aos baptizados subconditione de que atrás falamos, e que podemos também
ver no anterior assento, temos no caso seguinte o próprio vigário a explicar o porquê dessa
referência:

“Luiza Maria, aos cinco de Maio de mil e setecentos e cincoenta e seis annos [5Mai1756] batizei
eu o vigário abaixo asignado subcondicione a Luiza Maria exposta que foi nesta villa à porta de
João Nabais de Campos e por não constar do seu baptismo com certeza a batizei do modo
sobredito com todas as mais cerimónias que a igreja manda nos batismos solenes, e foy padrinho
Manuel Marques Quaresma desta freguesia e testemunhas prezentes o Reverendo Domingos
Roballo Leitão e António d'Ordaz, digo José Garcia, solteiro ambos desta freguesia e por verdade
fis este asento que asignei com as ditas testemunhas. Proença dia mês e era ut supra.
// O Vig.º Fr. Manuel Ferreira // José Garcia [assina de cruz] // Domingos Robalo Leitão//”

prohensa 2 0 1 9 P á g . 13
entre os Anos de 1 5 7 6 e 1 9 0 0

Como acima foi mencionado, data de 24 de Maio de 1783 a Ordem Circular da Intendência
Geral da Polícia que cria a obrigatoriedade de haver em todas vilas do país “huma casa em que
haja hum lugar, em que se possão expor as crianças, sem que se conheça quem as leva.”
Foi esta Ordem que esteve na origem da instituição das Rodas, sendo que em Proença-a-Velha o
primeiro enjeitado de que temos conhecimento haver sido colocado na Roda data de Outubro desse
mesmo ano:

“Cipriano. No mesmo dia nove de Outubro de mil setecentos e oitenta e três [9Out1783] na Igreja
Matriz desta villa pelo mesmo sacerdote Manuel Pires Moreira por Comissão de mim vigário Fr.
Sebastião Pires Moreira forão feitos os Santos Exorcismos e postos os Santos Óleos a Cipriano
filho de Pais incógnitos, ao qual eu mesmo Vigário havia baptizado por necessidade na Roda dos
Engeitados. Proença etc.
// O Vig.º Fr. Sebastião Pires Moreira //

o termo Roda dos Enjeitados passa depois a ser referido como Roda pública dos Enjeitados,
designação que pretende deixar bem claro que independentemente do local onde está localizada, no
caso de Proença-a-Velha na Misericórdia, este é um serviço público e da responsabilidade dos
órgãos concelhios.

“Apollonia, filha de pais incógnitos, que apareceo Exposta na Roda publica dos Engeitados dia
nove de Fevereiro: foi baptizada solenemente na Igreja Matriz desta villa no dia dez do dito mez do
anno de mil e oitocentos e doze [10Fev1812] por mim Vig.º Encomendado della Feliz Coelho, Foi
madrinha D. Antónia Marques Ribeira desta mesma villa em presença das testemunhas … Pe.
António Pires Moreira e seu irmão Domingos Pires meus fregueses: Proença dia mez e anno ut
supra: Proença-a-Velha.
// Vig.º Encomendado Félix Coelho // Domingos Pires Moreira // António Pires Moreira // “

A inclusão de um escrito junto à criança, com a indicação do nome que lhe deveria ser dado,
visaria, muito provavelmente, uma futura identificação por parte dos progenitores.

“José Ramos: asim chamado conforme a cédula que trazia: filho de pais incógnitos: foi
solenemente baptizado sub conditione, nesta Igreja de Proença por mim Vigário della Fr. Félix
Coelho no dia vinte e oito do mez de Maio de mil oitocentos e dezasseis: [8Mai1816] Foi seu
padrinho Ignácio Mesquita; e testemunhas Luís Ribeiro Mesquita e Francisco Leitão desta Villa de
Proença. Etc.
// O Vig.º Fr. Féliz Coelho // Francisco Leitão [assina de cruz] // Luiz António Ribeiro de
Mesquita // “

Também assim aconteceu com Gregório

“Gregório filho de pais incógnitos, Exposto na Roda pública dos Engeitado desta villa de
Proença em o dia dezoito do mez de Fevereiro de mil oitocentos e vinte e hum. [18Fev1821] Foi
solenemente baptizado em esta Igreja de Proença no dia mez e anno sobredito: por mim Fr. Félix
Coelho vigário della: pondo-lhe este nome de Gregório por assim o trazer recomendado em huma
cédula que trazia na qual dizia não vinha baptizado e que quando se baptizasse (que foi no mesmo

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A Roda dos Expostos, ou Roda dos Enjeitados em Proença-a-Velha

dia da sua exposição) se chamasse pelo dito nome.


