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Fichamento: História Geral da África, Vol.

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Disciplina: HI551 – História da África
Docente: Valéria Gomes Costa

Maria Clara Alexandre de Araújo

História geral da África, IV: África do século XII ao XVI / editado por Djibril Tamsir Niane. –
2.ed. rev. – Brasília : UNESCO, 2010.

RESUMO DO CAPÍTULO 6 - O Mali e a segunda expansão manden

1
No século XII, os Mandenka, grupos dispersos no sudano-saariano, tinham um habitat limitado. No
auge do Império de Gana, três grupos distintos se destacavam: os Soninke em Wagadu, os Sosoe ao
sul (capital em Sosoe) e os Maninka no território de Mande, próximo ao alto Níger entre Kangaba e
Siguiri.
2
Os Soninke, também chamados de Marka ou Wakore (Wangara), estabeleceram o Império de Gana,
marcando o início da expansão manden. Após os ataques dos Almorávidas, os Soninke deixaram
Wagadu e se misturaram com povos ao longo do Níger, impulsionados pela busca por ouro em direção
ao sul, chegando à orla da floresta. Djenné, possivelmente fundada por comerciantes Soninke antes da
chegada árabe, floresceu no século XV.
3
O desenvolvimento de Djenné não se deveu ao comércio transaariano árabe dos séculos IX e X.
Descobertas arqueológicas em seu antigo sítio, Djenne-Djeno, revelam ocupação desde o século III
a.C., construída por comunidades agrícolas, criadoras de animais e com prática de metalurgia,
tornando-se um dos raros locais na África ocidental a demonstrar essa prática na época, excluindo o
planalto de Bauchi, na Nigéria.
4
O cultivo do arroz na região remonta ao século I d.C., desmentindo a teoria da origem asiática da
variedade africana (Oryza glaberrima). Por volta do século III, Djenne-Djeno era uma grande cidade
cercada por pequenas aldeias agrícolas conectadas ao longo do rio Níger e do seu afluente, o Bani.
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Por volta de 500 d.C., evidências de comércio transaariano são confirmadas pelos artefatos de cobre
em Djenne-Djeno, originários das minas do Saara, especialmente de Takedda. Nesse período, a cidade
alcançou 34 hectares, com uma periferia densamente habitada, confirmada por escavações de 1977.
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A população deixou Djenne-Djeno para estabelecer-se em Djenné por volta de 800 d.C.,
possivelmente devido à preferência dos comerciantes muçulmanos por afastar-se da maioria pagã.
Djenné tornou-se um centro comercial importante, conectado à savana e ao Sahel, semelhante a Igbo-
Ikwu na foz do Níger. Ambas as cidades importavam cobre do sul e trocavam por ouro, nozes-de-cola
e marfim.
7
A presença do cobre em Djenné e Igbo-Ikwu antes do século VIII mostra que os árabes apenas
expandiram o comércio transaariano. A atividade comercial dos Wangara (Jula) precede a chegada
árabe, permitindo-lhes ampliar sua influência através da guerra e do comércio em várias direções.
8
Após a queda de Kumbi-Sāleh, entre os séculos XI e XIII, há escassez de fontes escritas sobre o
Sudão ocidental. O surgimento do Mali coincide com a segunda expansão manden, liderada pelos clãs
Maninka do alto Níger, que alcançaram o Atlântico a oeste e se estabeleceram na Senegâmbia. No
século XIV, os mercadores Mandenka introduziram o Islã nas terras haussa e, seguindo para o sul,
exploraram a floresta em busca de ouro e nozes-de-cola entre povos não convertidos ao Islã.
9
No século XV, o Império Manden declinou, mas continuou expandindo-se, especialmente ao sul,
com os Maninka estabelecendo centros comerciais, incluindo Begho, no território bron ou akan,
conhecido por sua riqueza em ouro.
10
No estudo, o foco será nos primórdios e desenvolvimento da expansão entre os séculos XIII e XIV
da civilização manden. Serão abordadas duas questões fundamentais: a situação do Sudão ocidental no
início do século XII e a configuração dos povos e reinos após a queda de Kumbi-Sāleh.

Reinos e províncias do Sudão ocidental no século XII

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Kumbi-Sāleh, a capital de Gana, foi conquistada pelos Almorávidas por volta de 1076. A história do
Sudão no século XII é pouco conhecida devido à lacuna documental entre as informações de al-Bakrī
por volta de 1068 e os relatos do geógrafo al-Idrīsī em 1154.
12
Após a independência dos Estados da África ocidental, coletas de tradições orais trouxeram
informações sobre a história pós-queda de Kumbi-Sāleh. Os registros ta’rīkh sudaneses do século XII,
baseados nessas tradições, oferecem insights importantes sobre o Sudão ocidental. Além disso, a
arqueologia desempenha um papel crucial, com escavações recentes em Kumbi-Sāleh, Awdaghust e
Niani, fornecendo dados abundantes e confirmando aspectos da tradição oral.

O Takrūr

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Desde meados do século XI, o Takrūr não estava mais sob o domínio de Gana. Wardjabi, convertido
ao Islã, e seu filho Labi apoiaram os Almorávidas na guerra santa contra os Godala em 1085.
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Controlando o rio Senegal e as minas de ouro de Galam, o Takrūr tornou-se um centro comercial
relevante após a queda de Kumbi-Sāleh. No século XII, era um poderoso reino reconhecido por sua
autoridade no rio Senegal, anexando Barissa e controlando as minas de sal de Awlil. O Takrūr era, na
época, o reino mais renomado após Gana para os árabes.
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O Takrūr, após Gana, era o reino mais conhecido para os árabes, superando os comerciantes de Gana
durante a guerra civil nas províncias soninke. Usando o Senegal como rota comercial até Gundiuru,
trocavam sal de Awlil por ouro perto de Barissa.
16
O ápice do reino do Takrūr ocorreu entre o final do século XI e meados do XII, ocupando um papel
econômico de destaque antes do surgimento do Sosoe e do Mali. As cidades de Sangana, Takrūr e
Sylla continuaram sendo importantes para o comércio de ouro após a queda de Kumbi-Sāleh, com o
Takrūr ocupando o lugar deixado por um tempo.
Apesar de ser uma grande metrópole e ter um bairro árabe-berbere como Kumbi-Sāleh, o reino do
17

Takrūr limitou sua influência à bacia do rio Senegal, não participando da luta de hegemonia entre
Soninke, Maninka e Sosoe.

