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Bioquímica

Hormonal

Josimar dos Santos Medeiros

Universidade Estadual da Paraíba

Campina Grande, agosto/2019


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Bioquímica Hormonal

01 - Introdução à Bioquímica Hormonal

A crescente importância dos distúrbios ligados ao sistema endócrino


e, sobretudo, a nova formação generalista do Farmacêutico, nos levou a
direcionar nosso principal objetivo para estimular os discentes a
desenvolverem uma visão crítica e consciente da realidade que envolve as
doenças endócrinas na atualidade.
Nas últimas décadas muita coisa mudou em relação a novos métodos
diagnósticos, novas formas de tratamento e, sobretudo, sobre a compreensão
dos mecanismos envolvidos na patogênese das desordens endócrinas. O
aumento da expectativa de vida, as mudanças na alimentação, o
sedentarismo e a exposição à disruptores endócrinos são fatores geradores de
problemas hormonais, ainda que tais problemas não se restrinjam aso tempos
modernos: ao se buscar evidências da presença de diabetes na História da
humanidade, por exemplo, vamos encontrar referências nos estudos dos
papiros de Ebers, datados de 1550 a.C.; os chineses no século VIII d.C.
enfatizavam a tendência dos pacientes diabéticos não só para a obesidade,
mas também para lesões de pele, úlceras e problemas na visão.
É difícil encontrar referências literárias nesta área que selecionem os
temas mais importantes para a vida profissional do Farmacêutico, por isso
resolvi reunir os principais temas que utilizo na minha prática docente em
uma única obra, de modo a proporcionar uma consulta rápida e efetiva aos
diversos assuntos que envolvem esta matéria.
Ao final de todos os capítulos há questões norteadoras, que
envolvem não apenas abordagens técnicas, mas também estudo de casos,
que é uma ferramenta especialmente adequada para situações de ensino e
investigação, nos quais procuramos compreender, explorar ou descrever
acontecimentos e contextos complexos, nos quais estão envolvidos diversos
fatores. Esta técnica encontra uma aplicação muito prática em Bioquímica
hormonal, pois se trata de um trabalho interativo e dinâmico que está
centrado na participação de todos.
Contudo, esta não é uma obra acabada; oportunamente irei
reformular o conteúdo e abordar novas questões; quaisquer críticas e
contribuições serão muito bem-vindas.
Na área da endocrinologia encontram-se algumas das doenças mais
comuns e de maior impacto sobre a saúde pública global, tais como a
obesidade, o diabetes mellitus, as dislipidemias e os transtornos da glândula
tireoide, tais como o hipotireoidismo e o hipertireoidismo, dentre vários
outros (VILAR et al., 2013). A endocrinologia estuda o mecanismo complexo
do circuito hormonal. Quando o balanço hormonal está comprometido, tanto

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pela elevação quando pela diminuição da concentração da molécula no


organismo, o ser humano sofre com algum distúrbio.
Hormônios são substâncias químicas que transferem informações e
instruções entre as células, em animais e plantas. Hormônio é uma palavra
derivada do grego horman que significa “agitar” ou “excitar”. Os hormônios
são liberados por um órgão endócrino no sangue, através do qual são
transportados para outro local no organismo, onde produzem seu efeito.
Também chamados de "mensageiros químicos do corpo", os
hormônios regulam o crescimento, o desenvolvimento, controlam as funções
de muitos tecidos, auxiliam as funções reprodutivas e regulam o
metabolismo. Existe uma vasta gama de exames laboratoriais disponíveis na
atualidade, contudo, alguns hormônios disponíveis para análise sequer são
conhecidos pelos profissionais da saúde, sejam médicos, enfermeiros,
farmacêuticos, entre outros.
De modo geral, os hormônios se ligam a receptores específicos
exercendo um efeito regulador nos tecidos-alvo. Por suas similaridades
estruturais, eles podem ser agrupados em cinco classes principais:
1) Derivados de aminoácidos: dopamina, catecolaminas e hormônios
tireoidianos;
2) Neuropeptídios: GnRH, GHRH, TRH, somatostatina (SMS),
vasopressina;
3) Proteicos: insulina, LH, FSH, TSH, hCG, PTH, ACTH, peptídeos
fatores de crescimento;
4) Esteroides: cortisol, aldosterona, estrógeno, progesterona e
outros;
5) Derivados de vitaminas: retinoides e vitamina D.
Como regra, hormônios proteicos, peptídeos e derivados de
aminoácidos interagem com receptores de membrana. Esteroides, hormônios
tireoidianos, vitamina D e retinoides são lipossolúveis e interagem com
receptores nucleares intracelulares.

