passado e criticar o presente prejudicado, evitando que este perdure e, assim, que aquele se repita.” (p. 10). A íntima vinculação entre a questão educacional e formativa e a reflexão teórica social, política e filosófica constitui a manifestação mais direta do núcleo temático essencial ao conjunto da chamada Escola de Frankfurt: a relação entre teoria e prática. Em Adorno a teoria social é na realidade uma abordagem formativa, e a reflexão educacional constitui uma focalização político-social. Uma educação política. O que dizer, por exemplo, de um mundo em que a fome é avassaladora, quando a partir de um ponto de vista científico-técnico já poderia ter sido eliminada? Ou, o inverso: como pode um mundo tão desenvolvido cientificamente apresentar tanta miséria? Este é o problema central, insiste o nosso autor: o confronto com as formas sociais que se sobrepõem às soluções "racionais". O problema maior é julgar-se esclarecido sem sê- lo, sem dar-se conta da falsidade de sua própria condição. Assim como o desenvolvimento científico não conduz necessariamente à emancipação, por encontrar-se vinculado a uma determinada formação social, também acontece com o desenvolvimento no plano educacional. Como pôde um país tão culto e educado como a Alemanha de Goethe desembocar na barbárie nazista de Hitler? Caminho tradicional para a autonomia, a formação cultural pode conduzir ao contrário da emancipação, à barbárie. O nazismo constituiria o exemplo acabado deste componente de dominação da educação, resultado necessário e não acidental do processo de desenvolvimento da sociedade em suas bases materiais. (ADORNO, ano?, p. 15). A indústria cultural expressa a forma repressiva da formação da identidade da subjetividade social contemporânea. Marx já assinalara como pela educação os trabalhadores "aceitam" ser classe proletária, interiorizando a dominação, por exemplo, nos seus hábitos. Agora vemos como esta "aceitação" se dá objetivamente no capitalismo tardio. (p.19). Enfim: a indústria cultural reflete a irracionalidade objetiva da sociedade capitalista tardia, como racionalidade da manipulação das massas. A indústria cultural obscurece por razões objetivas, aparecendo como uma função pública da apropriação privada do trabalho social. Na continuidade de seu próprio desenvolvimento, o esclarecimento se inverte em obscurantismo e ocultamente Para Adorno, a indústria cultural corresponde à continuidade histórica de condições sociais objetivas que formam a antecâmara de Auschwitz, a racionalização da linha de produção industrial — seja fordista, seja flexível — do terror e da morte. (p. 21). Auschwitz faz parte de um processo social objetivo de uma regressão associada ao progresso, um processo de coisificação que impede a experiência formativa, susbtituindo-a por uma reflexão afirmativa, autoconservadora, da situação vigente. Auschwitz não representa apenas (!) o genocídio num campo de extermínio, mas simboliza a tragédia da formação na sociedade capitalista. A "semiformação" obscurece, mas ao mesmo tempo convence. Vimos que a "indústria cultural" é a cultura totalmente convertida em mercadoria, no plano da totalização da estrutura da mercadoria na formação social, inclusive no plano das próprias necessidades sensíveis a que correpondem os valores de uso dos bens na sociedade de consumo. (p. 22). Pelo fenômeno da indústria cultural, portanto, a dominação no plano da subjetividade, até mesmo em seus aspectos mais subjetivos, seria condicionada à estrutura social. Nestes termos Adorno não implementa uma crítica ética do poder, mas confere clareza suplementar à derivação da dominação a partir da estruturação social do trabalho, conforme Hegel e Marx. Neste sentido a "indústria cultural" é um conceito político e ético materialmente embasado no processo produtivo. Do mesmo modo, o conceito de "semiformação" constitui a base social de uma estrutura de dominação, e não representa o resultado de um processo de manipulação e dominação políticas. Este potencial dos conceitos da Dialética âo esclarecimento certamente não foi considerado por Habermas, caso contrário torna-se incompreensível sua opção pela dualidade entre trabalho e interação. A educação crítica é tendencialmente subversiva. É preciso romper com a educação enquanto mera apropriação de instrumental técnico e receituário para a eficiência, insistindo no aprendizado aberto à elaboração da história e ao contato com o outro nãoidêntico, o diferenciado. A exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação. De tal modo ela precede quaisquer outras que creio não ser possível nem necessário justificá-la. Não consigo entender como até hoje mereceu tão pouca atenção. Justificá- la teria algo de monstruoso em vista de toda monstruosidade ocorrida. Mas a pouca consciência existente em relação a essa exigência e as questões que ela levanta provam que a monstruosidade não calou fundo nas pessoas, sintoma da persistência da possibilidade de que se repita no que depender do estado de consciência e de inconsciência das pessoas. Qualquer debate acerca de metas educacionais carece de significado e importância frente a essa meta: que Auschwitz não se repita. Ela foi a barbárie contra a qual se dirige toda a educação. Fala-se da ameaça de uma regressão à barbárie. Mas não se trata de uma ameaça, pois Auschwitz foi a regressão; a barbárie continuará existindo enquanto persistirem no que têm de fundamental as condições que geram esta regressão. É isto que apavora. Apesar da não visibilidade atual dos infortúnios, a pressão social continua se impondo. Ela impele as pessoas. (p.119). É preciso reconhecer os mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais atos, é preciso revelar tais mecanismos a eles próprios, procurando impedir que se tornem novamente capazes de tais atos, na medida em que se desperta uma consciência geral acerca desses mecanismos. Os culpados não são os assassinados, nem mesmo naquele sentido caricato e sofista que ainda hoje seria do agrado de alguns. Culpados são unicamente os que, desprovidos de consciência, voltaram contra aqueles seu ódio e sua fúria agressiva. É necessário contrapor-se a uma tal ausência de consciência, é preciso evitar que as pessoas golpeiem para os lados sem refletir a respeito de si próprias. A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma auto-reflexão crítica. Contudo, na medida era que, conforme os ensinamentos da psicologia profunda, todo caráter, inclusive daqueles que mais tarde praticam crimes, forma-se na primeira infância, a educação que tem por objetivo evitar a repetição precisa se concentrar na primeira infância. Já mencionei a tese de Freud acerca do mal-estar na cultura. Ela é ainda mais abrangente do que ele mesmo supunha: sobretudo porque, entrementes, a pressão civilizatória observada por ele multiplicou- se em uma escala insuportável. Por essa via as tendências à explosão a que ele atentara atingiriam uma violência que ele dificilmente poderia imaginar.