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A SUBLIME ORQUESTRA

Joanisval Brito Gonçalves, M:.I:.1

Na estrutura de uma Loja Maçônica, o corpo de oficiais tem um papel de destaque em razão
de suas atribuições e responsabilidades. Eleitos ou indicados pelo Venerável, esses Irmãos são, cada
um, individualmente, peças de uma bela engrenagem que gera movimentos com efeitos que vão muito
além de suas obrigações regimentais ou da prática dos rituais no plano material.
Reunidos, os oficiais formam o corpo de dirigentes e executores das mais sublimes tarefas
em uma Loja, sejam elas ritualísticas, iniciáticas ou administrativas. E o conjunto dos oficiais pode
ser muito bem comparado a uma orquestra. Assim, tem-se um esforço direcionado para a busca da
harmonia e de um fim comum.
Da mesma maneira que ocorre em uma orquestra, na Loja cada oficial tem seu papel, toca
seu instrumento específico, o qual domina com maestria, e não lhe cabe interferir na performance do
outro “músico”. Nesse sentido, o violinista não deve se imiscuir no trabalho do flautista, e nem este
nem aquele buscarão tocar o trompete. Entretanto, todos devem buscar a excelência na execução da
peça, que só será justa e perfeita se o conjunto dos músicos atuar em harmonia e de forma a nenhum
se sobrepor à atuação do outro. Além disso, se um dos músicos desafinar, prejudicará os demais,
estará fora do tom e toda a orquestra terá sua apresentação comprometida. Tampouco existe um
músico melhor ou mais importante que outro: todos são como elos em uma mesma corrente – se um
quebrar, toda a cadeia se rompe.
Atenção especial às atribuições do Venerável, o primeiro servidor da Loja. Assim como o
Maestro, sua função é dirigir os trabalhos, orientar os demais oficiais e membros, e zelar pela
harmonia. Da mesma forma que o Maestro não pode tomar para si qualquer dos instrumentos da
orquestra e fazer o trabalho de outro músico, também o Venerável não deve buscar assumir as funções
de outros oficiais. Sua missão, repita-se, é clara: dirigir os trabalhos e zelar pela ordem e pelo bom
andamento das atividades da Loja. Isso não o exime de conhecer bem as atribuições de cada oficial,
pois o bom Regente deve ter ciência de como se toca cada instrumento da orquestra e ter a percepção
do tom correto e da musicalidade de cada um.
No Rito Escocês Retificado (RER), uma Loja funciona com nove oficiais, aos quais é
acrescida a figura do Ex-Venerável (lembrando-se que não se usa o termo “Past Master” no RER).
São eles: o Venerável Mestre, os dois Vigilantes, o Orador, o Secretário, o Tesoureiro, o Elimosinário,
o Ecônomo e o Mestre de Cerimônias. Cada qual com sua específica tarefa e obrigações durante o
ritual e na administração da Loja.
Cabe ao Venerável Mestre, portanto, a direção dos trabalhos ritualísticos, a presidência da
Loja e de suas assembleias e outras atribuições assinaladas no arts. 115 a 118 do Regulamento Geral
da Federação (RGF)2. Nos antigos ordenamentos do Regime Retificado, assinala-se que cabe ao
Venerável “velar pela manutenção das leis da Ordem e pela execução de seus regulamentos, governar
a Loja com doçura, prudência e firmeza, e manter a subordinação, ou seja, fazer respeitar a Ordem e

