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Hormese, envelhecimento e toxicidade: Estado da Arte -Um Novo Conceito


Hormesis, aging and toxicity: State of Art -A new concept

Article · March 2020


DOI: 10.22280/revintervol13ed1.454

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André Rinaldi Fukushima


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Hormese, envelhecimento e toxicidade: Estado da Arte – Um
Novo Conceito

Hormesis, aging and toxicity: State of Art – A new concept

André Rinaldi Fukushima


Sarah Cristina Gozzi e Silva
Iago Portolani de Araujo
Juliana Weckx Peña Muñoz
Diana Madureira dos Santos

Registro DOI: http://dx.doi.org/10.22280/revintervol13ed1.454

Revinter, v. 13, n. 01, p. 04-12, fev. 2020. 4


HORMESE, ENVELHECIMENTO E TOXICIDADE: ESTADO DA ARTE - UM NOVO
CONCEITO

Resumo Abstract

O envelhecimento é um processo natural e Aging is a natural and progressive process, which


progressivo, o qual acomete aspectos do individuo affects aspects of the individual holistically. An
de forma holística. Um organismo envelhecido, em organism aged under normal conditions may
condições normais, poderá sobreviver survive adequately. However, when subjected to
adequadamente, porém, quando submetido a toxicological, physical and emotional stress,
situações de stress toxicológico, físico, emocional, among others, it may present difficulties in
entre outros, pode apresentar dificuldades em maintaining its homeostasis and leading to the
manter a sua homeostase e levando o mesmo a onset of the hormone mechanism. Hormese is
desencadear o mecanismo de hormese. A derived from the Greek "hormaein" which means
Hormese deriva do grego “hormaein” que significa "to excite". In its first definition was described as a
“excitar”. Em sua primeira definição foi descrita biphasic behavior, that is, a biological ability that
como um comportamento bifásico, ou seja, uma can be modified by low doses of a xenobiotic, but
habilidade biológica que pode ser modificada por inhibited by high doses of it, it was proposed as an
baixas doses de um xenobiótico, mas inibida por explanation for changes in homeostasis. One of the
doses elevadas do mesmo, ela foi proposta como most well-accepted theories related to aging is
uma explicação para alterações na homeostase. free radical theory. In addition to free radicals
Uma das teorias mais bem aceitas relacionadas ao other xenobiotics may be intrinsically correlated
envelhecimento é a teoria dos radicais livres. Além with senescence of nerve cells, such as drugs of
dos radicais livres outros xenobióticos podem estar abuse, medications of continuous use, toxins and
intrinsecamente correlacionados a senescência de drugs, among others. This article intends to
células nervosas, como drogas de abuso, scientifically present a systematic literature review,
medicamentos de uso continuo, toxinas e bringing the themes hormone, aging and
fármacos, entre outros. Este artigo vislumbra toxicology correlated to the areas of health,
apresentar de forma cientifica uma revisão toxicology and regulation, showing the
bibliográfica sistemática, trazendo os temas fundamental misunderstanding in nature when
hormese, envelhecimento e toxicologia evaluating responses only by observing the triad
correlacionados as áreas da saúde, toxicologia e dose x response x exposure . During the first
regulação, mostrando o equivoco de fundamental decades of the twentieth century this error was the
na natureza quando são avaliadas respostas result of multiple factors, including the conflict
apenas observando a tríade dose x resposta x between homeopathy and traditional medicine,
exposição. Durante as primeiras décadas do século and the evaluations of the hormone dose
XX este erro foi o resultado de múltiplos fatores, responses are difficult to interpret, requiring more
incluindo o conflito entre homeopatia e medicina attention and abstraction compared to linear
tradicional, além disso, as avaliações das respostas models , traditionally accepted by the majority of
da dose hormética são de difícil interpretação, the scientific community. The concept of hormone
exigindo mais atenção e abstração quanto helps researchers to better address the low dose
comparado aos modelos lineares, response, showing that there is adaptability of the
tradicionalmente aceitos pela maioria da organisms and can open a new look on the onset
comunidade cientifica. O conceito hormese ajuda of chronic degenerative diseases and generating
os pesquisadores a abordar melhor forma de paradigm breaks in this perspective.
respostas a baixa dose, mostrando que existe
Keywords: Aging. Hormesis. Toxicity.
capacidade de adaptação dos organismos e
podendo abrir um novo olhar sobre o início
doenças degenerativas crônicas e gerando
quebra de paradigmas no que tange essa ótica.

