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SOBRE O AUTOR
EXCERTO DO LIVRO
CAPÍTULO 1
Perry Mason levantou a vista de sua mesa quando Della Street, sua secretária
particular, apareceu na porta da sala.
- Sim, Della?
- Na sala está uma jovem que não quer dar seu nome.
- Então não a receberei, declarou Mason.
- Eu sei o que você pensa a respeito, replicou Della, - Porém creio que
existe uma razão para que a jovem não queira dar essa informação.
- Que tipo de razão?
- Talvez fosse interessante averiguar.
- Ruiva ou morena?
- Ruiva. Traz uma bolsa preta e outra bolsinha, além da bolsa normal.
- Idade? quis saber Mason.
- Não mais de vinte e dois ou vinte e três. Mason franziu a testa.
- De acordo, suspirou Mason, - Deixe entrar e darei uma vista d'olhos nela.
Della Street saiu e regressou rapidamente com uma jovem que tremia de excitação
ao chegar perto da mesa.
- Senhor Mason? O advogado sorriu.
- Não precisa ficar nervosa, disse. - Ao final, eu sou advogado, e se você
se acha em um aperto, talvez possa ajudar. A jovem se acomodou diante da mesa.
- Senhor Mason... eu... eu... tenho que desaparecer e não quero que meus
parentes possam me encontrar.
- Por que tem que desaparecer?
- Tenho minhas razões, ela respondeu. - Não acho necessário entrar agora em
detalhes, porém é preciso que eu desapareça.
- E deseja que eu a ajude?
- Quero que o senhor se ache em situação de proporcionar, se chegar o caso,
o caminho que me conecte com a minha vida anterior. Porém não quero que o faça,
a não ser que eu dê permissão, ou a menos que se apresentem certas
circunstâncias. Tocou a campainha do telefone da mesa de Della Street.
- Sim, Gertie... Agora mesmo...? Importante...? Muito bem. Perdoem-me um
momento, disse, e saiu em direção à recepção. Mason contemplou fixamente a
visitante.
- Me pede que confie em você.
- Não confia em todos os seus clientes ?
- Não de todo, objetou Mason. - Porém toda pessoa acusada de um delito,
inocente ou culpada, tem direito a ser defendida. Tem direito a uma defesa ante
o tribunal. E eu trato de conceder uma representação legal.
- Porém você procura defendê-la a fim de demonstrar sua inocência. Mason
pensou uns instantes e logo falou, escolhendo cuidadosamente as palavras.
- Sim, porém só trato de que minha defesa seja eficaz. Nada mais. Della
Street regressou da recepção, fez um sinal a Mason e cruzou a sala em direção à
biblioteca.
- Terá que me desculpar um instante, escusou-se Mason. - Parece que apareceu
um assunto importante que requer minha atenção imediata. Só um momento,
comentou, indo até a biblioteca. - Que está acontecendo? perguntou a Della
Street, quando fechou a porta.
- Gertie observou algo na visitante, ou pareceu a ela; enfim, talvez seja
melhor que você falasse com ela.
- Não pode me dizer do que se trata?
- Claro que sim, replicou Della, - Porém não posso comentar o que Gertie me
confiou, tal como você quer.
- De acordo, assentiu Mason, - Vejamos do que se trata. Apanhou Della Street
pelo braço e a conduziu até a porta que dava à recepção. Apesar da sala estar
deserta, Gertie chamou Mason até a telefonia e baixou a voz até um tom apenas
audível.
- A jovem que está em sua sala...
- Sim, sim... assentiu Mason, - Que aconteceu, Gertie? observou algo de
estranho nela?
- Se observei algo estranho? Claro que observei algo estranho!
- Bom, exclamou Della com impaciência, - Conte o que foi, Gertie.
- Prestaram atenção, começou Gertie, - Na carteira preta que ela leva e que
segura de maneira tão apertada?
- Trata-se de uma carteira para cosméticos, uma espécie de nécessaire,
explicou Della. - Do tipo que contem um espelhinho no forro da capa, visível
quando se abre.
- E os cosméticos, os cremes e os pentes se acham dentro, disse Mason.
- Nessa carteira, cortou Gertie com veemência. Acha-se repleta de notas de
cem dólares, muito bem organizadas.
- O que? exclamou Mason.
- Como sabe disso, Gertie? quis saber Della. - Vamos, nos conte.
- Bom. explicou a telefonista, - Essa garota quis tirar ou colocar algo na
nécessaire. Abriu-a, e precisamente foi a forma de abrir o que me chamou a
atenção.
- Como o fez? interessou-se Mason.
- Deu quase meia volta em sua cadeira, virando-me as costas.
- E no momento, você alargou o olho tratando de ver que ocultava.
- Bom... vacilou Gertie, - Suponho que todo mundo é um pouco curioso.
- Foi só um comentário, se desculpou o advogado. - Não se aborreça, Gertie,
e diga o que viu.
- O que essa garota não compreendeu, prosseguiu a recepcionista, - Foi que;
imediatamente quando me voltou as costas e levantou a capa da nécessaire, o
espelho refletiu o conteúdo do interior.
- Diga-me exatamente o que você viu.
- Todo o interior da carteira. E todo o interior não era mais que um
conjunto de notas de cem dólares, muito bem arrumadas e atadas.
- Viu isto pelo espelhinho?
- Sim.
- Bem, diga-me agora: ela manteve cuidadosamente a capa aberta em ângulo
para que você pudesse continuar olhando o interior da carteira, ou abriu a capa
até sua altura máxima? Gertie pensou uns instantes antes de responder.
- Pensando bem, creio que a abriu por completo.
- Então essa jovem manteve a capa em certo ângulo, com tempo suficiente para
que você pudesse ver o conteúdo da carteira. Como você sabe, continuou Mason
após uma pausa, - Que eram notas de cem dólares, Gertie? A essa distância não
pôde ver a quantidade...
- Bem... pareciam notas de cem...
- Porém, podiam ser de cinqüenta dólares também, não é verdade? perguntou
Mason, ao ver que Gertie vacilava. - Ou de vinte dólares...
- Tive a impressão de que se tratavam de notas de cem dólares, senhor Mason.
- E pelo mesmo raciocínio, já que viu tudo através do espelhinho e de tanta
distância, prosseguiu Mason, - Também podiam ser notas de um dólar.
- Oh, estou completamente segura de que não eram notas de dólar.
- Por que está tão segura?
- Pelo aspecto que tinham.
- Obrigado, Gertie. agradeço que nos tenha advertido. Portou-se muito bem. O
advogado deu uma pancadinha nas costas da recepcionista. - Boa garota, Gertie,
continuou. - Procure vigiar sempre a todos os meus clientes, e se observar algo
fora do normal, não duvide em me avisar. Mason e Della Street regressaram à
biblioteca.
- Qual a sua opinião, chefe? indagou Della.
- Acredito que Gertie viu o conteúdo da carteira e que esta está cheia de
notas. Porém que sejam de um dólar ou de cem, ninguém pode afirmar.
- Gertie possui uma grande imaginação, disse Della. Mason assentiu
pensativamente.
- O importante, disse depois, - É o tempo que a jovem manteve o espelhinho
naquele ângulo; o importante é saber se nossa misteriosa cliente desejava que
Gertie visse o que continha a carteira para nos informar ou se queria tirar algo
e só a curiosidade inata de Gertie a fez olhar pelo espelho... Bem, vamos ver a
nossa cliente. Mason e Della regressaram a sala. - Lamento tê-la fato esperar,
disse Mason. - Bem, vejamos. Onde estávamos...? Ah, sim, você necessita um
advogado que a represente.
- Exato.
- Porém não deseja que alguém conheça sua identidade.
- Tenho meus motivos, senhor Mason.
- Acredito, concordou o advogado, - Porém isto torna o assunto muito pouco
satisfatório para mim. Suponhamos que você deseje se comunicar comigo, para que
eu possa ajudar em algo. Como saberei que falo com a mesma pessoa que contratou
meus serviços?
- Criaremos uma senha.
- Está bem. O que sugere?
- Minhas medidas.
- Suas medidas? repetiu Mason.
- Sim, noventa, sessenta, noventa.
- Isto apenas é uma senha, observou.
- Porém se eu dou minhas medidas com minha própria voz ao telefone, você
reconhecerá minha voz, não é correto?
- Não estou seguro, replicou Mason. - Talvez. As vezes, é difícil reconhecer
uma voz ao telefone. O que você me pedirá? Quero dizer, o que terei de fazer se
você me chamar?
- Defender-me.
- De que?
- Diabos, não sei, confessou a jovem, - Porém quem quer me encontrar é
muito... muito engenhoso. Não irão procurar detetives privados se puderem me
acusar de ter cometido um crime e conseguir colocar a polícia no meu rastro.
Isto é o que temo. Olhe, senhor Mason, continuou apressadamente, - Não tenho
liberdade para lhe contar todos os fatos, porém algumas pessoas... melhor
dizendo, certa pessoa deseja me encontrar, ou, que pode desejar me encontrar. E
essa pessoa é diabolicamente engenhosa. Não se deterá por nada.
- Não é fácil falar com uma pessoa que desaparece deliberadamente.
- Eu sei, e essa pessoa também sabe. Portanto, não gastará tempo e dinheiro
contratando a detetives privados. Acusar-me-á de algum crime e fará que a
polícia me procure.
- E...?
- E... terei que me defender.
- Quer dizer que, atualmente, essa pessoa tenta forçar um acontecimento,
procurando ter com que acusá-la, certo?
- Talvez. Pode tentar qualquer coisa.
- Inclusive colocar a si mesmo em uma posição vulnerável, objetou Mason. -
Bom, a menos que você tenha cometido efetivamente um crime.
- Oh, não...!
- De que pode acusá-la?
- Céus, eu não sei; talvez de assassinato...
- Ou... talvez de desfalque? perguntou Mason de repente.
- É possível, porém não havia pensado nisto.
- Pois parece o mais lógico, comentou Mason, em um tom fingidamente casual.
- Se a acusar de assassinato, precisaria ter um cadáver. Por outro lado, se a
acusa de desfalque só tem que jurar que sumiu dinheiro.
- Sim, ela admitiu lentamente, - Entendo seu ponto de vista.
- Bem, qual era a sua idéia? quis saber Mason.
- Eu queria dar a você uma antecipação, a fim de reservar seus serviços.
- Que antecipação pensou?
- Trezentos dólares?
- Acredito que seria uma antecipação razoável. Naturalmente, depois de ter
me consultado e no caso de que a situação se complicasse, precisaria pedir-lhe
mais dinheiro. A jovem abriu a bolsa, não permitindo que Mason pudesse ver seu
conteúdo, e retirou seis notas de cinqüenta dólares.
- Minha secretária lhe dará um recibo, respondeu Mason. - Caramba, essas
notas parecem novas!
- Vim preparada. Normalmente não carrego uma soma tão grande. Estas notas eu
os saquei do banco... para você.
- Aqui... em Los Ângeles? perguntou Mason, novamente de maneira casual.
- Não, não, aqui não. Claro que não.
- Entendo. Mason apanhou uma das notas e brincou com ela distraidamente.
- Bom, o que espera que eu faça por você? perguntou ao final.