02 - Interferentes endócrinos

A toxicidade de diversos poluentes ambientais em seres humanos


tem sido habitualmente investigada quanto aos seus efeitos teratogênicos e
cancerígenos. Nas últimas décadas, muitos contaminantes têm demonstrado
efeitos adversos sobre o sistema endócrino. Interferente ou disruptor
endócrino é qualquer substância química que pode interferir no sistema

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endócrino. Tal substância pode ser de origem antrópica, como os


xenoestrogênios, ou de origem natural, como os fitoestrogênios.
Numerosos compostos químicos de uso doméstico, industrial e
agrícola possuem comprovada atividade hormonal. Entre os produtos
químicos com atividade estrogênica, destacam-se hormônios presentes em
cosméticos, anabolizantes utilizados em rações animais, fitoestrógenos e
poluentes orgânicos persistentes (POPs). Esses agentes que estão presentes
nos efluentes industriais, residenciais e nas estações de tratamento de água e
esgoto representam uma importante fonte de contaminação ambiental.
Um estudo da Unicamp sobre a qualidade da água para consumo da
região metropolitana de Campinas, onde vivem cerca de 2,5 milhões de
pessoas, revelou a presença de hormônios sexuais, tais como progesterona,
estradiol e etinilestradiol. A exposição a fenóis e fitoestrogênios altera o
início da puberdade e, na fase adulta, aumenta a incidência de câncer. Esses
interferentes endócrinos estão presentes em inúmeros produtos como
esmaltes, cosméticos, perfumes, xampus e produtos plásticos.
Uma grande parte da evidência dos possíveis efeitos destas
substâncias em seres humanos foi obtida a partir da experiência envolvendo
mulheres grávidas que tomaram o estrogênio sintético dietilestilbestrol (DES),
prescrito para evitar o aborto espontâneo e promover o crescimento do feto,
no período entre 1948 a 1971. Muitas das filhas dessas mulheres são hoje
estéreis e uma minoria tem desenvolvido um tipo raro de câncer vaginal. Os
homens adultos mostram maior incidência de anormalidades em seus órgãos
sexuais, apresentam contagem média de espermatozoides diminuída e
podem sofrer um risco maior de desenvolver câncer de testículos (GHISELLI;
JARDIM, 2007).
O bisfenol-A (BPA) é um dos produtos químicos de maior prevalência
nos produtos comercializados na atualidade. Está presente em selantes
dentários, cremes, resinas epóxi, tubulações de ar-condicionado, mamadeiras
e garrafas plásticas (policarbonato). Como o BPA pode migrar do
policarbonato quando exposto a elevadas temperaturas, alimentos
acondicionados em recipientes plásticos podem ser contaminados pelo
produto.
Num experimento recente, pesquisadores utilizaram o molusco
Potamopyrgus antipodarum; comunidades do caramujo foram inseridas em
garrafas/embalagens de vidro e de PET. Os espécimes presentes nas garrafas
PET tiveram uma taxa de reprodução equivalente ao dobro das garrafas de
vidro (WAGNER; OEHLMANN, 2009).

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03 - Sistemas endócrinos principais

Há dezenas de hormônios humanos conhecidos. Aproximadamente


60 deles têm maior importância na prática clínico-laboratorial. A maioria é
produzida pelas glândulas do sistema endócrino, mas outros locais do corpo
também produzem hormônios, tais como o intestino delgado, estômago,
tecido adiposo, corpo lúteo, placenta, rins e fígado.
O hipotálamo produz os hormônios CRH - hormônio liberador de
corticotrofina (ACTH); TRH - hormônio liberador do hormônio
tireoestimulante (TSH) e da prolactina; GnRH - hormônio liberador das
gonadotropinas (FSH-LH) e o GHRH - hormônio liberador do hormônio do
crescimento (GH).
A hipófise, que está localizada na base do cérebro, na cavidade óssea
sela túrcica, está dividida em hipófise posterior ou neurohipófise, que
armazena e secreta hormônios hipotalâmicos ocitocina (responsável pelas
contrações uterinas, ejeção de leite e vínculos afetivos) e ADH, também
conhecido como vasopressina ou hormônio antidiurético.
A hipófise anterior ou adenohipófise produz HGH - hormônio do
crescimento humano; FSH - hormônio folículo estimulante (espematogênese);
LH - hormônio luteinizante (qu atua também na produção de testosterona);
TSH - hormônio tireoestimulante; ACTH - hormônio adrenocorticotrófico e
prolactina.
O lobo intermediário da hipófise produz MSH - hormônio
melanotrófico, também chamado de melanocortina ou intermedina, que
estimula a pigmentação da pele (acelera a síntese de melanina) e a síntese de
hormônios esteroides. Também interfere na regulação da temperatura
corporal, no crescimento fetal, na secreção de prolactina, proteção do
miocárdio em caso de isquemia e redução dos estoques de gordura corporal.
Um outro hormônio produzido pelo tecido adiposo, a leptina, atua sobre o
hipotálamo. Esta ligação aos receptores hipotalâmicos estimula a secreção de
MSH que, por sua vez, se liga a outros neurônios, responsáveis pela
diminuição do apetite. A perda de peso observada com o tratamento com
MSH sugere também sua ação direta na mobilização dos depósitos de
gordura.

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A tireoide produz T3 (triiodotironina); T4 (tetraiodotironina ou


