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Comunicação e consumo nas dinâmicas culturais do mundo globalizado

Article  in  PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura · April 2014


DOI: 10.22409/pragmatizes2014.6.a10373

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Gisela G. S. Castro
Escola Superior de Propaganda e Marketing
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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura

Comunicação e consumo nas dinâmicas culturais


do mundo globalizado

Comunicación y consumo en las dinámicas culturales


del mundo globalizado

Communication and consumption in the cultural dynamics


of the globalized world

Gisela G. S. Castro1

Resumo:

Palavras chave: No conjunto dos estudos multidisciplinares que caracterizam o campo


da Comunicação, o consumo tornou-se um tema de destaque que
Consumo tem merecido análises a partir de diferentes perspectivas teórico-
metodológicas. Como denominador comum, entende-se que se trata
Sociedade de Consumo de um vetor central na constituição da experiência contemporânea
num mundo crescentemente regido por processos de globalização
Consumidor
econômica e cultural. A principal motivação deste artigo é oferecer
uma cartografia comentada das principais vertentes dos estudos do
consumo nas ciências sociais. Pretende-se desse modo chamar a
atenção para essa temática de investigação e dar a conhecer algumas
das reflexões no campo ao dialogar com o oportuno tema selecionado
pelos editores para este dossiê de Pragmatizes, a saber: cultura e
práticas de consumo.

Disponível em http://www.pragmatizes.uff.br
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Ano 4, número 6, semestral, março 2014

Resumen:

En el conjunto de los estudios multidisciplinares que caracterizan Palabras clave:


el campo de la Comunicación, el consumo se ha tornado un tema
prominente que ha merecido análisis desde diferentes perspectivas Consumo
teórico-metodológicas. Como denominador común, se entiende
que se trata de un vector central en la constitución de la experiencia Sociedad de consumo
contemporánea en un mundo cada vez más regido por procesos de
Consumidor
globalización económica y cultural. La principal motivación de este
artículo es ofrecer una cartografía comentada de las principales
vertientes de los estudios del consumo en las ciencias sociales. De ese
modo, se pretende llamar la atención sobre este tema de investigación
y dar a conocer algunas de las reflexiones en el campo al dialogar con
el oportuno tema seleccionado por los editores para este expediente de
Pragmatizes, a saber: cultura y prácticas de consumo.

Abstract:

Keywords: In the set of the multidisciplinary studies that characterize the field of
Communication, consumption has become a prominent theme which
Consumption deserves analyses from different theoretical and methodological
perspectives. As a common denominator, it is understood that it is a
Consumer society central vector in the constitution of the contemporary experience in a world
Consumer increasingly ruled by processes of economic and cultural globalization.
The main motivation of this article is to offer a commented cartography
of the main strands of the consumption studies in the social sciences.
It is intended thereby to draw attention to this theme of research and
report some of the reflections in the field by dealing with the opportune
theme selected by the editors for this dossier of Pragmatizes, namely
culture and consumption practices.

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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura

A ascensão do consumo como


parte integrante do modo de vida mo-
Comunicação e consumo nas dinâmicas derno se intensifica na segunda metade
culturais do mundo globalizado do século XIX e está diretamente asso-
ciada à emergência de novas técnicas
de exposição e venda, à expansão da
Introdução produção e do crédito, bem como aos
apelos crescentes da publicidade, que
Embora em sua acepção weberia- se sofistica. Esses e outros fatores
na a expressão ‘sociedade de consumo’ transformaram as compras em passeio
se referisse ao modo como se organiza agradável, socialmente bem aceito e
o suprimento das necessidades diárias relevante. Embora se deva ressaltar
no sistema capitalista, seu uso mais co- que o consumo não se resuma ao ato
mumente disseminado seve para desig- de compra, e embora o ‘ir às compras’
nar – geralmente de modo pejorativo – não necessariamente resulte na aquisi-
as sociedades ocidentais pós Segunda ção de serviços ou mercadorias, fazer
Grande Guerra. Entretanto, é sempre compras requer uma série de saberes
bom lembrar que as práticas de con- e competências que demandam forte
sumo já faziam parte do modo de vida, engajamento e intensa pedagogia so-
notadamente dos socialmente privilegia- cial. A sistemática (re)organização dos
dos, desde muito tempo. A história da espaços e dinâmicas do consumo nas
cultura ocidental localiza no gosto por rotinas de trabalho e lazer, tem efeito a
especiarias e mercadorias exóticas um consolidação da cultura do consumo e
dos principais impulsos para as Gran- sua predominância no contemporâneo.
des Navegações. O estabelecimento Hoje entende-se a cultura como campo
de rotas marítimas que consolidaram o plural, notadamente permeado por pro-
comércio regular com o Oriente redese- cessos de negociação e disputa. Sendo
nhou as práticas mercantis e a vida nas assim, a rigor não seria correto falarmos
cortes europeias. A descoberta do Novo em cultura, mas culturas do consumo.
Mundo, que alguns à época acreditaram
tratar-se do Paraíso na Terra, forneceu Diferente da exacerbação da or-
novo ímpeto a mudanças que vinham gia consumista, o consumo deve ser en-
ocorrendo há tempos e tomaram forma tendido como o resultado de um conjunto
na modernidade. de práticas sociais e culturais fortemente
relacionados às subjetividades dos ato-
As origens da implementação do res e ao grupo social ao qual pertencem.
consumo como parte das práticas co- Imersos nessas culturas do consumo,
tidianas das camadas mais amplas da nós criamos identificações, construímos
população teria ocorrido na Europa do identidades, reconhecemos nossos pa-
final do século XVIII. Nesta ‘revolução do res e somos reconhecidos socialmente.
consumo’, que se estendeu até o século Quando consumimos, não estamos ape-
seguinte, bens antes restritos às classes nas admirando, adquirindo ou utilizando
dominantes – como, por exemplo, roupas determinado produto ou serviço. Estamos
e acessórios – se tornam acessíveis aos comunicando algo e criando relações com
menos abastados graças a mudanças tudo e todos os que estão à nossa volta.
profundas nos modos de produção e de
sua apresentação como objetos de con- Ressaltamos a inter-relação so-
templação em vitrines, galerias e gran- cial entre comunicação e consumo nos
des magazines. mais diversos processos cotidianos. A

