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maio 26, 2020 Rubens Nascimento

Mandarim, simples assim

Por Cesar Matiusso e Amilton Reis

É com uma única palavra e nenhuma hesitação que, muitas vezes, vejo
o mandarim ser classificado: “impossível”. Dos ideogramas, dizem que
se trata de um emaranhado intrincado e indecifrável. Já o som da língua
seria uma mistura de fonemas que causam estranheza máxima aos
ouvidos de um ocidental. Quem ouviu falar dos tons, então, conta
apavorado que “a mesma palavra falada um pouquinho diferente vira
outra coisa!” Assim eu vi a língua chinesa ser barbaramente resumida
incontáveis vezes, mas nenhuma delas por quem tentou aprender
mandarim ou dedicou algum tempo para entender melhor o que ele é e
como funciona.

Como toda língua, o chinês


tem suas muitas particularidades e algumas boas dificuldades. A escrita
chinesa, por exemplo, é mesmo um sistema complexo – mas fascinante
na mesma medida –, e sua fonética exige certa aclimatação a alguns
sons que não temos no português. Ainda assim, isso não justifica as
alcunhas de “impossível” e “coisa de doido” que tanto se ouvem por aí.
Quem dá uma chance ao chinês – na verdade, a chance que se dá é
sempre a si mesmo: a de aprender uma língua nova! – encontra muitas
surpresas pelo caminho. Talvez a maior delas seja descobrir que o
mandarim é, afinal, um idioma marcado pela simplicidade. E não seria
essa a maior das sofisticações? Afinal, a concisão do mandarim é
resultado de uma longa evolução.
A seguir, você confere alguns itens da gramática chinesa que, de tão
simples, às vezes fazem a gente se perguntar: “Mas é só isso?”

Artigos

No português, eles são vários, e podem ser “definidos” (o, a, os, as) ou
“indefinidos” (um, uma, uns, umas). No chinês eles não existem, mas a
língua possui outras maneiras de expressar definição e indefinição. Os
pronomes demonstrativos – 这 zhè (este) e 那 nà (aquele) –, por
exemplo, também servem para dar a noção de definição, da mesma
forma que em português, enquanto os numerais podem indicar
indefinição. Além disso, o conceito pode ser indicado pela posição do
substantivo antes ou depois do verbo:

a) antes do verbo: definido


客人来了。 kèrén lái le
O visitante chegou

书我买了。 shū wǒ mǎi le


Comprei o livro

b) depois do verbo: indefinido


来客人了。 lái kèrén le
Um visitante chegou / Chegou um visitante
我买了书。 wǒ mǎi le shū
Comprei um livro

Plural

Substantivos e adjetivos, em português, têm singular e plural. Em


mandarim, não existe essa diferenciação. Assim, dúvidas como “qual é
o plural de chapéu?” nunca aparecem. A informação de número ou
quantidade é expressa por meio de numerais e advérbios de quantidade,
além do próprio contexto da frase:

我有很多中国朋友。Wǒ yǒu hěn duō zhōngguó péngyǒu


Eu tenho muito[s] amigo[s] chines[es].

他是我的朋友。Tā shì wǒ de péngyǒu


Ele é meu amigo.

Apesar de os substantivos não serem flexionados em número, o sufixo


们 men serve para expressar a ideia de plural em pronomes e
substantivos que se refiram a pessoas, como lǎoshīmen 老师们
(professores), em oposição a lǎoshī 老师 (professor).

Números Ordinais
Enquanto, em português, aprendemos uma nova palavra para cada
numeral ordinal (primeiro, segundo, terceiro, quinquagésimo,
centésimo etc.), no chinês se acrescenta o prefixo 第 dì antes do
cardinal. Se 三 sān é “três”, 第三 dìsān será “terceiro” e assim por
diante. Uma única sílaba é usada para formar todos os números
ordinais.