tiroxina) e calcitonina, que atua no metabolismo do cálcio. As paratireoides
produzem o PTH – paratormônio, que estimula a remoção de cálcio da matriz
óssea para o sangue, a absorção de cálcio pelo intestino e a reabsorção de
cálcio pelos túbulos renais.
As gônadas produzem estradiol - E2; testosterona; progesterona;
estrona - E1; estriol - E3; DHEA – Dehidroepiandrosterona; SDHEA – Sulfato de
dehidroepiandrosterona; DHT – dihidrotestosterona; delta4andr –
androstenediona; 17αOH pregnenolona; 17αOH progesterona; 3-alfa-DiolG –
3-alfa-androstenediol glucoronídeo e inibina, que exerce ação inibidora sobre
o FSH e a testosterona.
Os hormônios produzidos pelo córtex adrenal podem ser
ESTEROIDES: Glicocorticoides - cortisol, 11-desoxicortisol (composto S);
MINERALOCORTICOIDES (aldosterona) – aumentam a reabsorção, nos túbulos
renais, de água e de íons sódio e cloreto, aumentando a pressão arterial ou
ANDRÓGENOS (androstenediona, testosterona, estradiol...); e ainda
DERIVADOS DE AMINOÁCIDOS: catecolaminas (medula adrenal) adrenalina -
80% (promovem taquicardia e aumento da PA).
O pâncreas endócrino produz insulina, pró-insulina, peptídeo C,
glucagon, somatostatina (hormônio inibidor do HGH) e polipeptídio
pancreático, um antagonista da CCK (cél. F ou PP).
A placenta também é considerada um órgão endócrino, pois produz
HCG, que prolonga a vida do corpo lúteo (sinciciotrofoblasto); relaxina – que
atua no remodelamento do tecido conjuntivo devido ao parto e estrógenos,
especialmente o estriol. O corpo lúteo produz progesterona e estrógenos,
espacialmente o estradiol.
O sistema digestório produz secretina (secreção de bicarbonato para
neutralizar o ácido gástrico); colecistoquinina-CCK (esvaziamento da vesícula
biliar), gastrina - contração do esfíncter do esôfago, estômago e intestino;
grelina - (estômago - sensação de fome) e incretinas, como o peptídeo 1 tipo
glucagon (GLP-1).
O tecido adiposo produz adiponectina – que atua na regulação da
glicemia e catabolismo de ácidos graxos; leptina (controle do apetite – seu
nível está aumentando nos obesos) e estrógenos, especialmente a estrona.

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A glândula pineal (epífise) produz melatonina; os rins produzem


eritropoietina, calcitriol (1,25 diidroxivitamina D); os ossos possuem
osteoblastos que produzem a osteocalcina, que auxilia na regulação da
formação óssea. O fígado sintetiza IGF-1, que é um fator de crescimento
semelhante à insulina (somatomedina C). Os músculos produzem Irisina.

04 - Principais distúrbios da tireoide

O distúrbio mais comum da tireoide é o hipotiroidismo, que pode ser


causado por fatores genéticos, dietéticos, químicos, imunológicos, outros
processos patológicos, idiopáticos e iatrogênicos.
Os sinais e sintomas do hipotireoidismo incluem pele fria, seca e
áspera, bócio, unhas frágeis, queda de cabelos, intolerância ao frio, astenia,
sonolência, voz rouca, dispneia aos esforços, lentidão mental, déficit de
memória, infertilidade, diminuição da libido, cardiomegalia; bradicardia,
sudorese diminuída, constipação intestinal, parestesias das extremidades
(formigamento das mãos e dos pés) e tendência para aumento de peso.
Já o hipertiroidismo pode ser causado por tumores locais ou
ectópicos, fatores imunológicos e radiação. Em relação à etiologia, há o bócio
difuso tóxico (doença de Graves – jovens); bócio multinodular tóxico (doença
de Plummer – idosos); tiroidite de Quervain – processo inflamatório;
Iatrogênica ou factícia; uso de amiodarona; carcinoma papilífero (80% dos
casos de câncer nos EUA); carcinoma folicular (10% dos tumores malignos);
carcinoma medular (7% dos tumores da tireoide); tumores trofoblásticos
(hCG); tumores hipofisários (TSH) e Struma ovarii (tecido tireoideano
ectópico).
Os exames laboratoriais para diagnóstico das desordens tireoidianas
incluem a dosagem de TSH ou tireotrofina (hormônio estimulador da
tireoide); T4L – tiroxina livre; TPO – anticorpo antiperoxidase; AATI –
anticorpo antitireoglobulina; T3 e T3L – triiodotironina total e livre; T4 –
tetraiodotironina (tiroxina total); HTG – tireoglobulina; TBG – globulina
transportadora de tiroxina; TRAb – anticorpo inibidor de TSH e calcitonina.
O tratamento para o hipotireoidismo consiste basicamente na
reposição hormonal com levotiroxina sódica (Puran T4®, Tetroid®, Levoid®,
Euthyrox®, Synthroid®) ou triiodotironina. Já para o hipertiroidismo são

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usados beta-bloqueadores para tratar sintomas cardiovasculares e drogas


antitireoidianas, tais como o tiamazol (metimazol - Tapazol®) e propiltiouracil
(Propilracil®), além do uso de iodo radioativo e cirurgia.

