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Coordenação Geral:
Luís Gustavo Miranda Mello
Renata Rozendo Maranhão
Equipe técnica:
Simone Vendrusculo
O autor é responsável pela escolha e apresentação dos fatos contidos neste livro e por suas
opiniões aqui expressas, que não são necessariamente as da unesco, nem as da ana.
Apresentação
Este livro foi escrito para compor um conjunto de materiais didáticos
usado em 11 turmas do curso gestão de conflitos pela água. Essa
é uma capacitação realizada sob os auspícios da Agência Nacional
de Águas durante o biênio 2020-2021, tendo como instrutor o autor
desse texto. O livro deve ser usado em conjunto com os demais
recursos didáticos aplicados no curso, conforme indicado ao longo
do texto.
O curso está organizado em 4 unidades temáticas, abordando os Unidade 3: Metodologia para a gestão de conflitos
conteúdos conforme apresentado a seguir:
1. Habilidades interpessoais (soft skills)
2. Perspectivas de um participante em um processo de conflito
Unidade 1: A Natureza dos conflitos
3. Foco na relação, não no objeto da desavença
1. Cenário de conflitos pelo uso da água no mundo 4. Mudança na perspectiva de como se observa o conflito
2. Onde e de que natureza são os conflitos pelo uso da água no Brasil 5. Fases do processo de conflitos pelo uso da água
3. Conflitos pelo uso da água na região dos participantes do curso 6. Método de gestão de crise (Stanford University)
4. Cenário tendencial para os conflitos pelo uso da água no Brasil 7. Método de solução de conflito (Harvard University)
8. Comunicação não violenta e linguagem corporal
9. Boas práticas para reuniões
Agradecimentos
Agradeço enormemente a colaboração dos servidores da Agência
Nacional de Águas (ana) envolvidos no processo de realização do
curso Gestão de conflitos pela água.
Valmir Pedrosa
Outubro de 2020
Conteúdo Avaliação
Nesta Unidade Temática você verá alguns conflitos pela água fora Haverá uma avaliação a respeito do conteúdo desta unidade na
do território brasileiro. Verá também a natureza dos conflitos pela plataforma moodle no formato V e F. Além disto, ao final desta
água no Brasil. Será capaz de classificá-lo conforme as três tipologias unidade, há um conjunto de perguntas a serem respondidas. O
apresentadas. Além disto, você poderá classificar conforme esta professor usará estas duas atividades para avaliar qualidade do
metodologia os conflitos pela água que presencia em sua região. aprendizado.
O rio Colorado é considerado o rio mais litigado do mundo, com Colorado River Basin WY
CA Aqueduct LOWER
BASIN
LAKE HAVASU
fez a água alcançar a foz, no Golfo da Califórnia. Foi um evento NM
Aqueduct
MWD
AZ
acompanhado e comemorado pelos moradores da região. Sem
CVWD PVID Yuma
Project
All American
do New Mexico e Arizona ficaram em ambas regiões. acordo e que a Califórnia limitaria seu consumo a 5,2 bilhões de
m³ por ano. Isto implicava 3,4 bilhões de m³ por ano para o Arizona
Encaminhou-se que as duas partes do rio teriam direito a usar 9,1 e apenas 0,5 bilhões de m³ por ano para Nevada. O Arizona se
bilhões de m3 por ano. A divisão deste valor entre os Estados era um recusou a assinar o acordo, o que iniciaria um novo debate que
assunto interno e exclusivo dos envolvidos. Do restante, decidiu-se duraria outros 35 anos. Um grande complicador surgiu ao longo
que 1,8 bilhões de m3 por ano caberia ao México. E como bônus, do debate: 18 anos de medições indicaram a vazão média de
o 1,4 bilhões de m³ por ano restante foi reservado para o baixo 21,4 bilhões de m³ por ano, entretanto, com novos e mais precisos
Colorado, medida que contou com a relutância dos membros do instrumentos, um estudo de 1953 apontou que a vazão média era
alto Colorado. de apenas 14,3 bilhões de m3 por ano.
Este acordo foi celebrado em novembro de 1922, e os delegados Assim, desde a década de 20 do século XX, as águas do rio Colorado
voltaram a seus Estados para ratificarem os termos do acordo em são disputadas e muitos acordos já foram feitos para a solução
suas casas legislativas. A casa legislativa da Califórnia decidiu que destes conflitos.
somente ratificaria o acordo se, concomitantemente, tivesse a
autorização para construir a atual Hoover Dam (Barragem Hoover) Assista ao Vídeo 2 - O uso da água do rio Colorado.
e um novo canal para atender a demanda de irrigação para um
sonhado perímetro de irrigação denominado Imperial Valley. Já Na África, o Nilo destaca-se como responsável pela mais longa
o Estado do Arizona condicionou a assinatura à prévia repartição sobrevivência de uma civilização dependente única e exclusivamente
dos 9,1 bilhões de m3 por ano entre os Estado do baixo Colorado. de um rio. A civilização egípcia com seus mais de 6 mil anos tem tido
E assim, o acordo não foi ratificado. no Nilo sua única fonte de água, pois seu território é um deserto
cruzado por um rio. Entretanto, outros 9 países africanos usam essas
Em 1928, após seis anos de paralisia, o assunto foi remetido para águas, conforme ilustra a figura 2.
o Congresso Americano. O Congresso autorizou a obra da Hoover
Dam e do canal para o Imperial Valley. Aquela sendo a primeira Na década de 1970, o Egito construiu uma barragem para geração
barragem no próprio leito do Colorado, e este transpondo suas de energia elétrica – Aswan Dam. No ano de 2020, a Etiópia está
águas para o sul da Califórnia, contida em outra bacia hidrográfica. finalizando sua barragem – Grand Ethiopian Renaissance Dam
Mas havia uma condição: que ao menos 6 Estados ratificassem o – para o mesmo fim, provocando reiterados alertas do Governo
Rio N
Nilo Azul está no território da Etiópia. Em algumas épocas do ano, LÍBIA
ilo
EGITO
até 60% do volume de água que alcança a foz provém da Etiópia. Lago Nasser
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economia da região, logo as tensões para repartir a escassa água
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da região têm crescido ano após ano. A foz do rio também tem
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sofrido graves alterações ambientais, com larga repercussão na
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comunidade científica internacional.
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SUDÃO JIBOUTI
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Conforme Swain (2011) um acordo em 1929 garantiu o direito REPÚBLICA
ETIÓPIA
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m3 de água por ano não provisionados. Neste acordo havia dois
REPÚBLICA UGANDA
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DEMOCRÁTICA QUÊNIA
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notáveis destaques: o acordo não inclua a Etiópia, e afirmava que
DO CONGO
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RUANDA Lago
nenhuma obra hídrica poderia ser realizada sem consulta ao Egito Victória
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BURUNDI O
e ao Sudão. TANZÂNIA
No oriente médio, em 1994, um amplo acordo de paz foi assinado instabilidade política do Iraque, as tensões recentes do Irã sobre
entre Israel e Jordânia. O tema água é um dos temas lá tratados. Os o seu programa de energia nuclear têm dificultado a cooperação
signatários comprometeram-se a cooperar, prevenir contaminação internacional para tratar da divisão dessas águas. Sendo um dos
das reservas hídricas, trabalhar juntos para aliviar a escassez hídrica, berços da civilização, há um longo caminho para um efetivo acordo
dividir informação a respeito da hidrologia local, entre outras ações. sobre o destino dessas águas rumo ao Golfo Pérsico.
Também dividiram águas. Por exemplo, para o rio Yarmouk, no verão,
de 15 maio até 15 de outubro, israel terá uma cota de 12 milhões
de metros cúbicos (mcm) e a jordânia ficará com o excedente. Ao buscar registrar estes acordos pela água em várias partes do
Decisões semelhantes foram tomadas a respeito do rio Jordão, mundo, o professor aaron wolf escreveu um artigo seminal a
dos aquíferos e de projetos de dessalinização e de outros projetos respeito de critérios de divisão de águas internacionais. Ele explica
de infraestrutura hídrica. O acordo pode ser acessado nesse link. que há dois extremos de demandas que nunca foram aceitos em
A divisão de águas transfronteiriças por meio de acordos tem sido tratados internacionais:
usada como um mecanismo eficiente de alocação de volumes de
águas justos para as partes envolvidas. 1. Doutrina da soberania territorial: Estabelece que as águas que
correm dentro do território nacional pertencem em sua totalidade
Assista ao Vídeo 5 - Água no Oriente Médio. ao país.