Palavras-chave: Envelhecimento. Hormese.


Toxicidade.

Revinter, v. 13, n. 01, p. 04-12, fev. 2020. 5


HORMESE, ENVELHECIMENTO E TOXICIDADE: ESTADO DA ARTE - UM NOVO
CONCEITO

1 INTRODUÇÃO

O envelhecimento é um processo natural e A ocorrência desse estimulo em


progressivo, o qual acomete aspectos do individuo populações naturais é comum e aparentemente
de forma holística (HARMAN, 2000). A OMS, 2015 leva a um processo de evolução adaptativa,
estabelece que a terceira idade tem início entre os levando os genótipos mais adaptados a lidar com
60 e 65 anos (OMS, 2015). Nesta fase é muito o estresse ao sucesso evolutivo. No entanto, a
comum efeitos, sinais e sintomas descritos em energia gasta no processo de destoxificação, afim
literatura relacionados ao processo de de manter-se vivo, poderá reduzir a energia
envelhecimento. A literatura científica classifica as destinada à reprodução (FORBES, 2000; KMECL;
alterações patológicas de acordo com as JERMAN, 2000).
seguintes áreas: 1) biológicas, 2) psíquicas e 3) Esse fenômeno é observado em pesquisas
sociais. Qualquer alteração em uma delas, quando clínicas e experimentais, mas na maioria das vezes,
exacerbados, culminam no aparecimento de é ignorado. O estímulo ao crescimento é o
doenças características da velhice (HARMAN, processo de hormese mais observado e descrito,
2006). embora, esse fenômeno também ocorra em
O envelhecimento fisiológico promove parâmetros como expectativa de vida, sucesso
inúmeras alterações nas funções orgânicas devido reprodutivo, redução de câncer, resistência a
aos efeitos da idade avançada sobre o organismo, doenças, viabilidade, respiração, exposição a
fazendo com que o mesmo perca a capacidade agentes tóxicos, práticas esportivas entre outros
de manter o equilíbrio homeostático promovendo (KMECL; JERMAN, 2000).
o declínio gradual das funções fisiológicas, Portanto, é notório que processo de
gerando assim uma diminuição da reserva hormese, o processo de envelhecimento e a
funcional (FIRMINO, 2006). exposição a agentes tóxicos ocorram
Um organismo envelhecido, em condições paralelamente ao longo da vida de todo o ser
normais, poderá sobreviver adequadamente, vivo.
porém, quando submetido a situações de stress Do ponto de vista fisiológico, o estilo de
toxicológico, físico, emocional, entre outros, pode vida assumido desde a infância passa pela
apresentar dificuldades em manter a sua adolescência e culmina na velhice.
homeostase. Em resposta a esse stress, esse O organismo envelhece como um todo,
organismo adapta-se a sua nova realidade, enquanto que os seus órgãos, tecidos, células e
processo de hormese, ou manifesta sobrecarga estruturas sub-celulares têm envelhecimentos
funcional, gerando processos patológicos devido diferenciados. Com o envelhecimento, ocorrem
ao comprometimento dos sistemas vitais (TOSATO, alterações de vários aspectos perceptíveis do
M, ZAMBONI, V, FERRINI, A, 2007). organismo. Destacam-se a diminuição do fluxo
Hormese deriva do grego “hormaein” que sanguíneo para os rins, fígado e o cérebro, da
significa “excitar”. Em sua primeira definição foi capacidade dos rins para eliminar toxinas e
descrita como um comportamento bifásico, ou medicamentos, da capacidade do fígado para
seja, uma habilidade biológica que pode ser eliminar toxinas e metabolizar a maioria dos
modificada por baixas doses de um xenobiótico, medicamentos, da frequência cardíaca máxima,
mas inibida por doses elevadas do mesmo mas sem alteração da frequência cardíaca em
(BUKOWSKI, J.A, LEWIS, 2003; CALABRESE; BALDWIN, repouso, do débito cardíaco (saída de sangue do
2000, 2001, 2002; TURTURRO; HASS; HART, 2000) Nos coração) máximo, da tolerância à glicose, da
campos da biologia e medicina, é definida como capacidade pulmonar de mobilização do ar, da
uma resposta adaptativa de células e organismos função celular de combate às infecções e
a um estresse moderado (geralmente intermitente) aumento da quantidade de ar retido nos pulmões
(MATTSON, 2008). depois de uma expiração (FONTAINE, 2000).
Uma definição mais atual, descreve a Existem inúmeras teorias, sobre o
hormese como um efeito estimulatório em sistemas envelhecimento, dentre ela a teoria dos radicais
biológicos que pode ser maior que 30% em relação livres é atualmente uma das teorias que melhor
ao controle (CHAPMAN, 2001). Hormese foi explica o processo de envelhecimento.
proposta como uma explicação para alterações
na homeostase (STEBBING, 1998)