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rigor, cada ato de consumo é também, tir de práticas específicas que informam
simultaneamente, um ato de comunica- sobre modos distintos de apropriação e
ção. Por meio das escolhas que faze- atribuição de sentido e valor. Por fim, a
mos sobre como organizar e preencher terceira abordagem diz respeito ao cará-
o espaço onde vivemos, como nos ves- ter afetivo do jorro irrefreável de imagens
timos, os lugares que frequentamos, as e narrativas do consumo na contempora-
comidas que elegemos e as que rejei- neidade. Discute-se a transformação da
tamos, dentre outras escolhas, criamos experiência em mercadoria e o viés ético
significados e alimentamos circuitos e estético do universo simbólico das mar-
simbólicos. cas na modulação das subjetividades
contemporâneas.
Sendo assim, nossas práticas de
consumo vão muito além do aspecto ma-
terial, pois o que comunicamos se torna A Escola de Frankfurt e a constituição
simbólico, representativo de um estilo do consumidor moderno
de vida, uma maneira de ser e de agir.
Sob este ponto de vista, Sodré (2006: A formação marxista dos pensa-
56) argumenta que houve uma mutação dores da Escola de Frankfurt levou-os a
capitalista, também chamada de ‘nova voltar sua atenção para o caráter coerci-
economia’ na qual “a dimensão imaterial tivo da constituição ideológica e da sedu-
da mercadoria prevalece sobre sua ma- ção publicitária no adestramento social
terialidade, tornando o valor social ou do consumidor, entendido como um ser
estético maior do que o valor de uso e o disciplinado e passivo. Ao examinarem
valor de troca”. Dito de outro modo: na a expansão da produção capitalista no
contemporaneidade o consumo simbóli- âmbito da cultura de massas, Adorno e
co superou em significação o consumo Horkheimer destacaram os processos de
material, atingindo uma relevância sem reificação da mercadoria e a alienação
precedentes. Nessa linha de argumen- do consumidor como parte da ideologia
tação, evidencia-se o aspecto propria- constituinte da ideia de qualidade na vida
mente cultural das mais diversas práti- moderna. Na pedagogia social vigente,
cas de consumo. associa-se este ideário à posse de bens
e produtos como automóveis e eletro-
Protagonista no entendimento do domésticos, por exemplo, apresentados
consumo como fenômeno complexo de como indispensáveis para uma vida arro-
cunho sociocultural, Mike Featherstone jada, confortável e plena.
(1990) identifica três principais aborda-
gens no desenvolvimento desse campo Adorno e Horkheimer criaram o
de estudos, que passaremos a discutir conceito de indústria cultural na inten-
a seguir. Na primeira delas o consumo é ção de sublinhar o caráter ideológico da
examinado a partir das demandas e rit- cultura de produção em série voltada
mos da produção em série. Nessas aná- para as massas. A seu ver, produtos cul-
lises, o consumo capitalista resulta da turais homogêneos destinados a atrelar
manipulação das massas a partir de téc- o lazer à docilização do entretenimento 2
nicas persuasivas de caráter ideológico representavam uma ameaça à liberdade
e disciplinar a serviço das estruturas he- e à capacidade crítica do trabalhador,
gemônicas de poder. Na segunda abor- reduzido ao uso instrumental das facul-
dagem, o fenômeno do consumo já não dades da razão nas esferas do trabalho
é mais enfeixado como um todo homogê- e do lazer, igualmente alienantes. Em-
neo, mas passa a ser examinado a par- bora reconheçam sua inegável contri-

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buição, críticas a essa perspectiva des- pelos desregramentos decorrentes no