2. Doutrina ripária: os territórios ripários são titulares das águas
Sendo um país que liga a Europa à Ásia, a Turquia abriga as que lhe alcançam ao cruzar o limite entre os países.
nascentes de dois históricos rios: Tigre e Eufrates. A figura 3 ilustra a
localização destes rios. Estes rios alimentaram a civilização suméria Entre estes dois extremos, há princípios moderados que buscam
que habitou a Mesopotâmia desde 4.000 anos antes de Cristo. acordos que buscam repartir às águas de forma justa e com usos
Turquia, Irã, Iraque, Jordânia, Síria e Arábia Saudita têm terras entre razoáveis. Estes princípios são a base dos numerosos tratados a
essas duas bacias hidrográficas. Até os dias atuais, a região tem sido respeito de águas internacionais. A Oregon State University mantém
conflagrada por conflitos armados, cisões religiosas, disputas de um site com uma numerosa relação de acordos entre países que
grupos rivais, e graves disputas pela divisão de suas águas. Não há dividem águas.
mesmo um fórum permanente de encontro dos partícipes dessas
bacias para dirimir os conflitos. A guerra civil que afeta a Síria, a Ainda que haja muitos acordos a respeito de água, houve muitos
conflitos na história da humanidade. O pacific institute elaborou
VALMIR DE ALBUQUERQUE PEDROSA
19
TURQUIA
RIO
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fora delas. No Brasil, há vários conflitos que merecem a atenção
KIRKUK
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SÍRIA IRAQUE
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LÍBANO dos envolvidos com o tema da água. Em cada um dos biomas no
RUTBAH
BAGDÁ IRÃ
território brasileiro há situações específicas. O tema está explorado
ao longo do texto.
AL-DAURA
KARBALA HILLA
ISRAEL ARÁBIA NASSIRIAH Onde e de que natureza são os conflitos pelo uso da água no
Brasil
BASRA
SAUDITA SAFWAN
UMM QASR
Zona
Neutra KUAIT
Há conflitos pela água em muitas partes do Brasil. Há também muitos
Figura 3 - Bacia hidrográfica dos rios Tigres e Eufrates acordos, que tem sido o caminho mais comum para resolver os
problemas. No território brasileiro é possível identificar, conforme
ilustra a figura 4, três tipos de conflitos na agenda dos recursos
uma lista que cataloga 926 conflitos pela água desde 3.000 ac até o
hídricos. O primeiro tipo de conflito caracteriza-se quando a água
ano de 2019. Os tipos de conflitos mapeados pelo pacific institute:
está indisponível, em certo intervalo de tempo, em quantidade ou
qualidade, para atender os usos requeridos, incluindo as funções
ambientais contidas nos ecossistemas associados à fonte hídrica.
Categoria 1 – Ocorrência de disputa pelo líquido: a forma clássica de
conflito pela água. Um exemplo é o caso de perímetros de irrigação, indústrias e
cidades que, disputando ‘águas escassas”, precisam reduzir o
Categoria 2 – Uso da água como "arma de guerra": ter como alvo de consumo hídrico. Na bacia hidrográfica do rio Piancó-Piranhas-Açu
ataques com mísseis ou outros explosivos a infraestrutura hídrica com (CBHPPA) tem ocorrido estas reduções compulsórias de consumo
o objetivo de enfrentar a resistência do adversário. hídrico em momentos de secas críticas. A resolução ana/igarn no
1392, de outubro de 2017, registra estas medidas. No livro Gestão
Categoria 3 – Destruição de infraestrutura hídrica para enfraquecer o
da crise hídrica 2016-2018- Experiências do Distrito Federal é
adversário.
possível observar ações integradas que promoveram a redução
do consumo hídrico e foram fundamentais para o Distrito Federal
O outro exemplo é uma cidade não usar uma fonte hídrica por
alteração da qualidade das águas dos mananciais. Em abril de
2020, no rio São Francisco ocorreu das companhias de saneamento
de Alagoas e Sergipe suspenderem a captação por elevado teor
de turbidez, fenômeno raro deixou que as águas do rio sem
as condições mínimas de serem recebidas pelas estações de
tratamento de água. Para isto, a chesf ampliou a descarga na UHE
água planejamentos
de Xingó para melhorar as condições de qualidade do trecho baixo
indisponível setoriais
do rio São Francisco.
para usuários divergentes
Outro exemplo de conflito do terceiro tipo é descrito a seguir. O No próximo capítulo é discutido como os conflitos pela água são
comitê de bacia hidrográfica do rio São Francisco realizou a xxxviii enfrentados no âmbito do Sistema Nacional de Gerenciamento
reunião ordinária plenária nos dias 3 e 4 de setembro de 2020. de Recursos Hídricos.
Por causa das restrições impostas pela pandemia do covid-19, o
evento foi 100% remoto. Na pauta estava o debate a respeito do
conflito no rio Grande, que é um afluente do rio São Francisco, que
corre no território do Estado da Bahia. O rio Grande por sua vez,
tem um comitê que foi criado pelo Decreto No 11.246, de 2008,
por ato do Governo da Bahia. Um debate havido na plenária foi a
respeito de instância recursal a respeito das decisões do comitê do
rio Grande. O recurso deveria ser dirigido ao Conselho Estadual
de Recursos Hídricos do Estado da Bahia, como determina a
legislação estadual de recursos hídricos, ou o recurso deveria ser
dirigido, como tem sido, ao comitê de bacia hidrográfica do rio São
Francisco? Da reunião, ficou claro que este conflito de entendimento
de competências institucionais deve preceder a análise factual do
conflito. Este é outro exemplo do conflito do terceiro tipo.
Habilidades desenvolvidas
Atividades a serem realizadas
Conflitos pela água são tratados dentro do Sistema Nacional
• Assistir às aulas síncronas / 2h de Gerenciamento de Recursos Hídricos e também fora do
Sistema. Você compreenderá os elementos necessários para
• Realizer a leitura do capítulo 2 do livro construindo
uma gestão de conflitos ter êxito.
pactos pelo uso da água
• Participar do Fórum de debates para discussão a
respeito da leitura / 2h Tempo necessário de dedicação / 11h
• Assistir aos vídeos recomendados (aula assíncrona) ao
longo do capítulo
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Administração de conflitos como previsto na Lei 9.433/1997 Arbitrar conflitos relacionados aos recursos hídricos significa
construir um pacto com a participação do governo, usuários
A Lei Federal Nº 9.433/1997 previu o dispositivo de arbitrar de água e sociedade civil que decida por prioridades e grau de
conflitos em três de seus artigos: atendimento das demandas hídricas; escolhendo e promovendo
as ações que - limitando a demanda ou ampliando a oferta hídrica
Art. 32. Fica criado o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos ou gerindo melhor o risco – promovam a maximização do bem-
Hídricos, com os seguintes objetivos: estar da coletividade, inclusive garantindo água para manutenção
I - coordenar a gestão integrada das águas; e preservação dos ecossistemas.
II - arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os
recursos hídricos;
A Política Nacional de Recursos Hídircos instituiu os comitês de
[...] bacias hidrográficas e disciplinou que nesse coletivo serão dirimidas
administrativamente, em primeira instância, os conflitos pela água
Art. 35. Compete ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos: da sua área de atuação. Nos comitês há representantes do poder
I - promover a articulação do planejamento de recursos hídricos com público, da sociedade civil e dos usuários. Por força legal, esses
os planejamentos nacional, regional, estaduais e dos setores usuários; três segmentos devem estar envolvidos na busca pela solução pelo
II - arbitrar, em última instância administrativa, os conflitos existentes
conflito pelo uso da água.
entre Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos;
de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca, da Experiências de administração de conflitos pela água no
Secretaria de Estado de Saneamento, Habitação e Desenvolvimento SINGREH
Urbano, do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos
Hídricos, do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal, do Há muitas experiências brasileiras exitosas na administração de
Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão conflitos pela água. Há casos envolvendo pequenas comunidades,
Rural, da Agência Estadual de Recursos Hídricos e pelos prefeitos há casos que envolvem vários Estados. Há casos bem sucedidos para
dos municípios de Colatina, Santa Maria de Jetibá, Cachoeiro de cada um dos três tipos de conflitos mencionados anteriormente. A
Itapemirim e Domingos Martins. Não obstante, o Estado possui 13 seguir há uma lista de vídeos desenvolvidos pela ANA que explora
comitês de bacias hidrográficas (pedrosa, 2017). conceitos e exemplos.
