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BOMENY, Helena. Responsabilidade social e benefício privado.Conjuntura Econômica.

Rio de Janeiro,
p.52, mar.2003.

Responsabilidade social e benefício privado

Helena Bomeny1

O Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe (PREAL),

sediado no CPDOC da Fundação Getulio Vargas, realizou em 2001 uma pesquisa sobre

investimento empresarial em educação no Brasil. A pesquisa, financiada pela Fundação Ford

e o IBOPE, foi responsável pela aplicação dos questionários a um conjunto de empresas das

regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre,

Salvador, Recife e Fortaleza. 2 O IBOPE usou como base de seleção da amostra o cadastro da

empresa Dun & Bradstreet do Brasil Ltda, afiliada brasileira da Dun & Bradstreet

Corporation, líder mundial na confecção e elaboração de relatórios de informações comerciais

de empresas. Das 275.000 empresas existentes no Brasil, 20.000 encontram-se em seus

bancos de dados com informações cadastrais atualizadas. Para a pesquisa, utilizou-se o

cadastro DUNS 10.000, uma base de dados com 10.256 empresas consultadas,

principalmente, através de pedidos de informações de empresas internacionais sobre empresas

nacionais.

Nosso interesse foi mapear o investimento empresarial em educação em vista do crescimento

importante, registrado na década de 1990, do movimento privado em direção às ações

públicas, de caráter social, entre elas, a educação. Considerada estratégica em qualquer

esforço de desenvolvimento nacional, a educação no Brasil é reconhecidamente deficitária,

1
Pesquisadora do CPDOC/FGV, Professora Titular Sociologia da UERJ, Coordenadora do PREAL no Brasil.
2
Os resultados da pesquisa estão publicados no livro Empresários e Educação no Brasil. Rio de Janeiro,
PREAL/Fundação Ford, Fundação Getulio Vargas/CPDOC, 2002.

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não apenas no sentido de incluir a população em idade escolar no sistema regular de ensino,

mas principalmente no de manter os estudantes na escola, e com o desempenho esperado. O

desafio da universalização dá sinais de ter sido vencido, mas estamos ainda longe de superar

os outros dois: o de manter a população escolar nas escolas e o de garantir educação de

qualidade. Os dados de avaliação provenientes das décadas de 1980 e 1990 deixaram bastante

nítida a distância entre a oferta educativa e o resultado do processo de ensino/aprendizagem.

A discrepância foi tal, que uma nova categoria de identificação foi consagrada no meio

empresarial: analfabetismo funcional – expressão cunhada para identificar o problema de

falta de escolarização substantiva. Alunos que, apesar de terem cumprido o ritual de

escolarização, mantém-se ignorantes nas habilidades fundamentais ao desempenho exigido no

mercado de trabalho. Agravando o quadro, temos ainda que conviver com uma média de 5.6

anos de escolaridade, contra a de 11 anos dos países desenvolvidos. A média do tempo de

escolaridade no Brasil deixa o país em situação inferior, inclusive, à dos países menos

desenvolvidos da América Latina.

A pesquisa procurou informações a respeito do quanto e de que maneira o discurso sobre o

envolvimento da classe empresarial em ações educativas correspondia a projetos e programas

mais conseqüentes. Que tipo de investimento, qual a duração, com que freqüência e para que

público constituíram-se em indagações que o questionário procurava desvendar. Os dados

confirmaram certas tendências já conhecidas no Brasil. A principal delas sendo a de

investimento voltado para dentro, ou seja, investimento em aprimoramento da mão de obra

para atuação nas próprias empresas. Entre as motivações básicas para os investimentos, nas

300 empresas consultadas, a pesquisa revelou que 70% se justificaram com o argumento de

melhoria da qualidade dos funcionários/empregados. Apenas 10% responderam que a

motivação da empresa para o investimento teria sido a responsabilidade social corporativa.

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Quando a pesquisa desdobrou as perguntas perseguindo a definição do tipo de ação, programa

ou projeto, esses dados se confirmam mais qualificadamente. 70% dos projetos estão voltados

para aprendizado diretamente relacionado às necessidades da organização; apenas 10% do

universo de investidores investem fora da empresa, ou seja, promovem ou apóiam projetos de

educação fundamental para população externa à organização. Uma nota interessante: os 70%

que investem para dentro das organizações destinam seus recursos à escolarização formal.

Completar o segundo grau, promover a formação em curso superior ou mesmo completar a

educação fundamental. Esse dado surpreendente valeria uma investigação mais cuidadosa dos

pesquisadores, já que o próprio questionário não estava habilitado a suprir a informação

correspondente. Ainda que seja formação para dentro da organização, os beneficiados acabam

levando consigo o benefício da maior escolarização. De qualquer forma, se o tema que

mobiliza as empresas ou que sustenta o discurso das empresas é o da responsabilidade social,

muito ainda há que ser percorrido nesse longo, e nem sempre muito claro, trajeto do privado

ao social.

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