- Provavelmente nada. Oh, não me interprete mal, senhor Mason. O senhor não
é para mim mais do que uma âncora em uma tormenta. É possível que, se tudo
correr bem, não volte a ouvir falar mais de mim.
- E se tudo não correr bem?
- Então terá noticias minhas.
- Quais?
- Eu não eu sei. O chamarei quando precisar de ajuda.
- Que tipo de ajuda?
- Tampouco eu sei, talvez conselho em uma situação complicada.
- Não posso estabelecer relações com um cliente sobre uma base tão fraca.
- Quando eu o chamar pedindo ajuda, discutiremos o assunto. Sei que você
será justo comigo, e também pode estar certo de que eu não pedirei nada que não
seja legal, justo e eqüitativo.
- Pode me encontrar neste escritório no horário de trabalho, explicou Mason.
- Durante o resto do dia pode me localizar mediante a Agência de Detetives
Drake, cujos escritórios estão neste mesmo andar.
- Ao chegar no elevador vi a placa na porta, assentiu a jovem.
- Sua central de telefonia funciona todo o dia e toda a noite, e em caso de
uma emergência... quer dizer, uma verdadeira emergência, eles entram em contacto
comigo. Delta Street entregou um cartão à jovem cliente.
- Aqui tem todos os números, tanto de dia como de noite.
- Obrigado, senhorita Street.
- Dê a ela um recibo, Della, pediu Mason, - Por uma antecipação de trezentos
dólares em dinheiro. E agora, quer que o recibo apresente simplesmente a senha
noventa, sessenta, noventa? A jovem sacudiu negativamente a cabeça.
- Não quero recibo, recusou. Em seguida, colocou a bolsa na mão, apanhou a
carteira dos cosméticos, sorriu para Della Street e continuou: - Obrigado por
ter-me recebido, senhor Mason. No instante seguinte havia saído da sala. Mason
continuou sentado vendo como a porta se fechava pelo impulso do automático.
- Foi uma boa representação.
- Em que sentido?
- Ao afirmar que não voltaríamos a saber dela.
- Acredita que tudo foi uma farsa?
- Aposto dez contra um que, no máximo em de cinco dias esta garota me
chamará e falará que está em graves dificuldades.
- Não vou apostar, sorriu Della. - Da má sorte apostar contra você. Posso
dizer uma coisa: estas não são suas medidas.
CAPÍTULO 2
Quando faltavam dez minutos para as nove, Mason entrou em sua sala particular
pela porta do corredor, sorriu para Della Street e perguntou:
ESTOU AQUI A PONTO DE CONCLUIR NEGOCIAÇÕES COM BASE DE DINHEIRO EM ESPÉCIE. NÃO
CHEQUE. DINHEIRO NO ATO. CHAMAR HOTEL WILLATSON, 90-60-90.
MENSAGEM POUCO CLARA. CHAMAR NÚMERO 676-2211 PARA CONVERSAR. NÃO CAIREI EM
TRAMÓIAS DE NENHUM TIPO.
CAPÍTULO 3
No dia seguinte, Perry Mason estava no tribunal defendendo um jovem negro
acusado de roubar um prestamista. A identificação efetuada por três testemunhas,
que viram a ladrão correndo pela rua, para logo saltar dentro de um carro
estacionado e fugir a toda velocidade, foram absolutamente positivos. Mason
tratou em vão de derrubar a segurança das testemunhas. As três da tarde, o
ajudante da acusação concluiu suas argumentações e Mason teve, por fim, a
oportunidade de se dirigir aos jurados.
Esperava-se que o veredicto fosse rápido, porém os jurados saíram para jantar às
seis e meia, voltando às oito, reiniciando a deliberação. Às nove tocou a sineta
e os jurados anunciaram seu acordo com respeito ao veredicto. De pronto
começaram os comentários por todos os corredores do tribunal. Os jurados haviam
decidido culpado o acusado. O juiz se acomodou em sua cadeira, e o acusado
apareceu de novo na sala. Tudo estava pronto para a entrada dos jurados, quando
um agente de polícia, a paisana, correu pelo corredor central da sala, se
aproximou a juiz e sussurrou umas palavras no seu ouvido. Sua senhoria franziu a
testa e dialogou em voz baixa com o agente. Logo, começou a falar.
CAPÍTULO 4
Paul Drake já estava em sua sala às nove da manhã seguinte quando Perry Mason,
saindo do elevador, entrou na Agência de Detetives Drake. Drake olhou o
advogado, sorriu e bocejou.
CAPÍTULO 5
O hotel Willatson era um hotel comercial, onde se hospedavam pessoas que vinham
para feiras e congressos, Seu vestíbulo estava cheio. Perry Mason se dirigiu à
recepção.
- Está hospedada aqui, perguntou ao recepcionista, - Uma jovem chamada Diana
Deering?
- Um momento, por favor. O recepcionista folheou um livro.
- Sim, está no quarto 767.
- Quer me anunciar, por favor?
- Nome?
- Essa jovem não conhece meu nome. Trata-se de uma visita relacionada com
uma questão da seguridade social. Diga que está aqui uma pessoa que veio por
sessenta, traço, noventa, traço, sessenta.
- Muito bem. Confirmou o recepcionista. Apanhou o telefone e chamou o quarto
767.
- Chegou um cavalheiro que deseja vê-la, senhorita, em relação a uma questão
da seguridade social, e me deu um número. Acredito que é um número da seguridade
social...Como...? sessenta, noventa, sessenta. Muito bem, irei orientá-lo. O
recepcionista desligou o telefone e convidou Mason a subir, explicando como
chegar até o quarto. Mason tomou o elevador até eu sétimo andar e bateu com os
nós dos dedos na porta do quarto 767. A jovem que esteve em seu escritório dois
dias antes abriu cautelosamente, e imediatamente retrocedeu assustada.
- Deus santo! Você!
- E por que não? sorriu Mason.
- Como... como soube onde estava? Como descobriu quem sou...? Mason entrou
no quarto, enquanto ela retrocedia, fechou a porta, foi até uma cadeira e se
instalou nela.
- Agora conversemos com um pouco de bom senso, disse. - Você se chama Diana?
- Sim.
- Diana de que?
- Diana Deering.
- Bem, fale outra vez e procure que soe melhor.
- Esse é meu nome, senhor Mason.
- Sim, este é o nome com que você se hospedou. interrompeu. - Porém não é
seu nome. Que tal... Diana Douglas, de San Francisco? Por um instante, as
pupilas de Diana mostraram certo estupor, e depois se ruborizou.
- O contratei como advogado, murmurou friamente. - Para que me ajudasse, não
para que começasse a averiguar coisas de meu passado, nem para que... E se
calou.
- ...com a polícia? terminou Mason.
- Não, com a polícia não. Agradeço a Deus, não ter feito nada que viole a
Lei.
- Ouça, replicou Mason, - Eu sou advogado. As pessoas me procuram quando se
acham em apuros. E eu os ajudo. Você me visitou e conseguiu tocar em um ponto
fraco meu. E, de minha parte, não a ajudei muito... bem. Por isto decidi que era
melhor a encontrar antes que fosse tarde demais.
- Está errado, senhor Mason. Não estou em nenhum apuro. Só trato de... de
proteger a um amigo.
- Você está com problemas, objetou Mason. - A Companhia Escobar sabe que
você está aqui?
- Não sei... Sabem que tenho permissão para me ocupar de assuntos pessoais.
Mason estendeu um braço e se apoderou da carteira preta.
- Largue-a! reclamou Diana, segurando com ambas as mãos o braço do advogado.
Mason não soltou a carteira.
- Cheia de dinheiro? perguntou.
- Isso não é assunto seu! Vou dispensá-lo imediatamente. Eu queria um
advogado que me protegesse, e você é pior do que a polícia.
- De aonde retirou o dinheiro que guarda nessa carteira?
- Não é assunto seu!
- Não é desfalque da companhia onde trabalha? insistiu o advogado.
- Não, em absoluto!
- Está segura disso?
- Claro que estou!
- Você sabe que a Companhia Escobar chamou um auditor para que inspecionasse
os livros? O semblante da jovem demonstrou surpresa e logo consternação.
- Por que... por que...? Oh, Deus meu, não podem...!
- Estas são as informações que tenho, prosseguiu Mason. - Bem, suponhamos
que conversemos agora um pouco e que você me conta a verdade, para variar. Quais
são suas relações com a Companhia Escobar? Que faz ali?
- Sou caixa e contadora da empresa. Estou encarregada do câmbio e dos
pagamentos no exterior. E o... Oh, senhor Mason, deve se tratar de um erro!
- Examinemos os fatos básicos, propôs Mason. Você veio ao meu escritório.
Trazia uma carteira cheia de dinheiro. Você...
- Como soube do conteúdo da carteira?
- Minha recepcionista teve oportunidade de olhar em seu interior.
- Oh... exclamou ela, voltando a guardar silêncio.
- Você pôs um anúncio no jornal indicando que estava disposta a pagar a um
chantagista. E então, eu somo dois mais dois. Você adota um nome fictício. Vem a
Los Ângeles. Põe um anúncio no diário. Tem, ou deseja ter, negócios com um
chantagista. Leva consigo uma grande soma de dinheiro em notas. A Companhia onde
você trabalha acredita que falta dinheiro em sua caixa e chama um auditor...
- É absolutamente fantástico, ela manifestou. - Disso tudo... não posso
fazer nada.
- Eu tento ajudar, recordou o advogado. - Você porém está fazendo tudo ficar
mais difícil. Talvez se me dissesse a verdade eu poderia ajudar, em lugar de
ficar andando em círculos. Vamos, esse dinheiro é de um desfalque?
- Não, por Deus!
- Quanto dinheiro tem nessa carteira?
- Cinco mil dólares.
- Onde o conseguiu?
- Vou lhe contar toda a verdade, murmurou por fim.
- É um pouco tarde, talvez, e não sei o tempo que nos resta... porém...
conte.
- Todo aconteceu, começou ela, - Quando meu irmão ficou desacordado em um
acidente de automóvel. O levaram a um hospital e eu fui ao seu apartamento
apanhar algumas coisas para ele, as coisas que pensei que ele necessitaria no
hospital. Ali encontrei suas malas abertas e uma carta encabeçada só como
<querido fugitivo>. A carta afirmava que seu autor estava farto de esperar, e
que ou bem recebia cinco mil dólares ou precisaria adotar algumas medidas
especiais.
- Como estava escrita a carta?
- A máquina. Inclusive a assinatura.
- A assinatura era 60-90-60?
- Exato.
- E o selo?
- De Los Ângeles.
- Então, o que você fez?
- Senhor Mason, meu irmão estava inconsciente no hospital. Não podia falar
com ele. Então, pus o anúncio no jornal, tal como indicava a carta, e vim até
aqui.
- E o dinheiro?
- Meu irmão o tinha guardado em uma pasta, no seu apartamento. Estava, pelo
visto, a ponto de ir embora. Parece que pensava ir de carro. Tinha preparada a
pasta com o dinheiro, uma mala e uma maleta.
- E de onde ele retirou o dinheiro?
- Senhor Mason... eu não sei.
- Seu irmão trabalha na mesma Companhia que você, não é verdade?
- Sim.
- Poderia desfalcar esse dinheiro da empresa?