O Songhai

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O Império de Gana não dominou o Songhai, mas este reino, há muito tempo, mantinha laços com o
Magreb. Convertidos ao Islã por volta de 1010, os reis do Songhai atraíram letrados e mercadores
árabo-berberes para Kūkya e Gao. No final do século XI, os Songhai se moveram pelo Níger,
mudando sua capital de Kūkya para Gao por volta de 1100, enquanto os tuaregues Magcharen
estabeleceram Tombuctu.
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Os Songhai rapidamente ocuparam toda a curva do Níger, tornando Tombuctu um importante centro
comercial. Apesar da expansão dos reis de Gao para o delta interno do Níger, indicando aspirações
políticas, seu poder ainda não estava consolidado na região.

As províncias soninke

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A queda de Kumbi-Sāleh gerou conflitos e migrações entre os Soninke, com o Islã já presente na
cidade antes da invasão dos Almorávidas, inclusive com um parente do rei convertido secretamente,
enquanto a maioria da população mantinha suas crenças ancestrais.
21
Guerras internas assolaram Wagadu, levando grupos Soninke a buscar refúgio em Nema para
preservar suas práticas religiosas, enquanto conflitos semelhantes dividiam os habitantes de Kaniaga.

A hegemonia sosoe

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“Foi de curta duração e situou­‐se entre 1180 e 1230. Ao findar o século XII, o povo Sosoe, sob a
dinastia dos Kante, entrou em guerra contra os muçulmanos.”

Os Sosoe
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Os Sosoe, parte dos Maninka, tiveram sua capital em Kulikoro, mas as ruínas ainda não foram
pesquisadas. Especializados na metalurgia do ferro, resistiram à influência islâmica. Os Kante, ligados
aos Soninke dos Jarisso, assumiram o poder no Sosoe e Kaniaga, fundando uma dinastia independente
de Gana antes da queda de Kumbi-Sāleh. Sob Sumaoro Kante, sucedendo Kemoko, o reino uniu
Kaniaga e Sosoe, expandindo suas conquistas.

Sumaoro Kante

24
As tradições orais retratam as conquistas de Sumaoro Kante, que assolou repetidamente o Manden,
sendo desafiado e resistido pelos Maninka. Após a morte do rei Nare Fa Maghan, seu filho Dankaran
Tuman se submeteu a Sumaoro ao dar-lhe em casamento sua irmã, mas o Manden manteve-se
independente.
25
Sumaoro Kante é descrito como cruel, instaurando um clima de medo e sendo temido tanto por sua
força militar quanto por seus poderes mágicos. Se atribui a ele a invenção de instrumentos musicais,
mas estudos sugerem que ele tentou abolir o tráfico de escravos, embora tenha sido um feroz opositor
do Islã. Sua tirania levou à revolta dos habitantes do Manden.
26
Após a fuga do rei Dankaran Tuman, refugiando-se no sul e estabelecendo a cidade de Kissidugu, os
insurgentes buscaram Sundiata Keita, filho de Nare Fa Maghan, exilado em Nema, para liderá-los
contra Sumaoro Kante. Essa rebelião marca o início do futuro Império do Mali.

O Manden antes de Sundiata


Fontes escritas

27
Al-Bakrī, no século XI, menciona o Mali como "Malel" e Do, onde os negociantes Wangara
transportam ouro de Iresni. Ele descreve um reino do outro lado do Senegal, cujo soberano tem o título
de "du", com habitantes armados com flechas. Mais adiante, menciona o rei de Malel com o título de
"al-Muslimani".
28
Um século depois, al-Idrīsī retoma essas informações de al-Bakrī, acrescentando detalhes sobre a
região. Ele descreve o território dos Lem-Lem ao sul de Barissa (Iresni), frequentemente alvo de
incursões do Takrūr e Gana em busca de escravos. Al-Idrīsī menciona as cidades de Malel e Do,
separadas por quatro dias de marcha.
29
Ambos autores mencionam as entidades políticas Malel e Do, além dos comerciantes Wangara. Al-
Idrīsī descreve ataques-surpresa de Gana e Takrūr para capturar escravos, e os Lem-Lem marcavam o
rosto. Essas descrições se aplicam aos povos do alto Níger e do Senegal.
Fontes orais