tacam o caráter elitista e nostálgico da campo social.
concepção de alta cultura dos teóricos
de Frankfurt, bem como sua dificuldade Como objeto de estudo, o consu-
em detectar o caráter ativo das práticas mo foi durante muito tempo obliterado
de consumo, as quais serão examina- pelo preconceito reinante no meio aca-
das mais adiante no próximo tópico des- dêmico que destacava a produção como
ta discussão. valor supremo e atribuía ao consumo a
frívola acepção de‘conspícuo, chegan-
Algum tempo depois e também for- do à sua descaracterização na pecha do
temente influenciada pela tradição mar- displicente‘consumismo’. É fundamental
xista, notadamente as ideias de Lukács que seja feita a devida delimitação concei-
e Lefebvre, a análise de Baudrillard so- tual entre consumo e consumismo. Enten-
bre a lógica da mercadoria levou a um de-se aqui esse último como exacerbação
melhor entendimento sobre o caráter voraz e frequentemente irrefreável do pri-
sígnico dos bens de consumo. Nessa meiro. Nesses termos, o consumismo se
concepção, o consumo surge como um afigura como um contumaz e insensato
ritual de manipulação ativa de signos, padrão de consumo, o frenesi da aquisi-
por meio das ‘mercadorias-signo’. A ên- ção (aparentemente) ilimitada e da cons-
fase da semiologia nos movimentos de pícua acumulação de produtos e marcas.
atribuição de sentido evidencia uma gui-
nada da perspectiva material em direção Embora se reconheça o consumis-
a uma abordagem mais propriamente mo como condição persistente em nos-
cultural do fenômeno do consumo. Em sos tempos, é preciso ir além da visão
trabalhos subsequentes, Baudrillard iria restrita sobre o consumidor submetido,
continuar nesta direção ao insistir que a sem reação, aos interesses dominantes.
exacerbada proliferação de signos leva Essa concepção do consumidor alienado,
a uma lógica da simulação e da repro- sem condições de decisão e totalmente
dução contínua. Nesse contexto, o fasci- cooptado pelo consumismo; um ser ego-
nante jorro de imagens veiculadas pela ísta e autocentrado que só almeja a sa-
mídia tornaria crescentemente indiscer- tisfação de seus próprios desejos não
níveis simulacro e realidade. estaria mais de acordo com a dinâmica
da realidade contemporânea. Exames
Ainda dentro do paradigma mar- mais detalhados acerca das lógicas de
xista, pensadores como Frederic Jame- consumo revelam a especificidade nos
son realizam influentes trabalhos sobre modos de apropriação de diversos bens
as lógicas de produção no capitalismo de consumo por parte de diferentes gru-
tardio, também denominado capitalismo pos sociais. Esses estudos dão origem
pós industrial ou de consumo. Para este à segunda abordagem mencionada por
e outros autores da pós-modernidade, a Featherstone (1990), que se volta para a
predominância do aspecto cultural nas análise das práticas de consumo.
dinâmicas sociais caracteriza a socie-
dade de consumo, a qual está direta-
mente relacionada com a condição pós Os significado dos bens e as práticas
moderna. A perspectiva pós moderna de consumo
tende a responsabilizar o crescente
individualismo e o dispersivo fascínio Entender as práticas de consumo
da volúpia consumista pelo desengaja- implica em observar de que modo os bens
mento dos sujeitos no espaço público e funcionam como linguagem, comunican-

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do sinais de distinção e classificação em e internacional,incentivos de governo e


um meio social altamente mediado pelos barreiras tarifárias no comércio exterior,
signos do consumo. Estudar as práticas o papel dos especialistas na constitui-
de consumo significa também procurar ção de novos parâmetros de gosto e
compreender as especificidades dos mo- tantos outros fatores que influenciam di-
dos de apropriação de cada grupo social, reta ou indiretamente o consumo desta
que funciona segundo regras próprias de icônica bebida.
atribuição de sentido a produtos, servi-
ços, marcas e afins. Análises de cunho No que tange às transformações
sociológico e etnográfico das práticas de costumeiras na vida social do vinho como
consumo hoje servem também como in- um produto, podemos citar a notável va-
sumo para a prospecção mercadológica riação na atribuição de significado e valor
dos desejos e idiossincrasias do consu- para o vinho que acabou de ser produzido
midor, em um mercado cada vez mais e aquele já envelhecido apropriadamente.
segmentado e competitivo. Não obstante os esforços de certos produ-
tores em legitimar, por exemplo, o beaujo-
A esse respeito, vale mencionar lais noveau ao promoverem grande expec-
o significativo valor comercial do vasto tativa em torno das primeiras remessas de
cabedal de informações disponibiliza- cada safra, a tradição vinícola designa a
das pelos usuários das redes sociais di- maturação como uma pátina necessária
gitais sobre seus hábitos e preferências e desejável na produção e valorização do
de consumo. O monitoramento e o pro- produto. Para muitos especialistas, por-
cessamento desses dados no escrutínio tanto, qualificar um vinho como ‘novo’ ou
corporativo do user-generated content3 ‘jovem’ em geral significa identificar na be-
permite ao mercado calibrar a produção bida atributos que serão melhor resolvidos
segundo demandas e preferências dos no devido tempo, desde que observadas
consumidores. as condições adequadas para a sua con-
servação e manipulação.
Análises da dimensão cultural das
práticas de consumo levam em conside- Continuando o exemplo acima,
ração, de um lado, a simbologia atrelada consideremos a seguir uma hipotética
aos bens por meio de suas múltiplas ca- garrafa compartilhada com amigos du-
madas de significado: composição, modo rante um jantar. A despeito de ter sido
de produção, embalagem, marca, circuito adquirida pelos donos da casa ou trazida
de distribuição etc. Por outro lado, é igual- de presente pelos convidados, não é a
mente importante examinaras mudanças bebida igualmente consumida por todos
de significado atribuídos aos bens de con- os presentes? E quanto àquela garra-
sumo em cada situação, por diferentes fa4 zelosamente guardada pelo colecio-
tipos de consumidores, nas diversas eta- nador5 e que jamais é aberta: não seria
pas da ‘vida social’ dos bens. também consumida, embora de outro
modo? Apesar de indistintos no senso
A título de exemplo,nos diferentes comum – assim como em certos manuais
mecanismos de construção e legitima- de marketing, cabe a importante delimita-
ção de mercados vale ressaltar as trans- ção conceitual entre consumir, adquirir e
formações resultantes da introdução de comprar. Como vimos, pode-se consumir
técnicas científicas de manipulação do sem adquirir. Comprar é apenas uma for-
vinho após a fase agrícola, as alianças ma de adquirir algo, embora seja talvez
e enfrentamentos entre produtores de a mais comum nas culturas do consumo.
diferentes regiões em âmbito nacional Afinal, há vários outros meios lícitos e ilí-