- Senhor Mason, em primeiro lugar, meu irmão jamais cometeria um crime. Em
segundo, não tinha acesso ao dinheiro.
- E você?
- Meu trabalho consiste em anotar as entradas e saídas, não a cada dia e sim
duas vezes por mês, e realizar os balancetes.
- Fale um pouco mais de Edgar, pediu o advogado.
- É jovem. Um ano e meio mais novo do que eu. Ele... Bom, nossos pais
faleceram em um acidente de carro há cinco anos. E eu tenho ajudado Edgar em
tudo o que posso. É um rapaz muito sensível que...
- E os dois trabalham para a Companhia Escobar de Importações e Exportações.
Quem entrou ali primeiro?
- Eu.
- De que se ocupa exatamente a empresa?
- Em exportações e importações, tal como indica seu nome.
- Quem é o dono?
- O senhor Gage... Franklin H. Gage.
- Quantos empregados?
- Uns dez ou quinze no total. Cinco trabalhavam todo o dia no escritório, e
além disso um auditor e um inspetor de impostos.
- Existem outros que trabalham fora do escritório?
- Sim, os compradores e entregadores.
- Empregados também?
- Em certo sentido, sim.
- Que idade tem Franklin Gage?
- Uns quarenta anos. Talvez quarenta e cinco.
- Quem comanda?
- Homer... seu sobrinho Homer Gage.
- Quanto tempo depois de você, seu irmão a começou trabalhar para a
Companhia Escobar?
- Uns seis meses mais tarde.
- E o que fazia durante esses seis meses?
- Nada. Foi despedido de onde trabalhava. Viu-se envolvido numa intriga do
escritório e... Bem, é uma historia demasiado longa e complicada.
- Quem o sustentava?
- Eu.
- Durante seis meses, e aí você mesma procurou um emprego para ele na
empresa de Franklin Gage... Quem o empregou, Franklin... ou Homer?
- Franklin.
- Você não falou com Homer do assunto?
- Falei só com o senhor Gage. Com Franklin Gage.
- No escritório?
- Não. Una noite o senhor Franklin Gage me convidou para jantar.
- E então, na intimidade do jantar você teve ocasião de falar de seu irmão e
pedir um emprego para ele.
- Sim. Só que você o deixa parecer de um modo...
- Como reagiu Homer?
- Bom... creio que Homer pensou que não precisava de Edgar.
- De onde retirou os cinco mil dólares?
- Não... eu não sei.
- Foi você que os deu para ele?
- Não.
- Você tem cinco mil dólares?
- Pois... tenho, e até um pouco mais.
- Qual é a atitude de Homer Gage com você? Mason perguntou com brusquidão.
- Amistosa.
- Muito amistosa? insistiu Mason.
- Acredito que gostaria ser mais do que um bom amigo.
- Casado ou solteiro?
- Casado.
- Conhece a sua esposa ?
- Não, formalmente. Esteve no escritório um par de vezes para negociar uns
cheques ou algo por aí. É muito bonita... muito moderna. Dizem que é uma...
zorra.
- Engana seu marido?
- O ignoro. Embora creio que não é muito feliz em sua vida conjugal.
- Olha para as demais garotas do escritório? Com certeza, você terá falado
dele com suas colegas... As retêm depois das horas de trabalho?
- Não eu sei.
- Engana a sua esposa?
- Creio que sim, porém não poderia jurar.
- Homer já a obrigou a ficar no escritório depois das horas de trabalho
alguma vez? A jovem vacilou.
- Sim, confessou em voz baixa, - Um negócio muito... muito pouco
convencional. Era um assunto complicado de compra e venda...
- E você trabalhava às vezes até muito tarde?
- Sim.
- Por causa de Homer?
- Sim.
- E a levou para jantar?
- Duas vezes.
- Houve alguma... proposta? Alguma insinuação?
- Se quer perguntar se Homer se insinuou comigo, a resposta é não, porém
todos os homens se insinuam, senhor Mason. Aproveitam qualquer ocasião. Fazem
comentários de duplo sentido. Contam cada história... Estão dispostos a
aproveitar qualquer oportunidade... Senhor Mason, não vou dizer como são os
homens.
- Homer Gage se comportou assim?
- Mais ou menos.
- Você gosta do tio dele?
- Sim.
- Casado ou solteiro?
- Viúvo. O senhor Franklin Gage é um cavalheiro. É cortês e... Bem, é um
homem maduro e sua atitude é...
- Paternal? aventurou Mason.
- Não exatamente paternal. Melhor dizer como um tio ou um parente distante.
- Você gosta dele?
- Sim... sim. Senhor Mason, eu faço bem o meu trabalho, e tento melhorar meu
departamento no escritório. E o senhor Gage, o senhor Franklin Gage sabe e o
aprecia. Em certo sentido é muito amável e...
- Quantas garotas trabalhavam com você?
- Três. Helem Albert, taquígrafa; Joyce Baffim, secretária-taquígrafa, ainda
que suas obrigações são mais bem mais de secretária de Homer Gage; e Ellem
Candler, encarregada da correspondência e arquivo.
- Suponhamos que uma pessoa quer desfalcar à Companhia, comentou Mason. -
Seria fácil?
- Muito fácil... Demasiado fácil para quem tivesse a combinação da caixa
forte.
- Como você consegue trabalhar os livros nestas circunstâncias?
- Bom, existe certa regularidade com o dinheiro, pelo que não é difícil
escrever os livros, porém aa vezes temos transações que... são um pouco difíceis
de rastrear.
- De modo que seu irmão poderia facilmente se apoderar dos cinco mil dólares
para vir a Los Ângeles e pagar um chantagista.
- Senhor Mason, volto a repetir que Edgar jamais faria isso, e ainda que
tivesse querido não teria podido. Não conhece a combinação da caixa.
- Quem a conhece?
- Franklin Gage, Homer Gage, Stewart Garlande, o inspetor de impostos, e eu.
- Você apanhou os cinco mil dólares no apartamento de Edgar?
- Sim, já disse duas ou três vezes. É verdade, toda a verdade.
- E você desconfia que Edgar não teria conseguido juntar tanto dinheiro com
o salário que ganha, desde que começou a trabalhar?
- Pois... sim.
- De onde acredita que o obteve?
- Meu irmão... vacilou ela, - Tem amigos. É um rapaz muito simpático, e
creio que todos os seus amigos ajudariam numa situação desse tipo.
- Está bem. Diana, - Veio a Los Ângeles com um nome falso. Tem cinco mil
dólares em notas, e quer entrar em negociação com um chantagista. E se as contas
da Companhia Escobar apresentam um déficit do mesmo valor? A jovem levou a mão à
garganta.
- Você se dá conta? exclamou Mason. - Só pode fazer uma coisa. Apanhar o
avião esta tarde para San Francisco. E se dirigir ao escritório amanhã pela
manhã.
- Porém...
- Faça exatamente o que eu disse. Se o auditor encontrou um déficit de cinco
mil dólares, você começará a rir e dirá: <Oh, não, o dinheiro está aqui!> Conte
para o auditor que seu irmão estava negociando uma compra para a Companhia no
momento do acidente, que você apanhou os cinco mil dólares da caixa para
financiar o negócio, que Edgar pediu que não anotasse a operação até ter
discutido todos os detalhes com Franklin Gage, que seu irmão pensava que era uma
boa inversão para a Companhia, e que você estava ao corrente de tudo, inclusive
de que, os cinco mil dólares pertenciam à empresa, já que você os havia
retirado. Mason fez uma breve pausa. - Esta tarde vá até um banco daqui,
deposite os cinco mil dólares e peça que o caixa entregue um cheque ao portador
a você, como depositária. Logo que seu irmão recobre o conhecimento, trate de o
ver antes que alguém... Assegure-se disto. Como sua irmã, não podem negar esta
permissão. O advogado silenciou uns instantes e, olhando fixamente a Diana,
continuou: - Use seu juízo.
- Porém, senhor Mason, isto será um fracasso. O outro assunto não admite
espera. Esse chantagista, ou o que quer que seja, na carta que enviou a meu
irmão se mostrava muito apressado, imperioso, exigente.
- O que fez com a carta?
- Queimei.
- No jornal houve um anúncio para que você se pusesse em contacto com um
passageiro que estava dentro de um táxi e...
- Céus, como sabe? Assustou-se Diana.
- Sempre leio os anúncios pessoais, mentiu Mason. - Por que não se pôs em
contato com a pessoa do táxi?
- Porque não gostei do aspecto do assunto. No carro iam dois passageiros, um
homem e uma mulher. Era de noite, e não obstante ambos usavam óculos escuros.
Pensei que se tratava de uma armação...
- Entendo, confirmou Mason, pensando. Em seguida, foi até o telefone, pediu
linha para o exterior e discou o número de Paul Drake. - Paul, solicitou, -
Quero uma agente feminina... ruiva, de vinte e dois, vinte e três ou vinte e
quatro anos, com boa apresentação... para que venha ao hotel Willatson e se
instale no quarto sete seis sete. Aguardou um instante para escutar a resposta
do detetive. - Sim, Paul. Que não use nada mais que uma bolsa de mão. Pode
comprar algumas coisas e fazer que as enviem a hotel. Adotará o nome de Diana
Deering, que é o nome do registro...
- Eu sei.
- Se fará passar por Diana Deering e se deixará ver pelo pessoal do hotel.
Para conseguir isto, pode fazer diversas perguntas... como, por exemplo, quanto
custaria alugar um quarto durante um mês... se alguma vez param os elevadores...
O que for necessário para atrair a atenção como Diana Deering, para ela. E pare
de seguir a verdadeira Diana.
- Tenho uma garota, respondeu Drake, - Que se encaixa nesta descrição que me
deu. Precisamente, está agora em meu escritório, Perry. É Stela Grimes.
- Mande-a para cá, ordenou Mason.
- E eu o que faço? perguntou Diana ao advogado.
- Você irá depositar esse dinheiro, obter o cheque e regressará a San
Francisco.
- E a minha mala?
- Eu a levarei, disse Mason.
- Como?
- Alugarei um quarto. Se possível neste mesmo andar. E trasladaremos sua
mala para o meu quarto. Logo, deixarei o hotel, levando a mala comigo, e pagarei
a conta do meu quarto. Deste modo, não poderão saber que uma de minhas malas
pertence na realidade ao quarto sete seis sete.
- E a garota que se fará passar por mim?
- Tratará com o chantagista.
- Porém se eu deposito o dinheiro no banco... como pagará esse homem... ou a
essa mulher?
- Não pagará, objetou Mason. - Pagar aos chantagistas vai contra os
regulamentos de meu escritório.
- O que você fará? Como poderá evitar o pagamento? Havia lágrimas nos olhos
da jovem.
- Não se inquiete, Diana, consolou-a Mason. Em seguida, continuou com uma
transição no tom de voz: - Vou descer para comprar uma mala. Vou enchê-la de
papéis velhos, voltarei e me hospedarei no hotel, se possível neste sétimo
andar. Quero que você não se mova daqui. Prometa-me que não irá até que eu
volte.
- Eu prometo.
- E não atenda ao telefone.
- Eu... De acordo, se você manda.
- Eu mando, afirmou Mason.