Em outro exemplo, nos conflitos pelo uso da água na bacia do Assista ao Vídeo 7: Introdução à gestão de conflitos pela água no
rio Paraíba do Sul, decorrentes de grave escassez, outro grupo foi Brasil
formado: a ANA, o Departamento de Águas e Energia Elétrica de
Assista ao Vídeo 8: Atuando na gestão de conflitos pela água
São Paulo, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas e o Instituto
Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro, que, se reuniram e, juntos, Assista ao Vídeo 9: Gestão de conflitos em um plano de recursos
editaram a Resolução no 1.382/2015. Esse acordo para a gestão hídricos – a experiência da bacia do rio Doce
compartilhada da bacia do rio Paraíba do Sul foi homologado pelo
Supremo Tribunal Federal, sob os auspícios do ministro Luiz Fux Assista ao Vídeo 10: A experiência de alocação de água no Ceará
(pedrosa, 2017).
Assista ao Vídeo 11: Alocação de água para a gestão de conflitos
Os dois exemplos não esgotam as modalidades de grupos criados
Assista ao Vídeo 12: Exemplos de alocação de água para a gestão
para resolver os conflitos pelo uso da água no território brasileiro. de conflitos
Para uma análise mais ampla destas modalidades recomenda-
se o texto “Alternativas organizacionais para gestão de recursos Assista ao Vídeo 13: Gestão de conflitos pela água entre dois países
hídricos” (agência nacional de águas, 2013). – a experiência da bacia do rio Quaraí
monitoramento e avaliação semanal do acordo, pelo menos em Tabela 1 - Tabela de compromissos para gestão do conflito
quanto durasse a crise hídrica.
atividade responsável prazo atendida atenção não
atendida
Agindo desta forma, decidiu-se que a descarga de fundo com 1. Operação
três últimas colunas se o combinado foi atendido, parcialmente Levantamento das outorgas e
análise de suspensão
Órgão Gestor
Figura 7 – Representações na gestão das águas na Sala de Situação do rio São Francisco
O processo
Diante das previsões de curto prazo para chuvas no rio São Francisco,
o representante do cemaden apresenta a previsão de vazões para
os reservatórios. A figura 8 ilustra as previsões para o reservatório
de Três Marias.
Deve ser observado que a linha pontilhada em vermelho começa Essas reuniões estão disponíveis na íntegra no Youtube, dando
em setembro e vai até dezembro. Na ocasião, o armazenamento transparência às negociações e divulgando a metodologia.
em Sobradinho era de 11,9%. A figura 9 mostra que se voltar a Seguindo a ordem da reunião, uma vez que o representante do ons
ocorrer a série de vazões havida em 2016, para os meses de apresentou suas análises, o representante da ana pede que todos
agosto a novembro, e se a defluência de Sobradinho for mantida se manifestem sobre o impacto da redução da vazão defluente de
em 600 m3/s, o reservatório chegará em dezembro com 0,3% de Sobradinho para 550 m3/s. Narra-se na sequência a manifestação
sua capacidade. Já se a defluência for alterada para 550 m3/s o de quatro participantes da reunião.
reservatório chegará até dezembro em uma situação um pouco
mais confortável. Embora, ainda assim, com apenas 1,2% de seu vu. O representante da Companhia de Desenvolvimento do São
É neste tipo de análise que se apoiam as decisões desta reunião. Francisco e do Parnaíba (codevasf) ao se manifestar apresentou
três grandes preocupações com a redução da vazão para 550 m3/s:
Figura 9 − Curva de segurança para o reservatório de Sobradinho
a) Cota suficiente para que a água entre nos canais de
aproximação que alimentam as estações de bombeamento
para o funcionamento de seus perímetros públicos de irrigação,
com especial preocupação com o Distrito de Irrigação do Jaíba
(mg) e com o Distrito de Irrigação de Nilo Coelho (dinc) (pe).
BA Barra-Barra (Curralinho)
BA Barra-Xique Xique
da foz do rio São Francisco e da salinidade da água nas cidades na estação fluviométrica Juazeiro (código ana 48020000). A figura
próxima à foz. Medições de vazões realizadas pelo cbhsf mostraram 10 ilustra as resoluções que autorizaram as reduções graduais das
que na cidade de Piaçabuçu, nove quilômetros a montante da foz, defluências mínimas de Sobradinho e Xingó.
a água já se apresentava imprópria pela elevada salinidade. Mas
é preciso alertar que estas concentrações têm dinâmicas muito
próprias. A entrada da cunha salina depende da maré (de sizígia
ou de quadratura), também depende do momento de preamar Figura 10 − Resoluções ANA a respeito defluências de Sobradinho
e baixa-mar, também depende da vazão do rio na foz, que nem
sempre é igual a vazão liberada pelo último reservatório no rio, ANTES DE ABR 2013 MAR-JUN JUN-DEZ JAN-OUT NOV 2016 MAR-ABR ABR-JUL A PARTIR
que é de Xingó.
ABR 2013 MAR 2015 2015 2015 2016 MAR 2017 2017 2017 JUL 2017
A decisão
A resolução indica onde o pacto será monitorado. No caso das Fonte: Agência Nacional de Águas (2017c).
descargas do reservatório de Sobradinho a vazão será monitorada
O processo também permite ajustes. Em 2017, devido ao São Francisco (gtsf) com o objetivo de elaborar uma proposta de
agravamento da crise hídrica vivida na bacia do rio São Francisco, regra de operação para os principais reservatórios da bacia do rio
a ANA publicou a Resolução Nº 1.043/2017 que proibia a captação São Francisco, visando ampliar a segurança hídrica para os usos
de águas nas quartas-feiras, exceto para o abastecimento humano múltiplos de suas águas.
e animal. Esta medida ficou conhecida como “O DIA DO RIO”. O
setor industrial por meio da equipe da CNI argumentou, apresentou Nas reuniões havidas no âmbito do gtsf participaram os
suas especificidades, alternativas e sua manifesta compreensão do representantes dos seguintes órgãos:
momento e da firme decisão de buscar uma solução negociada.
Entretanto, os representantes da CNI explicaram que o processo • Agência Nacional de Águas (ANA);
produtivo industrial, sendo contínuo, não pode ser paralisado por • Secretaria de Estado de Meio Ambiente e dos Recursos
um dia, e recomeçar no dia seguinte. Após muita negociação, um Hídricos de Alagoas;
mês depois, alcançou-se um consenso. A Resolução Nº 1.043/2017 • Secretaria de Estado de Meio Ambiente da Bahia;
foi reformada pela Resolução Nº 1.290/2017, permitindo a captação • Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento de Minas
nas quartas-feiras para o segmento industrial com o compromisso Gerais;
de que cada unidade industrial reduzisse o volume mensal captado • Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco;
em 14% - exatamente o volume correspondente a ficar um dia na • Secretaria de Estado de Meio Ambiente e dos Recursos
semana sem consumo. Assim, na média mensal, o propósito da Hídricos de Sergipe;
redução dos volumes captados foi preservado. • Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (cbhsf);
• Operador Nacional do Sistema Elétrico (ons);
Assista ao Vídeo 16 - Sala de situação do Rio São Francisco.
• Companhia Energética de Minas Gerais (cemig);
• Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (chesf)
Regras a respeito de operação de reservatórios
O procedimento foi iniciado com a formação do gtsf em 2015 e
Outro processo de conflito do rio São Francisco tratou da regra de
finalizado com a publicação da Resolução ana no 2.081, de 04 de
operação dos reservatórios, caracterizando como um processo de
dezembro de 2017.
conflito de planejamento setoriais. Por meio da Resolução Nº 414,
de 18 de dezembro de 2015, a ANA criou o Grupo de Trabalho do
A Resolução no 2.081 – cuja construção será detalhada neste item - (quinzenais, em geral), ora presenciais, ora por videoconferência. Os
dispõe sobre as condições para a operação do Sistema Hídrico do trabalhos do gtsf começaram com a ana apresentando, no começo
Rio São Francisco, que compreende os reservatórios de Três Marias, do processo, uma minuta de resolução que foi sendo ajustada, de
Sobradinho, Itaparica (Luiz Gonzaga), Moxotó, Paulo Afonso I, II, III, acordo com as reflexões e consensos alcançados.
IV e Xingó.