05 - Distúrbios da tireoide – avaliação clínico-laboratorial

Disfunções tireoidianas são condições prevalentes na prática clínica e


podem apresentar consequências significantes. Exames laboratoriais são
fundamentais para o diagnóstico acurado e o monitoramento custo-efetivo
das disfunções tireoidianas. Quando há sintomas clínicos muito evidentes, as
dosagens hormonais apenas confirmam o diagnóstico. No entanto, na maioria
dos pacientes, a sintomatologia é sutil e inespecífica, de forma que apenas
testes bioquímicos podem detectar o transtorno. O uso apropriado dos
principais testes de função tireoidiana, entre eles a dosagem sérica do
hormônio estimulante da tireoide (TSH), dos hormônios tireoidianos e dos
anticorpos antitireoidianos pode elucidar uma suspeita clínica, mas também
existem interferências relacionadas ao uso cotidiano desses testes, e seu
conhecimento pode otimizar a utilização dessas ferramentas diagnósticas na
prática clínica.
A dosagem do hormônio tireoestimulante (TSH) é o teste mais
confiável para diagnosticar as formas primárias de hipotireoidismo e
hipertireodismo, principalmente em regime ambulatorial. A secreção
hipofisária de TSH regula a secreção de T4 (tiroxina) e T3 (triiodotironina) que,
por sua vez, exercem feedback negativo no tireotrofo hipofisário. Dessa
forma, pequenas alterações nas concentrações dos hormônios tireoidianos
livres resultam em grandes alterações nas concentrações séricas de TSH,
tornando o TSH o melhor indicador de alterações discretas da produção
tireoidiana.
A dosagem do T4 em sua forma livre (T4L), em conjunto com o TSH, é
recomendada para avaliação de rotina diagnóstica da função tireoidiana e no
seguimento do tratamento do hipertireoidismo, podendo ou não ser utilizada
no seguimento do hipotireoidismo. A dosagem de T3 sérico, interpretada em
conjunto com T4L, é útil para diagnosticar apresentações complexas e
incomuns de hipertireoidismo.
Os três principais antígenos tireoidianos envolvidos na patogênese
das doenças autoimunes da tireoide são tireoglobulina (Tg), tireoperoxidase

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(TPO) e receptor de TSH (TRAb). A dosagem sérica de TgAb e TPOAb auxilia na


demonstração da natureza autoimune da disfunção tireoidiana e deve ser
associada a dosagens do TSH e T4L. Não há indicação de monitorizar os níveis
dos anticorpos antitireoidianos durante o curso do tratamento do
hipotireoidismo.
A dosagem do TRAb apresenta boa especificidade para o diagnóstico
da doença de Graves, porém não é fundamental para o diagnóstico na maioria
dos casos de disfunção tireoidiana. Em alguns casos, pode auxiliar no
diagnóstico diferencial do hipertireoidismo.
Durante a gravidez, a produção de estrogênio aumenta
progressivamente, elevando a concentração sérica de TBG e, assim,
ocasionando níveis séricos elevados de T3T e T4T. Além disso, ocorre uma
queda nos níveis de TSH durante o primeiro trimestre de gestação, de tal
forma que valores subnormais de TSH sérico podem ser vistos em
aproximadamente 20% das gestações normais. Essa diminuição no TSH é
decorrente da atividade tireoide-estimulante da gonadotrofina coriônica
humana (hCG), devido à sua homologia estrutural ao TSH. Por isso, a função
tireoidiana deve ter avaliação cuidadosa durante o período gestacional, visto
o impacto negativo que o hipotireoidismo materno pode ter em desfechos
obstétricos e no desenvolvimento fetal.

06 - Controle hormonal na reprodução

Dosagens hormonais são particularmente susceptíveis a potenciais


interferências, que podem ser de várias origens. As variações ditadas por
ritmos biológicos podem ser de três tipos: as induzidas por ritmos circadianos
(diários), ritmos circanuais e pela fase do ciclo menstrual. Com relação às
variações decorrentes da evolução do ciclo menstrual, são muito marcantes,
em especial nos níveis dos hormônios diretamente relacionados com o
mesmo, como LH, FSH, progesterona e estradiol. Outros esteroides de
produção ovariana parcial, como a testosterona, a androstenediona
(aumentam na fase lútea e, principalmente, com o pico ovulatório) e a 17 alfa-
hidroxiprogesterona (aumenta na fase lútea), também apresentam flutuações
significativas e devem ser interpretados levando-se em conta a época do ciclo
em que foram colhidas as amostras.
Uma regra útil é efetuar a coleta de qualquer hormônio esteroide,
não diretamente ligado ao ciclo menstrual, no início da fase folicular. O
término das menstruações também acarreta mudanças muito significativas
nos níveis dos hormônios diretamente ligados ao ciclo, mudanças estas que

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podem começar a ocorrer algum tempo antes do término definitivo da perda


sanguínea. Evidentemente estes aspectos devem ser considerados quando da
interpretação de resultados.

07 - Diabetes mellitus e síndrome metabólica

Diabetes mellitus (DM) é um importante e crescente problema de


saúde para todos os países, independentemente do seu grau de
desenvolvimento. O aumento da prevalência do diabetes está associado a
diversos fatores, tais como rápida urbanização, transição nutricional, maior
frequência de estilo de vida sedentário, maior frequência de excesso de peso,
crescimento e envelhecimento populacional e, também, à maior sobrevida
dos indivíduos com diabetes.
As complicações crônicas do diabetes são resultantes de condições
associadas, tais como deficiência de insulina, mudanças da osmolaridade,
glicação de proteínas e alterações lipídicas ou da pressão arterial. Ao final da
década de 1980 estimou-se em 7,6% a prevalência de diabetes na população
adulta brasileira. Estudo recente realizado em seis capitais brasileiras, com
servidores de universidades públicas na faixa etária de 35 a 74 anos, incluindo
teste oral de tolerância à glicose, encontrou prevalência de 20%.
O diabetes mellitus consiste em um distúrbio metabólico
caracterizado por hiperglicemia persistente, decorrente de deficiência na
produção de insulina ou na sua ação, ou em ambos os mecanismos,
ocasionando complicações em longo prazo. Classifica-se em DM tipo 1, DM
tipo 2, gestacional e associado a outras causas (quadro 1).
O DM tipo 2 corresponde a 90-95% de todos os casos de DM. Possui
etiologia complexa e multifatorial, envolvendo componentes genético e
ambiental. Trata-se de doença cuja ocorrência tem contribuição significativa
de história familiar e fatores ambientais; dentre eles, hábitos dietéticos e
inatividade física, que contribuem para a obesidade, destacam-se como os
principais fatores de risco.
Indivíduos com 45 anos ou mais, mesmo assintomáticos, devem ser
rastreados em intervalos de 3 anos ou mais frequentemente, se indicado.
Pessoas com menos de 45 anos também devem ser rastreadas caso
apresentem fatores de risco, tais como sobrepeso ou obesidade, pré-diabetes,
história familiar de DM (parente de primeiro grau); Raça/etnia de alto risco

