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1.

A complexidade do desenvolvimento fetal e embrionário é um fascinante processo


biológico que pode ser influenciado por diversos fatores. Entre esses, os disruptores
endócrinos emergem como protagonistas preocupantes. Estes compostos químicos
têm o potencial de interferir nos delicados equilíbrios hormonais que orquestram a
formação do embrião e do feto durante a gestação. Neste trabalho, vamos explorar
os efeitos dos disruptores endócrinos no desenvolvimento fetal e embrionário,
examinando as implicações e preocupações associadas a estas substâncias no
ambiente quotidiano.

2. O sistema endócrino é constituído por glândulas que produzem hormonas, que são
transportadas pelo sangue para atuar em outros locais do organismo,
nomeadamente em células-alvo. Algumas destas glândulas são reguladas por
hormonas tróficas, que são segregadas pela hipófise, a qual estabelece uma ligação
entre o sistema nervoso, mais especificamente o hipotálamo, e entre o sistema
endócrino.

3. Toneladas de substâncias sintéticas e naturais são lançadas anualmente no meio


aambiente, das quais, um número considerável é de disruptores endócrinos. As
substâncias denominadas disruptores endócrinos são uma categoria recente de
poluentes ambientais que interferem nas funções do sistema endócrino. Estas
substâncias são persistentes, lipofílicas, isto é, solúveis em lipídios, bioacumulativas
e têm baixa pressão de vapor, o que facilita a sua dispersão e difusão no meio
ambiente. Estas substâncias são encontradas no meio ambiente em concentrações
da ordem dos nanogramas e picogramas, causando efeitos adversos à saúde
humana e animal.

4. Quando presentes no nosso organismo, os disruptores endócrinos têm a capacidade


de imitar a forma de uma hormona, podendo atuar no seu receptor em vez dela. Ao
ligarem-se ao receptor da hormona podem imitar o seu efeito, ou bloqueá-lo,
originando processos incomuns e provocando consequências muito graves à nossa
saúde.

5. A exposição aos disruptores endócrinos pode ocorrer de inúmeras formas. Esta


exposição pode acontecer através do contacto com o solo, de produtos pessoais,
como maquilhagem, cremes, produtos para cabelo e banho ou pela ingestão de
alimentos, água e ar contaminados. Estudos mostram que mais de 90% destas
substâncias são absorvidas pelas vias digestivas, nomeadamente através de
alimentos contaminados. Apesar de esta prática ser proibida em alguns países, esta
contaminação alimentar pode-se dever ao facto de serem aplicadas determinadas
hormonas na criação de animais para a alimentação humana. A exposição destes
reguladores pode também vir de pesticidas residuais que contaminam frutas,
vegetais e água potável.

6. A hipótese de que substâncias químicas presentes no meio ambiente causam uma


resposta biológica aos organismos a elas expostas não é nova. Os efeitos causados
ao sistema endócrino de animais de laboratório por substâncias estrogénicas foram,
primeiramente, evidenciados na década de 1900 por alguns pesquisadores. Porém,
recentemente este assunto emergiu com maior interesse na comub nidade
científica, devido ao aumento na deteção de anomalias na saúde humana e de
outros animais, que estão relacionadas à ação dos disruptores endócrinos.

7. Durante estágios prematuros da vida, na fase fetal e no desenvolvimento jovem, as


hormonas são as principais responsáveis pelo controlo e desenvolvimento de alguns
tecidos e órgãos, incluindo os sistemas reprodutivo, imunológico e nervoso. As
crianças e crias são as espécies que apresentam os maiores riscos quando
expostos aos disruptores endócrinos, pois, durante este estágio crítico de
desenvolvimento, desequilíbrios hormonais provocam problemas que podem ser
pronunciados mais tarde, assim como cancro e mudanças nas funções das enzimas,
que são capazes de desorganizar a diferenciação das células e órgãos. Como o
desenvolvimento dos sistemas reprodutores feminino e masculino ocorre na fase
fetal, as anomalias podem estar relacionadas ao aumento da exposição de
substâncias estrogénicas no útero.