30
As fontes orais coletadas nas últimas duas décadas na região oferecem uma visão interna da história,
concentrando-se em "escolas" de tradições orais, como Keyla, Niagassola, Djelibakoro, entre outras,
mantidas pelos "Mestres da Palavra". Essas tradições narram a história do Mali, focando Sundiata
Keita como figura central, com semelhanças notáveis em todas as "escolas".
31
Essas fontes confirmam a existência inicial de dois reinos, Do e Kiri (ou Manden), habitados pelos
clãs Konde, Konate, Keita, Kamara, e Traore. Do, ou Dodugu, ao norte de Kiri, contava com o
poderoso reino de Dodugu com 12 cidades, enquanto Kiri habitava os clãs restantes e parte de
Gangaran. A unificação dos reinos sob o Malel fez desaparecer o nome Do, liderada pelos reis Keita
entre os séculos XI e XII, incluindo Barmandana, possível convertido ao Islã identificado por Ibn
Khaldūn.
32
Essas tradições orais coincidem com informações escritas sobre a existência de Do e Malel (ou Kiri),
indicando a unificação liderada pelos Keita e a conversão ao Islã do rei Barmandana, possivelmente
um dos primeiros soberanos do Manden a realizar a peregrinação a Meca.
33
Os Keita, fundadores do Mali, acreditam ser descendentes de Dion Bilali (ou Bilali Bunama ou Bilāl
ben Rabāh), companheiro do Profeta Maomé e primeiro almuadem ou muezim (mu’addhin) da
comunidade muçulmana32. Seu filho Lawalo ter­‐se­‐ia instalado no Manden, fundando a cidade de
Kiri ou Ki33.
34
Mamadi Kani, neto de Lahilatul Kalabi, expandiu o domínio dos Keita nos reinos do Do, Kiri, Bako
e Burem, destacando-se como "mestre-caçador". A força militar inicial do Manden era composta
principalmente por caçadores, que formavam uma associação fechada com reputação de possuir
segredos da floresta. Esses caçadores, ligados aos clãs Kamara, Keita, Konate e Traore, foram os
primeiros defensores das comunidades aldeãs.
35
O reinado de Mamadi Kani, provavelmente no início do século XII, teve quatro filhos, incluindo
Bamari Tagnogokelin, conhecido como "simbon". Seu bisneto, Maghan Kon Fatta, foi pai de Sundiata
Keita, o fundador do Império do Mali. No início do século XIII, Maghan Kon Fatta reinou enquanto o
Sosoe estava em expansão sob a Dinastia dos Kante. Após sua morte, o mansa Dankaran Tuman
ascendeu ao trono, mas Sumaoro Kante, rei de Sosoe, anexou o Manden.
36
De acordo com a tradição, dezesseis reis governaram antes de Sundiata Keita. As listas de reis
variam entre diferentes "escolas", mas todas destacam a importância dos "mestres-caçadores" como
primeiros monarcas e a introdução precoce do Islã no Manden. Os caçadores, ligados aos clãs como o
Traore, desempenharam um papel fundamental na história, influenciando casamentos reais e
dominando vastas áreas, como o Gangaran, incorporado pouco antes do reinado de Farako Maghan
Kegni.
37
A união dos clãs Maninka (Malinké) Sob o reinado do mansa Dankaran Tuman, os Maninka
(Malinké) sublevaram­­‐se mais uma vez contra a autoridade de Sumaoro Kante; diante da fuga do rei,
apelaram, conforme já dissemos, para seu irmão Sundiata. A guerra que opôs o Manden ao Sosoe
situa­‐se entre 1220 e 1235.

A personalidade de Sundiata Keita

38
O conquistador Sundiata Keita é crucial na história tradicional do Mali, mencionado por Ibn Battūta
e Ibn Khaldūn em 1353 e 1376. Mari Diata, o mais poderoso dos monarcas, subjugou os Susso e
reinou vinte anos. Embora sua genealogia permaneça obscura, seu nome indica "emir leão".
39
Ibn Khaldūn, o único a citar os Sosoe, revelou detalhes sobre Sundiata Keita. Sua infância foi difícil,
marcada por paralisia, ridicularizada pelas esposas do rei. Exilado por Dankaran Tuman, ele e sua
família encontraram refúgio em Nema, onde se destacou e recebeu ajuda para retornar ao Manden.
40
O anúncio da chegada de Sundiata provocou grande entusiasmo entre os Maninka, levando cada clã
a formar exércitos, com líderes como Tabon Wana e Kamadian Kamara, que se juntaram a Sundiata
em Sibi. Generais como Faoni Konde, Siara Kuman Konate e Tiramaghan Traore se uniram a
Sundiata para liderar as operações militares.
41
Os Kamara de Niani, Selefugu e Tigan, liderados pelo mansa Kara Noro, se revoltaram contra
Sumaoro Kante, mas a vitória deste foi assegurada pela traição da rainha, entregando o próprio
marido, e pela habilidade de Fakoli, seu sobrinho, que derrotou soldados com armaduras de ferro..
42
Após romper com seu sobrinho Fakoli, Sumaoro Kante seduz Keleya Konkon, a esposa de Fakoli,
causando uma revolta. Fakoli junta-se aos aliados em Sibi, e a batalha final ocorre em Kirina, onde as
tropas de Sumaoro Kante, embora numerosas, enfrentam o entusiasmo das forças de Sundiata Keita.
Sundiata, com a ajuda de sua irmã, que escapou do domínio de Sumaoro, conhece os segredos do
adversário. A batalha é permeada por elementos místicos, mas Sumaoro Kante, percebendo a violação
de seu segredo, aparece desanimado para a batalha.
43
Após a vitória em Kirina, Sundiata perseguiu Sumaoro até Kulikoro, mas não o capturou. Ele
destruiu a cidade de Sosoe. Além do triunfo militar, a batalha fortaleceu a aliança entre clãs e
inaugurou a expansão do Islã, Sundiata tornou-se protetor dos muçulmanos, embora seu papel na fé
islâmica não seja reconhecido pelos registros árabes.

A obra de Sundiata Keita


As conquistas militares

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Sundiata, com generais como Tiramaghan Traore e Fakoli Kuruma, expandiu os territórios de Gana.
Tiramaghan derrotou o rei do Diolof, expandindo para a Senegâmbia e fundando o reino de Gabu.
Enquanto isso, Fakoli conquistou áreas ao sul e no alto Senegal. Sundiata venceu reis aliados de
Sumaoro, restabelecendo a unidade do Sudão ocidental, e seu filho continuou as conquistas, anexando
Gao e Takrūr.