Pronomes

Os pronomes pessoais e possessivos do chinês são muito fáceis de


aprender: basta conhecer as três formas 我 wǒ (eu), 你 nǐ (tu/você) e 他
tā (ele/ela) e as partículas de plural 们 men e de posse 的 de para formar
todos eles. Assim, temos 我们 wǒmen (nós), 你们 nǐmen (vós/vocês), 他
们 tāmen (eles). É só adicionar a partícula 的 de para transformar
qualquer pronome pessoal em possessivo: 我 wǒ (eu), 我的 wǒde (meu);
我们 wǒmen (nós), 我们的 wǒmende (nosso) e assim por diante. E por
não haver diferenciação de plural – como entre nosso e nossos – ou
gênero – como entre meu e minha –, o número de variações diminui
dramaticamente.
Na língua de Camões, os pronomes pessoais têm formas diferentes
conforme desempenham a função de sujeito ou objeto. Por isso temos
de usar “eu” e “me” para dizer algo como: Eu vi a Maria, mas a Maria
não me viu. No chinês, essa diferenciação… não existe! Os pronomes
mantêm sua forma em todos os casos. Na mesma frase em chinês, 我 wǒ
(eu, me) não varia:

我看到玛丽亚,但玛丽亚没看到我。
wǒ kàn dào mǎlìyà,dàn mǎlìyà méi kàn dào wǒ
Eu vi a Maria, mas a Maria não me viu.

Aumentativos, diminutivos, comparativos e superlativos

Palavras como os comparativos maior, menor, melhor, pior são


formadas em chinês com o acréscimo da expressão 比较 bǐjiào
(comparativamente) ao próprio adjetivo a que elas se referem. Não é
necessário aprender o comparativo específico para cada caso: basta
dizer 比较 mais o adjetivo. Quando o contexto é suficientemente claro,
até a palavra bǐjiào é dispensável.
Por exemplo:

好 hǎo (bom) 比较好 bǐjiào hǎo (melhor)


大 dà (grande) 比较大 bǐjiào dà (maior)
Formas aumentativas e diminutivas também não existem em chinês;
usam-se simplesmente 大 dà (grande) e 小 xiǎo (pequeno):

大男人 dà nánrén homenzarrão


小盒子 xiǎo hézi caixinha

Apesar da facilidade, sabemos como é bom poder dizer que se vai


“tomar um chocolate quentinho” – por isso, é bom lembrar que há
algumas soluções muito expressivas construídas com reduplicações
(isto é, a repetição de uma mesma sílaba), como em

喝一杯热热的巧克力
hē yī bēi rèrè de qiǎokèlì,
tomar um chocolate quentinho

a repetição de 热 rè (quente) nesta frase exprime a ideia de


“quentinho”.
Nos superlativos do chinês, as formas são indicadas pela partícula 最
zuì (o mais), que pode anteceder qualquer adjetivo. Também não
existem formas como “dulcíssimo” e “paupérrimo”, que podem ser
expressos em mandarim com palavras como 非常 fēicháng
(extremamente) e 特别 tèbié (especialmente) antecedendo o adjetivo.

最好 zuìhǎo = o melhor
特别甜 tèbié tián = especialmente doce, dulcíssimo

Conjugação verbal

Em mandarim, os verbos não são flexionados, o que tira do caminho


algumas das maiores dificuldades na aprendizagem de qualquer
idioma: as conjugações verbais e, claro, os verbos irregulares. Para se
ter ideia do quanto isso é significativo, a conjugação de um único verbo
regular no português pode ter mais de 70 formas (lavo, lavava,
lavaremos, lavássemos, lavem…). Se incluirmos as conjugações
pronominais (lavar-se), esse número passa de 100. Enquanto isso, no
chinês, uma forma única é adotada em todos os casos: para todas as
pessoas do singular e plural, em todos os tempos verbais. Por conta
disso, é preciso lembrar que o sujeito geralmente aparece nas orações
para evitar ambiguidades, e os tempos verbais são sinalizados pelo
contexto:

我们明天吃什么? wǒmen míngtiān chī shénme?


O que vamos comer amanhã?
你吃过中国菜吗? Nǐ chī guo zhōngguócài ma?
Você já comeu comida chinesa?

他们天天吃米饭。tāmen tiāntiān chī mǐfàn.


Eles comem arroz todos os dias.

O festival da gramática fácil não termina por aqui. Para descobrir mais
sobre ela, você precisa se dar aquela chance. A gente se vê no Instituto
Confúcio!

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