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HORMESE, ENVELHECIMENTO E TOXICIDADE: ESTADO DA ARTE - UM NOVO
CONCEITO

A teoria dos radicais livres surgiu em 1956, que são induzidas diretamente (hormese de
com o Dr. Denham Harmon, que sugeriu que a estimulação direta) ou são o resultado de
senescência celular é diretamente proporcional processos biológicos compensatórios após uma
aos processos oxidativos que ocorrem no interior ruptura inicial da homeostase (hormese de
das células, em virtude da formação de radicais estimulação de sobrecompensação) (CALABRESE
livres, denominadas toxinas celulares por ele E BALDWIN, 2002). De maneira geral, é
(HARMAN, 1956). caracterizada por uma resposta a baixas doses,
oposta daquela observada a altas doses (RAY et
Radicais livres são substâncias tóxicas que al., 2014).
possuem um número ímpar de elétrons e
promovem sua ligação à moléculas que possuem
pares de elétrons livres (proteínas, lipídios,
1.1 Hormese de sobrecompensação e de
carboidratos entre outros), o que acaba por estimulação direta
danificar as células. Portanto os radicais livres
oxidam praticamente tudo, possuindo também a
A hormese de sobrecompensação é uma
capacidade de gerar novos radicais livres
resposta adaptativa a baixos níveis de estresse ou
destruindo enzimas e atacando células, causando
dano, que resulta de uma sobrecompensação
nelas sérios danos estruturais cuja consequência
modesta a uma ruptura inicial da homeostase,
será o seu mau funcionamento e morte
promovendo maior aptidão para alguns sistemas
(GLADYSHEV, 2014).
fisiológicos por períodos finitos e, sob
As células nervosas são alvos desses radicais
circunstâncias específicas. As principais
livres. A maior parte das pesquisas relacionadas
características conceituais são a interrupção da
com o envelhecimento cerebral foram realizadas a
homeostase, a sobrecompensação modesta, o
partir de comparações, pós-mortem, entre
restabelecimento da homeostase e a natureza
amostras de cérebros jovens e cérebros de pessoas
adaptativa do processo. A Figura 1 representa a
idosas, o que gera dificuldades metodológicas. A
forma geral da relação dose-resposta da hormese
amostragem é pequena e as coletas de tecidos
de sobrecompensação, incluindo a sequência
nervosos são aleatórias, em decorrência das
temporal (CALABRESE E BALDWIN, 2001).
dificuldades técnicas. Portanto as diferenças
interindividuais não são conhecidas, embora sejam
consideradas de grande importância pelos
pesquisadores (GLADYSHEV, 2014).
Além dos radicais livres, outros xenobióticos
podem estar intrinsecamente correlacionados a
senescência de células nervosas, como drogas de
abuso, medicamentos de uso continuo, toxinas de
diversas fontes, entre outros.
O fenômeno da hormese gerou
considerável interesse nas comunidades científicas
e médicas nas últimas duas décadas. Isso é suposto
pelo fato dos termos em inglês “hormesis” ou
“hormetic” mostrarem um aumento no número de
citações nas bases de dados científicas durante
este período de tempo. Por exemplo, durante toda
a década de 80, esses dois termos foram citados
cerca de 10 a 15 vezes por ano. No entanto, só em
2013 eles foram citados cerca de 6.000 vezes
Figura 1: Comparação de estimulação direta
(CALABRESE, 2015).
estimulação sobrecompensação da hormese
De acordo com Calabrese e Baldwin (2002),
(CALABRESE E BALDWIN, 2001).
hormese é um fenômeno caracterizado por uma
dose-resposta bifásica com particularidades
quantitativamente semelhantes quanto a
amplitude e extensão da resposta estimulatória