CAPÍTULO 6
Perry Mason preencheu a ficha, entregou um dólar ao ajudante que apanhou sua
mala e o acompanhou ao quarto. Esperou que o jovem fosse embora; colocou a chave
do quarto no bolo e se dirigiu o quarto 767. Golpeou novamente com os nós dos
dedos na porta. Diana Douglas a abriu.
Mason levou a mão até seus olhos, no quarto 767 do hotel Willatson. Para seu
pesar, não podia abster-se de consultar o relógio de pulso cada vez mais a
miúdo. Em duas ocasiões se pôs de pé e andou com impaciência pelo quarto. Soou o
telefone.
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
O advogado saiu da sala e parou uns instantes para contemplar uma peça de marfim
talhado que chamou sua atenção. Na estatueta alguém havia deixado apoiado um
fragmento de papel dobrado. Em cima se via escrito a máquina o nome do advogado.
Mason se inclinou, como para examinar mais atentamente a talha. E no mesmo
instante, sua mão se apoderou do papel. Quando voltou a erguer-se, meteu o papel
no bolso de seu paletó. O advogado saiu do escritório, percorreu o corredor e
antes de chegar ao elevador apanhou o papel de seu bolso. Ao desdobrá-lo viu que
continha uma mensagem datilografada.
Não permita que joguem terra nos seus olhos. Diana é uma boa garota. Porém aqui
acontecem coisas que não desejam que você saiba. Por favor, proteja Diana.
Não havia assinatura. Mason dobrou a mensagem, voltou a colocá-la no bolso, foi
até o hotel e, após fechar a conta, regressou a Los Ângeles.
CAPÍTULO 10
Perry Mason se sentou na borda do assento do táxi, contando os minutos até que o
motorista chegou ao edifício onde estava instalado o escritório do advogado. Uma
vez ali, entregou ao motorista uma nota de cinco dólares.
- Fique com o troco, amigo. Obrigado por ter corrido tanto. O advogado se
apressou até entrar no elevador e depois andou rapidamente no corredor até sua
sala.
- Olá! cumprimentou Della Street, a vê-lo entrar de maneira tão explosiva no
escritório . - A que vem tanta pressa?
- Teve notícias de Diana Douglas? perguntou Perry Mason. A secretária
sacudiu a cabeça. - Não houve nenhuma chamada desde San Francisco? A jovem
voltou a menear a cabeça. Mason suspirou aliviado, levantou o receptor do
telefone, e falou com Gertie. - Se ligarem desde San Francisco a cobrar, aceite
a chamada. E me avise logo. Em seguida o advogado sentou em sua cadeira
giratória e respirou profundamente. - Se não tivermos notícias antes de quinze
minutos, chamarei a polícia de San Francisco para fazer uma petição, e se isto
não surtir nenhum efeito, impetrarei um <habeas corpus> em San Francisco.
- O que aconteceu?
- Prenderam Diana Douglas.
- Pelo desfalque? Mason negou com a cabeça.
- O desfalque é um assunto de pouca monta, ainda que possam detê-la por
isso, com a esperança de a fazer falar. Porém se atuam assim, irei imediatamente
para San Francisco. Não, a acusação é pelo assassinato de Morai Cassel.
- Como? exclamou Della. Mason confirmou com um gesto.
- Alguém entrou no apartamento de Morai Cassel, o matou e conseguiu escapar.
- E a polícia suspeita de Diana Douglas? Mason voltou a assentir. - Quando
aconteceu? quis saber a secretária, sempre curiosa.
- Aqui está a questão. A polícia tratará de demonstrar que o crime foi
cometido à noite. Porém com toda segurança, o cadáver não foi descoberto até
hoje. E haverá um conflito entre os experts, que darão diversas opiniões, todas
contraditórias, com todos os problemas que isto acarreta. Della Street pensou
uns instantes.
- E nossa cliente tinha que se encontrar com você no avião, as seis e trinta
e sete minutos, e não se apresentou. Mason confirmou pela terceira vez. Della
perguntou: - Acredita que existe alguma possibilidade de que fosse ela...? Oh,
não, não é desse tipo de garota.
- Como sabe? perguntou Mason.
- Você tem alguma idéia? perguntou por sua vez Della Street.
- Quando a vi em San Francisco, respondeu Mason pensativamente, - Me contou
que ao chegar no aeroporto, não encontrou em sua bolsa o cartão de crédito que
utiliza sempre, para pagar as notas em suas viagens. Logo, recordou que eu havia
me encarregado das passagens, e apanhou a sua, dizendo à funcionária que
ajustaria as contas comigo.
- E...? continuou Della Street ao ver que o advogado vacilava.
- E... dois oficiais da Brigada de Homicídios se apresentaram no hotel
Willatson, perguntaram por Stela Grimes, tomando-a por Diana Deering, ou seja
Diana Douglas, mostraram o cartão de crédito do Banco Americano, em nome de
Diana, e pediram que o identificasse.
- E o que disse Stela?
- Intervi naquele momento, para ela calar, e averigüei que não se tratava
somente do desfalque. Era uma investigação de assassinato, e não me atrevi a
guardar silêncio por mais tempo. Então eu disse a Stela que apresentasse aos
agentes sua verdadeira identidade, e eles imediatamente chamaram a San Francisco
para que apanhassem Diana. E, para que fosse imediatamente encontrada a acusaram
do homicídio.
- E você espera que ela telefone agora? perguntou Della.
- Se por uma vez seguir ao pé da letra minhas instruções, mantém a cabeça
firme e sabe fechar a boca... Porém o mal é que a interrogarão até a fazer
vacilar e acabará por arrumar confusão.
- E nós entramos no quadro? quis saber Della.
- Entramos no quadro. Nós... Calou-se ao tocar o telefone e, após fazer um
sinal a Della para que anotasse a conversa com taquigrafia, Mason atendeu. -
Perry Mason disse.
- É o advogado de Diana Douglas? perguntou uma voz, - Empregada na Companhia
de Importações e Exportações Escobar?
- Sim..
- Esta jovem está presa e pediu para se comunicar com você. Bem, concedemos
a permissão.
- De acordo, que a coloque no aparelho.
- É uma chamada a cobrar, recordou a voz.
- Perfeitamente. Um momento mais tarde se ouviu a assustada voz de Diana no
telefone.
- Senhor Mason, não... não entendo. Estão me acusando... Dizem que eu... que
eu...
- Fique calada, ordenou o advogado. Não fale e me escute, por favor.
- Sim, senhor Mason.
- Estão acusando você do assassinato de Morai Cassel. Ofereceram a denúncia
ante um magistrado de San Francisco e depois em Los Ângeles. Bem, eu quero que a
tragam aqui primeiro. Mantenha a boca fechada. Não diga nada a ninguém. Utilize
somente duas palavras: <Sem comentários>. Logo, continue: <Não responderei a
nenhuma pergunta. Não farei nenhuma declaração, exceto em presença de meu
advogado, Perry Mason>. Poderá se lembrar de tudo isto?
- Sim.
- Poderá cumprir minhas instruções?
- Sim.
- Deixe-me falar com o oficial de serviço, pediu Perry Mason. Um momento
depois, a voz do oficial apareceu na linha. - Sou o advogado de defesa de Diana
Douglas, estabeleceu Mason. - Acabo de ordenar que não faça nenhuma declaração,
exceto na minha presença. Não queremos que avance o processo em San Francisco, e
sim, diante de um magistrado do Condado de Los Ângeles. Não faremos nenhuma
objeção a que essa jovem seja trasladada desde San Francisco até Los Ângeles.
Aparte isso, não faremos nenhuma estipulação, nenhuma admissão, nenhuma
concessão, e como advogado de defesa da senhorita Douglas, insisto em estar
presente em todos os seus interrogatórios. Também quero que me notifique
imediatamente quando ela vier para Los Ângeles.
- Se você nos permitir falar com ela, replicou a voz do oficial, - Talvez
logremos pôr tudo às claras. Não queremos que vá para Los Ângeles a menos que
exista uma boa razão para isso. Se essa jovem é capaz de dar uma explicação
clara, sobre a evidência circunstancial do caso, e de minha parte espero que
assim seja, porque é uma boa jovem, que parece ter passado por um sem fim de
provas ultimamente, a soltaremos em instantes, eu asseguro.
- Vocês são muito amáveis, afirmou Mason. - E é uma conduta maravilhosa.
Mas, existem precedentes de que falar demasiado sem estar diante um advogado,
muita gente foi parar na cadeia. Para sua informação, ordenei a Diana Douglas
que não fale, salvo em minha presença. E a você ordeno que não a interrogue a
menos que eu me ache diante dela. Não quero que interrogue ninguém, a menos que
eu esteja a seu lado. Estou registrando esta conversação taquigraficamente, para
que, qualquer tentativa de obter declarações da senhorita Douglas, constitua uma
violação de seus direitos constitucionais. Acredito que você compreende a
situação claramente.
- Bem, na qualidade de seu advogado, certamente acaba de pôr as coisas
claramente, reconheceu a voz.
- Não deixei nada claro, objetou o advogado.
- Sabe quando sua cliente começou a falar do seu cartão de crédito do Banco
Americano? Mason começou a rir ante o telefone.
- Onde está a graça? Irritou-se o oficial.
- Em você, replicou Mason, desligando o telefone.
CAPÍTULO 12
E, antes de desaparecer pela porta, voltou a cabeça e agitou uma mão para
tranqüilizar Diana Douglas.
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
O juiz Chars Jerome Elliott olhou para a sala desde o alto de sua cadeira e
disse:.
Ralph Gurlock Floid, um promotor experiente nos tribunas, responsável por mais
veredictos de pena de morte que algum outro promotor do estado, e muito
orgulhoso disto, devia intuir que a acusação daquela audiência preliminar se
achava abaixo de sua experiência. Porém, como havia sido designado como acusador
do caso por Hamilton Burger, o promotor do distrito, estava disposto a se
mostrar implacável, vingativo e com a inclemência tão característica em todas
suas intervenções anteriores. Sua primeira testemunha foi uma empregada dos
Apartamentos Tallmeier.
- O que encontrou?
- Um cartão de crédito do Banco Americano em nome de Diana Douglas, de San
Francisco.
- O que fez com o cartão?
- O marquei para identificação, fazendo dois buraquinhos em certo lugar
escolhido por mim.
- Estou mostrando agora um cartão de crédito do Banco Americano, e pergunto
se o viu antes.
- É um cartão de crédito idêntico ao outro.
- Está certo disso?
- O cartão é o mesmo, e os buraquinhos feitos com um alfinete estão situados
no mesmo lugar em que eu os fiz.
- Seu turno, disse o promotor.
- Não tenho perguntas para fazer, respondeu Mason com amabilidade. Floid
contemplou pensativamente ao advogado de defesa e convocou para o estrado das
testemunhas um técnico em datiloscopia, que declarou ter achado algumas
impressões presentes no apartamento. Umas pertenciam ao defunto. E outras eram
da empregada que limpava o apartamento duas vezes por semana.
- Havia mais impressões? interessou-se Floid.
- Outras que não pude identificar.
- E outras que consegui identificar?
- Sim, senhor. Duas.
- Onde as encontrou?
- Uma no espelho do armário do banheiro. A outra em uma mesinha de cabeceira
a lado da cama onde estava o cadáver.
- Descobriu a identidade dessas impressões?