Forão padrinhos António Pereira e Thereza Maria Bella, testemunhas presentes Luís Ferreira e
Sebastião Lopes Capote, todos desta freguesia naturais. Proença etc
// O Vig.º Fr. Féliz Coelho // Sebastião Lopes Capote // Luís Ferreira // António Pereira // “

Sabemos que nalguns casos os padrinhos seriam os rodeiros, ou seja, as pessoas, geralmente um
casal, que estavam como funcionários na casa da Roda, tendo por missão recolher as crianças que aí
eram colocadas.
O primeiro assento em que o pároco faz referência explícita a tal situação é de Janeiro de 1812,
no caso relativo a duas irmãs gémeas:

“Brizida e Anna, Expostas, filhas de pais incógnitos que apparecerão na Roda publica desta
Villa de Proença e que a Rodeira, Brizida mulher de João Diogo, declarou serem irmans; ambas
forão solenemente baptizadas em a Igreja Matriz desta Freguesia de Proença por mim Fr. Félix
Coelho, Vigário della em o dia doze do mês de Janeiro de mil oitocentos e dezanove; [12Jan1819] foi
madrinha da Brizida a sobredita Rodeira Brizida e da Anna a filha desta, Anna; testemunhas
António Pereira e Sebastião Lopes Capote, todos desta Freguesia de Proença etc.
// O Vig.º Fr. Félix Coelho // Sebastião Lopes Capote // António Pereira // “

E logo no mês seguinte temos um novo assento em que se regista:

“Maria das Cinco Chagas, filha de pays incógnitos que appareceo na Roda pública dos
Expostos em esta Villa de Proença: foi solenemente baptizada logo no segundo dia da sua
apparição em o dia vinte e seis do mez de Fevereiro de mil e oito centos e dezanove [26Fev1819]
nesta Igreja Matriz por mim Fr. Félix Coelho vigário della; Foi sua madrinha a mesma Rodeira
Brizida Vaz Santa mulher de João Diogo, em presença das testemunhas António Pereira e Luiz
Ferreira, todos desta freguesia de Proença.
// O Vig.º Fr. Félix Coelho // Luís Ferreira // António Pereira //”

Em Outubro de 1824 temos já a indicação de uma nova Rodeira:

“Antónia Francisca, filha de pais incógnitos que apareceo na Roda pública dos Expostos em
esta Villa de Proença-a-Velha, no dia nove do mez de Outubro de mil e oito centos e vinte e quatro;
[9Out1824] Foi solenemente baptizada nesta Igreja Matriz de Proença por mim Fr. Félix Coelho
vigário della em o dia dez do dito mez e anno: Foi sua Madrinha Antónia Bicha, mulher de Luiz
Ferreira, mesma Rodeira dos Expostos desta dita Freguesia: Testemunhas António Pereira e
Manoel Coelho todos desta dita villa de Proença.
// O Vig.º Fr. Félix Coelho // Manoel Coelho // António Pereira //”

Outras rodeiras se seguiram, sendo que é muito provável que a Rodeira desempenhasse também
a função de hospitaleira, ou seja, seria simultaneamente responsável por cuidar do hospital da
Misericórdia, edifício aliás no qual estava instalada a Roda. Pelo menos neste caso assim acontecia:

“Marianna, filha de pais incógnitos, que appareceo na Roda pública dos Expostos: foi
solenemente baptizada subconditione nesta Igreja Matriz de Proença em o dia nove do mez de
Fevereiro de mil, oitocentos e trinta e dois [9Fev1832] por mim Fr. Félix Coelho vigário della,

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entre os Anos de 1 5 7 6 e 1 9 0 0

trazendo o Escripto informa em que dezia que vinha baptizada, e que assim se chamava; foi
madrinha Maria Giraldes, Hospitaleira e Rodeira: e testemunhas Manoel Leitão e Domingos
Duarte, desta freguesia de Proença.
// O Vig.º Fr. Félix Coelho // Manoel Leitão // Domingos Duarte //”

A última referência a uma Rodeira e à Roda dos Expostos em Proença, nos assentos de baptismo,
é de 1 de Setembro de 1875. Convém lembrar que, tal como referimos atrás, o Decreto de 21 de
Novembro de 1867 tinha tornado ilegal a deposição anónima dos enjeitados e, consequentemente, a
ilegalização das Rodas tal como funcionavam até a essa data. Em Proença terá continuado pelo
menos até ao dito ano de 1875.
“Ao primeiro dia do mez de Setembro do anno de mil oitocentos e setenta e cinco, [1Set1875]
nesta Igreja Parochial de Proença-a-Velha, Concelho de Idanha-a-Nova, Diocese de Castelo
Branco, eu o Presbítero António Maria da Cunha, Vigário Colado da mesma Feguesia, baptizei
solenemente, mas sub conditione, um indivíduo do sexo feminino, a quem dei o nome de Sabina,
Exposta lançada na Roda pública desta freguesia e encontrada na mesma às nove horas, da noite
de trinta e um deste mesmo anno por Antónia Joaquina, viúva, Rodeira, natural e moradora nesta
freguesia, não tem signal algum no corpo e trazia vestida uma camiza de paninho, duas baetas de
felanella brancas de algodão, um chambre de xita branca novo, outro dito de fazenda de lã novo,
um lenço grande amarelo de algodão, novo, e um carapuço de xita branca, novo. Forão padrinhos
Manuel Gonçalves Coelho Sénior, casado, Regedor, e sua filha Antónia d'Ordaz Coelho, solteira,
os quais todos seu serem os próprios. E para constar lavrei em duplicado este assento que depois
de ser lido e conferido perante os Padrinhos só com o primeiro destes assigno, por não saber ler o
outro. Era ut supra.
// O Padrinho Manoel Gonçalves Coelho // O Vigº Pe. António Maria da Cunha //”