A constituição do Mali

45
A tradição do Manden atribui a Sundiata a codificação dos costumes que regem as relações entre os
clãs Mandenka e com outros clãs na África Ocidental. Apesar de atribuírem a ele feitos posteriores, foi
responsável pela constituição e estruturas do Império do Mali. Sundiata foi conhecido por vários
nomes como Maghan Sundiata, Maridiata, Nare Maghan Konate e Simbon Salaba, refletindo sua
importância e títulos diferentes ao longo da história.
46
A tradição oral relata que em Kurukan Fuga, perto de Kangaba, aconteceu a Grande Assembleia
após a vitória de Sundiata Keita, onde se tomaram importantes decisões:
a) Sundiata foi proclamado imperador e cada chefe aliado confirmado em sua posição.

b) Decretou-se que o imperador seria escolhido na linhagem de Sundiata e os príncipes escolheriam


suas esposas no clã Konde.
c) A sucessão fratrilinear foi estabelecida, onde o irmão sucederia o irmão.
d) O mansa seria o juiz supremo e "pai de todos os súditos".
e) Os Maninka e aliados se agruparam em 16 clãs, enquanto cinco clãs de marabus foram proclamados
guardiães da fé.
f) Certos ofícios foram divididos em quatro clãs, e os nomes clânicos mandenka se relacionaram com
outras etnias.
g) Barqueiros foram recompensados e Sundiata definiu direitos e deveres de cada clã.
h) Os Sosoe foram divididos entre castas e seu território declarado domínio imperial, levando muitos a
emigrarem para o oeste.
47
Sundiata estabeleceu uma constituição notável, espelhando a estrutura social do Império de Gana e
tornando hereditárias as profissões por meio da codificação dos clãs de ofício. Anteriormente, no
tempo de Gana, parecia haver liberdade na escolha profissional, mas com a nova lei, os filhos
seguiriam o ofício do pai, especialmente se pertencessem a um dos quatro clãs de ofício.

O governo de Sundiata

48
Sundiata assumiu o governo com seus aliados, incluindo letrados e militares, ligados aos clãs de
marabus, que tinham laços de parentesco com os Keita. Durante seu reinado, possivelmente,
mercadores árabes frequentaram sua corte. No entanto, a tradição o retrata apenas como libertador do
Manden e protetor dos oprimidos, não como um difusor do Islã.
49
Sundiata dividiu as províncias em duas categorias: as que se uniram aos aliados mantiveram seus
líderes e títulos, enquanto nas regiões conquistadas havia um líder tradicional e um governador
representando o imperador. Sua administração flexível criou uma estrutura que se assemelhava mais a
uma federação de reinos do que a uma organização centralizada. Guarnições mandenka em áreas
estratégicas garantiam a segurança e funcionavam como meio de dissuasão.
50
Sundiata dividiu o império em duas regiões militares, cada uma liderada por um general: Sangar
Zuma no sul e Faran Sura no norte, ambos responsáveis por caídes e tropas em suas respectivas áreas.

Niani, capital do Mali

51
Após vencer em Kirina, Sundiata escolheu a cidade de Mani, no território kamara, como nova
capital em vez de Dakadiala. Essa região era rica em ouro e ferro, e a mudança pode ter sido motivada
pela prosperidade, localização estratégica e recursos disponíveis em Mani, apesar de Dakadiala ter
sido a residência real por gerações. As razões para essa decisão foram variadas.
52
Niani, a capital, foi um epicentro tanto para rotas comerciais quanto políticas do império. Era um
ponto de partida para duas importantes rotas: a do Manden para o norte e a das caravanas, que seguia
para o nordeste. A cidade atraiu comerciantes negros e árabes, sendo referenciada por Ibn Battūta
como "Malli" e por Ibn Fadl Allāh al­‐‘UmarĪ como a região do Mali, onde se situava a residência real
e central de todas as outras regiões do reino.
53
Historiadores debateram sobre a capital do Mali até Maurice Delafosse interpretar corretamente o
manuscrito de al-‘Umarī, revelando o nome correto da capital como Nyeni ou Niani. Delafosse
localizou-a próxima à aldeia atual de Niani, às margens do rio Sankarani, na atual fronteira entre Mali
e Guiné.
54
Desde a década de 1920, o sítio de Niani tem recebido visitas de pesquisadores. Em 1968,
começaram escavações arqueológicas significativas conduzidas por uma missão guinéu-polonesa,
identificando a Vila Real, o quarteirão árabe e exumando alicerces de casas de pedra e as fundações de
uma mesquita. O muro que cercava a vila também foi localizado, revelando que todas as construções
eram feitas de tijolos de terra batida, corroborando as observações de al-‘Umarī.
55
O estilo de construção mencionado por al-‘Umarī persistiu até a colonização, quando o tijolo
moldado foi introduzido. Entretanto, ainda é comum encontrar casas na savana mandenka com
telhados de palha e pisos de terra batida, sendo a descrição de al-‘Umarī uma referência importante
para os estudiosos, comparada a relatos das tradições locais.
56
Os arqueólogos confirmaram a dispersão das moradias ao redor da Vila Real, com várias aldeias das
castas de ofício. As ruínas se estendem por cerca de 25 km, de Niani até Sidikila. Sundiata Keita
designou Niani como território imperial e lar comum para todos os povos, criando uma cidade
cosmopolita que abrigava representantes de todas as províncias e corporações de ofício. Ele restaurou
a tradição de educar os filhos dos líderes na corte, como nos tempos dos kaya maghan.