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para DM (negros, hispânicos ou índios Pima); mulheres com diagnóstico


prévio de DMG; história de doença cardiovascular; hipertensão arterial; HDL-
c < 35 mg/dL e/ou triglicérides > 250 mg/dL; síndrome de ovários policísticos;
sedentarismo; Acantose nigricans.

Quadro 1. Classificação etiológica do diabetes mellitus

DM tipo 1 1A: deficiência de insulina por destruição autoimune das


células β comprovada por
exames laboratoriais;
1B: deficiência de insulina de natureza idiopática.
DM tipo 2 perda progressiva de secreção insulínica combinada com
resistência à insulina
DM hiperglicemia de graus variados diagnosticada durante a
gestacional gestação, na ausência de critérios de DM prévio
Outros tipos defeitos genéticos na função da célula β: monogênicos
(MODY) e diabetes neonatal;
secundário a endocrinopatias (acromegalia, Cushing, etc.);
secundário a doenças do pâncreas exócrino (pancreatite,
trauma, neoplasia, etc);
secundário a infecções (rubéola congênita, citomagelovírus,
etc.);
secundário a medicamentos (pentamidina, glicocorticoides,
Interferon α, etc.).
Fonte: adaptado de Oliveira, Montenegro Junior e Vencio, 2017.

Na história natural do DM, alterações fisiopatológicas estão


presentes antes que os valores glicêmicos atinjam níveis supranormais. A
condição na qual os valores glicêmicos estão acima dos valores de referência,
mas ainda abaixo dos valores diagnósticos de DM, denomina-se pré-diabetes.
A resistência à insulina já está presente e, na ausência de medidas de
combate aos fatores de risco modificáveis, ela evolui frequentemente para a
doença clinicamente manifesta. Na maioria dos casos de pré-diabetes, a
“doença” é assintomática e o diagnóstico deve ser feito com base em exames
laboratoriais (OLIVEIRA; MONTENEGRO JUNIOR; VENCIO, 2017).
O termo síndrome metabólica (SM) é usado para definir aqueles
indivíduos que teriam mais chances de desenvolver eventos cardiovasculares
devido a uma base fisiopatológica comum entre os componentes da
síndrome, possivelmente orquestrada pela obesidade central. Os riscos

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cardiovasculares são bem estabelecidos, e fica cada vez mais claro que as
crianças, já em tenra idade, podem começar a apresentar alterações
metabólicas preditivas de problemas mais sérios futuramente. Dentre os
fatores incluídos na SM estão a obesidade visceral, a dislipidemia aterogênica,
a hipertensão e a resistência à insulina, mas outras comorbidades, como
esteato-hepatite não alcoólica e apneia obstrutiva do sono, estão comumente
associadas.

Quadro 2. Critérios laboratoriais para diagnóstico de normoglicemia, pré-


diabetes e DM

Classificação Glicose em Glicose 2 horas Glicose HbA1c (%)


jejum após sobrecarga ao (padronizado no
(mg/dL) com 75 g de acaso DCCT1 e
glicose (mg/dL) certificado pelo
NGSP1)
Normoglicemia < 100 < 140 - < 5,7

Pré-diabetes 100 a 125 140 a 199 5,7 a 6,4

Diabetes2 ≥ 126 ≥ 200 ≥ 200 ≥ 6,5


1
Diabetes Control and Complications Trial / National Glycohemoglobin Standardization Program
2
Na ausência de sintomas de hiperglicemia, é necessário confirmar o diagnóstico pela repetição
dos testes
Fonte: adaptado de Oliveira, Montenegro Junior e Vencio, 2017.

Todas as propostas de critérios diagnósticos para a síndrome


metabólica (SM) levam em consideração a obesidade abdominal. Diversas
diretrizes para definir SM foram propostas ao longo dos anos, como a da OMS
(Organização Mundial de Saúde), da IDF (International Diabetes Federation) e
da NCEP ATPIII (National Cholesterol Education Program), que são as mais
empregadas.
A última classificação proposta foi a da IDF e tornou-se rapidamente
uma das mais utilizadas por aplicar o conceito de que a presença da gordura
visceral é o fator essencial e determinante de todos os outros componentes
da SM. A obesidade central, facilmente mensurada pela medida da
circunferência da cintura utilizando-se diretrizes por gênero e grupo étnico,
deve estar acompanhada por, pelo menos, dois outros fatores para definição
de SM (quadro 3).