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citos de se adquirir algo, como por heran- de valor em diferentes segmentos sociais
ça, empréstimo e outros. transformados em nichos ou clusters de
mercado. Em meio à produção generaliza-
Mudando o campo das materiali- da e ao acesso facilitado a bens de consu-
dades mas ainda dentro do universo se- mo que poderiam sinalizar status ou per-
mântico do consumo, consideremos as tencimento a segmentos privilegiados, a
seguintes situações. Se compramos um desenvoltura no uso ganha proeminência.
livro que, por qualquer motivo não lemos: A questão que se impõe é o papel desem-
pode-se dizer que houve consumo? E se penhado por esse tipo de consumo como
lemos um livro emprestado – por amigo ou elemento de vinculação e distinção social.
biblioteca? O empréstimo desconfiguraria
a leitura como forma de consumo? No campo da moda atual, por
exemplo, já não se trata tanto do que es-
Evidentemente, ao explorar sua colher para vestir em cada situação, mas
conceituação devemos entender o consu- do modo como cada um se comporta com
mo como atividade enraizada em práticas a roupa e os acessórios que está usando.
sociais. Nesse contexto, deve-se consi- Como nos mecanismos de distinção far-
derar aspectos como modo de aquisição, tamente descritos por Bourdieu, entra em
materialidades e, dentre outros aspectos, jogo o capital simbólico na constituição
a própria experiência do consumo com não apenas da aparência como também
toda a riqueza simbólica que configura da atitude considerada adequada. Todo
cada qual como sendo única. Vistas de um repertório de saberes, familiaridade e
perto, as práticas de consumo revelam-se acesso a instâncias legitimadoras torna
muito mais matizadas do que indicavam possível detectar e desmascarar arrivis-
os estudos vistos sob a ótica da produ- tas e impostores. Segundo Featherstone
ção. Enfocadas no conjunto das táticas (1990: 12), trata-se do contraste entre
e astúcias do cotidiano, conforme Michel uma espécie de ‘cultura incorporada’ e o
de Certeau, as práticas de consumo infor- autodidatismo (es)forçado dos recém che-
mam sobre questões étnicas, geracionais, gados. Na trama social do gosto continu-
de gênero e classe social, dentre outras. amente ressignificado, estes últimos irão
Ademais, elas ajudam a configurar nossa fatalmente exibir sinais de despreparo e
experiência de mundo. falta de traquejo na tênue linha divisória
entre chique e vulgar.
Segundo Alonso (2007:99), ao en-
tender o consumidor como sendo É interessante notar que enquanto
se pode localizar nas culturas do consumo
“portador de percepções, representa- a presença de certo tipo de economia do
ções e valores que se integram e com- prestígio regida pelo acesso restrito a sa-
pletam com o resto de seus âmbitos e beres e bens, estas culturas também se
esferas de atividade, passamos a per- constituem a partir de elementos de dese-
ceber o processo de consumo como jo e fantasia que alimentam o hedonismo
um conjunto de comportamentos que na fruição do consumo contemporâneo.
recolhem e ampliam, no âmbito privado
dos estilos de vida, as mudanças cul-
turais da sociedade em seu conjunto”. Imagens de sonho e prazer na estetiza-
ção do cotidiano pelo consumo
Examinando-se, por exemplo, as
práticas de consumo midiático pode-se Na terceira perspectiva dos estu-
tecer considerações sobre a atribuição dos do consumo aqui enfocados, a ênfase

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recai sobre o modo como somos afetados que essas imagens mobilizam um tipo de
pelas imagens e narrativas que se articu- antecipação de futuro que pode ser extre-
lam nas culturas midiática e do consumo. mamente bem sucedido justamente pelo
Nessa perspectiva, estuda-se a partici- seu caráter afetivo. Em suas palavras:
pação dessas retóricas na formação das
subjetividades contemporâneas. No inci- “as imagens de transformação dizem
tamento ao prazer estético e emocional respeito ao futuro como um potencial,
pela semiosfera do consumo, tem efeito um tipo de futuro que escapa ou ultra-
a mobilização decerto tipo de excitação passa as especificidades do planeja-
corporal condizente ao presenteísmo e ao mento ou a sua localização em um ob-
abrandamento da mediação contentora jeto ou produto, um tipo de futuro que
da razão em prol do puro deleite sensível envolve o ainda-não. Desse modo, as
e emocional. imagens de transformação são poten-
cialidades e funcionam como possibi-
Nesse ideário, pode-se também lidades imateriais, virtuais que podem
entender as práticas de consumo no con- vir a ser atualizadas. (…) como um
junto dos modos de resistência às de- potencial, os futuros dessas imagens
mandas incessantes das rotinas do tra- são pervasivos, atraentes e poderosos
balho duro, da moral ascética da tradição porque são afetivos. As promessas fei-
judaico-cristã que prega a contenção no tas pelas imagens de transformação
presente visando a segurança no futuro. são afetivas por que dizem respeito
A espetacularização da fartura e do pra- a esperanças e sonhos de um futuro
zer da boa vida nas imagens e retóricas melhor, engajando o corpo por meio
do consumo contrasta com a moral da da intensidade do sentimento.”6 (grifos
escassez, da limitação dos prazeres e da no original)
apologia à vida regrada. Sob o ponto de
vista de uma teoria dos afetos, estaria em Nos estudos de mídia, a investi-
jogo a mobilização de uma identificação gação das estratégias de produçãohoje
subjetiva coma capacidade de inventar vigentes revela que o entretenimento se
para si uma vida melhor, o que se daria, apresenta como lógica dominante, per-
também, por meio do engajamento cer- passando áreas tão diversas quanto o
tos tipos de consumo como, por exemplo, jornalismo, a educação, a religião e a po-
certas dietéticas e rotinas que integram a lítica, entre outras. Por meio da espetacu-
densa malha de significados do chamado larização nas lógicas do entretenimento,
consumo consciente. transforma-se qualquer instância do coti-
diano em oportunidade para o consumo
Certas imagens e espaços de con- de marcas, serviços e produtos. Os neo-
sumo convidam o consumidor a entrar na logismos tão bem descritos por Bosshart
moldura e deixar-se levar pela envolvente e Hellmüller (2009) refletem a ampla dis-
promessa de felicidade e bemviver atrela- seminação do entretenimento nas dinâ-
da a transformações advindas no futuro da micas do infotainment, do edutainment,
adoção de práticas e hábitos no presente. do politainment e afins.
Em interessante estudo sobre a potência
afetiva de imagens de transformação di- Como ambientes de mobilização e
fundidas, por exemplo, em reality shows de construção de uma cultura participa-
nos quais algumas pessoas se submetem tiva, as redes sociais digitais podem ser
a intervenções radicais que alteram de enfocadas sob o ponto de vista articulação
modo drástico a sua aparência, Coleman de estratégias corporativas.A capacidade
(2013:23) argumenta, com propriedade, de conjugar de modo efetivo o fascínio do