A morte de Sundiata Keita

57
Há várias lendas sobre a morte de Sundiata, sem consenso na tradição oral. Não se sabe onde estão
os túmulos dos grandes reis, já que é proibido revelar isso no território manden. Segundo uma tradição
recolhida por Maurice Delafosse, Sundiata teria sido acidentalmente flechado durante uma cerimônia.
58
Sundiata Keita possivelmente morreu afogado no rio Sankarani, perto do local chamado Sundiata-
dun (água profunda de Sundiata). Essa parte do rio é perigosa, com redemoinhos, e é evitada por
canoas. Os descendentes de Keita têm locais de culto nas margens para sacrifícios em memória dele,
como em Kirina, onde os Mamissoko realizam rituais em uma floresta sagrada.
59
Em Tigan, há um monte de cinzas chamado bundalin, onde supostamente estariam itens pessoais de
Sundiata Keita, como calçados e trajes de guerra. Em Kangaba, o santuário Kamablon é celebrado a
cada sete anos, onde também se acredita conter objetos pertencentes ao conquistador.
60
A música tradicional mandenka remonta ao "tempo de Sundiata" e é acompanhada por árias
específicas. A epopeia, conhecida como Sundiata fassa, foi composta pelo griot Bala Fasseke Kuyate,
narrando a saga do herói. O canto Boloba, dos griots de Sumaoro Kante, foi adotado por Sundiata
Keita como música para todos os guerreiros mandenka. Canções como Janjon homenageiam Fakoli
Kuruma, enquanto o Tiramaghan Fassa celebra as proezas do conquistador das províncias ocidentais
do Império do Mali. A antiga música Duga, reservada aos guerreiros mais notáveis do império,
antecede Sundiata.

Os sucessores de Sundiata Keita

61
Ibn Khaldūn forneceu a lista completa dos mansa do Mali do século XIII ao XIV, em paralelo com
tradições históricas manden. Seu trabalho em "História dos Berberes" e "Prolegômenos" destacou o
impacto político e econômico do Mali no mundo muçulmano do século XIV, baseando-se em dados de
mercadores árabes e embaixadas malienses no Cairo. Reconhecendo a importância do Mali, ele
dedicou extensas seções à história dos mansa.
62
Durante o reinado de Yerelenku após Sundiata Keita, o exército se manteve coeso, expandindo a
influência para o Takrūr e Senegâmbia. Sua peregrinação a Meca trouxe atenção para o Mali, mas
intrigas palacianas ameaçaram a estabilidade após sua morte. Sakura, general de Sundiata, restaurou a
ordem, submeteu as tribos tuaregues e expandiu a autoridade do Mali até Gao, mas foi assassinado ao
retornar de Meca. Mansa Mūsā I, sobrinho de Sundiata, teve um reinado de destaque, atingindo o
apogeu do Mali, seguido por um período de instabilidade durante o governo de Maghan I e Fomba, até
Mari Diata II assumir o trono com um governo autoritário.
63
Mansa Mūsā II assumiu o poder após a doença de Mari Diata II, mas foi seu general quem de fato
governou, restaurando a ordem no Estado e reprimindo um levante em Tiggida. No final do século
XIV, intrigas no palácio, influência crescente dos governadores provinciais e desafios à autoridade
central marcaram o período, embora o império ainda mantivesse sua influência por um tempo
considerável.

Genealogia dos mansa do Mali, segundo lbn Khaldūn

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Estas são as estimativas de Maurice Delafosse para os reinados de Sundiata até mansa Mūsā I:
Sundiata: 1230–1255

mansa Ulin (Yerelenku): 1255–1270


WalĪ: 1270–1274
Khalifa (Xalifa): 1274–1275
Abū Bakr: 1273–1285
Sakura: 1285–1300
Kaw (Ko): 1300–1305
Muhammad: 1305–l310

O triunfo do Islã, sob o reinado de mansa Mūsā

Mansa Mūsā I (1307‐1332)

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mansa Mūsā do Mali alcançou grande fama por sua peregrinação a Meca em 1325 e sua
generosidade no Cairo, distribuindo tanto ouro que afetou o mercado do metal precioso por muito
tempo. Sua jornada teve um impacto significativo na história subsequente do Sudão ocidental, atraindo
interesse do Egito, do Magreb, de Portugal e das cidades mercantis da Itália para o Mali, criando uma
aura de Eldorado aos olhos dos estrangeiros.
66
Após assumir o trono, Mansa Mūsā fortaleceu o poder central e contou com a ajuda do renomado
general Saran Mandian para consolidar as conquistas anteriores. Sob o comando deste, o soberano
expandiu a autoridade do Mali não apenas no vale do Níger até Gao, mas também no Sahel,
subjugando os nômades saarianos e reduzindo suas tendências a revoltas e saques. Essas ações criaram
um ambiente propício para a viagem do soberano a Meca, apesar das lembranças sombrias da morte de
Sakura pelas mãos dos nômades saarianos.
67
Mansa Mūsā I planejou meticulosamente sua viagem, requisitando contribuições de todas as cidades
mercantis e províncias. Sua comitiva era impressionante: 60 mil carregadores e 500 servidores
vestidos com trajes de ouro, cada um com uma bengala do mesmo metal. Ao chegar ao Cairo, recebeu
honras semelhantes às de um grande sultão, impressionando pela grandiosidade e generosidade que
remetia às histórias das Mil e Uma Noites. Sua descrição física é uma das poucas que chegaram até
nós, destacando sua presença imponente.
68
Segundo a tradição oral, comprou terras e casas em Meca e no Cairo para abrigar os peregrinos
sudaneses. O importante, porém, é que mansa Mūsā estabeleceu sólidas relações com os países que
percorreu.