- Sim, senhor. Uma pertencia a dedo indicador da mão direita da acusada. A
outra, ao polegar da mesma mão.
- Está certo disso?
- Existem diferentes pontos de semelhança e outras diversas características
pouco correntes.
- Havia algo mais no banheiro?
- Uma toalha com manchas de sangue, uma toalha úmida que alguém tentou
lavar, com certeza...
- Protesto pela conclusão da testemunha! gritou Mason.
- Se admite o protesto, sentenciou o juiz.
- Uma toalha manchada de sangue, repetiu a testemunha.
- A tem aqui?
- Sim, senhor.
- Mostre-a, por favor. A testemunha exibiu um pacote composto por uma bolsa
de papel selada, e da mesma retirou uma toalha com a inscrição <Apartamentos
Tallmeier> bordada no canto. A toalha estava manchada com algo de cor oxidada.
- Apresentamos esta toalha manchada como prova B da evidência do Povo.
- Não há objeção, confirmou Mason.
- Fotografou as impressões digitais presentes? interrogou o promotor. - Quer
mostrar as fotos, por favor?
A testemunha exibiu as fotos, que ficaram marcadas como prova. Logo, o promotor
apresentou uma série de fotografias, mostrando o defunto na cama, com o
travesseiro empapado de sangue, gotejando até o chão, manchando o tapete. Em
seguida, o promotor chamou como testemunha um forense, que declarou que havia
recuperado a bala mortal da nuca do defunto; que a bala pertencia a uma arma
conhecida como calibre vinte e dois, uma arma de cano longo; que havia penetrado
pela fronte em uma trajetória passando a uns cinco centímetros acima dos olhos,
e que havia produzido uma abundante hemorragia.
- Está familiarizado com o avião que saiu do terminal de Los Ângeles às oito
da noite do dia doze deste mês, e chegou a San Francisco aproximadamente uma
hora mais tarde?
- Sim, senhor.
- Você limpou aquele avião?
- Sim, senhor.
- Encontrou algo fora do comum?
- Sim, senhor.
- O que era?
- Um revólver.
- Onde o achou?
- Estava escondido em uma abertura existente debaixo um grupo de toalhas, em
um dos lavabos. Posso afirmar que estas toalhas são colocadas em seus
recipientes e são renovadas de quando em quando. Naquela ocasião, eu queria
trocar uma das conexões, e para isso afastei as toalhas e coloquei a mão na
abertura situada atrás do grupo de toalhas. Então, senti um objeto estranho e o
apanhei. Vi que era um revólver.
- Tentou identificá-lo?
- O entreguei ao meu encarregado.
- E o que ele fez?
- Avisou à polícia e, a pedido desta, anotamos os dados da arma.
- Quais eram?
- Se tratava de um revólver de calibre vinte e dois de ação simples, com um
cano de vinte e cinco centímetros e culatra de madeira. Na arma se via gravada a
inscrição: <Ruger vinte e dois, com seis>, e o número um, três, nove, cinco,
sete, três e o nome do fabricante, Sturm: <Sturm, Ruger, Ruger>, da Companhia de
Southport, Conecticut. Na culatra alguém havia gravado as inicias ED.
- Estou mostrando um revólver e pergunto se é o mesmo que você encontrou.
Floid avançou e entregou a arma à testemunha. A mão de Diana Douglas apertou a
perna de Mason, e seus dedos apertaram tanto que o advogado baixou sub-
repticiamente sua própria mão para afastá-la. Diana tinha o semblante
desencaixado, com os lábios muito apertados, e sua tez mostrava uma cor pálida.
A testemunha estudou o revólver e assentiu.
- É o mesmo revólver.
- Qual era o seu estado quando o encontrou?
- Estava completamente carregado, salvo um cartucho que haviam sido
disparado.
- Se trata de uma arma de ação simples, ou seja que está que basta
engatilhá-la e apertar o gatilho Não é um revólver que se arma automaticamente?
- Sim, senhor. É o que se chama de um revólver de ação simples.
- Sua vez.
- Sabe quanto tempo o revólver voava naquele lugar? perguntou Mason.
- Não, senhor. Só quando o encontrei, nada mais.
- Obrigado, não tenho mais perguntas.
CAPÍTULO 15
Perry Mason, Della Street e Paul Drake se achavam reunidos em torno de uma mesa
do restaurante italiano próximo à sala do Tribunal, onde o proprietário já
estava acostumado a reservar um local privado para o uso exclusivo do primeiro.
- Bem, resmungou Drake, - Me parece que o juiz já está decidido, pelo que
ouvi. Mason assentiu.
- Bem, o que descobriu, Paul?
- Pouca coisa, confessou o detetive. Só alguns pedaços de informação. Não
sei se servirão. Como você mesmo disse, a sua cliente é uma terrível mentirosa.
- É e não é, corrigiu o detetive. - Ela mentiu porque queria salvar a
reputação de seu irmão. Pensou que ele estava ameaçado por alguma coisa e que
tinha a obrigação de pagar cinco mil dólares para eliminar a ameaça. E quis
levar adiante tal ação.
- De acordo, Perry. Continua. Paul Drake sabia que o advogado sempre
desejava clarear suas idéias, discutindo um caso.
- Portanto, continuou Mason, - Atuou independentemente de meu conselho e
quis me enganar, porém quando se encontrou diante de uma rua sem saída, acredito
que não quis mais me enganar. Pelo menos, existe a possibilidade de que agora
diga a verdade. Isto é algo que um advogado sempre deve a seu cliente. Não
importa quantas vezes tenha mentido no passado, o advogado sempre há de ter fé
em seu cliente. Sempre tem que acreditar que, no momento final, o cliente dirá a
verdade e colocará todas as cartas sobre a mesa.
- Neste caso, ela não pode dizer, Perry, objetou Drake. - Foi ali e tentou
negociar com ele. Não conseguiu e o liquidou.
- O que descobriu? insistiu Mason, desviando o tema.
- Provavelmente, Morai Cassel era uma rara pessoa. Levava uma existência
muito misteriosa. Ninguém sabe de onde vinham seus rendimentos, nem o valor dos
mesmos.
- Era o que eu imaginava, Paul.
- Descobri o seguinte: o indivíduo andava sempre armado. Usava um revólver
de calibre trinta e oito, de cano curto, em uma cartucheira debaixo da axila.
Seus ternos eram confeccionados sob medida por um alfaiate, o mesmo há vários
anos, e ele deixava sempre uma espécie de buraco embaixo da axila esquerda a fim
de que não se pudesse notar o vulto do revólver.
- O canalha! Irritou-se Mason. Drake assentiu. - Usava a arma também quando
acharam o cadáver?
- Provavelmente, respondeu Drake.
- É interessante que a polícia examinasse o quarto, tirasse fotografias do
cadáver totalmente vestido na cama com uma bala na cabeça, sangue pela almofada
e tapete, e ninguém falasse do revólver.
- Perguntou à polícia? sorriu Drake.
- Não perguntei, respondeu Mason sorrindo por sua vez. - Não pensei em
interrogar ninguém a respeito de um revólver em poder do morto, ainda que
certamente devesse perguntar o que encontraram em seus bolsos, e a respeito de
tudo o mais relativo do apartamento... O que sabe da fonte de seus rendimentos,
Paul? O detetive sacudiu tristemente a cabeça.
- Essa pessoa tinha muito dinheiro. Usava um cinto com dinheiro dentro. No
mesmo foram encontradas quatro notas de mil dólares. Também possuía uma carteira
de bolso repleta de notas de cem. E, pelo que se vê, não possuía conta corrente.
Comprou o Cadillac pagando a audiência.
- Mulheres?
- Algumas o visitavam de vez em quando.
- A mesma ou diferentes?
- Diferentes.
- O que descobriu do bilhete que apanhei na exposição de arte mexicana, em
San Francisco?
- Foi escrita com máquina elétrica, explicou Paul Drake. - Porém naquele
escritório todas as máquinas são elétricas. Pelo que conseguimos descobrir, a
nota foi escrita na máquina de Joyce Baffim. Para sua informação, Joyce Baffim
saiu do escritório dia doze, ao meio-dia, queixando-se de uma terrível dor de
cabeça. Só voltou ao escritório na manhã seguinte. Joyce é uma garota muito
apreciada por todos os empregados da casa, e tinha muita amizade com Edgar
Douglas. Acredito que o rapaz estava apaixonado por ela. Outros também. Franklin
Gage inclusive, que é viúvo, e Homer Gage, que é uma ave de rapina. Este desejou
durante algum tempo estreitar suas relações com Joyce. Mason, enquanto tomava
uma bebida, ia escutando as informações. - Tenho outros pedaços de informação,
prosseguiu Drake. - Gastei bastante tempo e dinheiro com a telefonista dos
Apartamentos Tallmeier. Averigüei que Morai Cassel fez muitas chamadas para um
número local. E descobri que se tratava do apartamento de uma tal Irene
Blodgett, de vinte e sete anos, ruiva, dos Apartamentos Millsep, divorciada,
empregada de dia na Companhia de Importações Underwood. De noite, trabalha como
garota de programa, ainda que não seja nada espetacular. É muito popular,
calada, refinada... Tenho vários agentes detrás dela, porém se existe algo
estranho não descobriram ainda. Paul Drake fez uma pausa para tomar um gole de
sua bebida. - A única relação é que a Companhia Underwood mantém ou manteve
relações comerciais com a empresa Escobar.
- Tem alguma idéia, chefe? interveio Della Street, olhando fixamente Mason.
- Só uma, confirmou o advogado. - Que no momento de sua morte, Morai Cassel
estava de pé junto à cama ou sentado na borda da mesma. Dispararam um tiro na
fronte por meio de um revólver muito grande, de cano longo, de calibre vinte e
dois, com culatra de madeira. Sim, o cano, continuou pensativamente, tinha vinte
e cinco centímetros. E o assassino teve que se colocar frente à frente com sua
vítima.
- E o que...? perguntou Drake. E o que tem de raro nisso? Diana Douglas
chegou no apartamento. Tocou a campainha. Cassel franqueou a entrada. A jovem
tentou negociar com ele, porém ele se fez de durão. Então, Diana compreendeu que
os chantagistas jamais soltam as suas presas. Que uma vez que consigam encontrar
uma vítima, a desplumam constantemente até deixá-la esgotada. Diana estava
obcecada com a idéia de proteger seu irmão. Mason segurava o copo pela borda,
contemplando o líquido através do cristal, e dando voltas entre o polegar e o
indicador.
- Esteve no apartamento de Cassel? indagou.
- Sim, depois da polícia tê-lo abandonado por completo. - Haviam colocado pó
em todo o lugar buscando impressões digitais, analisando as manchas de sangue, e
tudo o mais.
- Olhou no guarda-roupa do morto? quis saber Mason. - Era tão meticuloso com
suas roupas como acredito?
- Oh, sim, afirmou o detetive. - Trata-se de um móvel com muitas gavetas. E
todas cheias de camisas com as suas inicias bordadas. Inclusive tinha inicias em
sua roupa interior e todas as prateleiras do armário estavam cheias de roupas
sob medida.
- Falou com o alfaiate?