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mundo dos espetáculos e a interatividade Um caso exemplar pode ser ob-


desses circuitos de comunicação instantâ- servado na Ikea, marca escandinava
nea e ubíqua está na base de estratégias do ramo do mobiliário, artigos de cama,
como o buzz e o viral, pedras de toque mesa e banho, objetos de decoração e
da estreita imbricação que se configura utilidades para o lar. A retórica e a ima-
nessas redes entre comunicação e socia- gética corporativa articulam regularmente
bilidade e negócios. No ambiente comu- questões candentes do meio social, tais
nicacional atual, saturado de apelos publi- como a sustentabilidade e as relações
citários, marcas e corporações investem de solidariedade como parte integrante
na criação de estratégias como o adver- da cadeia produtiva. Inovação e resga-
tainment, misto de publicidade e entrete- te de tradições convivem no ideário da
nimento concebido para ser decodificado marca, que combina de modo paradoxal
como conteúdo e amplamente comparti- e bem sucedido características de lazer,
lhado e comentado entre pares nas redes sonho e glamour das grandes lojas de
digitais. Nas tramas de redes telemáticas departamento com os apelos típicos dos
cada vez mais ubíquas, as quais também supermercados, como preços módicos,
devem ser entendidas como redes afeti- conveniência e praticidade para suprir as
vas, as interações entre seus mais diver- necessidades do dia a dia.
sos membros configuram o canal no qual
se tece um certo sentido de comunidade. Conforme argumenta Bowlby
(2000:10) em estudo sobre a invenção
Outro estratégia desse tipo são do modo moderno de ir às compras, “en-
as narrativas transmidiáticas, que se quanto a loja de departamentos te convida
espalham em diversas plataformas e para entrar, o supermercado te agarra e
ensejam modos e níveis diversos de não te deixa sair7”. A autora reconhece, no
fruição. Tais estratégias frequentemen- entanto, que essas características foram
te incentivam a participação do consu- sendo atenuadas com o passar do tempo
midor fidelizado como fã e valorizado e muitos supermercados hoje se oferecem
como parte do patrimônio intangível da também como espaços confortáveis onde
marca. Certas franquias no mercado se pode passar o tempo de modo agradá-
globalizado do entretenimento, como vel, fazendo ali mesmo uma refeição, por
Star Wars, por exemplo, tornaram-se exemplo, caso se deseje.
emblemáticas na consolidação de um
tipo de agente social ligado de modo Ao conjugar o agradável e o funcio-
afetivo, mais pessoal e direto, conso- nal, o lazer e o trabalho, os prazeres e as
lidando o que pode ser denominado demandas envolvidas neste tipo de con-
como capital emocional. sumo, a marca sueca pode ser entendida
como o epíteto de um modelo de negó-
Do cliente ao fã, do comprador ao cios no qual não há venda ou compra os-
colecionador aficionado, do consumidor tensiva. No entender da autora, este tipo
ao colaborador, do endossante ao divul- de proposta comercial é apresentado de
gador: o competitivo ambiente de negó- modo bem mais sutil no discurso da mar-
cios enseja forte investimento por parte ca. Em suas palavras, o que existe ali “é o
das corporações na construção afetiva fazer compras como possibilidade – ver e
do universo simbólico da marca. O gran- experimentar as coisas, desejos e planos
de produto seria a mobilização afetiva introjetados8.” Observando-se a maneira
do consumidor e um objetivo tornar in- estratégica como estão dispostas as di-
distintos trabalho e lazer nas dinâmicas ferentes seções de produtos, percebe-se
do consumo. que o consumidor é levado a percorrer um