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Joanisval Brito Gonçalves, M:.I:., nascido no RER, é o Venerável Mestre para os períodos de 2018 a 2019 e de 2019 a
2021 da ARLS Collegia Fabrorum nº 4.304, jurisdicionada ao Grande Oriente do Distrito Federal (GODF), federado ao
Grande Oriente do Brasil (GOB). As considerações aqui apresentadas foram adaptadas do discurso proferido por ocasião
da Reassunção do autor como Venerável de sua Loja - são pessoais e não expressam necessariamente o entendimento
oficial de quaisquer organizações às quais esteja o autor vinculado.
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GRANDE ORIENTE DO BRASIL. Regulamento Geral da Federação, Lei nº 99, de 9 de dezembro de 2008 (com
atualizações).
©Joanisval Brito Gonçalves (2019)
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seus dignitários, e assegurar sobretudo a frugalidade e decência de seus banquetes, lembrando que é
o responsável perante a Ordem quanto aos abusos ou conturbações toleráveis”3.
Em algumas obediências, apenas se elege o Venerável e o Tesoureiro na Loja, sendo os
demais oficiais escolhidos e nomeados por aquele. Mesmo em obediências onde outros membros da
Diretoria também são eleitos, a indicação desses nomes deve ter participação do Venerável. Em outras
palavras, para que a chapa que será eleita seja harmônica, fundamental que não haja divergências
entre a primeira Luz da Loja e as demais.
Também cabe àquele que se encontra no Altar do Oriente4 conhecer os rituais, a doutrina do
regime retificado e a própria Ordem, bem como as funções de cada oficial. Uma vez que as cerimônias
do RER gravitam em torno do Venerável, assim também ocorre com a Loja como um todo, e se
aquele estiver de alguma maneira desestabilizado, as consequências serão sentidas em toda a Oficina.
Assim, deve ser o Titular do Primeiro Malhete o responsável pelo bom exemplo de conduta, com
respeito às leis da Ordem e a estrita observância dos regulamentos, cabendo-lhe ainda zelar pela paz,
pela harmonia e pela concórdia dentro e fora do templo.
Os dois Vigilantes, ensinam nossos regulamentos, são, “após o Venerável Mestre e o Ex-
Mestre, os principais oficiais da Loja. Eles devem ajudar em tudo no decorrer de sua gestão, e
assegurar que todos os outros oficiais desempenhem as suas funções com zelo e precisão”. Suas
obrigações, previstas nos arts. 119 a 121 do RGF, envolvem, sobretudo, a instrução dos
Companheiros e Aprendizes.
O Orador, membro do Ministério Público e com suas funções previstas no art. 122 do RGF,
é quem profere a palavra em todas as ocasiões solenes em nome da Loja do RER. Também é previsto
nos regulamentos do Regime Retificado, que, a pedido do Venerável Mestre, cabe ao Orador “instruir
os Irmãos sobre seus deveres e sobre as especificações da Ordem a eles pertinentes”. Por exemplo,
dentro de uma Sessão de Recepção, a explicação e as instruções dos graus poderão ser feitas por ele.
Note-se, entretanto, que diferentemente de outros ritos, no Rito Retificado não compete ao Orador
“encerrar os trabalhos” – nesse sentido, jamais o Venerável Mestre solicitará ao Orador permissão
para proceder ao encerramento.
O Secretário é encarregado, particularmente, da correspondência da Loja, assinando e
expedindo as cartas de convocação da Oficina, bem como pranchas e certificados. A elaboração da
ata das sessões também é encargo seu. Nos antigos regulamentos do RER era estabelecido que “todo
ato é assinado pelo Venerável Mestre, pelos dois Vigilantes e pelo Secretário”. É também o Secretário
o guarda dos arquivos, para os quais deverá ter uma atenção especial. Suas atribuições, no âmbito das
normas do GOB, encontram-se nos arts. 123 e 124 do RGF.
Competem ao Tesoureiro atribuições como arrecadar a receita e pagar as despesas, assinar
os papéis e documentos relacionados com a administração financeira, contábil, econômica e
patrimonial da Loja, manter a escrituração contábil da Loja sempre atualizada, depositar, em banco
determinado pela Loja, o numerário a ela pertencente, cobrar dos Maçons suas contribuições em
atraso e remeter prancha com aviso de recebimento, ao obreiro inadimplente há mais de três meses,
comunicando a sua irregularidade e cientificando a Loja, e responsabilizar-se pela conferência,
guarda e liberação dos valores arrecadados pela Loja. Outras obrigações, inclusive as referentes à
Secretaria de Finanças do GOB, estão previstas no art. 125 do RGF.
O Elimosinário, cargo típico do RER, é encarregado de receber os óbolos e circular o Tronco
de Solidariedade para todos os irmãos em cada sessão. Também lhe compete obter com o Irmão
Ecônomo tudo o que este irá precisar para os banquetes. É, ainda, o hospitaleiro natural da Loja,