O alvo da minuta da Resolução nº 2.081/2017 era estabelecer
A motivação pela busca das regras operativos para o Sistema Hídrico condições de operação para os reservatórios do Sistema Hídrico
do Rio São Francisco foram (agência nacional de águas, 2017d): do Rio São Francisco, que compreende os reservatórios de Três
Marias, Sobradinho, Itaparica (Luiz Gonzaga), Moxotó, Paulo Afonso
a importância do rio São Francisco para a segurança hídrica em I, II, III e IV, e Xingó, garantido o uso múltiplo dos recursos hídricos.
sua área de influência; o compartilhamento dos recursos hídricos
da bacia do rio São Francisco deve se inspirar nos princípios do A minuta de resolução da ana distribuída a todos os participantes
aproveitamento múltiplo, racional, harmônico e integrado, visando do gtsf no início processo - buscou garantir o atendimento dos
sempre ao benefício de todas as partes; o reconhecimento da usos múltiplos da água nos reservatórios do Sistema Hídrico do
importância dos impactos das mudanças climáticas sobre os Rio São Francisco, devendo ser observado alguns condicionantes
recursos hídricos, especialmente no agravamento de eventos nas regras operativas dos reservatórios.
hidrológicos críticos e na alteração da estacionariedade das séries
hidrológicas. O ons e os agentes responsáveis pela operação do reservatório,
por exemplo, deveriam, entre outras condições, respeitar os limites
Entretanto, antes de analisar o processo de construção da regra de de nível de água mínimo e máximo a montante dos reservatórios
operação dos principais reservatórios do rio São Francisco, convém de Três Marias, Sobradinho, Itaparica e Xingó, bem como suas
apresentar o cenário de grave escassez hídrica que ocorria durante defluências (m3/s).
a elaboração da pretendida regra, bem como os mais importantes
conflitos pelo uso da água na bacia. A minuta da Resolução Nº 2.081/2017 preconizava as seguintes
condições de operações para o reservatório de Sobradinho e
O processo de criação da resolução contou com reuniões regulares Xingó:
B. Condição de Operação com Restrição – Será considerada condição III. a comunicação do ons deverá ser acompanhada de estudo evidenciando
de operação com restrição para os reservatórios de Sobradinho e a criticidade do cenário hidrológico, tanto em termos de vazão afluente e
Xingó quando o armazenamento de Sobradinho for inferior à curva de volume útil do reservatório de Sobradinho como o prognóstico climático
segurança correspondente à vazão defluente de 1.300 m³/s, para um para os próximos meses;
volume meta mínimo de 20% do volume útil, ao final de novembro;
IV. nos noventa dias anteriores a implementação da redução da defluência
C. Condição de Operação sem Restrição – Será considerada condição mínima de Sobradinho e Xingó, a vazão média defluente destes
de operação sem restrição para os reservatórios de Sobradinho e reservatórios, nesse período, devem ser inferiores a 1.500 m³/s;
Xingó quando o armazenamento de Sobradinho for superior à curva
de segurança correspondente à vazão defluente de 1.500 m³/s, para V. a redução da defluência dos reservatórios de Sobradinho e Xingó será
um volume meta mínimo de 20% do volume útil, ao final de novembro. realizada de maneira gradual e acompanhada de avaliações periódicas
Nessa condição, os reservatórios de Sobradinho e Xingó poderão dos impactos que a medida poderá ocasionar sobre os diversos usos e
liberar vazões defluentes médias diárias superiores a 1.500 m³/s. usuários da água.
§ 1° A redução da defluência mínima dos reservatórios de Sobradinho e
A minuta de resolução estabelecia as seguintes condições mínimas Xingó deverá ser mantida sempre que o volume útil previsto do reservatório
a serem observadas para a flexibilização da defluência mínima dos de Sobradinho para um dos dois meses subsequentes for inferior à curva
de segurança correspondente à vazão defluente de 1.300 m³/s, para um
reservatórios de Sobradinho e Xingó para até 800 m3/s visando volume meta mínimo de 20% do volume útil ao final de novembro, não
preservar os volumes armazenados nos reservatórios assim como podendo, nesse período, serem praticadas vazões defluentes médias
mensais que ultrapassem o limite superior de 1.300 m³/s.
A minuta também definia que os agentes responsáveis pela Gestão dos reservatórios para três estados hídricos
•
operação dos reservatórios do Sistema Hídrico do Rio São Francisco
•
Gestão dos reservatórios considerando um hidrograma ambiental
deverão dar publicidade sobre informações técnicas aos usuários
•
Operação do reservatório indissociável da gestão da demanda hídrica
da bacia e ao respectivo Comitê de Bacia durante o período de
•
Recuperação dos volumes estocados com a recuperação ambiental
vazões defluentes mínimas reduzidas.
•
Garantir condições de navegabilidade em toda hidrovia
•
Desconsiderar níveis mínimos para garantir uso do volume morto
É possível verificar que algumas ideias que circulavam nas
oficinas, plenárias, grupos de trabalho, câmaras consultivas e Fonte: Autor
Não incorporada
diretoria colegiada do cbhsf foram incorporadas na minuta que se Parcialmente incorporada
transformou na resolução ana no 2.081/2017. Satisfatoriamente incorporada
Integralmente incorporada
Na tabela 6 estão destacados os elementos contidos nas Muita busca por consenso e muitas horas de negociação foram
proposições na Deliberação cbhsf no 89/2016 e ausentes na necessárias para a criação da Resolução ana no 2.081/2017 (agência
Resolução no 2.081/2017. nacional de águas, 2017b). Em criação de consensos pelo uso da
água, o processo de trabalho escolhido é tão importante quanto
Tabela 6 − Cotejamento da proposta do cbhsf com a minuta da ana
o resultado. O processo aqui em análise reconstruiu a história da
resolução.
preposição resolução ana
Alocação da água, com vazão de entrega na calha A resolução não apresenta o conceito de vazão de Em síntese, ocorreu a participação dos envolvidos desde a primeira
principal entrega na calha principal. Na reunião havida no
dia 14 de junho de 2017 isto foi discutido e enten- reunião até a última, materializada em uma sequência regular
dido que esta ação ficará para um próximo passo
na gestão das águas do rio São Francisco. de reuniões presenciais ou por videoconferência, que gerou um
Gestão dos reservatórios considerando um hidro- A resolução apresenta o pulso de defluência para
ambiente de trabalho com confiança e cooperação. Ocorreu o
grama ambiental as lagoas marginais localizadas no município de entendimento que a regra de operação do sistema hídrico do rio
Manga(MG). Entretanto, o CBHSF apontava para
os conceitos de hidrogramas ambientais contidos São Francisco não viria apenas de modelagem e otimização de
na ideia do hidrograma ambiental definido nos
estudos AHIA - Aggregate Index of Hydrological
ganhos financeiros para os envolvidos. Ocorreu o reconhecimento
Alteration /UFBA. que havia um processo político a ser entendido para alcançar um
Operação do reservatório indissociável da gestão A resolução não apresenta o conceito de gestão consenso. Ocorreu também um sentimento que as regras criadas
da demanda hídrica da demanda hídrica por meio do controle dos
usos não outorgados e da gestão integrada entre
eram justas. Como subproduto, mas não menos importante, ficou
águas subterrâneas e superficiais. consolidado e aprovado o mecanismo, o processo de trabalho.
Recuperação dos volumes estocados com a recu- Tema não considerado na resolução. Era possível sentir no ar o sentimento que “devemos usa o mesmo
peração ambiental
Garantir condições de navegabilidade em toda O tema navegação está contido na resolução, en-
método para as futuras reflexões”.
hidrovia tretanto apresenta a ideia é que será garantida as
condições de navegação sempre que requerida.
Da gestão clássica dos recursos hídricos ocorreu um rigoroso
Desconsiderar níveis mínimos para garantir uso Tema não considerado na resolução.
do volume morto diagnóstico quantitativo da situação da crise hídrica do rio São
Francisco, houve o reconhecimento dos problemas mais graves;
identificou-se as opções para enfrentar o problema; avaliou-se as
Fonte: Autor
oportunidades e ameaças de cada opção e, finalmente, a certeza o diagnóstico sendo realizado coletivamente. A complexidade
de que os efeitos da resolução seriam acompanhados, fiscalizados envolvida em uma bacia hidrográfica, como a do rio São Francisco,
e monitorados durante sua aplicação. é incompatível com a premissa que uma “instituição” detém todas
as informações necessárias. A riqueza das reuniões é, também,
A Lei 9.433/1997 estabeleceu que a gestão das águas brasileiras decorrente deste ambiente colaborativo.
deve ser descentralizada e participativa, atendendo aos usos
múltiplos da água e a prioridade do atendimento ao consumo
humano em casos de escassez. Na reunião narrada estes Figura 11 – A nova e a antiga visão do processo
fundamentos foram respeitados. Observa-se, também que
modelo defendido por Priscoli (2003), sem seu livro Participation, MODELO ANTIGO
consensus building, and conflict management training course,
foi em grande medida o que ocorreu na reunião relatada. Ou
seja, do modelo decido-comunico-justifico evoluiu-se para um
procedimento onde os envolvidos dividem informação, fazem DECIDO COMUNICO JUSTIFICO
um diagnóstico coletivo do problema, constroem uma decisão
coletiva e, juntos, monitoram e avaliam a efetividade da decisão.
A figura 11 ilustra os dois modelos conceituais.
