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OI OS
EDITORA
2012
© Dos autores – 2012
flavio.heinz@pucrs.br
Editoração: Oikos
Revisão: Luís M. Sander
Capa: Flávio Wild
Arte-final: Jair de Oliveira Carlos
Impressão: Rotermund S. A.
Conselho Editorial:
Antonio Sidekum (Ed. Nova Harmonia)
Arthur Blasio Rambo (UNISINOS)
Avelino da Rosa Oliveira (UFPEL)
Danilo Streck (UNISINOS)
Elcio Cecchetti (UFSC e UNOCHAPECÓ)
Ivoni R. Reimer (PUC Goiás)
Luis H. Dreher (UFJF)
Marluza Harres (UNISINOS)
Martin N. Dreher (IHSL – MHVSL)
Oneide Bobsin (Faculdades EST)
Raul Fornet-Betancourt (Uni-Bremen e Uni-Aachen/Alemanha)
Rosileny A. dos Santos Schwantes (UNINOVE)
Sobre os autores
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Sobre os autores
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Poder, instituições e elites
Apresentação
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Apresentação
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Poder, instituições e elites
Flavio M. Heinz
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Apresentação
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Poder, instituições e elites
Renato Perissinotto1
Apresentação
Este capítulo pretende responder duas questões. Primeira, como po-
demos definir exatamente o procedimento comparativo? Segunda, uma vez
definido o que entendemos por comparação, qual seria a melhor maneira
de operacionalizá-la (i.e., de aumentar o seu rendimento analítico)? Na pri-
meira seção, definimos o que entendemos por comparação e discutimos as
possibilidades e limites de sua aplicação nas ciências sociais; em seguida,
procuramos apontar os possíveis ganhos teóricas produzidos pela análise
comparativa de poucos casos baseada em uma perspectiva histórica (o tipo
de trabalho executado pelos chamados “sociólogos históricos” ou “compa-
rativistas históricos”).
Quase nada do que será dito neste artigo pode reivindicar o status de
originalidade teórica ou metodológica. Há, no entanto, uma intenção sub-
1
Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPR. O autor gostaria de
agradecer a Paolo Ricci e Marcio Oliveira pela leitura e pelos comentários ao texto e aos mem-
bros do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira da UFPR, que durante todo o ano
de 2009 participaram do debate sobre metodologia histórica comparativa. Este texto é, em
parte, o resultado das pesquisas feitas para o estágio pós-doutoral no Latin American Centre
(Saint Antony’s College, Oxford University), financiado pelo CNPq.
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Um exemplo paradigmático: todas as considerações teóricas acerca do Estado feitas por um
dos mais importantes nomes do “neoinstitucionalismo histórico”, Theda Skocpol, não avan-
çam um passo em relação às formulações weberianas. Cf. Skocpol, 1996, p. 7-9. Como contra-
ponto à ânsia dos cientistas políticos, notadamente americanos, pela “inovação”, ver a tranqui-
lidade com que o historiador contemporâneo Aldo Schiavone lança mão das proposições de
Marx, Weber e Polanyi para encaminhar as suas questões de pesquisa. Cf. Schiavone, 2005,
especialmente capítulos II, IV e VIII. Kohli e Shue, referindo-se à história intelectual da socio-
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Para uma análise exaustiva das diferenças entre as diversas técnicas de controle a serviço do
método comparativo, ver Smelser, 1976, cap. 6, “Classificação, descrição e mensuração”. Logo
no início de seu livro, Smelser (1976, p. 5) observa que os “princípios metodológicos que orien-
tam a investigação comparativa mostrar-se-ão poucos. Mais particularmente, será possível dis-
cernir uma surpreendente continuidade entre todos os estudos comparativos aqui resenhados,
clássicos e modernos. Essa continuidade reside no fato fundamental de que todos os teóricos e
investigadores empíricos que examinaremos estavam tentando controlar e manipular várias
condições causais na vida social e, assim, estabelecer um argumento em favor de uma ou outra
condição selecionada”. Dito de outra forma, os “princípios metodológicos” são poucos porque
a estrutura lógica da comparação não varia; o que varia são as técnicas de pesquisa.