Mansa Mūsā, construtor e mecenas

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Mansa Mūsā retornou do Cairo acompanhado do arquiteto Ishāk al-Tuedjin, responsável pela
construção da grande mesquita em Gao, a qual, hoje, possui apenas ruínas. Em Tombuctu, ergueu-se a
grandiosa mesquita Djinguereber e um palácio real, mas sua obra mais notável foi a sala de audiências
em Niani, desejada pelo imperador como uma estrutura robusta e magnífica, revestida de gesso.
70
O arquiteto imperial precisou utilizar terra batida, material comum na região do Sudão onde Niani
estava localizada, para erguer os monumentos. Devido à latitude, estruturas feitas desse material
necessitam restaurações frequentes em comparação com as mesquitas de Djenné, Tombuctu e Gao,
mais ao norte, onde a baixa pluviosidade permite melhor preservação. O estilo original das mesquitas
sudanesas inclui o uso de terra batida reforçada com estruturas de madeira, mas após danos e
destruições em Niani, as construções perderam seus revestimentos de gesso, transformando-se em uma
mistura de argila e pedra devido à ação das chuvas.
71
No Cairo, o mansa respondeu às perguntas dos sábios com muitas informações sobre o império, às
vezes exageradas, afirmando possuir direitos exclusivos sobre o ouro e coletá-lo como tributo. O
governador Ibn Amīr Adjib descreveu as cores das vestes do soberano como amarelo sobre fundo
vermelho durante sua jornada real.
72
Mansa Mūsā tinha consciência dos povos ao sul do Mali e mencionou uma cidade chamada Tiggida
(Takedda), onde havia uma mina de cobre vermelho, cujo metal era transportado em lingotes para
Niani.
73
Mansa Mūsā I afirmou que seu antecessor morreu em uma expedição marítima que comandou,
equipando 2 mil navios, porém nunca retornou. Isso levanta a especulação sobre uma possível
descoberta das Américas pelos Maninka antes de Colombo. A anedota indica o interesse e a possível
presença dos conquistadores manden no litoral, especialmente na Gâmbia, mostrando um
envolvimento com questões de navegação marítima.
74
Mansa Mūsā I, um letrado árabe, atraiu intelectuais à sua corte, embora dependesse de intérpretes
para falar com árabes. Após sua peregrinação, despertou interesse do Magreb pelo Mali, resultando em
trocas diplomáticas. Investiu em educação, adquirindo livros e abrindo escolas corânicas,
influenciando o crescimento de cidades como Walata, Djenné e Tombuctu.
75
Mansa Mūsā I deixou um legado marcante na arquitetura sudanesa, com monumentos de terra batida
e madeira, exemplificados pelas mesquitas de Djenné e Tombuctu. Além disso, seu mecenato cultural
estimulou o desenvolvimento de uma literatura negra em árabe, especialmente nas cidades de Djenné e
Tombuctu nos séculos XIV e XVI.

Mansa Solimão
A vida na corte

76
Mansa Solimão sucedeu brevemente Maghan I, seguindo a tradição como herdeiro legítimo. Durante
seu reinado (1336-1358), o viajante Ibn Battūta visitou o Mali, passando nove meses na capital. Suas
observações detalhadas revelaram o rígido protocolo das cerimônias na corte e proporcionaram
informações complementares sobre a administração do império.

O mansa e sua corte

77
O mansa, conhecido como justiçeiro e patriarca, recebia as queixas dos súditos, sendo representado
pelos governadores regionais. Se eles agissem injustamente, poderiam ser removidos após notificação
ao mansa. Os súditos abordavam o mansa com reverência, chamando-o de "Senhor, meu pai".
Segundo Ibn Battūta, o mansa realizava duas audiências: uma na sala de audiências no palácio, e outra
ao ar livre, sob uma árvore, com dignitários, sacerdotes e griots presentes.
78
A sessão ao ar livre ocorria todas as sextas-feiras após a prece do meio-dia, onde o griot recitava a
história, narrando a lista dos reis e suas façanhas. Era um momento solene onde a tradição oral
prevalecia, sendo a história ensinada continuamente, inclusive nas famílias, e o povo jurava em nome
do rei, uma prática mantida até o século XIX.
79
O cerimonial em Niani adotou o protocolo dos kaya maghan com maior esplendor, mas com a
novidade do imperador ser muçulmano. Apesar de celebrar festas islâmicas com pompa, o mansa
mantinha práticas pagãs, causando desconforto a Ibn Battūta. A corte, apesar do verniz muçulmano,
era pouco diferente de outras cortes não muçulmanas, como a dos Mossi.
Os dignitários

80
De acordo com al-'Umarī, os nobres se vestiam ricamente e usavam ouro, exibindo armas
impressionantes, especialmente arqueiros com aljavas distintas. A nobreza das aljavas representava os
descendentes dos conquistadores, enquanto a nobreza dos turbantes consistia nos marabus dos cinco
clãs guardiões da fé.

A civilização mandenka (mandingo)


Os povos do império

81
Em seu apogeu, sob os reinados de mansa Mūsā I e mansa Solimão, o Império do Mali abrangia toda
a África ocidental sudano­‐saheliana; diversos povos e etnias faziam parte, assim, de um único
conjunto político.

Nômades e pastores

82
Os Messufa dominavam extensas áreas pastoris do Saara, desempenhando um papel crucial no
comércio de sal, enquanto os Lamtūna Sanhadja e Godala exploravam também as minas de sal e o
comércio transaariano. Esses grupos nômades, controlados por guarnições em cidades como Walata,
Tombuctu e Gao, eram supervisionados pelo comando militar do sura farin, estendendo-se do
Atlântico à curva do Níger.

Os povos do Sahel

83
No Sahel, onde o clima era mais moderado e pastagens abundantes, ficavam cidades como Takrūr,
Awdaghust, Kumbi-Sleh, Walata e Tombuctu. Os Fulbe eram nômades bovinocultores, migrando e se
estabelecendo ao sul, especialmente em Djenné e perto de Niani. Os agricultores islâmicos como
Tukuloor, Soninke e Songhai habitavam grandes aldeias na região plana, facilitando a comunicação e
promovendo uma cultura comum, apesar das diferenças linguísticas.