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Quadro 3. Critérios diagnósticos da IDF para diagnóstico de síndrome


metabólica

Obesidade Glicose Triglicerídeos HDL Pressão


ou IMC > plasmática Arterial
2
30kg/m
Cintura > 94
cm em ≥ 100 mg/dL ≥ 150 mg/dL < 40 mg/dL sistólica ≥ 130
homens ♂ mmHg ou
europeus, ou ou < 50 mg/dL diastólica ≥ 85
> 90 cm diagnóstico tratamento ♀ mmHg,
em homens de diabetes de
asiáticos e dislipidemia ou ou
> 80 cm em tratamento tratamento
mulheres de para HAS
dislipidemia
Fonte: adaptado de Oliveira, Montenegro Junior e Vencio, 2017.

08 - Resistência à insulina e diabetes mellitus

O entendimento sobre o diabetes como uma doença metabólica


evoluiu consideravelmente após a descoberta da insulina, em 1920. Este
hormônio promove a síntese e estoque de carboidratos, lipídeos e proteínas,
além de inibir sua degradação. Os níveis glicêmicos dependem do equilíbrio
ou do desequilíbrio entre a velocidade de entrada e a taxa de remoção da
glicose na circulação. A glicose circulante é derivada de três fontes:
1) absorção intestinal após a alimentação;
2) glicogenólise, que é a transformação das reservas de glicogênio
hepático em glicose;
3) neoglicogênese, que é a produção de glicose via substrato não
carboidrato, particularmente lactato, aminoácidos e glicerol.
Após o advento do radioimunoensaio, foram identificados pacientes
com diabetes que tinham níveis elevados de insulina, resultando daí o
conceito de resistência à insulina, que é uma das bases para se entender a
fisiopatologia do diabetes tipo 2. A resistência à insulina (RI) surge como
consequência da diminuição da atuação eficiente deste hormônio; a RI é a
principal causa da patogênese e evolução do diabetes mellitus (DM) tipo 2.
A obesidade central é indicativa de acúmulo de gordura visceral. Esse
tecido hipertrofiado produz citocinas pró-inflamatórias e gera resistência à
insulina, envolvida na gênese do DM2 e de suas comorbidades. Praticamente

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todos aqueles acometidos pelo DM tipo 2 revelam RI uma a duas décadas


antes do aparecimento da doença. A RI está associada a outras desordens de
saúde, tais como obesidade, hipertensão, infecções crônicas e doenças
cardiovasculares.
Nos últimos anos, vários índices para avaliação da resistência
insulínica foram propostos, mas em geral apresentaram limitações técnicas ou
baixa sensibilidade. O HOMA IR (Homeostasis Model Assessment of Insulin
Resistance) é o mais promissor deles e tem sido recentemente usado na
avaliação laboratorial do diabetes. Este modelo matemático baseia-se na
relação de retroalimentação que existe entre produção hepática de glicose e
produção de insulina pelas células β para manutenção da homeostase
glicêmica no estado de jejum. Seu cálculo requer a mensuração da glicemia e
da insulinemia obtidas em uma mesma amostra de sangue, após jejum de 8 a
12 horas, a partir da fórmula [(glicemia em mg/dL) x (insulinemia em µU/mL)]
/ 405. Seu ponto de corte é 2,71.
Com base na ação de hormônios gastrintestinais que melhoram o
controle glicêmico ao estimular a secreção de insulina e reduzir a secreção de
glucagon, foram recentemente desenvolvidas duas novas classes de fármacos:
os agonistas de receptores de peptídio semelhante a glucagon 1 (glucagon-
like peptide-1, GLP-1) ou incretinomiméticos, que possuem ação mais
duradoura que o hormônio natural por apresentarem maior resistência à sua
degradação sistêmica, sendo administrados por via subcutânea, e os
inibidores da enzima dipeptidil peptidase 4 (DPP-4), disponíveis em
comprimidos para administração oral, os quais reduzem e retardam a
degradação do GLP-1 natural.

O principal exame para diagnóstico de diabetes e também a dosagem


laboratorial mais realizada no mundo inteiro é a glicemia em jejum, que deve
ser coletada em sangue periférico após jejum calórico de 8 a 12 horas.
Contudo, o método mais preciso e confiável é o Teste Oral de Tolerância à
glicose (TOTG), no qual, previamente à ingestão de 75 g de glicose dissolvida
em água, coleta-se uma amostra de sangue em jejum para determinação da
glicemia e outra amostra após 2 horas da sobrecarga oral. Importante reforçar
que a dieta deve ser a habitual e sem restrição de carboidratos pelo menos
nos 3 dias anteriores à realização do teste. Este exame permite avaliação da
glicemia após sobrecarga, que pode ser a única alteração detectável no início
do DM, refletindo a perda de primeira fase da secreção de insulina.

Recentemente, a dosagem da hemoglobina glicada (HbA1c) também


foi incluída como exame diagnóstico; oferece vantagens ao refletir níveis
glicêmicos dos últimos 3 a 4 meses e por sofrer menor variabilidade dia a dia e

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Bioquímica Hormonal

independer do estado de jejum para sua determinação. Vale reforçar que se


trata de medida indireta da glicemia, mas sofre interferência de algumas
situações, tais como anemias e hemoglobinopatias, condições nas quais é
preferível diagnosticar o estado de tolerância à glicose com base na dosagem
glicêmica direta. Outros fatores, como idade e etnia, também podem
interferir no resultado da HbA1c. Por fim, para que possa ser utilizada no
diagnóstico de DM, a determinação da HbA1c deve ocorrer pelo método
padronizado no Diabetes Control and Complications Trial (DCCT) e certificado
pelo National Glycohemoglobin Standardization Program (NGSP).