- Sim. Ele me contou que Cassel era um bom cliente, sempre pagando à
audiência, que nunca usava uma roupa mais de seis meses. Naturalmente, também
falou do buraco que deixava em todos os seus ternos para dissimular o vulto do
revólver.
- Continua. O que mais?
- O alfaiate se mostrou muito amável, afirmou que estava certo de que Cassel
era um bandido, e que sabia que sonegava a Fazenda. Porém, é claro, isso não era
assunto seu e, de minha parte, estou certo de que o alfaiate também gostava de
receber à audiência. Perry, não me surpreenderia se o alfaiate também sonegasse
o pagamento dos impostos.
- O que me diz dos casacos? informou-se Mason. Também são sob medida?
- Todos... respondeu Drake, porém Logo, se corrigiu. - Um momento, Perry,
havia uma exceção. Um casaco que evidentemente Cassel devia usar para suas
expedições em busca de dinheiro, ou talvez quando carregava e descarregava
coisas de seu automóvel.
- Porquê?
- Oh, se trata de um casaco de confecção, e faltam as etiquetas do colarinho
e do bolso interior.
- Eu entendo, comentou Mason. Cabia na vítima?
- Como posso saber? resmungou Drake. - Na autopsia dissecaram o cadáver.
Porém eu não podia ir ali e provar o casaco no defunto... Com certeza, não o
usava há vários meses. Durante a semana do crime fazia bastante calor. O que
importa este casaco no caso, Perry? O advogado demorou muito a responder, e
quando o fez foi para mudar bruscamente de tema.
- Tens os telefones da Companhia Escobar, de San Francisco? Drake assentiu.
- Veja se é possível telefonar daqui, Della, ordenou o advogado a sua
secretária. A jovem regressou com um telefone que foi ligado à uma conexão na
mesa. Logo, Mason utilizou seu cartão de crédito. - Trata-se de uma chamada a
crédito. Desejo falar com o senhor Franklin Gage, de San Francisco, neste
número. Mason apanhou a livreta de Paul Drake e leu em voz alta o número da
residência pessoal de Franklin Gage. - Trata-se de uma chamada pessoal. Não
quero falar com ninguém mais, se ele não estiver. O advogado tamborilou com os
dedos da mão direita enquanto segurava o receptor junto a seu ouvido. - Oxalá
tenha sorte, comentou. Um momento mais tarde, chegou a voz de Franklin Gage. -
Fala Perry Mason, senhor Gage. Suponho que você está interessado no caso do Povo
contra Diana Douglas, que trabalhava para você... bem, para sua empresa.
- Sim, em certo sentido, respondeu Gage cautelosamente. - Depende do que
você deseja.
- O auditor concluiu que faltavam fundos na sua caixa forte?
- Sim.
- Já sabe quanto dinheiro falta aproximadamente?
- Em números redondos... uns dez mil dólares.
- Você desejaria fazer uma coisa que impediria um erro, senhor Gage?
- Que coisa?
- Queria que Joyce Baffim estivesse presente amanhã pela manhã, quando
recomeçar a audiência do caso contra Diana Douglas.
- Naturalmente, se você pagar a viagem de ida e volta, concordou. - Daremos
permissão e...
- Não se trata disso, objetou o advogado. - Talvez ela não queira vir.
- Não podemos obrigá-la.
- Está há muito tempo no emprego?
- Sim, todas as nossas secretárias têm bastante tempo conosco. Não podemos
nos permitir o luxo de realizar muitas mudanças no pessoal, senhor Mason. Nosso
negócio é muito especializado e sempre que achamos a uma jovem competente,
procuramos conservá-la muitos anos.
- O motivo de chamar pessoalmente, senhor Gage, é, que é tremendamente
importante que Joyce Baffim assista à audiência. Não sei como fazer compreender
a importância capital de sua presença. E queria pedir que você e seu sobrinho, o
senhor Homer Gage, viessem a Los Ângeles para assistir também à audiência.
Gostaria que você se pusesse pessoalmente em contato com Joyce Baffim esta
noite, e que explicasse a suma importância de que venha até aqui.
- Nós três? exclamou Franklin Gage surpreendido.
- Exatamente, confirmou Mason. - Tenho motivos para acreditar que, se você
se pedir a essa jovem, ela não poderá se negar. Do contrário, talvez se
esquivasse a vir. E se só a acompanha um de vocês, é possível que se mostre
temerosa. Porém se você e seu sobrinho se mostram dispostos a vir, com o fim
ostensivo de ajudar Diana...
- Se é culpada, não tem direito a nenhuma ajuda, cortou asperamente Franklin
Gage.
- E se não for? Você já teve oportunidade de estudar essa garota. E de
conhecer suas atitudes. Acredita que se trate de uma mulher capaz de cometer um
assassinato?
- Bom, replicou Gage com cautela, - Nunca se sabe como reagiria uma pessoa
em um momento difícil, e ela sempre quis proteger seu irmão, porém... Acredita
que é tão importante, senhor Mason?
- Muito, senhor Gage. Na realidade, se trata de algo completamente vital.
Houve silêncio do outro lado da linha. - Se fizer exatamente o que sugeri,
continuou Mason, - Creio que será possível eliminar certas perguntas que, em
caso contrário, poderiam ser apresentadas no tribunal.
- Que tipo de perguntas?
- Com respeito à Companhia Escobar, sobre o seu tipo de negócios, à grande
quantidade de dinheiro em espécie que guarda em sua caixa forte, e outros
pequenos detalhes que talvez você não goste que chegue aos ouvidos de seus
competidores.
- Muito bem, aprovou Gage rapidamente, - Se você me assegurar de que todos
esses detalhes não serão apresentados ante o tribunal como evidência, senhor
Mason, e afirma que é vital nossa presença para a defesa de sua cliente, Homer e
eu faremos tudo quanto estiver ao nosso alcance para induzir Joyce Baffim a nos
acompanhar. E creio que teremos êxito nisto. Onde e quando temos de nos reunir
com você?
- Apanhe o avião desta noite, explicou Mason, - A fim de chegar a tempo. Vá
para um hotel. E a única coisa que tem de fazer é chamar a Agência de Detetives
Drake, e Paul Drake enviará um carro que manhã os conduza ao tribunal, para que
possam entrar e ficar devidamente acomodados.
- A Agência de Detetives Drake? repetiu Gage.
- É. Perry Mason continuou, informando o endereço e o telefone da agência.
- Muito bem, de acordo.
- Confio em vocês? insistiu Mason.
- Dou minha palavra, respondeu Gage com dignidade.
- Para mim é suficiente, afirmou o advogado, desligando o telefone.
- Que demônios...? iniciou Paul Drake. Mason apanhou seu copo, apertou e
sorriu.
- Acredito que começo a ver claramente, disse. - A falta só de dez mil
dólares...
- A cifra primitiva era de vinte mil, observou o detetive.
- Lembre, objetou Mason, - Que quando Franklin entrou na sala, explicou que
estava realizando uma operação, que ela se frustrou, e que havia levado consigo
dez mil dólares, dinheiro que acabava de depositar no caixa.
- Não entendo, confessou Drake.
- Talvez tenha mais sorte se essas pessoas vierem amanhã, à audiência
preliminar.
- Porém você assegurou que não se falaria do modo de levar seu negócio...
- Acredito que não será necessário, confirmou Mason. - Bem, tomemos outra
dose e logo pediremos uma dessas comidas fabulosas que servem neste restaurante
italiano, e esqueceremos do caso por algumas horas.
CAPÍTULO 16
Ralph Gurlock Floid se pôs de pé quando reiniciou o caso do Povo contra Diana
Douglas.
- Acredito, senhoria, disse, - Que a acusação não tem por que prosseguir
apresentando o seu caso.
- Certamente, tenho a mesma opinião, disse o juiz Elliott. Não existe
defesa.
- Ao contrário, existe, exclamou Mason.
- Desejo repetir que este Tribunal não está interessado em expedições de
pesca, senhor Mason. Não quero impedir que a acusada obtenha uma defesa
legítima, porém é virtualmente matemático que não tem nenhuma, e não pode tê-la
ante o acúmulo de provas realizadas pelas testemunhas de acusação apresentadas
ontem.
- Com a devida vênia do Tribunal, replicou Mason, - Gostaria de chamar um
dos oficiais da polícia, a fim de dirigir a ele um par de perguntas.
- Isto é irregular! protestou Floid. - Esta moção devia ser apresentada
antes.
- Vamos, vamos, tratou de apaziguar o juiz, - É certo. Mas não penso em
impedir que a acusada se beneficie da oportunidade, de que uma testemunha volte
a ser interrogada pela defesa. Suponho, senhor Mason, que existe algum
significado especial com relação a sua petição.
- Sim, senhoria.
- Chame a testemunha, ordenou o juiz. Mason convocou o oficial.
- Suba ao estrado das testemunhas, solicitou. - Lembre que já prestou
juramento. Bem, você identificou a bolsa que a acusada tinha em sua posse,
quando a empregada da companhia aérea viu, ou acreditou ver, o revólver dentro
da mesma, quer dizer a mesma bolsa que a aeromoça observou no avião.
- Exato.
- Vocês, na delegacia, tinham o revólver e a bolsa. Tentaram colocar a arma
dentro dela? O oficial sorriu de maneira condescendente.
- Naturalmente. E se ajusta tão apertadamente que fica tencionada até o
máximo, deformando a bolsa. Por isto ficava tão visível.
- Por favor, aqui temos o revólver e a bolsa. Coloque o primeiro dentro do
segundo. O alguacil entregou ambos os objetos ao oficial. Este apanhou a bolsa,
abriu, colocou o cano do revólver e gradualmente foi colocando o revólver dentro
da bolsa, enquanto ia explicando a operação.
- Olhe como o cano penetra, e como é necessário retorcer a bolsa para que
caiba também a culatra, o que naturalmente, continuou sorrindo triunfalmente e
olhando o promotor, - Explica por que a acusada perdeu o cartão de crédito, ao
tirar o revólver da bolsa.
- Muito bem, confirmou Mason, - Já colocou a arma dentro da bolsa.
- Sim, senhor.
- Pode fechá-la?
- Sim, ainda que a duras penas, prosseguiu a testemunha, - E quando se abre
a bolsa qualquer um pode ver parte da arma... Para ser mais exato, a culatra de
madeira.
- Muito bem, aprovou Mason. - Bem, um revólver tem duas superfícies, uma
convexa e outra côncava, não é certo?
- Não sei a que se refere, resmungou o oficial.
- Um revólver é geralmente fabricado, explicou Mason, - Segundo uma curva,
de modo que quando se segura a arma pela culatra, colocada na mão e em posição
de disparo, o cano deve ficar elevado para poder apontar.
- Oh, certamente.
- E, de igual modo, quando se inverte a arma, a posição fica invertida. A
isto eu chamo de posição côncava.
- Compreendo.
- Então, prosseguiu o advogado de defesa, - Você colocou agora o revólver na
bolsa, na posição côncava. Poderia mudá-lo e o deixar na posição convexa?
- Não, se quero fechar a bolsa, replicou o oficial. - Encaixa muito justo,
Na realidade, não sei se conseguiria colocar o revólver na bolsa, na posição que
você chama de convexa.
- Perfeito, respondeu Mason. - Bem, você demorou bastante para meter a arma
na bolsa.