No assento anterior merece ainda referência o facto de se descrever o “enxoval” que acom-
panhava a criança, bem como a referência ao nome do Regedor de então, o qual foi padrinho da dita
criança.
A partir desta data todos os assentos passam a mencionar que os expostos apareceram junto à
porta de uma qualquer pessoa e não mais nos surge a referência à Roda, nem sequer à Misericórdia.
Vejamos por exemplo o seguinte caso:

“Aos dezoito dias do mez de Março do anno de mil oitocentos e noventa e seis, [18Mar1896]
n'esta Egreja Parochial de Nossa Senhora da Silva de Proença-a-Velha, concelho de Idanha-a-
Nova, Diocese de Portalegre, o Reverendo Padre Félix Gonçalves Coelho, natural e morador
n'esta freguesia e por mim comissionado, baptizou solenemente e sub conditione um indivíduo do
sexo masculino a quem deu o nome de = Honorato Passos = exposto à porta do moinho de António
Carvalho no sítio de Maria Ferreira, d'esta freguesia de Proença-a-Velha, na madrugada do dia
desassete do mesmo mez e anno, não tem signal algum, tras um escripto declarando o nome que
querião que a criança tivesse e veio envolvido em cinco fraldas, três camisas, quatro baetas de
flanella, quatro jaquas e uma carapuça. Foram padrinhos António Carvalho, casado, moleiro, e
sua mulher Maria Angelina, naturais desta freguesia, os quaes todos sei serem os próprios. E para
constar lavrei em duplicado este assento que, depois de ser lido e conferido perante os padrinhos e
officiante o asigno conjuntamente com este; não assigando aquelles por não saberem escrever. Era
ut supra.
// O Officiante P.e Félix Gonçalves Coelho // O Vig.º Encomendado Pe. Joaquim Semedo Diniz //

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A Roda dos Expostos, ou Roda dos Enjeitados em Proença-a-Velha

Os assentos de baptismo por esta época passam a conter obrigatoriamente, por imposições da
Diocese e do Governo, muito mais informação, fornecendo-nos dados complementares muito
importantes para melhor percebermos a própria freguesia e os seus habitantes.
De salientar ainda que por pedido expresso dos progenitores, através de um escrito que a
acompanhava, a criança atrás foi baptizada com dois nomes, contrariamente ao que era normal,
pois o comum era as crianças serem baptizadas apenas com um nome próprio, vindo mais tarde a
adoptar o apelido dos seus pais, ou apenas de um deles. No caso dos enjeitados podiam adoptar o
apelido de quem viesse a cuidar deles, ou qualquer apelido ou alcunha que lhes viessem a atribuir.

O caso seguinte vem ilustrar isso mesmo, com a criança a adoptar como primeiro nome o nome
do Padrinho e como segundo o do local aonde foi encontrado:

“Luiz das Tapadas, Luiz, filho de Pays incógnitos que appareceo no campo, sítio das Tapadas
em esta Freguesia, no dia vinte e trez de Julho de mil e oito centos e trinta e cinco; [23Jul1835] nesse
mesmo dia foi solenemente baptizado em a Igreja Matriz por mim Fr. Félix Coelho, vigário della:
foi seu Padrinho Luiz Ferreira; e testemunhas João Thomás, Hospitaleiro e Joaquim Pires, todos
desta Freguesia de Proença. Etcª.
// O Vig.º Fr. Félix Coelho // João Thomas // Joaquim Pires //

►▼◄

Relembro que se trabalhou com base nos registos de Baptismo de Proença-a-Velha, de 1576 a
1900, com as lacunas para os períodos já acima assinalados.
Identificamos 502 assentos de Baptismo de Expostos, a que correspondem a 508 crianças
Expostas, uma vez que 6 desses assentos se referem a gémeos.
Estes serão os dados totais, salvo algum lapso que possa haver da minha parte, pelo que desde já
apresento as minhas desculpas e peço, caso se pretenda rigor absoluto, o favor de se consultarem e
conferiram os dados disponíveis na Torre do Tombo e no Arquivo Distrital de Castelo Branco.
Durante o mesmo período, salvaguardadas de novo as possíveis falhas que possa haver da minha
parte, temos 7979 crianças baptizadas, o que dá uma média de 6,38 Expostos por cada 100
Crianças baptizadas.
Mas esta média, só por si, é enganadora uma vez que estamos a falar de um período temporal de
325 anos e a evolução do fenómeno do abandono de recém-nascidos é muito variável, com valores
quase insignificantes no início e valores que podemos classificar de assustadores na primeira
metade do século XIX.