A confirmação do diagnóstico de DM requer repetição dos exames


alterados; idealmente o mesmo exame alterado em segunda amostra de
sangue, na ausência de sintomas inequívocos de hiperglicemia. Pacientes com
sintomas clássicos de hiperglicemia, tais como poliúria, polidipsia, polifagia e
emagrecimento devem ser submetidos à dosagem de glicemia ao acaso e
independente do jejum, não havendo necessidade de confirmação caso se
verifique glicemia aleatória ≥ 200 mg/dL.

09 - Hiperprolactinemia

A prolactina é um hormônio produzido e secretado pelos lactotrófos


da hipófise anterior (também nas células linfoides e na decídua placentária).
Sua função principal é o início da lactação. O controle de sua secreção é
inibitório, feito principalmente pela dopamina (Adre-nor), atuando nos
receptores D2. Os fatores de liberação são principalmente TRH e serotonina.
A hiperprolactinemia é o distúrbio hormonal mais comum do eixo
hipotálamo-hipofisário e pode decorrer de fatores fisiológicos, farmacológicos
e patológicos. As causas fisiológicas podem ser gravidez, estímulos hormonais;
estresse, amamentação, exercícios, sono e o período neonatal. As causas
farmacológicas estão ligadas ao uso de drogas que estimulam a secreção de
PRL: Estrógenos – (Diane®,Tâmisa®, Selene®); Cimetidina – antiulceroso,
antagonistas H2 (Tagamet®); Antidepressivos tricíclicos – amitriptilina
(Tryptanol®); IRS – Inibidores da Captação da Serotonina (Fluoxetina-Prozac®);
Diazepan – ansiolítico (Ansilive®, Dienpax®) ou drogas que bloqueiam os
receptores dopaminérgicos.
Em relação aos fatores patológicos, alguns tumores hipofisários
também podem causar hiperprolactinemia, assim como tumores
hipotalâmicos, aneurismas e radioterapia craniana. O hipotireoidismo

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Bioquímica Hormonal

primário, devido ao aumento do TRH, pode induzir a um aumento da


prolactina.
A hiperprolactinemia é encontrada em cerca de 40% dos pacientes
com hipotiroidismo primário e em 30% dos casos de síndrome dos ovários
policísticos (SOP). Pode também ser uma manifestação ocasional da doença
de Addison e um achado comum em pacientes com cirrose hepática ou
insuficiência renal.
O aparecimento de leite nos mamilos (galactorreia) pode ser
espontânea, intermitente ou apenas à expressão mamilar; na mulher está
presente em 30 a 90% dos casos; no homem aparece em torno de 10 a 20%
dos casos (nos quais é praticamente patognomônico de prolactinoma).
A hiperprolactinemia deve ser investigada em mulheres frente à
ocorrência de distúrbios menstruais, particularmente oligomenorreia e
amenorreia, galactorreia ou infertilidade e, em homens, em razão de sintomas
de hipogonadismo, diminuição da libido, disfunção erétil e infertilidade. Essa
hipótese diagnóstica deve também ser considerada em qualquer paciente
com sinais e sintomas decorrentes de efeito de massa na região selar, como
anormalidades de campos visuais e hipopituitarismo associado.
Em 2015, considerando a necessidade de se estabelecer parâmetros
sobre a hiperprolactinemia no Brasil e de diretrizes nacionais para
diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos indivíduos com esta doença,
o Ministério da Saúde do Brasil, por meio da Secretaria de Atenção à Saúde,
emitiu a Portaria 1.160/15, que aprovou o Protocolo Clínico e Diretrizes
Terapêuticas da Hiperprolactinemia.
A identificação de fatores de risco e da doença em seu estágio inicial
e o encaminhamento ágil e adequado para o atendimento especializado dão à
Atenção Básica um caráter essencial para um melhor resultado terapêutico e
prognóstico dos casos.

10 - Eixo hipotálamo-hipofisário-adrenais (HHA)

Os hormônios secretados pelas adrenais incluem esteroides, que são


divididos em glicocorticoides (cortisol); mineralocorticoides (aldosterona), que
aumentam a reabsorção, nos túbulos renais, de água e de íons sódio e cloreto,
aumentando a pressão arterial; andrógenos (androstenediona, testosterona,
estradiol, etc.) e derivados de aminoácidos: catecolaminas produzidas na
medula adrenal, especialmente a adrenalina.

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Bioquímica Hormonal

O cortisol é sintetizado enquanto dormimos, tem um pico ao


acordarmos e diminui no decorrer do dia. As funções biológicas do cortisol
são aumentar a produção de glicogênio, aminoácidos, ácidos graxos e glicerol
(substratos p/gliconeogênese). Também reduz a sensibilidade dos tecidos à
insulina e reduz a captação de glicose, potencializando a secreção de insulina.
Também atua na modulação do sistema imune, pois diminui a produção de
anticorpos, linfócitos, eosinófilos e monócitos, desativa linfócitos T e inibe a
produção de citocinas, interleucinas e interferon; além disso, inibe a formação
do osso e a formação de colágeno.