MODELO ATUAL
Há um exemplo concreto da etapa do diagnóstico coletivo no
processo narrado. Quando as vazões defluentes na foz atingiram o
patamar de 700 m3/s e já se sabia que seria preciso reduzir ainda
mais as vazões, havia muitas questões sobre o efeito destas baixas DIVIDIR A DIAGNOSTICAR CONSTRUIR AGIR E
INFORMAÇÃO O PROBLEMA UMA DECISÃO AVALIAR
vazões nas seções transversais. Embora, a ana tenha uma equipe
de excelente qualidade e gigante banco de dados, a agência
criou um ambiente colaborativo e questionou à chesf qual seria o
rebaixamento no nível nas seções transversais de interesse. Assim,
RIO MOXOTÓ
se que em apenas dois dias as vazões estiveram acima da vazão
RIO BRÍGIDA
RIO PONTAL
RIO IPANEMA
RIO CAPIÁ
RIO TRAIPÚ
RIO PAJEÚ
máxima de restrição de 8.000 m3/s.
RIO JACARÉ
ESTAÇÃO TRAIPÚ
máxima de restrição de 8.000 m3/s, já que no dia 01 de fevereiro a
vazão foi maior que a vazão máxima de restrição em apenas +0,8%.
ESTAÇÃO PROPRIÁ
são francisco
6.027
6000
5000
4000
O Projeto de Integração do Rio São Francisco (pisf) tem dois eixos.
3000
O eixo leste, após atravessar o Estado de Pernambuco, faz a
2000
água chegar até o reservatório Epitácio Pessoa (conhecido como
1000
Boqueirão). No dia 22 de janeiro de 2020, o eixo leste fornecia
0
O eixo norte levará a água até o reservatório Jati (ce) e a partir deste
PIRANHAS PÃO DE AÇÚCAR TRAIPU PROPRIÁ
7000
múltiplos usuários que podem ser úteis: 1. O custo mínimo a ser 4000
alocado para cada Estado é o custo específico para seu atendimento; 3000
4000
3000
2000
1000
Alguns dos conflitos pela água que você vivenciou foram resolvidos
no âmbito do comitê de bacia hidrográfica ou foram resolvidos em
outro coletivo? Exemplifique.
Questão 2
Questão 4
3.
Metodologias para a
gestão de conflitos
Habilidades interpessoais (soft skills) cursos de nível médio e superior que formam os profissionais que
vão enfrentar os desafios da gestão dos recursos hídricos. Estes
Na escola de engenharia as disciplinas que estudam os temas conhecimentos são indispensáveis, e este capítulo ajuda a suprir
relacionados aos recursos hídricos são hidrologia, ecologia, esta lacuna no tema da gestão dos conflitos. A figura 16 ilustra esta
hidráulica, mecânica dos fluidos, águas subterrâneas, tratamento de união de habilidades.
água, tratamento de efluentes, modelagem de ambientes aquáticos
e algumas outras. Este conjunto de habilidades é conhecido Ninguém cria um consenso no setor de recursos hídricos tratando
por hard skills (habilidades técnicas). São as habilidades apenas assuntos técnicos-científicos. É preciso empatia, é preciso
técnicas necessárias para entender os processos químicos, físicos liderança, é preciso gerenciar conflitos para obter consensos
e biológicos das águas e saber criar soluções. A mesma relação a respeito dos complexos temas ligados à esfera dos recursos
pode ser feita para as escolas de biologia, geografia, direito, física, hídricos. Os próximos itens deste capítulo exploram as habilidades
meteorologia e outras. Por exemplo, na Escola de Direito estuda-se interpessoais (soft skills).
a legislação ambiental. Na escola de biologia, a cadeia trófica e as
relações entre os seres vivos nos ecossistemas. E assim por diante. Assista ao Vídeo 19 - Habilidades necessárias para a gestão de
conflitos pelo uso da água.
Entretanto, há outro conjunto de habilidades, que é aquele formado
por capacidades de estabelecer relações coletivas produtivas,
efetivas e duradouras. E este conjunto de habilidades é ainda pouco
explorados na educação de nível superior brasileira. Mas o cenário
está em mudança. Hard Skills MATÉRIAS TÉCNICAS
habilidades é nomeado de soft skills, ou, habilidades interpessoais. FORMAÇÃO DE EQUIPE MOTIVAÇÃO
Somente recentemente estes temas entraram no conteúdo dos
Figura 16 - Habilidades interpessoais
Momentos no processo de construção de pactos as ações necessárias. E logo ali adiante, pode haver novo cenário ¹.
A construção de pactos tem suas fases. É preciso reconhecê-las Os membros de comitês de bacia hidrográfica devem perceber
para decidir pela forma de atuação no próximo passo. Às vezes, o estas fases e devem estar prontos para agir em cada momento para
sentimento é que o processo está indo para frente, alguns princípios encurtar os momentos de estagnação, recuo e colapso. Perceber as
foram acordados, é possível ver um laço de confiança entre as fases dos processos de construção de pactos é muito importante
partes, um acordo parece possível. para manter o foco e esperança no pacto buscado. A figura 17
ilustra estas fases.
De repente, o processo entra em uma fase de estagnação. Mudanças
na composição dos comitês, troca de liderança regionais e locais,
movimentos eleitorais na região, longos meses de bonança de
oferta hídrica, enfraquecimento das dinâmicas dos comitês, entre
outras situações, podem levar um período de estagnação, que
causam desânimo e preocupação. Indo para trás Colapso
Foco na relação, não no objeto da desavença Mudança na perspectiva de como se observa o conflito
Em um processo de construção de pactos é comum que o objeto Quem participa de mediação de conflitos observa-a por três
da desavença ocupe o centro do debate. Em uma situação onde óticas (figura 18): 1. o respeito e a empatia dispensados nas
a operação de uma usina hidrelétrica reduz as vazões de jusante tratativas; 2. O entendimento do processo do qual depende a
e os pescadores são afetados o valor da vazão passa a ser o foco solução; e 3. Ter o interesse atendido no todo ou na parte.
da desavença. Reduzir o conflito à disputa do valor da vazão de
defluência significa perder o contexto das relações entre as partes.
Desta forma, o valor da vazão acordada entre as partes sairá como O primeiro passo é garantir que as partes envolvidas sintam que
um dos resultados de um processo que busca ampliar as relações suas demandas são tratadas com respeito e empatia. O efeito
de confiança entre as partes que precisam conviver e que terão emocional da correta acolhida do problema é, reconhecidamente,
muitos desafios a serem superados nos anos vindouros. indispensável para as negociações.
Uma vez respeitadas, e tendo percebido a complexidade e com FASE 4 A Ação (A colaboração)
genuíno interesse em obter sucesso na mediação, as partes
envolvidas desejam ver seus interesses atendidos na parte ou no Figura 19 - Fases do processo de conflito.
todo.
irrigada ou sua indústria ou sua criação de peixe necessita de certa
Fases do processo de conflitos pelo uso da água quantidade de água por certo intervalo de tempo para que a receita
de seu negócio seja a necessária para a sustentabilidade financeira
É possível distinguir 4 fases em um processo de conflito pelo uso do empreendimento. Nesta fase, ocorre a distinção entre “interesse
da água conforme ilustrada na figura 19. A fase 1 do conflito é hídrico” real e histórico de consumo hídrico – interesse hídrico é a
caracterizada pelo clima tenso entre os contendores e em cada necessidade real por água contemporânea dadas as circunstâncias
momento os usuários da água externalizam seu direito pelo uso da atuais e as inovações tanto de processo quanto de equipamentos,
água, seja por antiguidade do uso ou pelo fato da água atravessar já o histórico de consumo hídrico baseia no discurso que como
sua propriedade. É a fase de desconfiança e receio dos interesses já se consome Y m³/ano há décadas, há o direito de pedir este
dos demais. mesmo Y m³/ano.
Na fase 2, com os ânimos já serenados, é superada a fase de Na fase 3, um nível adequado de confiança entre as partes já
expressar o direito de ter acesso à água e começa-se a discutir foi alcançada. Com este ponto de apoio, é hora de decidir quais
a necessidade de acesso à água, em quantidade e qualidade, e ações podem ser feitas em conjunto, com o objetivo de atender
ao longo dos meses. É o momento de explicar que sua cultura as demandas de cada uma das partes. É o momento de discutir
se materializar e trazer razão e serenidade para o momento. 4. Um critério de avaliação: para que o acordo seja alcançado é
imprescindível que um ou mais critérios, aceitos pelas partes, sejam
Assista ao Vídeo 21 - Método: Gestão de Crise. utilizados para mostrar que se trata de um acordo com base técnica
sólida, que cumpra o arcabouço legal que cerca a matéria, e que traga
um senso de justiça entre as partes.