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As referências aos antigos documentos da Ordem tomam por base, além das correspondências de Jean-Baptiste
Willermoz, o Code Maçonnique des Loges réunies et rectifiées de France, approuvé par les députés des Directoires de
France au Convent National de Lyon en 1778, do qual foi feita a livre tradução pelo autor.
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Não se usa o termo “Trono de Salomão” no RER.
©Joanisval Brito Gonçalves (2019)
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cabendo-lhe nessa qualidade se informar sobre os Irmãos doentes e os visitar, fornecer-lhes a


assistência de que necessitem, e organizar tudo que lhe for determinado no que se refere à amizade,
à fraternidade e à humanidade. Ademais, os antigos regulamentos assinalavam a tarefa do
Elimosinário de “assegurar a boa conduta dos Irmãos e levantar as informações sobre a vida e moral
dos candidatos propostos para a Recepção”.
O Mestre de Cerimônias deve cuidar do cerimonial de cada sessão, verificando com
antecedência ao início dos trabalhos se tudo está disposto convenientemente para a cerimônia do dia.
Mesmo não havendo “telhamento” no RER, cabe ao Mestre de Cerimônias verificar a regularidade
dos visitantes, pedir a eles suas credenciais e as palavras, sinais e toques do regime ao qual pertençam.
Deve atentar para colocar os Irmãos de acordo com seus graus ou honras no regime retificado.
Fundamental, portanto, que o Mestre de Cerimônia e seus eventuais adjuntos sejam conhecedores
tanto do Rito Retificado quanto de outros ritos praticados na Obediência.
O Ecônomo é responsável pela decoração e mobiliário da Loja, e tem a tarefa de mantê‐los
e de lhes fazer reparos. Junto com o Mestre de Cerimônias, manterá convenientemente a Loja
organizada para cada sessão, atentando-se para o aprovisionamento das velas e outras coisas para a
utilização nos rituais. Ele é responsável por organizar os Banquetes, função que poderá ser reunida
àquelas do Mestre de Cerimônias.
Apesar de não ser considerado um dos oficiais, o Ex-Mestre, ou Ex-Venerável Mestre, tem
seu papel em uma Loja do RER, completando a década de luzes presentes. No passado, era ele que
substituía o VM em sua ausência na direção dos trabalhos, cabendo-lhe ainda essa tarefa quando não
for possível aos Vigilantes – por exemplo, em uma sessão de Recepção, quando o Vigilante não for
Mestre Instalado. Compete-lhe, ainda, velar pela boa formação e instrução dos Mestres da Loja.
Além dos nove oficiais, pode o Venerável Mestre indicar assistentes para cada função,
cabendo-lhe, ainda, nomear aqueles que atuarão especificamente nas Recepções – com destaque para
o Irmão Preparador e seus auxiliares. Titulares ou suplentes, esse corpo de oficiais compõe, assim, a
Sublime Orquestra das Lojas do RER. Juntos, de forma coordenada, e com unicidade de princípios,
são eles que conduzirão as atividades ritualísticas e administrativas da Oficina, sendo alicerces
importantes do Templo.
Os oficiais têm a obrigação de se preparar para o cargo que irão ocupar, conhecer bem suas
tarefas, instruir os demais Irmãos sobre essas atribuições. Compete-lhes, ainda, cumprir
rigorosamente os rituais e as demais norma do Rito e da Obediência – afinal, são eles o exemplo
maior aos Irmãos em um Loja. É importante que se dediquem a estudar os rituais e a doutrina do
Regime Retificado e jamais tergiversar no cumprimento de suas obrigações para com a Loja, o Rito
e a Ordem. Assim, a Orquestra será harmônica, coesa e sublime!
Para concluir, gostaria de lembrar as palavras do fundador de nossa Ordem,
consubstanciadas no Capítulo IX de nossa Regra Maçônica. São palavras escritas e aprovadas em
1778, mas que permanecem atuais. Sobre os deveres para com o Ordem, ensina nosso Venerável
Mestre Jean-Baptiste Willermoz:
I
Quando, finalmente, foste admitido na participação das vantagens que resultam da
Associação maçônica, abandonaste, em troca, tacitamente, uma parte da tua liberdade
natural. Cumpre estritamente as obrigações morais que a Ordem te impõe. Resigna-te aos
seus sábios regulamentos e respeita os que a confiança pública designou para serem os
garantes das leis, os intérpretes do voto geral. A tua vontade na Ordem está submetida àquela
da lei e dos superiores: serias um mau Irmão se ignorasses esta subordinação necessária em
todas as sociedades, e a nossa seria obrigada a excluir-te do seu seio.