Para melhor podermos analisar essa mesma variação apresentamos os quadros seguintes, com
todos os números apurados para o total de Baptizados e o número de Baptizados de Expostos
realizados em cada ano. Os anos para os quais não existem registos assinalam-se com “-” .

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entre os Anos de 1 5 7 6 e 1 9 0 0

Quadro I - Número de Expostos versus Baptizados (1576 a1738)

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A Roda dos Expostos, ou Roda dos Enjeitados em Proença-a-Velha

Quadro I (cont) - Número de Expostos versus Baptizados (1739 a 1900)

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entre os Anos de 1 5 7 6 e 1 9 0 0

É assim bem notório o facto de os números relativos a Expostos ganharem relevância a partir do
século XVIII e atingirem o seu auge na primeira metade do século XIX.
Isso mesmo podemos verificar no quadro agregado que se segue:

Quadro II - Expostos vs Baptizados agregado por séculos

Podemos facilmente constatar o que atrás já havíamos enunciado, o século XIX só por si
apresenta 442 dos 508 Expostos, o que corresponde a 87% do total.
Embora o número de nascimentos, ou melhor dizendo de baptizados, venha a aumentar de século
para século (com a resalva de que para o século XVI os dados disponíveis dizem apenas respeito ao
último quartel e de que faltam alguns dados no início do século XVII), a percentagem de Expostos
aumenta quer em valores absolutos quer em valores relativos; dos menos de 1% nos séculos XVI e
XVII, para 2,51% no século XVIII e 13,23% no século XIX.
Os dados são no entanto ainda mais marcantes se atendermos a que dos 422 Expostos no século
XIX a grande maioria ocorreu na primeira metade, de 1801 a 1850, com 322 Expostos. Vejamos a
evolução ao longo destas primeiras cinco décadas, em períodos quinquenais:

Quadro III - Expostos vs Baptizados por quinquénios durante a 1ª metade do século XIX

É assustador se pensarmos que quase um terço das crianças baptizadas durante os segundos
cinco anos da década de vinte do século dezanove corresponde a crianças abandonadas na Roda dos
Expostos.
Gráfico I - Expostos vs Baptizados por quinquénios durante a 1ª metade do século XIX
Expostos vs Baptizados entre 1801 e 1850
200 184
190

180 173
159 163
160 Baptizados Expostos
141
134
140 123
120 105 107
100
80
55
60 48 43 40
40 30
23 27 27
21
20 8
0
1801/1805

1811/1815

1821/1825

1826/1830

1831/1835

1836/1840

1841/1485

1846/1850
1806 /1810

1816 /1820

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A Roda dos Expostos, ou Roda dos Enjeitados em Proença-a-Velha

A relação é mais evidente quando observada num gráfico com valores empilhados, em que
podemos ver a dimensão que ocupa a mancha dos Expostos na área total de cada coluna.

Gráfico II - Expostos vs Baptizados por quinquénios durante a 1ª metade do século XIX, valores cumulados

Expostos Vs Baptizados, valores acumulados


Expostos Baptizados
200
180
160
140
120
100
80
60
40
20
0
1816 /1820
1806 /1810

1831/1835

1841/1485
1801/1805

1811/1815

1821/1825

1826/1830

1836/1840

1846/1850
Estes dados merecem que os olhemos com muita atenção e que percamos algum do nosso tempo
a meditar sobre os seus quês e porquês. Entre os anos de 1826 e 1830 mais de 3 em cada 10
Baptizados eram Expostos.
Mas se regressarmos ao Quadro I, relativo aos valores anuais, o ano em que existe maior número
de assentos de Expostos é o de 1827, com 14 num total de 38 Baptizados. Contudo o ano mais
preocupante, deste ponto de vista, foi o de 1829 com 12 Expostos entre 28 Baptizados, o que
corresponde a 42,9% do total. Em cada 10 baptizados mais de 4 eram Expostos. Não há palavras
que possam explicar um fenómeno desta natureza. A Vilafrancada, a Abrilada e a consequente
Guerra Civil Portuguesa, ou Guerras Liberais, que ocorreram respectivamente em 1823, 1824 e
entre 1828 e 1834, terão alguma responsabilidade nestes números?
Não podemos afirmar, mas podemosdizer, isso sim, que esta realidade merecia ser devidamente
estudada por especialistas no tema.