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HORMESE, ENVELHECIMENTO E TOXICIDADE: ESTADO DA ARTE - UM NOVO
CONCEITO

A característica de sobrecompensação
modesta da hormese é essencial, pois liga 2 CARACTERÍSTICAS QUALITATIVAS E
funcionalmente as respostas horméticas à QUANTITATIVAS DA HORMESE E MODELOS
homeostase, um conceito biológico universal,
fornecendo a base teórica para a ampla DOSE-RESPOSTA DISCUSSÃO
Como já citado anteriormente, as
generalização dos fenômenos horméticos
respostas horméticas são caracterizadas como
(CALABRESE E BALDWIN, 2002).
relações bifásicas exibindo uma estimulação de
Essa modesta resposta de
baixa dose e uma inibição de alta dose. Ou seja,
sobrecompensação sugere um processo de
tanto as dimensões estimuladoras quanto as
otimização altamente regulado que fornece
inibitórias do fenômeno hormético devem estar
equidade adaptativa adicional. Este conceito
presentes para satisfazer sua definição qualitativa.
implica uma resposta contínua às mensagens
Consequentemente, a hormese é um termo geral
regulatórias compensatórias até que a condição
para relações dose-resposta bifásicas em forma
homeostática seja restabelecida. As respostas de
de “U” ou “U invertido” (CALABRESE E BALDWIN,
compensação devem ser quantitativamente
2002).
ligadas à extensão do dano incorrido.
A Figura 3 (a) mostra uma curva em forma
Este processo também pode readaptar o
de U cujo perfil resulta se uma resposta, como a
organismo contra danos causados por uma
toxicidade, é traçada ao longo da ordenada. A
exposição subsequente e mais massiva dentro de
Figura 3 (b) mostra uma curva dose-resposta
um período de tempo limitado (CALABRESE E
hormética em forma de U invertido (RAY et al.,
BALDWIN, 2002).
2014).
Portanto, a resposta de supercompensação
A linha tracejada representa os níveis de
pode satisfazer duas funções: a garantia de que o
resposta para a população controle. A região de
reparo foi adequadamente realizado em tempo
baixa dose que se situa abaixo (Figura 2 (a)) ou
hábil e proteção contra resultados subsequentes e
acima (Figura 2 (b) ) é referida como zona de
possivelmente mais massivos.
hormese, onde o efeito hormético é observado,
O conceito desta última função é
enquanto o ZEP (ponto equivalente a zero)
comumente avaliado em estudos toxicológicos
representa o ponto em que o perfil de resposta
químicos e radioativos da resposta adaptativa.
cruza a linha de controle e faz uma transição para
Neste caso, uma dose baixa (por exemplo, raios-X,
fora da zona hormética. Depois disto, qualquer
metais pesados, solventes orgânicos) administrados
aumento na dose, produz uma reversão na
antes de uma dose mais elevada e mais potente
direção da resposta, de tal forma que a variável
do mesmo agente, frequentemente reduz o
dependente muda em mais de uma direção com
potencial toxico (CALABRESE E BALDWIN, 2002).
uma alteração unidirecional da variável
A hormese de estimulação direta exibe
independente (RAY et al., 2014). Apesar da
características quantitativas similares a de
ocorrência generalizada da hormese, a
sobrecompensação no que diz respeito à
magnitude da resposta em si parece ser modesta
amplitude e extensão da resposta. No entanto, a
(CALABRESE E BALDWIN, 1997; RAY et al., 2014)
ação inicial que gera a estimulação direta não é
uma resposta a uma ruptura na homeostase, mas
sim representa um tipo de resposta adaptativa em
estado estacionário que reflete a dinâmica
fisiológica normal e modulatória (Figura 2).