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A descrição detalhada desses métodos e dos seus respectivos cânones encontra-se em Stuart
Mill, 1886, p. 254-259.
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O leitor poderá encontrar uma sistematização gráfica desses métodos em Skocpol e Somers,
1997, p. 80.
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Causa necessária é aquela cuja presença é imprescindível, mas não suficiente, para a produção
do fenômeno; causa suficiente é aquela cuja presença basta, mas não é imprescindível, para a
produção do fenômeno; causa necessária e suficiente é aquela cuja presença é ao mesmo tempo
imprescindível e bastante para a produção do fenômeno.
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ela não pode ser considerada suficiente, visto que nem todos os casos que
contam com a presença da causa hipotética contam também com a presen-
ça do fenômeno.
A busca (e a eliminação) de causas necessárias e/ou suficientes é,
portanto, uma das características essenciais desses métodos, que, exatamente
por essa razão, tendem a ser rejeitados por alguns como inaplicáveis ao
estudo dos fenômenos sociais. São três as críticas dirigidas à sua aplicação
nas ciências sociais.
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que ser levadas em consideração como possíveis causas pelo analista9. Com-
parar sociedades da mesma espécie nos permite ainda respeitar outra ca-
racterística fundamental do método comparativo. Como nos lembra Sarto-
ri, o procedimento comparativo não pode ser efetuado entre entidades ab-
solutamente idênticas (já que não faz sentido comparar uma coisa com ela
mesma) nem entre entidades absolutamente diferentes (o que impossibili-
taria qualquer tipo de controle). Toda comparação pressupõe certo grau de
semelhança e de diferença entre as coisas comparadas, evitando-se, assim,
comparar o incomparável. Uma boa maneira de fazê-lo, como vimos, é
comparar “sociedades da mesma espécie”, o que pressupõe, como reco-
menda Sartori, o uso de bons critérios de classificação a fim de colocarmos
juntos entidades que de fato partilham alguns atributos importantes (SAR-
TORI, 1970, p. 1035-36 e 1040 e 1991, p. 245-249).
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Alexis de Tocqueville (1977), Max Weber (1964), Otto Hintze (1975), Karl Polanyi (2000),
Barrington Moore Jr. (1983), Theda Skocpol (1984), Ellen Kay Trimberger (1978) e vários
outros autores produziram excelentes resultados aplicando esse procedimento comparativo aos
seus respectivos objetos de estudo. A importância da relativa similaridade entre as sociedades
como critério para facilitar e tornar mais seguro o procedimento comparativo é defendida também
por vários outros autores, clássicos e contemporâneos: Marc Bloch (1998, p. 123), Gerschenkron
(1976, p. 64), Przeworsky e Teune (1982, p. 26), Lijphart (1971, p. 687-89).
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As expressões “variáveis dependentes” e “variáveis independentes” encontram-se entre aspas
porque são inadequadas à perspectiva weberiana da multicausalidade.
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“Nos demais casos [em que o experimento e a quantificação não são possíveis], e como tarefa
importante da sociologia comparada, só resta a possibilidade de comparar o maior número
possível de fatos da vida histórica ou cotidiana que, semelhantes entre si, só se diferenciam em
um ponto decisivo: o ‘motivo’ ou a ‘ocasião’, que tratamos de investigar precisamente por sua
importância prática” (WEBER, 1984, p. 10).
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Vale observar ainda que Max Weber sempre define seus conceitos sociológicos em termos
probabilísticos. Ver, por exemplo, os conceitos de “relação social”, “poder” e “dominação”
em Weber, 1984, p. 21 e 43.
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Poder, instituições e elites
fico: poucos casos e muitas variáveis. Esse problema (poucos casos, muitas
variáveis), por sua vez, inviabilizaria a formulação de inferências causais
seguras e, por conseguinte, a produção de ganhos teóricos (isto é, a produ-
ção de generalizações). Acreditamos que quatro argumentos podem ser apre-
sentados contra essa crítica.