Método de solução de conflito (Harvard University)
Há ainda que se considerar o batna (Best Alternative To a Negotiated
A metodologia do Projeto de Negociação de Harvard foi adaptada Agreement) no conflito em análise, ou seja a melhor alternativa
pelo autor para a gestão de conflito pela água. A metodologia em não negociar. Esse conceito leva os partícipes a compararem
contém 4 passos: a opção de negociar à melhor opção disponível em não participar
desse acordo. No caso dos recursos hídricos, a opção mesma de
1. Separar o contendor do problema: na busca por construir relações
não negociar fere na determinação da lei que exige o singreh e
de trabalho duradouras e profícuas é necessário e fundamental
dispensar um tratamento educado e cortês a todos os partícipes do que a gestão considere, de forma compulsória, uma visão dos usos
processo. Não obstante, é preciso ser incisivo e determinado na busca múltiplos. A figura 21 ilustra os 4 passos.
da solução. Duas palavras inglesas são muito usadas para descrever
este passo: é preciso ser soft com a pessoa e hard com o problema.
da pesca artesanal no rio São Francisco. Assim, em várias ocasiões, econômica na escala nacional diminuta, quando comparada à
representantes dos pescadores externaram ao cbhsf a posição irrigação e geração de energia elétrica, para ficar com apenas duas
de solicitar à chesf uma cheia programada para devolver ao categorias de usuários.
rio o sedimento. Argumentavam que junto ao sedimento vinha
agregado material orgânico que permitia o desenvolvimento pleno Outro exemplo ocorreu durante o racionamento de água no
da ictiofauna. Estado do Espírito Santo no biênio 2015-2016. Quando a situação
se agravou, a cesan decidiu implantar um rodízio nos bairros dos
Entretanto, um longo debate técnico envolvendo biólogos, municípios de Vitória e Serra, o que implicava em um dia sem
engenheiros, químicos e geólogos mostrou que uma cheia água em cada semana. Na ocasião, a população argumentou
programada não devolveria ao rio os sedimentos de outrora. que o setor industrial também deveria enfrentar a mesma regra
Os sedimentos ficaram depositados no início da massa de água de racionamento. No caso em questão, a indústria ArcelorMittal
reservada no reservatório de Sobradinho, bastante distante dos Tubarão – maior produtora de aço do Brasil – argumentou que seu
vertedouros e das descargas de fundo, portanto não desceriam o processo produtivo é de fluxo contínuo, não sendo uma operação
rio com o volume de água de uma cheia programada. factível suspender a operação por 24 horas e depois torná-la
padrão. Assim, a ArcelorMittal Tubarão replicou que entraria no
Percebe-se que o interesse dos pescadores era melhorar a pesca racionamento ao reduzir de forma permanente o seu consumo
artesanal do rio São Francisco, mas a deles posição falava de hídrico na proporção de 1/7 de sua demanda, o equivalente a ficar
cheia artificial como mecanismo para atingir este fim. Nesse caso, um dia sem água em cada semana.
claramente é que possível diferenciar interesse de posição. O
interesse de ver a produção da pesca artesanal no rio dependeria A sociedade capixaba certamente não desejava ver as operações
de uma série de ações integradas, em que a cheia artificial seria da ArcelorMittal Tubarão suspensas por 24 horas. A cobrança da
uma delas, embora não trouxesse o sedimento original, mas que população para a indústria entrar no rodízio era sua posição. Mas o
certamente inundaria as várzeas do baixo São Francisco e favoreceria interesse da população era ter garantido que a indústria também
o aumento do estoque pesqueiro da região. participasse do mesmo esforço de redução de consumo de água, o
que de fato aconteceu. Inclusive, a ArcelorMittal Tubarão declarou
Convém destacar a complexidade desse tema fundamental e seu compromisso de manter o consumo reduzido daqui em diante,
imprescindível ao baixo São Francisco, porém com importância mesmo com o fim da estiagem. A indústria conseguiu esse efeito
por ações de recirculação, reúso e reciclagem de água em seu 1. Reduzir a exposição aos riscos decorrentes dos extremos hidrológicos
processo produtivo. ou desastres naturais ou de origem antrópica, com ênfase na adoção
da gestão do risco ao invés da gestão da crise;
Busca por alternativas para conciliar interesses
2. Gestão da demanda, com ênfase nos mecanismos de alocação de
água com foco em setores de maior valor agregado e maior eficiência
O terceiro passo na metodologia aqui explorada consiste em, antes no uso da água;
de firmar um acordo, restar garantido que todas as possibilidades
de cenários, ideias, situações, alternativas locacionais, tecnologias 3. Gestão da oferta pela expansão do investimento em saneamento,
construtivas, arranjos institucionais e legais, bem como todas as universalizando o atendimento de água e o binômio coleta-tratamento
alternativas de operação dos sistemas hídricos foram postas para de esgoto, com a melhoria na eficiência da prestação do serviço;
análise. Trata-se de exercício de criatividade e de maturidade técnica
da equipe envolvida. Esse princípio não é novidade e de fato está
legalmente estabelecido na legislação ambiental brasileira. No A tabela 7 organizou as opções que estão e estarão na agenda da
livro Gestão da crise hídrica 2016-2018 - Experiências do Distrito sociedade na busca pela ampliação da oferta hídrica. Essa relacão
Federal há um completo conjunto de ações para enfrentar conflitos sumariza algumas ações que podem servir de reflexão As opções
pela água. foram divididas em oito grupos. Organizaram-se as opções em
duas colunas: uma trata do controle da demanda hídrica, a outra
As opções para agir durante a gestão do conflito podem ser a ampliação da oferta hídrica. Para cada coluna dividiu-se em
agrupadas em três pilares (figra 22): quatro grupos: ações em gerarão novos negócios; a inserção da
Indústria 4.0 na seara dos recursos hídricos; os empreendimentos
de infraestrutura hídrica e equipamentos mais eficientes no uso
da água; e as ações de fortalecimento dos instrumentos da Lei
Gestão Gestão Gestão
9.433/1997.
de risco da oferta da demanda
Tabela 7− Gestão da demanda e da oferta Construção de reservatórios, adutoras, Equipamentos mais eficientes
ETA´s e ETE´s e poços
Capacitação para análise de impactos Novas tecnologias de tratamento para Reparo de vazamentos por sensores Energia solar e eólica com consumo
ambientais de empreendimentos. ampliar o reúso. hídrico nulo.
Regras operativas com dados em tempo Monitoramento do consumo em tempo Controle do desmatamento e processos Mecanismos Alocação de água
real real erosivos
indústria 4.0 Decisão com big data + dados nas nuvens Monitoramento do consumo por período Estimular mecanismos de mercado de Enquadramento dos corpos de água
do dia gestão (lei 9.433/1997 e água.
leis ambientais)
Melhorar a governança do gerenciamento Controle efetivo em tempo real do
Inteligência artificial para operação de Processos mais eficientes no consumo de recursos hídricos consumo dos usuários que totalizem 80%
sistemas hídricos hídrico e energia da demanda (Regra 80/20).
Aplicação dos recursos da compensação Fortalecimento dos comitês como fórum
financeira do uso dos recursos hídricos de criação de consensos.
na consolidação da gestão das águas em
território nacional
próximas ao litoral e em situações específicas. Mas ainda há em 20%, ter-se-ia de volta ao rio cerca de 50 m³/s. Para perceber a
algumas questões a serem resolvidas, entre elas: a) o tratamento importância deste número é só verificar que ele valor é superior a
e disposição final do rejeito, e b) o que fazer em casos de contrato vazão de captação que será feito pelo pisf quando os eixos Leste
de longa duração (20 ou 30 anos) se no meio do processo houver e Norte estiverem em funcionamento. Nas condições normais de
o desejo de parte do receptor em reduzir a quantidade comprada, operação a vazão do pisf será de 26,7 m³/s, embora possa crescer
porque a demanda decresceu de fato ou novas opções surgiram. se certas condições nas bacias receptoras e na bacia doadora foram
atendidas.
No cruzamento do controle da demanda com ações de gestão é
preciso fazer um destaque para o necessário fortalecimento dos Para sumarizar a reflexão sob a tabela 7 é importante notar que
comitês de bacias hidrográficas. Não basta cria-los, eles precisam ter uma diversidade considerável de opções está disponível. A escolha
garantidas as condições para o cumprimento de suas obrigações. por cada opção dependerá de um estudo detalhado e específico
Os comitês tem sido um importante ambiente de reunir e de debater que leve em conta as condições locais e regionais, os custos de
questões regionais, e mesmo nacionais, nas questões ligadas aos oportunidade e o risco de atuar sob uma precária segurança hídrica.
recursos hídricos. O cbhsf é um bom exemplo da capilaridade do
tema água na sociedade. Hoje o cbhsf simboliza no imaginário Já a gestão de riscos inclui ações proativas que precedem o
popular a representação da coletividade na gestão das águas. desastre e que tem por objetivo evitar ou reduzir impactos futuros.