Figura 3: Curvas de dose-resposta hormética representando (a)


baixa dose de inibição e alta dose de estimulação de resposta
(curva em forma de U) e (b) baixa dose de estimulação e alta
dose de inibição de resposta (curva em forma de U invertido).
O ponto em que o perfil de resposta cruza a linha de controle
e faz sua transição para fora da zona hormética é o ponto
equivalente de zero (PEZ) (RAY et al., 2014).
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HORMESE, ENVELHECIMENTO E TOXICIDADE: ESTADO DA ARTE - UM NOVO
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Com base na investigação de milhares de


estudos publicados que oferecem consistência
qualitativa com a relação dose-resposta
hormética, Calabrese e Baldwin (CALABRESE E
BALDWIN, 1997) observaram que o efeito hormético
máximo seja apenas 30 a 60% maior que o valor
controle (Figura 4) sendo a largura da zona
hormética, no entanto, bastante variável. A
extensão da resposta estimuladora foi tipicamente
(isto é, 90% de 2609 exemplos) na gama de
dosagem de 5 a 100 vezes, imediatamente abaixo
do limiar de toxicidade.
O fato de a zona estimulatória poder ser tão Figura 5: Duas das curvas dose-resposta mais comumente
ampla sugere que múltiplos mecanismos estão utilizadas em farmacologia e toxicologia. (a) curva de dose
limiar e (b) curva linear sem limiar (LNT). As linhas tracejadas
envolvidos (CALABRESE E BALDWIN, 2002; FADDA et representam os níveis de resposta para as populações de
al., 1990; RAY et al., 2014). controle (RAY et al., 2014).

Tem sido argumentado pelos defensores


da hormese que os modelos horméticos devem
substituir a resposta limiar e LNT como modelo
padrão para efeitos a baixas doses. Esta proposta
é controversa, especialmente na área de
avaliação de riscos. Um dos conceitos dos
modelos monofásicos é que os efeitos a baixas
doses podem ser considerados por observações
dos efeitos a altas doses (RAY et al., 2014).
Isto é relevante na avaliação de riscos, pois
os efeitos biológicos a baixas doses são sujeitos a
um grande nível de erros experimentais,
Figura 4: Curva dose-resposta que descreve as características
dificultando medições precisas. Com isto, o
quantitativas da hormese (CALABRESE, 2015). modelo hormético torna a extrapolação das
medidas em altas doses, para doses muito mais
Isto está em contraste com os modelos de complexas. A natureza bifásica da curva
dose-resposta mais tradicionais – o modelo limiar e hormética não exclui a possibilidade de prever
o modelo linear sem limiar (LNT), representados na efeitos de baixas doses daqueles observados em
Figura 5 (a) e 5 (b), respectivamente. O modelo doses mais elevadas, mas fazê-lo requer que as
limiar é amplamente considerado como o modelo características quantitativas da curva sejam
padrão em farmacologia e toxicologia, com conhecidas (RAY et al., 2014).
exceções nas áreas de mutagênese /
carcinogênese e biologia da radiação, em que o
modelo LNT é predominante. Ambos modelos são 3 HORMESE COMO PARTE INTEGRANTE DA
monofásicos, isto é, não há reversão na direção da
variável dependente a medida que há o aumento FUNÇÃO FISIOLÓGICA
da variável independente.
Para o modelo limiar, o perfil de resposta da
população experimental segue aquele da Enquanto a hormese é mais
população controle ou linha de base até que o frequentemente descrita no contexto da
limiar seja atingido. Posteriormente, o perfil é exposição aos agentes exógenos ou condições
gerado de forma unidirecional à medida que há o ambientais, deve também ser reconhecido que
aumento da dose. O modelo LNT assume que não este fenômeno é parte integrante da função
há um limite para o efeito, ou seja, uma resposta é fisiológica normal das células e dos organismos.
possível para qualquer dose acima de zero (RAY et
al., 2014).