- Sim, entra muito justo, admitiu o policial.
- Agora, tire-a, pediu Mason. - Vejamos quanto tempo demora a conseguí-lo.
- Como, quanto demoro em conseguí-lo? Mason exibiu seu relógio de pulso e
consultou os ponteiros.
- Saberemos exatamente quanto tempo leva para retirar o revólver da bolsa.
- Ah... Uma prova de velocidade? riu o oficial. Imediatamente, começou
freneticamente a tirar o revólver, e só conseguiu que se enroscasse. Para o
tirar, foi necessário inverter a bolsa e empurrar a arma para baixo.
- Cinco segundos, contou Mason. O policial continuou tentando
freneticamente. - Dez segundos... doze... Bem, já está fora. Ah, em posição
invertida. Agora, se você quiser realizar um disparo precisaria reacertar o
revólver na sua mão. Faça-o, por favor. O oficial fez girar rapidamente o
revólver sobre seu indicador. - Bem, trata-se, como sabemos, de um revólver de
ação simples. Ou seja, que não pode ser disparado somente apertando o gatilho.
Primeiro tem que fazer retroceder o martelo. Faça-o. A testemunha obedeceu. -
Acredita que poderia fazer toda esta operação mais depressa? sorriu Mason.
- Oh, sim, afirmou o oficial, - Agora que sei do que se trata. Você quer que
eu ganhe um recorde de velocidade.
- Bem, volte a meter a arma na bolsa, feche-a, abra-a, volte a tirar o
revólver, ponha-o em posição de disparo, e aperte o gatilho. Comece quando eu
der o sinal, e vejamos quantos segundos transcorrem até que acione o gatilho.
- Acredito que não compreendo o alcance desta prova, senhor advogado de
defesa, ainda que seja muito interessante, objetou o juiz.
- Trata-se simplesmente disto, senhoria, explicou Mason. Morai Cassel, a
vítima, foi assassinada por um tiro na fronte. Morai Cassel usava um revólver na
axila, no momento de sua morte. Acredito que era um costume seu. O juiz franziu
a testa. - E não é razoável supor que ficaria sem fazer nada enquanto a acusada
lutava com sua bolsa para tirar o revólver e...
- Entendo, sorriu o juiz. - Prossiga com a prova, senhor Mason. Floid já
estava de pé.
- Protesto, senhoria! Não é uma prova justa. Não sabemos as condições que
existiam no momento do crime. Como sabemos que a acusada tinha o revólver, no
que o senhor Mason denomina posição côncava, em sua bolsa quando entrou no
apartamento de Cassel? Poderia tê-lo tirado da bolsa antes de entrar, antes que
Cassel abrisse a porta. Em todo caso devia levar o revólver na sua mão, pronto
para disparar.
- Interessante, interveio o juiz, voltando a franzir as sobrancelhas, - É
uma hipótese interessante e este tribunal não deseja privar à acusada da
oportunidade de a demonstrar. Adiante, faça a prova e meça o tempo. O policial,
sabendo já o que se esperava dele, forcejou com fúria inusitada e conseguiu
rebaixar a sua própria marca em uns sete segundos. - O tribunal contou seis
segundos, estabeleceu o juiz Elliott, que havia seguido a prova com profundo
interesse.
- Entre seis e sete segundos, senhoria, declarou Mason, - Segundo o meu
relógio. Realmente, é uma ótima marca olímpica.
- Senhoria! protestou Floid. - Esta prova é ridícula! A acusada levava o
revólver fora da bolsa, disposta a disparar antes de tocar a campainha, de modo
de que Morai Cassel, ao abrir, estivesse ante o cano.
- E o que aconteceu então? perguntou Mason ao promotor.
- Você não pode me perguntar! respondeu o aludido. Mason sorriu friamente.
- Desejo realizar umas observações ante este tribunal. A idéia de que a
acusada tocou a campainha com o revólver já pronto, teria feito com que o
defunto houvesse recebido a bala no momento que abrisse a porta. No entanto, a
vítima morreu no extremo oposto do apartamento, ou seja, de pé junto à cama ou
sentado na borda da mesma, e o disparo foi efetuado a curta distância, já que na
fronte não havia sinais de pólvora nas bordas da ferida.
- Isto se discutirá a seu devido tempo, decidiu o juiz. - Você já logrou um
bom tento, senhor Mason.
- A acusada teria encarado a sua vítima, rebateu Floid, - Obrigando-o a
retroceder passo a passo.
- Com que propósito? quis saber Mason.
- Para intimidar, respondeu Floid. - Quem mais podia ter a arma do irmão...?
Oh, tudo isto é absurdo, e não vale a pena perder tanto tempo!
- Então, por que o gasta mal? raciocinou Mason.
- Não tente me interrogar! Irritou-se o promotor.
- Peço perdão ao tribunal, se submeteu Mason. - Só desejava desmentir uma
teoria. O juiz Elliott não pode dissimular um sorriso.
- Continue com sua defesa, senhor Mason, disse. - Tem que fazer mais
perguntas a esta testemunha?
- Uma ou duas mais, senhoria, com a devida vênia, respondeu Perry Mason. Fez
uma pausa, deu um passo a frente e enfrentou o policial. - Revistou
cuidadosamente o apartamento?
- Sim, junto com outros companheiros meus.
- Verificaram o armário do defunto?
- Certamente, sorriu a testemunha.
- Estava muito cheio?
- Estava repleto.
- Verificou se as peças eram de corte, ou seja, sob medida, ou de confecção?
- As peças exteriores, sim senhor. Todas eram de corte. E talvez a roupa
interior, ou pelo menos todas as camisas e os... bem, as demais, todas tinham as
inicias do defunto. Houve risadas na sala que o juiz calou com seu martelo.
- E entre as peças de vestir, não havia nem uma só feita por confecção?
- Oh, não, senhor.
- Nenhuma?
- Nenhu... Um momento. Havia um casaco que não parecia feito sob medida. Não
levava nenhuma etiqueta.
- Olhou aquele casaco, olhou suas medidas? Não observou se ele se ajustava à
estatura e ao corpo da vítima?
- Bem... não o provamos, se você se refere a isto, respondeu o policial.
- Quanto tempo demoraria em trazer esse casaco ante este tribunal? perguntou
Mason.
- Sua senhoria! Floid estava de pé e congestionado, como o homem que esgotou
sua paciência escutando sandices. - Isto é absurdo, ridículo! Não sei nada desse
casaco. Suponho que deve estar na sala do forense... Este tribunal estabeleceu
claramente que não desejava animar nenhuma expedição de pesca, e se isto não é
uma expedição de pesca, minhas pupilas são azuis. As pupilas do promotor eram de
um preto azeviche. O juiz Elliott começou a sacudir a cabeça, logo franziu a
testa até juntar as sobrancelhas e olhou pensativamente para Perry Mason.
- Pode nos dar uma explicação, senhor Mason? perguntou.
- Sim, senhoria, replicou o advogado. - Gostaria que trouxessem esse casaco
ao tribunal, porque creio que se trata de uma peça vital do caso. Também desejo
formular perguntas a uma outra testemunha e ai terei terminado meu turno de
perguntas. Em seguida começarei a resumir o caso da acusada. Haverá ainda outra
testemunha, senhoria, e será Stela Grimes, detetive particular. Antes que tenha
concluído seu testemunho, suponho que o casaco já estará na sala. Também citei a
alfaiate de Morai Cassel, que confeccionou todos os trajes do defunto, o qual
declarará que não fez esse casaco, e que não se ajusta às medidas da vítima.
- De acordo, confirmou o juiz, - Termine com seu turno, e o tribunal estima
conveniente dar os passos necessários para que o citado casaco seja trazido até
a sala. Se esta é uma expedição de pesca, certamente não é habitual. O juiz
Elliott sorriu travessamente e continuou: - Adiante, senhor Mason.
- Você estava presente no laboratório, prosseguiu o advogado, - Quando
provaram e examinaram o revólver encontrado no avião?
- Sim.
- Em busca de impressões digitais, não?
- Sim.
- Acharam algumas?
- Nenhuma identificável, Senhor Mason, Digam o que digam as novelas,
encontrar uma impressão digital numa pistola, não só é exceção como somente
acontece em um número muito exíguo de casos.
- Entendo, confirmou Mason. - Submeteram a arma a outras provas?
- A provas balísticas?
- Não, análise de sangue. A testemunha vacilou antes de responder.
- Sim, houve análise de sangue. São umas análises muito sensíveis que
demonstram o sangue presente, ainda que não possa ser classificado.
- A análise pela bencedina?
- É uma delas.
- Foi feita neste revólver?
- Sim.
- Com que resultado? A testemunha voltou a vacilar, escolhendo
cuidadosamente as palavras.
- Existiram diversas reações. Evidentemente, o revólver estava manchado de
sangue em toda a sua superfície. Provavelmente esteve exposto a uma concentração
de sangue, e alguém tentou limpá-lo apressadamente com água ou um trapo molhado.
- E com isto termina meu turno, disse Perry Mason.
- Alguma pergunta do promotor? perguntou o juiz, olhando a Floid.
- Certamente que não, foi a resposta do promotor. - Consideramos que todos
esses extremos são desnecessários ao caso.
- Bem, deseja prosseguir sua defesa, senhor Mason?
- Sim, chamarei a minha primeira testemunha, a senhorita Stela Grimes. A
jovem detetive avançou pelo corredor até o estrado, onde declarou seu nome, sua
idade, seu emprego e seu endereço.
- Quando conheceu à acusada deste caso? perguntou Mason.
- Era de noite. O senhor Drake e eu estávamos em um táxi. Ambos usávamos
óculos de sol, pretos. O senhor Drake havia colocado um anúncio no jornal
sugerindo que a pessoa que tinha que realizar certo pagamento iria fazê-lo a uma
pessoa que estivesse em um determinado lugar.
- Falou então com a acusada?
- Não. A jovem passou duas ou três vezes diante do táxi, porém não deu
sinais de reconhecimento, nem indícios de querer deixar uma mensagem.
- Quando voltou a vê-la?
- No dia seguinte.
- Onde?
- No hotel Willatson.
- Em que quarto?
- No sete, seis, sete.
- O que aconteceu ali?
- Recebi instruções para ficar no quarto, fazendo-me passar por sua
verdadeira ocupante.
- E a verdadeira ocupante do quarto, era a acusada?
- Exatamente.
- E o que fez ela?
- Alugou outro quarto do mesmo andar. Na realidade, foi o senhor quem alugou
o quarto e levou a acusada até ele.
- O que mais?
- Bateram à porta e o defunto nos visitou.
- Por defunto, suponho que você se refere a Morai Cassel.
- Sim.
- Sobre o que versou a conversa?
- Ficou claro que esperava o pagamento de certa quantia em dinheiro, das
mãos de um homem, e quando viu que havia duas pessoas no quarto se mostrou
surpreso e pensou que se tratasse de uma armadilha.
- E o que você fez?
- Atuei de acordo com um sinal que o senhor me fez, senhor Mason. Fingi ser
uma amiga que o visitava com propósitos... amorosos. Houve murmúrios e risadas
na sala, e até o juiz sorriu. - Lhe dei um beijo casual, continuou a testemunha,
E saí, porém de acordo com suas mudas instruções, apanhei um táxi e vigiei a
entrada do hotel, a fim de poder seguir o senhor Cassel até onde fosse.