©Joanisval Brito Gonçalves (2019)


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II

É de uma lei sobretudo, que prometeste diante dos céus, a escrupulosa observância:
a do segredo mais inviolável dos nossos Rituais, cerimônias, sinais, e do modelo da nossa
Associação.
Abstém-te de pensar que este compromisso que fizestes para com a Ordem é menos
sagrado que os juramentos que fazes na sociedade civil. Estavas livre quando o pronunciaste,
mas não és livre para romper o segredo que te liga a ele. O Eterno, que invocaste como
testemunha, ratificou-o. Teme as penas ligadas ao perjúrio: não escaparias nunca ao suplício
do teu coração, e perderias a estima e a confiança de uma sociedade numerosa e que teria o
direito de te declarar homem sem fé e sem honra.
Se as lições que a Ordem te dá, para te facilitar o caminho da Verdade e da
Felicidade, gravarem-se profundamente na tua Alma dócil e aberta às impressões da Virtude;
se as máximas salutares que marcarão por assim dizer cada passo que tu dás na carreira
maçônica, tornarem-se os teus próprios princípios e a Regra invariável dos teus atos, oh, meu
Irmão, que alegria a nossa! Tu cumprirás o teu sublime destino, tu recuperarás esta
semelhança divina que foi compartilhada pelo Homem no seu estado de inocência, que é o
objetivo do Cristianismo, e da qual a Iniciação maçônica faz o seu objetivo principal. Tu
voltarás a ser a criatura querida do Céu: suas fecundas bênçãos recairão sobre ti, e,
merecendo o título glorioso de sábio, sempre livre, feliz e constante, tu caminharás nesta
terra como os reis, o benfeitor dos homens e o modelo dos teus Irmãos.

Este texto é dedicado a todos os Irmãos que têm a disposição para, no devido cumprimento
de seu juramento, assumir obrigações como oficiais em uma Loja. Que esse serviço abnegado seja
sempre coberto de paz, harmonia e realizações, que o Grande Arquiteto do Universo os proteja e
guarde nesta caminhada, e que a Ordem prospere!
Por Nosso Senhor Jesus Cristo!

Brasília, 19 de junho de 2019.


241º ano do Convento das Gálias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Code Maçonnique des Loges réunies et rectifiées de France, approuvé par les députés des Directoires
de France au Convent National de Lyon en 1778.
GRANDE ORIENTE DO BRASIL, Ritualística e Procedimentos para o Rito Escocês Retificado
(RER), Grau de Aprendiz Maçom. Brasília, 2018.
GRANDE ORIENTE DO BRASIL. Regulamento Geral da Federação, Lei nº 99, de 9 de dezembro
de 2008 (com atualizações).

©Joanisval Brito Gonçalves (2019)

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