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trajeto concebido para incluir, necessaria- por serem baratos, os produtos da loja
mente, toda a extensão do megastore. Du- sueca teriam baixa durabilidade.
rante toda a permanência na loja não se é
abordado pela equipe de vendas. Em sua No mote da campanha atual no
funcionalidade minimalista, o modelo de Reino Unido11, a promessa de dentro em
negócios elimina a mediação do vendedor breve passar a trabalhar apenas com ilu-
e a loja-galpão funciona com um número minação a base de LED12 claramente ar-
extremamente reduzido de funcionários. ticula a imagem da empresa à causa da
preservação do meio ambiente.Entende-
Em nome da economia, que na -se neste tipo de retórica a intenção de
retórica corporativa da Ikea funciona vincular a marca ao rol de valores que cir-
como argumento de vendas, transfere- culam no meio social e que são caros ao
-se para o próprio consumidor as fun- consumidor contemporâneo, como a res-
ções de selecionar os produtos que pre- ponsabilidade social corporativa e o bem
tende adquirir, localizá-los no estoque, estar do planeta diante da escassez de
embalar, transportar e montar cada recursos naturais.
equipamento em sua residência. Se,
por um lado, a experiência de compra Tendo examinado as três princi-
procede de acordo com os preceitos do pais perspectivas adotadas pelos es-
faça-você-mesmo, toda a comunicação tudiosos do consumo, podemos argu-
da marca enfatiza o apuro profissional mentar que cada uma a seu modo tem
e insinua o trabalho colaborativo entre contribuído para a apreensão crítica do
designers suecos e fornecedores loca- multifacetado fenômeno que nomeia a
lizados em diferentes locais do mundo. nossa época. Em La era del consumo,
Esse discurso mobiliza elementos que Alonso (2005:99) ensina que entender o
visam a legitimação social da marca em contexto social onde está inserido o con-
diálogo com o contexto social enquan- sumidor, compreender os usos sociais
to, simultaneamente, procuram conferir dos bens de consumo e a complexa sim-
autenticidade por meio das ideias de bologia que cada um deles mobiliza sig-
criatividade e funcionalidade enraiza- nifica conceber o consumo como “uma
das em patrimônio cultural regional. mescla realista de manipulação e liber-
dade de compras, de impulso e reflexão,
Examinando-se um catálogo da de comportamento condicionado e uso
Ikea – impresso ou em formato digital social dos objetos e símbolos da socie-
interativo – ou ainda em suas bem cui- dade de consumo”.
dadas ações promocionais, depreende-
-se com clareza que a consolidação
deste universo simbólico é finamente Considerações Finais
trabalhada com investimentos de gran-
de monta.Em 2013, o site institucional Não é novidade afirmar que a cul-
foi transformado durante dois meses tura material tornou-se ubíqua e perva-
em um ‘mercado das pulgas’ 9 onde os siva nas sociedades contemporâneas.
clientes10 podiam comercializar online Conforme ensina Sassatelli (2007:4), “o
qualquer mobília da marca para a qual conceito de cultura material vai além da
não tivessem mais utilidade. Ao promo- distinção entre material e simbólico, e in-
ver uma alternativa ao desperdício e sinua que os objetos fazem parte de um
dialogar com a mobilização social em sistema aberto de significados, que re-
prol da ecologia, a campanha procurou quer a intervenção dos atores [sociais]
ainda subverter o senso comum de que para adquirir sentido”13.

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Na primeira fase da industriali- tilos e modas, em conjunto com uma


zação, as marcas tiveram como função maior ênfase na ‘personalidade’ e na
conferir identidade a bens produzidos apresentação de si por meio de técni-
em massa. A linguagem publicitária pro- cas como a cosmética e a manuten-
curava sugerir confiança na idoneida- ção da boa forma física.15
de das marcas por meio de estratégias
variadas. No campo da alimentação, Como decorrência da crise do pe-
por exemplo, referências ao processo tróleo na década de 1970, mudanças nos
caseiro de preparo. O marketing de processos produtivos levaram ao pro-
novos tipos de bens de consumo até gressivo deslocamento do modelo serial
então desconhecidos e que de certa fordista para o modelo flexível de produ-
forma desestabilizavam as rotinas es- ção limitada e sob demanda na montado-
tabelecidas, convocava a autoridade ra japonesa Toyota, que se revelou mais
da ciência para construir um discurso adequado aos tempos de crise.Cresce a
persuasivo de cunho didático acerca preocupação com os limites do modelo de
dos seus benefícios. expansão capitalista e os riscos ambien-
tais decorrentes da poluição e do eventu-
A mediação das marcas entrava al esgotamento dos recursos naturais. As
em cena para de certa forma moderar dimensões éticas e propriamente políti-
a grande transformação trazida pela in- cas das práticas de consumo entram na
dustrialização e a urbanização nas prá- ordem dia e, como vimos, são absorvidas
ticas de consumo. Conforme Sassatelli pelas retóricas do consumo por meio de
(2007:5) “o fenômeno do branding cla- diferentes estratégias.
ramente alude à importância da lealda-
de e do vínculo pessoal e personalizado A crescente segmentação dos
no mercado de massa” 14. A forte identi- mercados e a hipersaturação de mensa-
ficação entre vendedores e comprado- gens publicitárias na mídia, assim como
res nos mercados locais de pequenos nos espaços urbanos16, enseja a fase de
povoados foi sendo substituída pela sondagem mercadológica dos interesses
impessoalidade nos modernos espaços e desejos do consumidor cujos hábitos
de consumo. convivem com certa predisposição à no-
vidade fomentada como valor no ideário
Paralelamente, na associação en- neoliberal vigente.
tre compras e passeio, os bens de consu-
mo como produtos culturais e parte inte- Outro recurso para lidar com o
grante da vida moderna. que poderia ser descrito como certo es-
gotamento de formas mais tradicionais
Ao analisar a participação do con- de publicidade tem sido a ênfase na
sumo no modo de vida moderno, Fea- criação de experiências com forte apelo
therstone (2007: xiv), argumenta que emocional nas retóricas da comunicação
publicitária. A associação entre comuni-
O direito ao consumo passou a ser cação, consumo e afetividade foi discu-
visto como uma recompensa pela ex- tida com mais detalhe em trabalho ante-
pansão da indústria. A vida moderna rior (Castro 2013). Nas tramas de redes
tornou-se associada ao suprimento telemáticas cada vez mais ubíquas, as
infindável de novos bens, para equi- quais também devem ser entendidas
par as casas mais eficientes com equi- como redes afetivas, as interações en-
pamentos de “economia no trabalho”, tre pares configuram o canal no qual se
juntamente com o acesso a novos es- tece certo sentido de comunidade.Tam-