Deixemos o repto para quem o possa, e queira, aceitar e voltemos à nossa leitura dos dados
disponíveis:

Dos 508 Expostos temos um ligeira predominância de rapazes, 260, contra 245 raparigas, sendo
que em 3 registos o pároco não indica o sexo indicando tratar-se apenas de uma criança.

Quanto aos nomes próprios preferidos, temos para o sexo feminino: Maria, Rita, Antónia,
Isabel, Ana, Catarina, Joana, Emília, Francisca, ou Rosa;
Enquanto que para o sexo masculino aparecem: António, José, João, Manuel, Luís, Francisco,
Inácio, Félix, Joaquim ou Domingos.

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entre os Anos de 1 5 7 6 e 1 9 0 0

Há, no entanto, muitos outros, num total de 65 nomes próprios diferentes atribuídos às meninas e
de 76 nomes próprios diferentes atribuídos aos rapazes.
Para além dos nomes acima mencionados, e dos mais comuns, surgem nomes muito pouco
usuais e que denotam “alguma criatividade, ou muita cultura”, por parte dos padrinhos, como
podemos ver para o caso do sexo feminino com estes exemplos:
Águeda, Alexandrina, Anastácia, Apolónia, Bebiana, Belizandra, Brizida, Damiana,
Eleocádia, Engrácia, Escolástica, Eufrásia, Jerónima, Ludovina, Lutgarda, Norberta, ou
Patrocínia.
No sexo masculino a criatividade não é menor como se pode constatar pelos exemplos seguintes:
Albano, Anselmo, Atanásio, Basílio, Canuto, Cipriano, Eusébio, Fortunato, Frutuoso,
Gaudêncio, Gervásio, Januário, Leandro, Ludovico, Otelo, Resdevigo, Romualdo, Rudoindo,
Tibúrcio ou Victório.

Já referimos que era normal, em todo o período analisado, nos assentos de baptismo as crianças
serem registada apenas com um nome próprio: Maria por exemplo, para as raparigas, ou Manuel
por exemplo, para os rapazes. Só mais tarde as crianças vinham a adoptar os apelidos ou alcunhas
dos pais e os seus nomes completos só nos surgem quando já como adultos, nos aparecem nos
registos.

No caso dos Expostos, sendo à partida filhos de pais incógnitos, aqueles que o eram de facto,
vinham posteriormente, no caso de atingirem a idade adulta, a adoptar os apelidos ou alcunhas de
quem os havia criado ou baptizado.
Mas nalguns casos, como já vimos em assentos atrás apresentados, logo no baptismo é-lhes
atribuído um segundo nome, na maior parte dos casos com conotação religiosa. Temos assim
registos de crianças Expostas que foram baptizadas com os seguintes nomes:
Augusta do Advento, Benedita dos Reis, Catarina da Paixão, Catarina de S. Bartolomeu,
Catarina do Carmo, Catarina Páscoa, Cândida da Purificação, Francisca do Patrocínio,
Jerónima do Carmo, Josefa do Espírito Santo, Juliana dos Santos, Maria da Circuncisão,
Maria da Visitação, Maria das Cinco Chagas, Maria de Jesus, Maria do Nascimento, Maria
do Patrocínio, Maria dos Santos, Maria Páscoa, Patrocínia da Paixão ou Rita da Cruz, para o
sexo feminino;
António da Ascensão, António da Conceição, António da Cruz, Inácio do Bom Pastor,
Joaquim do Nascimento, José da Circuncisão, José da Conceição, João Crisóstomo, João da
Cruz, João de Sales, João do Carmo, João dos Reis, Manuel da Assunção ou Vicente da
Natividade, para o sexo masculino.

Havia muitos casos, como já referimos acima, em que junto às crianças abandonadas era deixado
um papel onde vinha o nome que lhes devia ser atribuído no baptismo, sendo que muitos desses
nomes eram de facto muito pouco comuns, o que se supunha ser uma forma de mais tarde os
progenitores poderem vir a identificá-los e eventualmente a criá-los. Não temos dados exactos sobre
isso, mas estamos em crer que muito poucos terão voltado a sentir o amor dos seus pais,
independentemente dos nomes com que foram baptizados.

Temos assim crianças registadas com dois ou até mais nomes, para além dos atrás mencionados
com conotações religiosas, agora muitas vezes com combinações pouco vulgares, como sejam os

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A Roda dos Expostos, ou Roda dos Enjeitados em Proença-a-Velha

seguintes casos:
António das Neves, António Frutuoso, António Marcelo, Augusto João, Berta Sara,
Eduardo de Abreu, Feliciana Rita, Francisco Justino, Francisco Paulo, Félix Esteves,
Honorato Passos, Inácio Filipe, Inácio Policárpio, Isabel Conegunda, Januário António, João
Mateus, João Vital, José Cardoso, Maria Gregória, Raul Augusto, Rita Crisóstoma, Rita
Joaquina, Rita Teotónia, Teodora Maria ou Venâncio Pereira.