8. Alguns efeitos relatados destas substâncias podem afetar não só os indivíduos


expostos, como também à população a que pertencem, pelos efeitos propagados na
sua descendência.

9. O exemplo mais claro dos efeitos da exposição de disruptores endócrinos causados


em fetos foi o uso do estrogénio sintético DES em mulheres grávidas, entre os anos
de 1948 a 1970. Este fármaco era prescrito por médicos para evitar abortos e
promover o crescimento fetal. Mais tarde descobriu-se que as crianças nascidas de
mulheres que fizeram uso deste medicamento, quando atingiam a puberdade,
apresentaram disfunção no sistema reprodutivo, gravidez anormal, redução na
fertilidade, desordem no sistema imunológico e muitas desenvolveram cancro
vaginal. Recentes estudos sugerem que substâncias estrogénicas, como o DES,
podem apresentar efeitos duradouros no sistema reprodutivo em fetos. Os efeitos
relatados do DES têm servido como exemplo e comparação para os efeitos da
exposição de seres humanos aos disruptores endócrinos. Este foi o primeiro
exemplo documentado de uma substância química que, quando administrada à mãe,
pode causar cancro à filha.

10. A exposição destes poluentes antes e/ou durante a gravidez desencadeia também
alguns fenómenos inflamatórios ao longo do desenvolvimento da placenta que
comprometem o seu crescimento. Isto interfere na transferência de nutrientes e de
oxigénio da mãe para o feto.

11. Além disso, algumas disfunções sexuais são verificadas em recém-nascidos cujas
mães tiveram contacto com substâncias suspeitas de serem disruptores endócrinos.

12. Os pesquisadores também concluíram que estas substâncias podem resultar num
comprometimento na formação dos vasos sanguíneos da placenta e no processo de
invasão do trofoblasto, ambos muito importantes para a formação de uma placenta
normal. Isto pode ter consequências para a interação entre mãe e feto, como
também limitar a nutrição e o crescimento fetal.
13. Um estudo publicado na revista científica “Environmental Health Perspectives”,
concluiu que a exposição de mulheres grávidas a disruptores endócrinos pode ter
influência no índice de massa corporal da criança. O estudo baseou-se na análise de
dados de 1 911 pares de mães e filhos, recolhidos entre 2003 e 2008. Foram
medidos os níveis de vinte e três químicos presentes no sangue e urina das
mulheres e analisados os índices de massa corporal dos seus bebés. Os resultados
mostraram que a presença de produtos químicos está associada ao baixo peso à
nascença – o que pode provocar atrasos no desenvolvimento da criança – e, numa
fase posterior, à aceleração do índice de massa corporal que, no estudo, variou
entre os 19% e 32%. O rápido aumento do índice de massa corporal durante a
infância está relacionado com vários problemas de saúde que podem arrastar-se até
à idade adulta, como a obesidade, doenças cardiovasculares e diabetes. Como
referido anteriormente quando presentes no organismo, os disruptores endócrinos
podem copiar os efeitos das hormonas naturais ou bloqueá-los. Assim, estas
substâncias podem influenciar no apetite da criança, alterando o índice de massa
corporal normal.

14. Outro estudo realizado com mais de 1000 grávidas em Porto Rico demonstrou que
aquelas que usavam certos produtos de cuidado capilar, tinham níveis mais baixos
de hormonas essenciais para o desenvolvimento saudável da gestação, como a
progesterona e estrogénio.

15. Para nos protegermos da exposição destes poluentes, devemos evitar comer de
recipientes de plástico, não cozinhar com utensílios antiaderentes, preferir o
consumo de alimentos orgânicos – porque isso limita a exposição a pesticidas – e
verificar sempre a existência de determinados disruptores endócrinos nos rótulos de
produtos de higiene pessoal.

16. Os perigos associados aos disruptores endócrinos são graves e os riscos de sua
exposição, através de muitos produtos que utilizamos diariamente, são altos. Assim,
é fundamental que a comunidade científica se mantenha focada neste tema e que a
população esteja informada.

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