Espera-se o cbshf a vigília e atuação constante. Tais ações incluem alerta precoce, monitoramento, planejamento,
mitigação e o desenvolvimento de políticas nacionais de gestão
Na interseção do controle da demanda com novos negócios um da crise. Na sequência serão apresentados alguns modelos de
destaque é a agricultura irrigada. Conforme comentado ao longo governança exitosos já em uso na realidade brasileira.
do texto, o Brasil usa 167 milhões de hectares para a pecuária e
outros 63 milhões de hectares para agricultura. Em ambos casos O monitor de secas consiste de um processo que conta com a
muito água é requerida. Daí o desenvolvimento e aplicação de participação e a colaboração de instituições de pesquisa de clima
técnicas de irrigação mais eficientes são fundamentais para ampliar e dos órgãos estaduais gestores de recursos hídricos e agricultura
a segurança hídrica. No caso do rio São Francisco foi registrado um de diversos estados, assim como universidades. Este processo
consumo de 244,4 m³/s para irrigação no ano de 2013. Imaginando participativo gera a criação de um produto-chave: o mapa mensal
que uma irrigação mais eficiente reduza, de forma média, o consumo
As decisões sobre restrição de uso de água devem ser antecedidas estágio gatilhos de seca metas da resposta
por minucioso acompanhamento transparente e amplo da Alerta Abaixo do Nível da Meta 1 Redução de 10% no Consumo
criticidade do evento extremo e das decisões planejadas conforme Seca moderada Abaixo do Nível da Meta 2 Redução de 20% no Consumo
evolua o fenômeno. Somente assim os usuários urbanos, irrigantes Seca grave Abaixo do Nível da Meta 3 Redução de 30% no Consumo
e indústrias terão condições de atuar com mais eficiência e menor Seca extrema Abaixo do Nível da Meta 4 Redução de 60% no Consumo
Algumas destas medidas fazem parte das ações que os órgãos Um primeiro caso de sucesso na redução gradual do consumo
gestores estaduais já desenvolvem na lida com a seca. Entre elas: hídrico diante de escassez hídrica pode ser encontrado em Minas
alocação negociada de água nos reservatórios, restrição parcial do Gerais. Por lá, há várias situações de escassez hídrica no vale do
uso da água adequada às especificidades dos usuários, prioridades Jequitinhonha e do Mucuri, ambos na área de atuação da sudene.
de uso, regras de operação para os sistemas hídricos, suspensão O Conselho Estadual de Recursos Hídricos deliberou, por meio da
do uso da água em casos de elevada severidade hídrica. deliberação normativa cerh/mg Nº 49, de 25 de março de 2015,
uma regra para, antevendo os riscos de escassez hídrica, prevenir
Os aprimoramentos na metodologia, a qualificação continuada conflitos. Entre outras ações, criou-se a definição “estados de
das equipes técnicas envolvidas, e os prognósticos assertivos dos vazões”:
efeitos das secas devem ser apoiados pelos governos federal e
estaduais. I. Estado de Atenção: estado de vazão que antecede a situação crítica
de escassez hídrica e seu Estado de Alerta, no qual não haverá restrição
de uso para captações de água e o usuário de recursos hídricos deverá
Uma das respostas possíveis ao conhecer os impactos decorrentes
ficar atento para eventuais alterações do respectivo estado de vazões;
de uma seca é iniciar um programa de redução de consumo hídrico
para reduzir o risco do colapso no abastecimento. Caso ocorra o II. Estado de Alerta: estado de risco de escassez hídrica, que antecede
prolongamento da seca e em sua severidade, amplia-se a restrição ao estado de restrição de uso, caracterizado pelo período de tempo,
ao consumo, conforme mostrado na tabela 8. em que o estado de vazão ou o estado de armazenamento dos
reservatórios indicarem a adoção de ações de alerta para restrição
de uso para captações de águas superficiais e no qual o usuário de água por um monitoramento e planejamento das demandas e
recursos hídricos deverá tomar medidas de atenção e se atentar às ofertas hídricas existentes.
eventuais alterações do respectivo estado de vazões;
A resolução ana/igarn/aesa Nº 1396/2016 tratou de semelhante
III. Estado de Restrição de Uso: estado de escassez hídrica caracterizado
pelo período de tempo em que o estado de vazão ou o estado de dispositivo para o rio Piranhas-Açu nos Estados da Paraíba e Rio
armazenamento dos reservatórios indicarem restrições do uso da água Grande do Norte. Diante da crise hídrica vivida naquele período
em uma porção hidrográfica; foi proibida, entre outras, as captações de águas superficiais no
trecho do rio Piancó, a jusante do Açude Curema, no trecho do
Para ficar apenas com um dispositivo da deliberação, ficou rio Aguiar, a jusante do Açude Mãe D’Água e no rio Piranhas-Açu
normatizado que quando for caracterizada a situação de restrição para quaisquer finalidades, exceto o abastecimento humano e a
de uso haverá redução das captações de água nos seguintes termos: dessedentação animal.
I. Redução de 20% do volume diário outorgado, para as captações de Um segundo caso de sucesso de acordos sobre redução consumo
água para a finalidade de consumo humano ou dessedentação animal hídricodiantedeescassezhídricapodeserencontradoemPernambuco.
ou abastecimento público; Conforme a Resolução Conjunta ana/apac Nº 55/2018, os usos de
água do sistema ficam condicionados aos estados hidrológicos (eh)
II. Redução de 25% do volume diário outorgado para a finalidade
dos reservatórios, que serão determinados conforme os volumes
de irrigação, podendo ser excepcionalizada por meio de Deliberação
Normativa deste Conselho; acumulados nos açudes Bitury e Belo Jardim no último dia de agosto
de cada ano, conforme descrito na tabela 9.
III. Redução de 30% do volume diário outorgado, para as captações
de água para a finalidade de consumo industrial e agroindustrial; e, Ainda em Pernambuco, as alocações anuais de água são realizadas
em reuniões públicas coordenadas pela ana em articulação com a
IV. Redução de 50% do volume outorgado para as demais finalidades, apac, com o conselho de usuários dos dois açudes e com o comitê
exceto usos não consuntivos”.
da bacia hidrográfica do rio Ipojuca. Procedimentos equivalentes
ocorrem regularmente nos demais Estados na área de atuação da
Este é um criativo mecanismo para antecipar situações de colapso sudene.
hídrico, atuando na direção de minimizar os conflitos pelo uso da
Indo além, é preciso avançar com a discussão sobre alocação de 2). No processo de outorga, provendo critérios claros de alocação e
água a partir de uma abordagem aprofundada sobre a modernização adotando instrumentos práticos de apoio à tomada de decisão;
da outorga com vistas a dotar a política de mecanismos efetivos de
3. No processo de renovação das outorgas, avaliando ganhos de
gestão de risco.
eficiência e incentivos aos responsáveis por tais ganhos.
3. Os custos de oportunidade, resultantes dos desincentivos ao 1. Permitir a alocação de diferentes vazões/volumes de água, que
investimento em novos projetos ou ganhos de eficiência associados ficariam disponíveis em níveis menos conservadores de confiabilidade;
ao uso de água existente.
2. Estabelecer mecanismos que permitam que usuários determinem
Oportunidades de minimizar os custos de transação podem ser seus próprios níveis de risco ao solicitar e receber uma outorga;
identificadas:
3. Inserir nesses mecanismos diferentes arranjos de compartilhamento
1. Na etapa de planejamento, por meio do desenvolvimento de (no caso da água suprida a partir de reservatórios) ou regras de acesso
abordagens comuns e enxutas para a elaboração dos planos de (no caso em que a água é a fio d’água).
recursos hídricos;
orçamentárias da sociedade brasileira - para ver a implementação Este livro defende a ideia que este é um caminho acertado,
de decisões criadas ao arrepio da participação social. efetivo e eficiente, onde os envolvidos compartilham informações,
coletivamente fazem o diagnóstico, estudam as opções disponíveis,
O caso do rio São Francisco novamente é esclarecedor. Entre a realizam um acordo de compromissos e, depois, monitoram e avaliam
nascente e a foz se tem 2.700 km de leito de rio, atravessando cinco a implementação das medidas acordadas. Este é o modelo que se
Estados da Federação. Os usos são os mais diversos possíveis: mostrou mais efetivo para ampliar a desejada segurança hídrica por
geração de energia, abastecimento de cidades, turismo, serviços meio da construção de consensos nos conflitos pela água.
ambientais, pesca, navegação, irrigação, entre outras. Não há
como fazer regras funcionarem em toda esta extensão territorial
e complexidade operacional sem um acordo entre os que fazer
parte da realidade do rio. Este conceito é largamente utilizado em
outros países, assim como em águas internacionais.