Menos vulgar ainda é o registo de Baptismo com a inclusão de mais de dois nomes, tal como
acontece nos seguintes casos:

Antónia de Santos Marrocos, António Pinto da Costa, Augusto Henriques de Almeida e


Maria Carolina Alves Branca.

Dissemos acima que estamos em crer que poucas destas crianças terão alguma vez voltado a
sentir o amor dos seus pais... mas não o dissemos apenas por crença, pois sabemos que muitos deles
morriam muito jovens. A mortalidade infantil era muito elevada, em geral, e muito maior ainda para
o caso dos Expostos.
Para termos uma ideia analisemos a década de 1821 a 1830, para qual temos o maior número de
registo de Crianças Expostas em Proença e comparemos com o número de mortes de Expostos
nesse mesmo período:

Quadro IV - Baptizados vs Óbitos de Expostos na década de 20 do século XIX

Embora a comparação ano a ano possa parecer distorcida pelo facto de poderem morrer num ano
algumas crianças nascidas no ano anterior, nos totais para a década já podemos ter uma ideia mais
precisa deste autêntico flagelo: morreram nesses dez anos em Proença-a-Velha e sessenta e três (63)
crianças Expostas e, no mesmo período, foram Baptizadas noventa e oito (98) crianças Expostas.
Podemos dizer que em cada três (3) dos Expostos Baptizados nos anos 20 do Século XIX, em
Proença-a-Velha, dois (2) faleceram antes de atingir o ano de idade, sendo que muitas destas
crianças morreram com poucos meses, ou até mesmo com poucos dias de vida.

De cada um dos que sobreviveu, quantos terão atingido a idade adulta e como terão encarado a
sua realidade, quando dela tiveram plena consciência?
Não nos cabe aqui, neste trabalho, fazer quaisquer comentários, juízos de valor ou especulações,
deixamos apenas a pergunta.

Vejamos a lista completa dos Nomes Próprios para rapazes e raparigas.

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entre os Anos de 1 5 7 6 e 1 9 0 0

Quadro V – Nomes Próprios de Baptismo dos Expostos (Masculinos e Femininos)

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A Roda dos Expostos, ou Roda dos Enjeitados em Proença-a-Velha

3. Hospitaleiras e Rodeiras
Hospitaleira e Hospitaleiro era o nome que era dado àquela e àquele que estavam responsáveis
pelo Hospital, que em Proença-a-Velha funcionou no edifício anexo à Misericórdia. Mais do que
Hospital falamos de um Hospício ou Albergaria, que terá funcionado desde o século XVI até ao
Século XX e onde se recolhiam os peregrinos e viajantes, nomeadamente quando sofriam de
mazelas ou doenças, e aí permaneciam até que pudessem prosseguir viagem, o que está portanto na
origem do termo hospital tal qual o conhecemos hoje em dia. Os Hospitaleiros eram, em geral, um
casal que habitava no próprio edifício e dele tomava conta.
Foi nesse mesmo edifício da Misericórdia que entre os séculos XVIII e XIX funcionou a Roda,
ou Roda dos Enjeitados, ou Roda dos Expostos ou, ainda, Roda Pública dos Expostos, como
também era chamada, e de que atrás já falamos, e para a qual em Proença temos referências nos
Registos de Baptismo, como também já vimos, entre o dia 9 de Outubro de 1783 e o dia 1 de
Setembro de 1875.
Aquando da instalação da Roda na Misericórdia, que por imposição legal teria que ter uma
pessoa adstricta, que ficava com a responsabilidade de recolher as crianças expostas, dar-lhes os
primeiros cuidados e avisar de imediato os responsáveis camarários e religiosos para poderem
proceder ao seu encaminhamento, essa pessoa passsou a ser conhecida como Rodeira ou Rodeiro.
Em Proença-a-Velha é muito provável que os Hospitaleiros passassem a ser em simultâneo
Rodeiros, pelo menos temos situações em que há referência a isso mesmo.
Como vimos atrás, no período da existência de Rodeiros e Rodeiras foram eles muitas vezes os
padrinhos e madrinhas das crianças Expostas na Roda. Muitos são os assentos de Baptismo que nos
falam disso, havendo também, embora com menor frequência, menção ao nome dos Hospitaleiros.
No quadro seguinte apresentamos os nomes dos que conseguimos apurar, com indicação de datas
em que são mencionados, bem como do documento em que são referidos.
A 1ª referência é a Manuel Nunes, Hospitaleiro em 9 de Janeiro de 1685 e a última a Antónia
Joaquina, Rodeira em 1 de Setembro de 1875.
Em 9 de Fevereiro de 1832 a referência a Maria Giraldes, indicado como Hospitaleira e Rodeira,
prova evidente de que podia ser uma única pessoa com as duas funções
De salientar ainda a referência, no testamento do assento de óbito de Catarina Sousa, mulher de
Domingos Fernandes à “velha que assiste no Hospital”, sem indicação do nome da mesma, que
seria eventualmente a hospitaleira/rodeira de então.