Os povos da savana

84
Os principais grupos étnicos eram os Diolof (Wolof), Mandenka (Mandingo) e Soninke. Os
Maninka (Malinké) se estabeleceram na região de Casamance e na Senegâmbia após as conquistas de
Tiramaghan Traore, possivelmente coexistindo com grupos locais como Biafada, Balante, Felup e
Bainuk, dedicados à rizicultura. A presença prévia de mercadores e marabus Maninka e Soninke
nessas áreas é provável antes do século XIII.
85
Navegadores portugueses, ao alcançarem o rio Gâmbia, contataram o mansa, revelando a forte
influência Mandenka naquelas áreas no século XV. Relatos de Tombuctu indicam que o Mali,
especialmente Djenné, era densamente povoado, conforme documentado no Ta’rīkh Al-Sūdān.
86
Apesar de parecer um número alto, a presença de 7077 aldeias em Djenné realça a importância da
oralidade na transmissão de informações. Isso sugere que o reino era populoso, estimando-se a
população do Mali entre 40 e 50 milhões de habitantes na época. As áreas dos rios Níger e Senegal
eram densamente povoadas, com Niani, a capital, contando com pelo menos 100 mil habitantes no
século XIV.
87
Os imperadores do Mali demonstraram pouco interesse na margem direita do Níger, ao contrário dos
soberanos de Gao, que nomearam um governador em Hombori, próximo ao território dos Dogon. A
cultura Dogon, altamente estudada na África, carece de uma perspectiva histórica completa, embora os
trabalhos de R. M. A. Bedaux tentem relacionar os Dogon aos Tellem e a outros povos da região do
Níger, explorando um contexto socio-histórico. Apesar de seus objetos de arte serem reconhecidos
mundialmente, muitos dos mais belos artefatos Dogon estão em coleções privadas e museus na
Europa, não no Museu de Bamako.

Os Dogon

88
Na região montanhosa de Hombori, as falésias, especialmente a de Bandiagara, foram o lar dos
Dogon, um povo sobre o qual os soberanos da savana exerciam pouco controle. Os Dogon habitavam
pequenas aldeias nas encostas da montanha, afastados do domínio dos líderes da região. Segundo sua
tradição oral, migraram do Manden para as montanhas em torno dos séculos XIV e XV, encontrando
os Tellem, povo já estabelecido na área, que partiram quando os Dogon chegaram, indo para o
Yatenga.
89
Os Dogon, vindos possivelmente do Manden, ainda são envoltos por mistérios, assim como os
Tellem. Estudos de cerâmica sugerem interação entre a cultura Dogon e a maninka de Niani. O
império fortaleceu laços comuns entre os povos do Sahel sudanês por meio de correspondência de
nomes, relações familiares e vínculos jocosos entre Mandenka, Fulbe, Diolof e povos costeiros.

A organização política e administrativa

90
O Império do Mali operava como uma confederação, com províncias mantendo autonomia
considerável. Reinos vassalos como Gana e Nema mantinham uma relação simbólica de submissão ao
poder central.

O poder central

91
O mansa detinha o poder supremo, rodeado por altos funcionários dentre os descendentes de
Sundiata Keita. A estrutura política baseava-se na aldeia, chamada de dugu, formada por descendentes
de um mesmo patriarca. Múltiplas aldeias sob um líder constituíam uma província ou kafu (jamana).
92
Sundiata Keita uniu as províncias do Manden, ascendendo de chefe a mansa (imperador),
estabelecendo autoridade sobre outros reis. Seus generais formaram a aristocracia militar, colaborando
em um conselho próximo ao soberano. O griot, dos descendentes de Bala Faseke, tinha papel crucial
na corte, atuando como porta-voz, preceptor dos príncipes e regente da orquestra real. Ibn Battūta
fornece detalhes sobre sua função na corte do mansa Solimão.
93
No século XIV, apesar do uso de secretários para correspondência oficial, a transmissão oral de
mensagens persistia. O imperador, atuando como "pai do povo", realizava sessões solenes para
distribuir justiça pessoalmente, ouvindo queixas contra governadores e resolvendo disputas conforme
as leis existentes. Embora a corte parecesse muçulmana, o mansa permanecia como a figura patriarcal
central, capaz de garantir justiça tanto na corte quanto nas províncias, onde os cádis, por ele
nomeados, aplicavam a lei corânica.

Os funcionários

94
Além do griot mencionado por Ibn Battūta, há pouca informação sobre os outros agentes do poder
central. O lugar-tenente geral, provavelmente responsável pelo comando das forças armadas, tem
funções pouco claras. O santigui, como ministro das Finanças, inicialmente cuidava dos celeiros reais
e depois passou a guardar os depósitos de ouro, marfim e outras riquezas. Cada casta de ofícios era
representada por um chefe junto ao mansa, responsável por transmitir ordens e liderar as corporações
de artesãos, como ferreiros, barqueiros, pescadores e sapateiros.

Governo das províncias

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O Império Mali era composto por províncias e reinos vassalos, cada uma liderada por um
governador (farin). No auge no século XIV, possuía doze províncias, com destaque para Takrūr, um
reino conquistado, Bambuku, conhecido por suas minas de ouro, Dia, localizado no vale do médio
Níger, Gao ou Songhai, que se expandia e, mais tarde, se libertaria da dominação mandenka,
Sanagana, uma região nômade, e os aliados Gana e Nema, que estiveram ao lado de Sundiata Keita. O
Manden, onde a capital estava localizada, era diretamente ligado ao mansa, o imperador.
96
Cada província tinha divisões em cantões, muitas vezes correspondendo a territórios de clãs. O
governo provincial refletia o poder central, com o farin cercado de dignitários e líderes locais,
mantendo tradições locais. Os cantões eram compostos por aldeias, lideradas por um chefe tradicional
(dugutigui). Essa estrutura flexível, incorporando líderes locais, assegurou estabilidade interna, com
um exército que permaneceu invicto por um longo período, garantindo a segurança dos habitantes e
bens.