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bém tenho chamado a atenção para as peito da provocativa sedução hedonista


invisíveis porém lucrativas operações das linguagens do consumo e de suas
de prospecção e mineração das nossas mirabolantes artimanhas promocionais,
interações on line para fins comerciais estão latentes os complexos jogos de in-
(Castro 2014). clusão e exclusão na lógica cultural do
consumo.
Na assim chamada web 2.0, co-
municação, sociabilidade e consumo se Tornar-se consumidor está longe
entrecruzam. Para Alex Primo (2007:1), de ser um processo natural. Como fenô-
a expressão refere-se “não apenas a meno social e cultural, o consumo envol-
uma combinação de técnicas informá- ve doses variadas de desejo e necessida-
ticas mas também a um determinado de, impulso e cálculo, o risco da ousadia
período tecnológico, a um conjunto de e a segurança do bom senso, mescla de
novas estratégias mercadológicas e a alegria e sofrimento. Tornar-se consumi-
processos de comunicação mediada dor envolve conhecimento, atitude, capa-
por computador”. O pesquisador chama cidade reflexiva.
a atenção para a emergência do con-
sumidor que é simultaneamente copro- Saber sobre nossos direitos e
dutor e distribuidor de conteúdos nesta deveres nos inescrutáveis contratos co-
“segunda geração de serviços online merciais, a procedência dos bens, sua
que se caracteriza por potencializar as composição e seus modos de produção,
formas de publicação, compartilhamen- as relações de cooperação e explora-
to e organização de informações, além ção envolvidas nas cadeias produtivas,
de ampliar os espaços para a interação estes são apenas alguns dos elementos
entre os participantes” (idem)nas redes que tem motivado a mobilização de or-
sociais digitais. ganizações de consumidores em todo o
mundo. Nesses modos de ativismo que
Adilson Citelli (2009: 195) oferece têm como objetivo influenciar na defini-
uma interessante análise da etimologia ção de políticas públicas que, por exem-
comum às palavras consumo, consumis- plo, criminalizem o trabalho escravo e
mo, consumidor, consumação lembrando tornem obrigatórias as informações so-
sua origem comum no latim consumere, bre a presença (ou não) de transgênicos
que “traz consigo Eros e Tânatos, (...) gló- nas embalagens dos supermercados,
ria e infortúnio”. Com saborosa verve, o apresenta-se de modo claro a imbrica-
estudioso prossegue: ção entre consumo e cidadania em nos-
sos conturbados dias.
Daí muitas vezes a euforia efêmera
de guiar um carro que não poderá ser No prefácio especialmente escri-
pago, de flanar por um apartamento to para a segunda edição de Cultura do
cujas prestações se acumulam (...) e consumo e pós-modernismo, Feathers-
terminam por dar cabo (...) aos deva- tone (2007) ressalta o protagonismo do
neios de uma vida confortável. O con- consumo nas cadeias de interdependên-
sumere, ademais, pode trazer consigo a cia num mundo marcado pela desigual-
satisfação do sonho traduzido em fato, dade. Em países desenvolvidos, o des-
em encontros que ajustam ter e ser.” mantelamento do estado de bem estar
social promovido pela lógica neoliberal
É bem verdade que frustração e ocasiona drástica redução da qualidade
satisfação compõem um equilíbrio pre- de vida das parcelas mais vulneráveis
cário nas dinâmicas de consumo. A des- da população e contribui para aumentar

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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura

o fosso entre ricos e pobres. Nos países (orgs.). Comunicação em tempos de redes so-
emergentes, políticas de microcrédito e ciais: afetos, emoções subjetividades. São Pau-
lo: Intercom, 2013.
a instituição pelo Estado de práticas as-
sistenciais e ações sociais17 de fomento ______________. Mobilizing the consumer as a
ao consumo são implementados como partner in social networks: reflections on the com-
forma de estimular a mobilidade social modification of subjectivities. IN: ARCILA, Carlos.
dos mais pobres e sua participação ci- CALDERÍN, Mabel e CASTRO, Cosette (eds.). An
dadã na economia. Enquanto isso, uma overview of digital media in Latin America. London:
University of West London Press, 2014.
seleta casta de bilionários se movimenta
com desenvoltura nos cenários trans- CITELLI, Adilson. Pensando o consumo entre a
nacionais do consumo, adquirindo pro- comunicação e a cultura. Comunicação, Mídia e
priedades que jamais irão usar , apenas Consumo, vol. 6, nº 15, 2009.
como forma de investimento.
COLEMAN, Rebecca. Transforming images:
screens, affects, futures. Londres e N. York:
Há algumas décadas, Garcia Can-
Routledge, 2013.
clini (1996) lançou como provocação a FEATHERSTONE, Mike. Consumer culture and
ideia que “o consumo serve para pensar”. postmodernism. Londres, Thousand Oaks (CA),
Para os desavisados, pareceu tratar-se Nova Déli e Singapura: Sage,Segundaedição,
de um chiste. Para outros, um chamado à 2007.
reflexão e à pesquisa. A cada dia surgem
_________________. Perspectives on consumer
novos ângulos para que se possa exami-
culture. Sociology, vol. 24, no. 1, 1990.
nar e compreender – quiçá transformar –
as culturas do consumo. Considerando a ________________. Consumer culture: an intro-
situação estratégica do Brasil nos blocos duction. Theory, Culture & Society, vol. 1, no.4,
emergentes econômicos, políticos e cultu- 1983.
rais no contexto da globalização em curso,
GARCIA CANCLINI, Nestor. Consumidores e cida-
essa discussão se torna tão necessária
dãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio
quanto urgente. de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.