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entre os Anos de 1 5 7 6 e 1 9 0 0

Quadro VI – Registo de Hospitaleiros(as) e Rodeiros(as) em Proença-a-Velha

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A Roda dos Expostos, ou Roda dos Enjeitados em Proença-a-Velha

4. Amas
Junto à Roda havia geralmente uma corrente que puxada fazia tocar uma sineta, ou campainha,
no interior da Misericórdia para avisar a rodeira, para que esta pudesse vir recolher a criança.
Recolhida a criança e os “bens” que a acompanhavam a Rodeira teria que prestar os primeiros
cuidados, e de imediato avisar a Igreja e a Câmara. Havia um livro onde se registava a entrada da
criança e a descrição dos bens e eventuais bilhetes que a acompanhava.
Da parte da Igreja competia ao Vigário proceder ao Baptismo, no mais curto espaço de tempo,
enquanto que ao Concelho, a cargo de quem a criança ficava, competia encontrar uma ama que
ficasse responsável pela sua criação, para o que receberia um determinado montante até a criança
atingir 7 anos de idade.
A partir dos 7 anos passavam, em termos de legislação, a ser tratados como órfãos e, como tal, a
sua tutela passava para a responsabilidade do Juiz dos Órfãos.
Ao Juiz dos Órfãos competia então nomear-lhes um Tutor e colocá-los em casa de quem
estivesse na disponibilidade de lhes dar de comer, de vestir e dormida. Isto, obviamente, em troca
do trabalho que passariam a realizar. Havia neste caso direito de preferência às amas que os tinham
criado, na eventualidade destas os quererem nessas condições.
A partir dos 12 anos, quem tivesse ficado com eles, deveria também passar a atribuir-lhe uma
soldada, de acordo com os valores praticados na época para a função exercida.
Se não aparecesse ninguém que os quisesse aceitar o Juiz dos Órfãos teria que afixar Editais e
enviar pregoeiros avisando que havia crianças Expostas para quem estivesse interessado. Procedia
depois a um leilão, arrematando-as a quem oferecesse a maior soldada.
Chegados aos vinte anos eram declarados maiores e emancipados, podendo livremente seguir o
seu caminho.

Durante todo este percurso é evidente que, em todas estas etapas, estavam uma vez mais
“expostos”, não há Roda, mas à sorte, à esperteza, à caridade, à benevolência. Estavam nas mãos de
Deus, ou dos homens talvez...

Nos registos apuramos os nomes de algumas amas que por amor, por interesse, por necessidade,
por tudo isso, ou por nada disso, tiveram a seu cargo a criação de Expostos desde que eram largados
na Roda até aos 7 anos:
A primeira referência que encontramos data de 3 de Julho de 1728 e a última de 26 de Fevereiro
de 1902.
Vejamos o quadro com os nomes das amas dos Expostos, ou o de quem os criou.
Muita gente vivia, ou sobrevivia, à custa da miséria e da desgraça alheia.

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entre os Anos de 1 5 7 6 e 1 9 0 0

Quadro VII – Identificação das Amas referidas nos Registos Paroquias de Proença-a-Velha

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A Roda dos Expostos, ou Roda dos Enjeitados em Proença-a-Velha

5. Juiz dos Órfãos e Escrivão dos Órfãos

5.1 Juiz dos Órfãos


Falamos no início no Cargo de Juiz dos Órfãos e vimos que quando os Expostos atingiam os 7
anos, passavam legalmente a ser considerados órfãos passando a ser tutelados pelo Juiz dos Órfãos,
da respectiva freguesia.
Da leitura dos livros dos Registos Paroquiais de Proença, que para o caso dos Baptismos
existem como vimos de 13 de Junho de 1576 a 25 de Dezembro 1900, mas também nos dos
Casamentos, que existem de 20 de Janeiro de 1573 a 5 de Novembro de 1904, e nos de Óbitos, que
existem de 20 de Outubro de 1573 a 23 de Novembro de 1904, (em ambos estes últimos casos
também com algumas lacunas) temos algumas várias referências a pessoas que em Proença-a-Velha
desempenharam estes cargos públicos de Juiz e de Escrivão dos Órfãos.
Mas também nos arquivos da Torre do Tombo podemos recolher mais informações sobre as
Mercês Régias de atribuição de Cartas e Alvarás a alguns daqueles que serviram esses ofícios.
Para o caso do Juiz apuramos os seguintes nomes:
Quadro VIII – Listagem dos Juízes dos Órfãos em Proença-a-Velha

(1) Este Luís Mendes, que foi casado com Antónia dos Anjos, poderá ser neto do anterior, também chamado Luís
Mendes o qual casado com Beatriz de Proença de quem teve uma uma filha, Inês Mendes, que casou com Gaspar
Antunes em 20 de Janeiro de 1573.
No caso de Maria Ferreira o Alvará é-lhe concedido, como se vê, para um dos seus filhos, sendo
depois concedido ao filho Paulo Giraldes da Cunha.