O exército

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Há poucos detalhes sobre o tamanho exato do exército do Mali, mas relatos indicam cerca de 100
mil homens, destacando a força relativa do exército. A principal força vinha dos Mandenka,
conhecidos por seu temperamento guerreiro e disciplina. Cada grande cidade do império tinha uma
guarnição, mostrando o alcance da autoridade do mansa, que era reconhecida até por príncipes
magrebinos que buscaram ajuda para recuperar seus tronos.
98
A aristocracia militar, conhecida como "nobreza de aljava", priorizava as funções militares, com a
cavalaria - liderada pelos tontigui - como a elite do exército, armados com arco, lanças e sabres. A
infantaria era comandada pela pequena nobreza e variava em armamento de acordo com a região, com
Manden usando flechas e aljavas, enquanto no Saara usavam escudos e lanças. Não se observa o uso
de tropas escravas durante o auge do império; cada província contribuía com homens livres, e as
guarnições nas cidades e nas fronteiras mantiveram a estabilidade interna e protegeram contra
invasões externas por um longo tempo.

A vida econômica
A agricultura

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O Mali era conhecido por sua riqueza em ouro, mas a economia se baseava principalmente na
agricultura e na pecuária, ocupando a maior parte da população. Detalhes específicos das atividades
rurais são escassos, mas fontes do século XIV destacam a abundância de alimentos, como o cultivo de
arroz nos vales dos rios Níger e Sankarani, e a prevalência do milhete no Sahel, onde a chuva era
intermitente. Feijão e diversos legumes também eram cultivados. Ibn Battūta ressaltou a abundância
de alimentos no Mali, onde a vida não era dispendiosa, e os viajantes encontravam suprimentos em
todas as aldeias.
100
A riqueza agrícola sustentava o poder do mansa, permitindo-lhe manter um grande exército e
desempenhar o papel de líder do povo, oferecendo banquetes frequentes à população. Uma tradição
ancestral no Manden exigia a oferta de parte da colheita, mesmo que simbólica, ao mansa ou a seus
representantes; recusar isso era um sinal de desafio à autoridade. O mansa castigava severamente os
ladrões de inhame, já que era costume reservar os primeiros frutos dessa planta como sinal de respeito
ao chefe. No final do século XV, a produção de algodão era difundida no império, com Casamance
sendo notável pela riqueza nesta cultura, trocada por ferro segundo relatos de navegantes portugueses.

A criação e a pesca

101
A criação de animais, uma atividade típica dos povos do Sahel como os Fulbe, também era comum
entre os camponeses do vale do rio Níger no século XIV, incluindo bovinos, ovinos e caprinos.
Grupos Fulbe já haviam se fixado nas regiões do Diolof, Takrūr e Manden devido às pastagens
abundantes do vale. A pesca era uma atividade especializada de grupos étnicos como os Somono,
Bozo e Sorko, que comercializavam peixe defumado ou seco em todo o império, chegando até regiões
ao sul, como Gana, Costa do Marfim e Burkina Fasso, onde o peixe de Mopti era consumido até
tempos recentes.

Os artesãos

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O artesanato era dividido entre as castas, com os ferreiros produzindo ferramentas e armas usando
metal abundante nos montes Manden e Niani. Peles e couros eram trabalhados pelos clãs de
sapateiros, sendo uma fonte importante de recursos exportados para países do norte da África. O
trabalho do ouro, uma atividade honrosa, era realizado pelos siaki no Manden, enquanto no Takrūr e
Diolof, os artesãos eram reconhecidos por trabalhar metais preciosos desde os tempos dos kaya
maghan, tornando-se os mais respeitados da África Ocidental.
103
A tecelagem era próspera, gerando um comércio significativo de tecidos de algodão, especialmente
os tingidos com índigo, destacados pelos Tukuloor e Soninke. No Takrūr, o clã Mabo se dedicava à
tecelagem e tintura. Apesar dos deveres atribuídos às castas sob o mansa, também desfrutavam de
direitos precisos estabelecidos pelo costume, estando protegidos de demandas excessivas por parte do
imperador, nobres ou homens livres.

O comércio

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O ouro, sal, cobre e nozes-de-cola foram cruciais na economia do Mali. O império se destacava
como o maior produtor mundial de ouro, explorando minas em várias regiões, como Burem,
Bambuku, Galam e Niani. O mansa mantinha direitos exclusivos sobre as pepitas de ouro, que também
eram provenientes das florestas ao sul.
105
Begho, em Gana, foi um grande centro de comércio de nozes-de-cola, ouro e cobre. O sal de
Teghazza e Idjil era distribuído pelos Diula por todo o império, enquanto a costa da Senegâmbia
produzia sal marinho, mas não o exportava para o interior. Takedda se destacava na produção e
comércio de cobre, valorizado até mais que o ouro no sul. O comércio das nozes-de-cola conectou os
Soninke e Maninka aos povos da floresta, como Akan e Guro, que os chamavam de Diula ou
Wangara, significando comerciantes.
106
Os Mandenka expandiram-se em busca de nozes-de-cola e ouro, estabelecendo postos comerciais
até Kong (atual Costa do Marfim) e Begho (atual Gana), difundindo também o Islã e a cultura
mandenka ao sul. Os Diula ou Wangara lideravam caravanas de comércio, transportando sal, tecidos e
cobre para a floresta, utilizando carregadores e até escravos para o transporte. Essa tradição comercial
persiste entre os Mandenka, que continuam a ser comerciantes proeminentes na África ocidental.

CONSIDERAÇÕES

A história da África é vasta e rica, abrangendo uma diversidade de culturas, civilizações e


eventos que muitas vezes são subestimados ou negligenciados. É crucial reconhecer a profundidade e
a complexidade dessa história, que vai além dos estereótipos frequentemente associados ao continente.
Desde os reinos e impérios antigos até os intercâmbios culturais, a história africana é marcada por
avanços notáveis em arte, ciência, comércio e governança.
Explorar a história da África é descobrir uma narrativa multifacetada de sociedades prósperas,
inovações tecnológicas e trocas culturais que influenciaram não apenas o continente, mas também o
mundo. Reconhecer e valorizar essa história é essencial para uma compreensão holística do passado
global e para apreciar a diversidade cultural e o legado duradouro que moldaram o panorama atual da
África e do mundo

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