PRIMO, Alex (org.). Interações em rede. Porto Ale-


gre: Sulina, 2013.
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SASSATELLI, Roberta. Consumer culture: history,
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BACCCEGA, Maria Aparecida. Comunicação e e midiatização. IN: MORAES, Denis de (org.). So-
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BOWLBY, Rachel. Carried away: the invention Paulo. Pós-doutoranda no departamento de Socio-
of modern shopping. Londres: Faber and Faber, logia do Goldsmiths College, Londres, onde desen-
2000. volve pesquisa sobre o envelhecimento nas culturas
midiática e do consumo sob supervisão de Mike Fe-
CASTRO, Gisela G. S. Entretenimento, subje- atherstone.
tividade e consumo nas redes digitais: mobi-
lização afetiva como estratégia de negócios. 2 Cabe aqui uma ressalva a esta concepção clássica e
IN: BARBOSA, Marialva e MORAIS, Osvando altamente negativa do entretenimento como alienação na

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frivolidade da divertimento. Nem todo o entretenimento é 11 IKEA Forest, comercial para televisão disponível
divertido (vide o jogo de xadrez, por exemplo). Do mes- em www.yotube.com/user/ikeauk (último acesso: abril
mo modo, nem toda a diversão (como certa programação 2014).
de televisão) é necessariamente superficial e alienante. O
trabalho dos teóricos da Escola de Birmingham influencia- 12 Light Emitting Diode, ou diodo emissor de luz é
ram enfatizaram o caráter ativo do processo de recepção e uma tecnologia de baixo consumo de energia na ge-
consumo. Os estudos da rede Obitel (Observatório Iberoa- ração de luz.
mericano de Ficção Televisiva) sobre a telenovela deixam
claro o seu papel como crônica de costumes e narrativa da 13 No original: The concept of material culture goes
nação, assim como sua participação na disseminação de beyond the material/symbolic distinction, and underlines
temas, por vezes polêmicos, no debate público. that objects are part of a system of openmeanings which
require the intervention of actors to become meaningful.
3 Em versão livre: conteúdo gerado pelo usuário. Tradução livre minha.

4 De vinho do porto, por exemplo. 14 No original: the phenomenon of branding clearly


adumbrates the power of loyalty and personal(ized) atta-
5 É interessante o papel atribuído ao colecionador chments in the mass market. Tradução livre minha.
em certas culturas do consumo. Como fã e especialis-
ta, o colecionador conectado em redes sociais digitais 15 No original: The right to consumption became incre-
pode funcionar como parceiro na divulgação de mar- asingly seen as the reward for industrial expansion. Mo-
cas e produtores, em níveis mais ou menos explícitos dern living became associated with the endless supply
de colaboração. of new goods, to furnish more efficient homes filled with
‘labour saving’ devices, along with the access to new sty-
6 No original: “images of transformation involve the les and fashions, coupled with a greater emphasis upon
future as potential, a future that escapes or exceeds ‘personality’ and the presentation of self via techniques of
the specifics of planning or its location within an ob- grooming and body maintenance.Tradução livre minha.
ject or a product, a future that involves the not-yet.
Images of transformation are thus potentialities in that 16 A esse respeito, compartilho minha surpresa ao vi-
they function as immaterial possibilities/virtuals that sitar no centro-oeste brasileiro o imenso e belíssimo
might be actualized. (…) as potential, the futures of Parque Nacional do Jalapão (TO) e encontrar, nas pro-
images of transformation are pervasive, appealing ximidades de cada pequeno povoado, a presença recor-
and powerful because they are affective. The promi- rente e espalhafatosa de placas anunciando certa marca
ses made by images of transformation are affective in transnacional de refrigerantes. Como contraste, temos a
that they address hopes and dreams of a better future, Lei Cidade Limpa em vigor em cidades como São Paulo,
and engage the body through the intensity of feeling.” restringindo o uso comercial do espaço público. O Rio
Tradução livre minha. de Janeiro convive com a sistemática mercantilização
do patrimônio tornado vitrine, como as barracas de sol
7 No original (p. 10): “Where the department store invi- padronizadas em cada praia, com as cores e o logo de
tes you in, the supermarket grabs you and won’t let you uma marca de cerveja.
out”. Tradução livre minha.
17 Como o Programa Bolsa-Família, por exemplo. No-
8 No original (p. 11): ”this is shopping as possibility – the te-se, a esse respeito, que em sua primeira campanha
sight and feel of things, the embedding of desires and presidencial Dilma Roussef tinha como promessa “trans-
plans.” Tradução livre minha. formar cada brasileiro em consumidor”.

9 Bastante comuns na Europa, nesses mercados 18 Por meio da cobertura da imprensa, pode-se obser-
populares vende-se (e compra-se) todo o tipo de var a preocupação crescente nas principais cidades do
material de segunda mão a preços módicos. É inte- mundo com o fenômeno dos imóveis de alto luxo arre-
ressante notar o cruzamento pouco usual entre os matados por oligarcas internacionais que os mantêm de-
circuitos oficiais e alternativos de consumo promo- socupados e ociosos.
vido pela campanha.

10 A campanha ‘Segunda Mão’foi criada pela agência


SMFB Olso, e veiculada na Noruega. Vertido para o in-
glês, o comercial para a TV pode ser conferido em www.
youtube.com/watch?v=GmA_1bdHjHk (último acesso:
abril 2014).

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