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5.1 Escrivão dos Órfãos


Ordenações Manuelinas, no Livro I, Título LXVIII
“Do Escriuam dos orfaõs, e do que a seu Officio pertence”
“O Escriuam dos orfaõs será muito deligente assi em escreuer, e poer em boa recadaçam os
bens, e rendas dos ditos orfaõs, como em oulhar por suas pessoas; porquanto para ello foram
especialmente criados, e ordenados estes dous Officios de Juiz, e Escriuam, os quaes antigamente
pertenciam aos Juizes Ordinarios, e Tabaliães de Nossos Reinos...”
e prossegue um pouco mais adiante:
“ … E por tanto Mandamos ao Escriuam dos ditos orfaõs, que com o Juiz delles saibam quantos
orfaõs haa em a Cidade, Villa, ou Luguar onde for Escriuam, e escreuelos-ha todos em huũ livro,
declarando o nome de cada huũ orfaõ, e cujo filho foi, e de que hidade he, e onde viue, e com
quem, e por que maneira, e quem he seu Tutor ou Curador … “
Ainda mais adiante, no §3, determina-se:
“Quando alguns orfaõs forem dados por soldada a alguũas pessoas, como no Regimento do Juiz
he ordenado, poerá o dito Escriuam no dito inuentario mui declaradamente a quem sam dados, por
quanto tempo, e por quanto preço, e em que tempo se hade paguar a dita soldada.”
Assim, quando aos 7 anos os Expostos passavam para a tutela do Juiz dos Órfãos, estaria o
Escrivão dos Órfãos obrigado a proceder à sua inscrição no supracitado livro.
Havendo os ofícios de Juiz e de Escrivão dos Órfãos em Proença, teria que haver, conse-
quentemente, os referidos livros onde certemente se contaria toda a história dos órfãos de Proença-
a-Velha em geral, e dos Expostos em particular, neste caso a partir dos 7 anos de idade.
Não sabemos se algum destes livros chegou aos nossos dias, pois ainda não conseguimos
localizar nenhum. Seriam certamente documentos importantíssimos para se poder fazer o estudo
detalhado desta temática que, como vimos atingiu números impensáveis.

Para os Escrivães dos Órfãos temos dados relativos a Proença pelo menos desde 18 de Fevereiro
de 1490. Nesta data há uma Carta régia de D. João II sobre um litígio entre um Pero Vaz e um João
Robalo, que criado do Comendador de Proença, relativo à propriedade do Ofício de Tabelião do
Público e Judicial, Escrivão dos órfãos, da Câmara e d' Almotaçaria e escrivão das sisas na vila de
Proença e seu termo.
Como relativamente ao ofício de Juiz dos Órfão só temos dados a partir de Agosto de 1575, é
provável que até então essa função estivesse na alçada do Juiz Ordinário, como acontecia em muitos
outros locais e como, aliás, se refere na legislação atrás mencionada.

No quando seguinte apresentamos a listagem dos nomes, de que temos conhecimento, dos que
em Proença exerceram o dito ofício de Escrivão dos Órfãos:

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A Roda dos Expostos, ou Roda dos Enjeitados em Proença-a-Velha

Quadro IX – Listagem dos Escrivães dos Órfãos em Proença-a-Velha

Temos conhecimento de outros nomes de homens que exerceram o cargo de Escrivão da Câmara,
sendo muito provável, como se pode deduzir pelo quadro anterior, que tenham também tido a
função de Escrivão dos Órfãos, contudo, e uma vez que nos documentos consultados só vem
mencionado o ofício de Escrivão da Câmara, optamos por não apresentar aqui esses nomes.

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Terminamos por aqui esta viagem falando dos Expostos ou Enjeitados de Proença-a-Velha, e
abordando, a talho de foice, as Hospitaleiras, as Rodeiras, os Juízes e Escrivães dos Órfãos da
mesma freguesia, ofícios todos eles ligados ao tema central.

E não há melhor forma de terminar este trabalho de que termos a plena consciência do muito que
ainda haverá por investigar, para podermos corrigir, confirmar, ou, e porque não, acrescentar outros
dados que entretanto possam aparecer...

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