Questão 3
4.
Boas práticas
para reuniões
1. A sala de reuniões precisa acomodar adequadamente toda 4. A equipe precisa preparar-se para a reunião, não apenas
a equipe envolvida nas discussões. A reunião começa mal se não estar presente. É preciso que os membros tenham exaustivamente
houver cadeiras e espaço na mesa para todos. Assim como todos analisados os autos do processo. Isto demonstra seriedade,
os equipamentos audiovisuais precisam funcionar plenamente. profissionalismo e, principalmente, respeito à outra parte;
Por óbvio, esta recomendação parece trivial. Contudo, pergunte-se
quantas vezes você testemunhou estas providências elementares 5. É importante observar o perfil de cada profissional que
falharem, provocando atraso, dissabores e reclamações, e mesmo comporá a comissão de análise. De forma sucinta, é possível verificar
comprometendo o resultado da reunião. que há três tipos de comportamento numa reunião de conflitos.
Primeiro, há aqueles que não estão dispostos a nenhuma cessão,
2. Em reuniões para análise de conflitos não pode haver que chegaram com suas opiniões formadas e pretendem mantê-
surpresas, decorrente de informações que apenas um dos lados las. Segundo, há aqueles que comumente estão dispostos a ceder
possui. E, acima de tudo, há que se garantir certa reserva enquanto em certos pontos, e rapidamente finalizar a reunião com algum
os termos do acordo estão sendo elaborados. É preciso registrar acordo feito. Não toleram longos empasses e reflexões. Por último,
aqui que a reserva refere-se ao não vazamento de informações é preciso contar com um perfil mediador. Aquele que coordena a
para fora do comitê, enquanto as primeiras linhas do acordo reunião precisa ter este perfil, que significa ponderar vários pontos
estão sendo tratadas. Evidentemente, que finda esta etapa, todo de vista, ceder no que for possível, mas preservar o essencial. É
o texto preliminar do acordo vai publicado para análise, correção, indispensável que cada um reconheça no outro o perfil para que a
melhoramento, votação e aprovação da plenária do comitê. A equipe trabalhe com harmonia.
reserva busca afastar a figura perigosa do “participante fantasma”,
conforme será comentado adiante; 6. Durante uma reunião de negociação é muito importante que
a cada equipe que defende certo ponto de vista não demonstre
3. Todas as informações relevantes devem ser previamente divisões internas no grupo. Nada mais prejudicial para a unidade
conhecidas por todos. Por exemplo: a chegada de uma informação de certo grupo que seus membros divergindo na frente do outro
dizendo que as vazões ofertadas por certo afluente foram atualizadas grupo que representa outros interesses. Se uma informação nova,
e assim, todas as análises deverão ser refeitas, desestruturará a surpreendente, tomou de assalto o grupo, e é evidentemente que
reunião. É preciso estar absolutamente ciente de que todos detém é preciso repensar a estratégica, o correto é solicitar uma parada
a mesma informação; na reunião, de 15 ou 30 minutos, para que, em lugar reservado, a
equipe reorganize sua linha de defesa. 9. Uma prática que precisa ser bem entendida é a negociação
lateral.Trata-se de uma negociação direta entre gestores responsáveis
7. A mesma recomendação vale para quando a temperatura pelas, em última instância, decisões em negociação, trabalhando
do debate cresceu além do saudável. Nestes casos também é lateralmente ao grupo que o representa na negociação. Em certas
importante que uma parada seja realizada, para esfriar o debate, situações é uma situação desejável e, até mesmo, imprescindível.
de modo que uma dureza ou nervosismo acentuado não minem as Entretanto, é preciso que a equipe que está na mesa de negociação
relações institucionais, ou mesmo pessoais, que mandatoriamente saiba e concorde com este ato dos altos escalões. Num ambiente
precisam ser preservadas. É da preservação desta unidade que como o comitê de bacia tal ocorrência é comum. Imaginemos uma
depende o sucesso dos acordos oriundos no âmbito do comitê. disputa pela construção de um reservatório para gerar energia
Esta parada para refletir ajuda a: dividir informação privadamente, hidroelétrica dentro de uma reunião do comitê. Embora, os
reagrupar as ideias após uma surpresa; esfriar a temperatura do representantes da geradora, do Ministério de Minas e Energia, dos
debate, quando necessário; e obter informação com especialistas, Governos Estaduais envolvidos estarem presentes para defender a
que não estão presentes na mesa de negociação, sobre temas ótica de seu interesse, não parece estranho que, pela importância
técnicos muito específicos; do debate, os próprios gestores, no caso o presidente da geradora,
o Ministro de Estado e os Governadores, tenham negociações
8. Em nome da equipe é preciso que haja um líder. Esta liderança privadas, ocorrendo em paralelo à reunião do comitê. Seria difícil
será exercida como o porta-voz do grupo, aquela pessoa à qual crer no contrário: gestores com esta ordem de responsabilidade
foi autorizado realizar o papel de decidir em nome do grupo e de e poder de decisão estarem alheios a toda a movimentação sobre
atores que não estão presentes na reunião. O líder, ouvindo sua a aprovação ou reprovação de grandes metas de suas gestões.
equipe e demais equipes, tem a autoridade para decidir os termos Mas, evidentemente, a equipe que representa o gestor público
do acordo. Uma característica importante no líder é ser um bom e o próprio gestor precisa estar em sintonia, e sabedores um
observador e um ouvinte. É preciso que demonstre por gestos, da movimentação do outro. Em nenhum momento isto significa
atos e palavras que realmente está interessado nos argumentos e esvaziar o poder da plenária do comitê como fórum legal e legítimo
ponto de vista da outra parte. Sempre buscando destacar os pontos de dirimir conflitos em primeira instância.
de convergência e minimizando os dissensos.
12. A equipe deve destacar um membro para ser o redator do 16. É importante que seja utilizada a Análise FFOA (Forças,
grupo. Esta pessoa deve ficar exclusivamente com este tarefa, tal Fraquezas, Oportunidades e Ameaças) para organizar cada uma
é a importância de registrar o ocorrido, os argumentos centrais das alternativas dos debates. Tal método é comumente conhecido
e, principalmente, os pontos de convergência, que, mais tarde, pela sigla americana swot.
melhor elaborados, comporão o termo de acordo alcançado.
17. É indispensável que fique claro que todos os integrantes
13. Na fase de preparação da reunião, é importante que fique estão compreendendo perfeitamente cada item do acordo que se
claro para toda a equipe o objetivo que se persegue e a estratégia aproxima. Evidentemente, um bom acordo escrito em linguagem
para alcançá-la. Da mesma forma é imprescindível saber de antemão clara e acessível a todos é fundamental para alcançar ao cabo o
o mínimo aceitável para atingir o acordo. A equipe deve ter certa acordo perseguido.
margem de manobra, mas conhecendo muito claramente, onde
não pode aceitar menos. É imprescindível determinar, no início 18. Ao fim, é preciso celebrar o acordo, destacando o esforço
das tratativas, os itens que são negociáveis e os itens que não são coletivo, e tornar público o documento final com os termos do
negociáveis. acordo.
14. É essencial que sejam analisadas negociações passadas e Evidentemente, todo o processo será facilitado se for auxiliado
como se deu a implementação desses acordos.Quais procedimentos por uma equipe de apoio habituada aos ambientes de conflitos,
foram utilizados? Quais foram as forças e fraquezas das negociações bem como em metodologias de superá-los.
passadas? Quais foram os itens que as partes tiveram dificuldades
de cumprir?
Livros publicados
“Solução de conflito pelo uso da água”, apoiado pela ArcelorMittal Tubarão em
março de 2017. Disponível no site da ArcelorMittal Tubarão.
Link para o livro.
Valmir de Albuquerque Pedrosa “Construindo a segurança hídrica”, apoiado pela ArcelorMittal Tubarão em
novembro de 2018, cujo capítulo 4 tem o título “Análises de conflitos pelo uso da
valmirpedrosa@ctec.ufal.br água”. Disponível no site da amazon.
Link para o livro.
Site LinkedIn Facebook
Integrated Water Resource Management: Cases from Africa, Asia, Australia, Latin Professor responsável ou mediador de “gestão de conflitos ambientais”, por
America and USA”. Capítulo: The necessity of IWRM: The case of San Francisco River demanda das seguintes organizações:
Water Conflicts. Agosto de 2019. Disponível no site da amazon.
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