A elevação na produção de cortisol aumenta a deposição de gordura,


principalmente na região abdominal. A suspeita clínica de síndrome de
Cushing sempre leva a uma avaliação laboratorial (dosagens de cortisol e
ACTH). As dosagens basais destes hormônios não são suficientes para
confirmar o diagnóstico, sendo necessários testes dinâmicos que estimulem
ou inibam o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA). Quando a causa é
hipofisária, denomina-se doença de Cushing, que é responsável por 65 a 70%
dos casos de hipercortisolismo endógeno em adultos.

A síndrome de Cushing é uma entidade endócrina que representa um


grande desafio diagnóstico. São vários os exames laboratoriais que permitem
o estudo de doentes com suspeita desta entidade. Não estão disponíveis
exames absolutamente fidedignos para o seu diagnóstico, de modo que é
necessária, muitas vezes, a conjugação das informações de diferentes exames.
A síndrome metabólica constitui a complicação sistêmica mais importante,
pois ocorre em cerca de 75% dos portadores de hipercortisolismo e deve-se à
obesidade visceral, hipertensão, intolerância à glicose e dislipidemia que
comumente complicam a doença (ver capítulo 7). A diminuição da tolerância à
glicose ocorre em 30 a 60% dos doentes e o diabetes em 25 a 50%. A
insulinorresistência que acompanha o hipercortisolismo está relacionada à
diminuição da captação periférica de glicose.

Conforme já discutido ao longo dos últimos capítulos, na área da


endocrinologia os profissionais dependem essencialmente de exames
complementares para estabelecer um diagnóstico de distúrbio hormonal.
Esses exames são representados, sobretudo, por dosagens hormonais.
Os hormônios podem ser dosados por determinação direta em soro,
plasma, urina, saliva, entre outros. Mas eventualmente é necessária a
realização de provas funcionais, com estimulação do órgão endócrino, em
testes como o ITT (Insulin Tolerance Test) ou supressão do órgão endócrino,

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Bioquímica Hormonal

como no teste de supressão do HGH após glicose, para avaliação de


acromegalia.
A fisiologia hormonal já é conhecida há décadas, mas existem muitas
dúvidas na interpretação dos resultados laboratoriais, especialmente devido a
limitações técnicas, pois os hormônios não podem ser dosados pelos métodos
bioquímicos comuns. Por isso as metodologias utilizadas nas dosagens
hormonais são bem específicas: radioimunoensaio; imunorradiometria
(IRMA); ensaio imunoenzimático (ELISA); imunofluorimetria (IFMA) e
imunoquimioluminescência (ICMA).
Os hormônios dosados estão geralmente relacionados aos distúrbios
endócrinos mais comuns: diabetes, obesidade, dislipidemias, doenças da
tireoide, distúrbios da menstruação, excesso de pelos (hirsutismo), distúrbios
da puberdade, crescimento, doenças da glândula suprarrenal, doenças
hipofisárias, andropausa e menopausa.
Recentemente houve uma flexibilização do Jejum para a avaliação do
Perfil Lipídico (CONSENSO, 2018). A revisão da necessidade do jejum para
determinação do perfil lipídico: Colesterol Total (CT), LDL‐C, HDL‐C, não‐HDL‐
C e Triglicérides (TG), tem as seguintes motivações:
O estado alimentado predomina durante a maior parte do dia,
estando o paciente mais exposto aos níveis de lípides nestas condições em
comparação com o estado de jejum, representando mais eficazmente seu
potencial impacto no risco cardiovascular.
As dosagens no estado pós‐prandial são mais práticas, viabilizando
maior acesso do paciente ao laboratório, com menor perda de dias de
trabalho, abandono de consultas médicas por falta de exames e maior acesso
a avaliação do risco cardiovascular. No laudo deve constar a seguinte frase: “A
interpretação clínica dos resultados deverá levar em consideração o motivo da
indicação do exame, o estado metabólico do paciente e estratificação do risco
para estabelecimento das metas terapêuticas”.
A coleta no estado pós‐prandial é mais segura em diversas situações,
seja no paciente com diabetes mellitus usando insulina, cujo risco de
hipoglicemia pelo jejum prolongado pode causar acidentes de trânsito, nas
gestantes, nas crianças e nos idosos, minimizando intercorrências e
aumentando a adesão para realizar exames e o comparecimento às consultas
médicas.
As determinações de colesterol total, HDL‐C, não‐HDL‐ C e LDL‐C não
diferem significativamente se realizadas no estado pós‐prandial ou no estado
de jejum. Há aumento nos níveis de triglicérides no estado alimentado, porém
este aumento é pouco relevante desde que se considere uma refeição usual

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Bioquímica Hormonal

não sobrecarregada em gordura, havendo a possibilidade de se ajustar os


valores de referência (Tabelas I e II).

Fonte: CONSENSO, 2018.

Com o jejum flexível para o perfil lipídico há maior amplitude de


horários para coleta, reduzindo assim o congestionamento nos laboratórios,
especialmente no início da manhã, com mais conforto para o paciente.
Com os avanços tecnológicos nas metodologias diagnósticas, os
principais ensaios disponíveis mitigaram as interferências causadas pela maior
turbidez nas amostras, decorrentes de elevadas concentrações de
triglicérides. Contudo, há potenciais limitações, especialmente referente ao
cálculo da LDL‐C, onde estudos de desempenho entre diferentes
metodologias têm demonstrado a necessidade de revisão das práticas de
utilização das fórmulas utilizadas.

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Bioquímica Hormonal

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