- Continue, senhorita Grimes, por favor.
- Quando voltei, entreguei um relatório ao senhor, dando o número de
matrícula do Cadillac do defunto, e o seu endereço.
- E...?
- Voltei a ocupar o quarto do hotel, esperando que alguém se pusesse em
contato comigo, tentando conseguir o dinheiro da chantagem.
- Você viu a bolsa da acusada quando ela esta estava no quarto?
- Sim.
- É mesma bolsa apresentada como evidência e que agora eu lhe mostro?
- A mesma bolsa ou outra muito semelhante.
- Bem, prosseguiu Mason, - Agora coloco o revólver, que se supõe, de onde
foi disparada a bala mortal, dentro dessa bolsa e pergunto se, em sua opinião,
estava a arma dentro da bolsa quando você a viu no quarto.
- Não, absolutamente, não. Não poderia estar dentro da bolsa, caso contrário
teria observado a deformação.
- Seu turno de perguntas, ofereceu Mason. Floid se pôs de pé.
- A acusada poderia ter o revólver escondido em outro local, em sua mala, ou
inclusive na sua pessoa, e colocá-la dentro da bolsa em outra ocasião.
- O senhor Mason apanhou a mala da acusada, declarou Stela, - A fim de poder
retirá-la do hotel. E a acusada ficou só com a bolsa e uma espécie de nécessaire
preta.
- Não poderia estar o revólver no nécessaire,?
- Não.
- Porquê?
- Porque o nécessaire estava cheio de dinheiro para pagar o chantagista.
- Quanto dinheiro?
- Não contei, porém havia muito dinheiro. O nécessaire estava cheio. Floid
vacilou um momento.
- Bem, nada mais.
- Com a devida vênia do tribunal, exclamou Mason, - Creio que estão
entregando um casaco ao alguacil da sala. Suponho que se trata do casaco do
senhor Cassel, e que não se ajusta à suas medidas.
- Como sabe que não se ajusta à suas medidas! gritou Floid encolerizado.
- Já o saberemos, replicou Mason. - Senhor Ballarde, quer se aproximar e
prestar juramento? Ballarde, uma pessoa baixa e gorda, de uns quarenta anos, se
aproximou do estrado das testemunhas, movendo-se com surpreendente agilidade
para um homem com sua gordura. Deu seu nome, endereço, ocupação, idade, e ao
final se voltou para Perry Mason.
- Conheceu em vida Morai Cassel? Perguntou Mason.
- Sim.
- Desde quando?
- Faz uns sete anos.
- Você trabalha em quê?
- Sou alfaiate.
- Confeccionava as roupas do senhor Cassel?
- Sim.
- Quantas fez?
- Caramba, eu não sei. Não usava um terno mais de seis meses, e sabia que
possuía um guarda-roupa muito sortido. Eu entreguei literalmente várias dezenas
de ternos.
- Tinha arquivado suas medidas?
- Naturalmente, deste modo não tinha que tomar as medidas cada vez que
vinha. Dizia o pano, o que desejava, e eu tinha o terno pronto para a primeira
prova ao fim de uns dias.
- Mostro agora um casaco, que marco como prova número um da defesa, para sua
identificação. Você o confeccionou?
- Não, em absoluto, disse depois de examiná-lo detidamente.
- Poderia ser de Morai Cassel este casaco? A testemunha apanhou uma fita
métrica do bolso e efetuou diversas medições.
- Morai Cassel não conseguiria usar este casaco.
- Seu turno, disse Mason.
- Não tenho nenhuma pergunta para formular à testemunha com respeito a este
casaco, resmungou Floid.
- Este casaco, que está marcado como prova número um da defesa, continuou
Mason, - E que foi encontrado pela polícia no armário do apartamento do defunto
Morai Cassel, peço que seja colocado como prova número um em favor da acusada.
- Protesto por irrelevante, incompetente e improcedente! saltou o promotor.
- Também me inclino a pensar igual, falou o juiz Elliott, - A menos que o
advogado de defesa possa relacionar o casaco com este caso. O tribunal queria
sua teoria sobre o mesmo, senhor Mason.
- Antes de apresentar minha teoria do caso, senhoria, objetou o advogado, -
Gostaria que uma pessoa provasse este casaco. Na sala estão duas testemunhas a
que me proponho convocar. E penso que os dois se prestarão gostosamente à prova.
Senhor Franklin Gage, por favor, quer avançar e provar este casaco? O aludido
vacilou, porém se pôs de pé, avançou, apanhou o casaco, olhou, estudou e o
vestiu. No mesmo instante observou-se claramente que as mangas eram demasiado
curtas e o casaco ficava demasiado apertado. - Não assenta bem, reprovou Mason.
- Senhor Homer Gage, quer vir, por favor, e provar também este casaco?
- Não vejo nenhuma razão para fazê-lo! resmungou Homer. Mason olhou-o com
manifesta surpresa.
- Existe algum motivo para negar? Homer Gage vacilou um momento.
- Está bem, disse depois, - Parece ser do meu número, porém nunca o havia
visto. Avançou e pôs o casaco. No mesmo instante ficou bem evidente que se
ajustava perfeitamente ao seu corpo.
- Bem, senhoria, prosseguiu Mason, - Agora apresentarei ao tribunal minha
teoria sobre este casaco... Obrigado, senhor Homer. E pode retirá-lo. Quando
Homer retirou o casaco, Mason o dobrou e colocou do braço direito. - Senhoria,
se uma pessoa se aproxima de um homem que anda armado e é perigoso, deseja estar
absolutamente seguro de o poder dominar, necessariamente deve ter uma arma na
mão. Se for um revólver, engatilhado e a ponto de disparar... Mason fez uma
pausa e sorriu em direção a promotor. - A melhor forma de o conseguir sem que
seja descoberto o seu estratagema é usar um casaco dobrado no braço direito,
debaixo o qual pode esconder a pistola que empunha. Senhor alguacil, quer ter a
amabilidade de me entregar o revólver deste caso...? Obrigado. Agora, ilustrarei
ante o tribunal minha teoria. Mason voltou a colocar o casaco debaixo do braço,
e manteve a mão que empunhava o revólver oculta entre as pregas. - Com a devida
vênia do tribunal, ilustrarei minha teoria. Eu acredito que uma jovem, que era
amiga de uma jovem, que trabalhava com Morai Cassel, se viu de repente em uma
situação que geralmente se conhece com o nome de gravidez. Acredito também, que
um dos chefes da Companhia Escobar era o responsável por tal condição. O
chamaremos X. O juiz parecia estar altamente surpreendido pelas derivações do
caso. - Morai Cassel era um chantagista tremendamente rápido. Soube do que
acontecia e do nome do chefe dessa Companhia. Não estava seguro de todos os
fatos, porém viu a oportunidade de conseguir uns dólares. Acredito que a jovem
não teve arte nem parte na extorsão. Mason fez uma pausa para limpar a garganta.
- A jovem se mudou para outro estado para ter o bebê. Porém uma amiga de Cassel
soube de todos os fatos do caso e provavelmente também soube de que a jovem
usava uma senha para se comunicar com seu amante. Seguramente, a correspondência
ia dirigida ao número sessenta, noventa, noventa... que eram as medidas físicas
da jovem implicada no caso. Bem, Morai Cassel se decidiu a obter uma boa soma de
dinheiro pelo meio mais rápido, e sensível. Escreveu uma carta ao mencionado
senhor X, da Companhia Escobar, indicando que se sessenta, noventa, noventa
queria evitar uma demanda de paternidade era necessário que entregasse cinco mil
dólares. Provavelmente, continuou que era parente da jovem. O senhor X era
casado e não podia permitir que o fato se tornasse público. Seu matrimonio não
era feliz e sabia que sua esposa iniciaria uma demanda de divórcio, exigindo uma
alta pensão se conseguisse demonstrar uma infidelidade. Portanto, o senhor X
chamou Edgar Douglas e o convenceu, mediante uma retribuição financeira, para
que fingisse ser o responsável pelo estado daquela jovem; também ordenou que
fosse a Los Ângeles e desse dinheiro a Morai Cassel. Entregou a Edgar Douglas
cinco mil dólares em espécie, que era a soma exigida pelo chantagista. Aconteceu
infelizmente, que, quando Edgar ia dirigindo seu carro até um posto de
combustível para colocar gasolina, chocou-se com outro, ficando inconsciente,
estado em que continuou até a hora de seu falecimento. Sabendo o senhor X que
Morai Cassel estava impaciente, não tentou encontrar ninguém mais. Apanhou
outros cinco mil dólares da caixa, e também um revólver, ainda que,
provavelmente, não soubesse naquele momento, que ele pertencia a Edgar Douglas.
E foi para Los Ângeles, pensando que para realizar o pagamento, tinha que estar
seguro de que o chantagista não voltaria a exigir mais dinheiro. Se não
conseguisse obter esta segurança, estava decidido a liquidar o extorcionista.
Bem, se dirigiu ao apartamento de Morai Cassel. Tiveram uma conversa. O senhor X
era homem do mundo e conhecia um chantagista quando colocava a vista em cima, e
Morai Cassel, de sua parte, identificava logo uma vítima a quem extorquir até o
último centavo, quando se encontrava com uma. Pois bem, com toda tranqüilidade,
o senhor X eliminou Morai Cassel do mundo dos vivos, deixou o revólver no chão,
em meio de um charco de sangue, e regressou a San Francisco. A acusada entrou no
apartamento pouco depois, achou um revólver que reconheceu como pertencente a
seu irmão, o apanhou, apressando-se a retirar as manchas de sangue, o secou e o
colocou na bolsa, voltando a San Francisco. O juiz Elliott se inclinou para
frente.
- Como o senhor X conseguiu se apoderar da arma que pertencia a Edgar
Douglas? Mason levantou a vista até Joyce Baffim.
- Edgar Douglas era louco por pistolas e a proteção que podia proporcionar
às mulheres. Queria que todas as jovens pelas que se interessava soubessem
disparar, e por isto as adestrava na prática do tiro ao alvo. Suponho que o
senhor X provavelmente tinha certa influência sobre a jovem a quem Edgar Douglas
ensinava ultimamente a usar um revólver. Soube da arma no apartamento do rapaz
e... Deseja declarar algo, senhorita Baffim? Foi Homer Gage quem se pôs de pé.
- Todo o mundo está contra mim! gritou desesperadamente, se encaminhando
para a saída. O juiz Elliott olhou para o semblante de Joyce Baffim e em seguida
olhou para onde ia Homer Gage.
- Agentes! Exclamou. - Detenham esse homem! Que não escape! O tribunal
interrompe a sessão, e sugere que o senhor promotor a cargo deste caso, se
beneficie desta meia hora de descanso... Além disso, está advertindo a todos os
implicados no caso, respeito aos direitos constitucionais, em concordância com
as recentes decisões do Tribunal Supremo de Estados Unidos. A sessão fica
interrompida durante meia hora.
CAPÍTULO 17
Perry Mason, Della Street, Paul Drake, Franklin Gage e Diana Douglas com os
olhos ainda inchados e o semblante triste, estavam reunidos no local privado do
restaurante de Giovani.
***
FIM