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HORMESE, ENVELHECIMENTO E TOXICIDADE: ESTADO DA ARTE - UM NOVO
CONCEITO

Por exemplo, a exposição de um neurônio


ao glutamato, um neurotransmissor excitatório, (YELLON E DOWNEY, 2003) o que explicaria o
durante a sua atividade normal resulta em estresse mecanismo de angiogenese colateral que ocorre
oxidativo energético acompanhado por ativação após os 60 anos de idade (FERNANDES E PERIN,
de vias de hormeticas que auxiliam os neurônios a 2007).
lidar com estressores mais massivos em uma Alguns exemplos importantes de Hormese
exposição posterior; no entanto, a ativação são aqueles voltados a área esportiva, como a
excessiva dos receptores deste neurotransmissor prática de exercícios físicos (LI; CHOUNGHUN;
pode promover citotoxicidade (MATTSON, 2003) YONG, 2016; ZSOLT E RADAK, 2019), a área
como mostra a figura 6: nutricional, como o processo de alimentação e
restrição alimentar (CALABRESE, et. al, 2019), o
processo de envelhecimento (RATTAN, 2019) a
exposição a agentes tóxicos e farmacológicos
(CALABRESE E BALDWIN, 2001), radiação
(AGATHOKLEOUS E CALABRESE, 2018) meditação
(OBODOVSKIY, 2019).
Vaiserman, (2011) defende a idéia que a
regulação epigenética da expressão gênica é um
mecanismo molecular chave que liga fatores
ambientais com o genoma com consequências
para o estado de saúde ao longo da vida. De
acordo com visão moderna, as mudanças
epigenéticas são muito mais prováveis do que as
mudanças genéticas a serem dessas mudanças
são manifestamente adaptativas, mostrando que
mecanismos epigenéticos podem estar envolvidos
em respostas semelhantes à hormese (VAISERMAN,
Figura 6: O efeito dose-resposta bifásica da ceramida, mediador 2011).
lipídico em células nervosas. Neurônios cultivados do
hipocampo de rato foram pré-tratados durante 20 h com as
concentrações indicadas de ceramida e depois expostos a 10 4 A DISSOCIAÇÃO ENTRE OS EFEITOS
mM do neurotransmissor excitatório glutamato durante 24 h, ou
foram expostos ao controle ou concentrações crescentes de BENÉFICOS DA DEFINIÇÃO DE HORMESIS
ceramida isolada. A sobrevivência neuronal foi então
quantificada (MATTSON, 2008).
Historicamente, os efeitos de baixas doses
Neste exemplo, baixas concentrações do associados à hormese têm sido considerados
mediador lipídico ceramida protegeram as células benéficos, entretanto benefícios e danos estão
nervosas de serem mortas por uma alta sujeitos à interpretação (RAY et al., 2014). De
concentração do glutamato; por outro lado, altas acordo com Calabrese e Baldwin (2002), mesmo
concentrações de ceramida eram tóxicas para os a hormese sendo considerada uma resposta
neurônios (GOODMAN E MATTSON, 1996). adaptativa, a questão dos efeitos benéficos /
Curiosamente, o próprio glutamato pode induzir a nocivos não deve ser parte da definição de
hormese, já que o pré-tratamento de neurônios hormese, mas reservada a uma posterior
com baixa concentração de glutamato pode avaliação do contexto biológico e ecológico da
protegê-los de serem danificados por uma resposta (CALABRESE E BALDWIN, 2002).
concentração mais alta do mesmo (MARINI et al., O conceito de um efeito benéfico neste
2007). contexto é difícil de ser determinado devido à
Um dos tipos mais amplamente estudados considerável complexidade biológica e o fato
de hormese experimental, chamado de isquemia dos efeitos benéficos serem muitas vezes vistos
de pré-condicionamento, ocorre quando um com referência a uma configuração específica
órgão (o coração ou do cérebro, por exemplo) são e relativa. O que pode ser benéfico para o
submetidos a uma breve isquemia. Depois desta indivíduo, devido a exposições de baixa dose,
exposição, as células tornam-se mais resistentes a
um ataque cardíaco ou acidente vascular cerebral
(YELLON E DOWNEY, 2003) o que explicaria o
mecanismo de angiogenese colateral que ocorre
após os 60 anos de idade (FERNANDES E PERIN,
2007). v. 13, n. 01, p. 04-12, fev. 2020.
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HORMESE, ENVELHECIMENTO E TOXICIDADE: ESTADO DA ARTE - UM NOVO
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pode ser prejudicial para a população. A


longevidade pode ser aumentada em doses encontrados na maior parte das pesquisas
baixas, no entanto, a energia gasta no processo de realizadas nessa área.
destoxificação, poderá reduzir a energia destinada O modelo de dose x resposta hormética
à reprodução (CALABRESE E BALDWIN, 2002; ainda enfrenta desafios para reconhecimento e
FORBES, 2000; KMECL E JERMAN, 2000). aceitação. Os desafios começam com o fato de
Além disto, aquilo que é considerado que todos os regulamentos e guidelines, foram
benéfico pode ser diferente quando avaliado os construídos embasados em uma avaliação de
efeitos do tratamento sobre o organismo. Por risco que pressupõe a existência de uma resposta
exemplo, um fármaco quimioterápico, pode ser dose limiar e linear.
eficaz em doses elevadas devido aos efeitos Apenas três doses altas são tipicamente
inibitórios sobre a proliferação celular, mas usadas em tais testes, tornando virtualmente
prejudicial para o indivíduo em doses mais baixas, impossível observar uma resposta dose hormética.
onde pode estimular a proliferação celular e o Com esses parâmetros o resultado fica afetado de
crescimento do tumor (CALABRESE E BALDWIN, forma significante. É importante reconhecer que
2002; FOEKENS et al., 1992). os ensaios e regulamentos anteriores foram
Em uma situação semelhante, uma dose embasados em suposições de no modelo, dose x
elevada de antibiótico pode exerce efeito resposta.
bactericida, permitindo assim tratar o paciente, no A incorporação de conceitos horméticos
entanto, em doses mais baixas, o tratamento pode na avaliação de risco, também requer maior
aumentar a sobrevivência e a resistência das número de doses, tipos de animais, um aumento
bactérias. Nestes casos, o efeito estimulatório da necessidade de replicação e modelos de
hormese em baixas doses, não é benéfica para o predição computacionais, a fim de tornar os
paciente. (CALABRESE E BALDWIN, 1999). resultados mais significativos e condizentes com a
Estes exemplos ilustram que a definição de realidade. Apesar destes desafios e dificuldades, a
hormese como um efeito benéfico em baixas dose hormese revolucionou o conceito de dose x
é as vezes, demasiado simplista, portanto, não é resposta, isso é comprovado pelo crescente
geralmente útil. Isso não significa que número de citações na comunidade acadêmica,
caracterizações de benéficos ou dano não deva de cerca de 10 citações / ano na década de 1980
ser realizada. Tais julgamentos precisam ser feito, para quase 3781 em 2019 na Science Direct e em
porém em uma fase posterior e mais avançadas da sua incorporação nos principais livros didáticos em
analise (CALABRESE E BALDWIN, 2002). toxicologia e farmacologia, algo ausente durante
o século XX.
O conceito hormese ajuda os
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS pesquisadores a abordar melhor forma de
respostas a baixa dose, incluindo áreas como
capacidades de adaptação, retardando o início
Este artigo mostra que a área da saúde, doenças degenerativas crônicas e melhorando a
toxicologia e áreas regulatórias cometeram um desempenho de muitas outras maneiras.
equívoco fundamental na natureza da resposta
à dose quando é considerada uma baixa dose
de tratamento ou exposição.
Durante as primeiras décadas do século
XX este erro foi o resultado de múltiplos fatores,
incluindo o conflito entre homeopatia e
medicina tradicional, além disso, as avaliações
das respostas da dose hormética são de difícil
interpretação, exigindo mais atenção e
abstração quanto comparado aos modelos
lineares, tradicionalmente aceitos pela maioria
da comunidade cientifica.
Além do mais, são necessários elevado
número amostral e a sua conecção com o
parâmetro tempo, juntamente com a
dificuldade de descrever e interpretar os dados
encontrados na maior parte das pesquisas
realizadas nessa área.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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