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Segundo David Fischer, generalizações históricas devem ter duas características fundamen-
tais: a) devem ser espacial e temporalmente limitadas e b) devem ser apresentadas na forma de
enunciados probabilísticos. Cf. Fischer, 1970, p. 129.
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Segundo Charles Tilly, o conhecimento histórico é aquele que revela como o contexto em que os
eventos ocorrem e a sequência em que se dão são fundamentais para a definição do resultado que
se quer explicar. Assim, o desconhecimento do contexto e da sequência dos eventos comprome-
teria radicalmente a explicação dos fenômenos sociais. Cf. Tilly, 1984, p. 79; 2005, p. 4, nota 1.
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Comentários sobre os limites dos estudos de N grande podem ser encontrados em Sartori,
1970 e 1991; Hall, 2008; Tilly, 1984; Mahoney, 2008; Ragin, 1987; Rihoux e Ragin, 2009;
Przeworsky e Teune, 1982; Borges, 2007. Não pretendemos, de modo algum, encampar a
velha e infrutífera antinomia entre “métodos quantitativos” e “métodos qualitativos”. O nosso
objetivo é antes de tudo defender, frente ao uso indiscriminado dessas técnicas, formas alterna-
tivas de pesquisa que possam revelar aquilo que os números escondem. Quanto a esse ponto,
aliás, vale lembrar, contra certa ingenuidade frente aos procedimentos estatísticos, a frase de
Arthur Stinchcombe, para quem “um número nunca é empírico o suficiente” para ser o ponto
de partida de construção de qualquer teoria. De fato, para que se chegue a um número deman-
da-se tanta codificação, com base em pressupostos teóricos nem sempre explicitados, que seria
ingenuidade tomá-lo, como fazem alguns, como simples expressão numérica da realidade so-
cial. Cf. Stinchcombe, 1978, p. 6-7. Sobre o processo social de produção dos indicadores nu-
méricos como algo que afeta diretamente o resultado das pesquisas, consultar Neil Smelser,
1976, p. 164-165.
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Uma ilustração interessante desse fato está presente na discussão de Gerscenkron acerca dos
“pré-requisitos” do processo de industrialização. Segundo este autor, os pré-requisitos da in-
dustrialização inglesa, por exemplo, simplesmente não existiam em outros contextos mais
atrasados, cabendo ao Estado e outras instituições produzirem seus substitutos. Além disso,
determinados fatores que desempenharam o papel de causa da industrialização em contextos
mais avançados, como na Inglaterra, foram, em países atrasados como a Itália e a Rússia, o
efeito desse processo. Cf. Gerscenkron, 1976, p. 113 e 123-24. Dizendo o mesmo em outra
linguagem: o que é variável independente na Inglaterra torna-se variável dependente na Itália
e na Rússia.
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Na verdade, os adeptos dos estudos de N grande e de técnicas estatísticas defendem a possibilida-
de de inserção de dados contextuais, por exemplo, por meio do uso de variáveis dummies que
indicariam a presença ou ausência de uma dada qualidade contextual. Cf., por exemplo,
Przeworsky e Teune, 1983, p. 13 e 26. No entanto, é preciso observar que o uso desse procedi-
mento de dicotomização pressupõe um profundo conhecimento do contexto histórico dos casos
analisados a fim de que essa codificação não seja mera ficção. De qualquer forma, apesar de útil,
ele representa sempre uma ostensiva simplificação da realidade. Cf. Rihoux e Ragin, 2009.
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Como exemplo, esse mesmo autor utiliza a correlação existente entre governos social-demo-
cratas e arranjos corporativos de representação de interesse. Diz ele: “Não é suficiente [...]
dizer que a presença de social-democratas no governo explica o desenvolvimento de arranjos
neocorporativos. Para ter um poder explicativo, qualquer teoria desse efeito deve conter algu-
ma explicação da cadeia causal por meio da qual um conduz ao outro” (HALL, 2008, p. 393,
nota 16). Outro exemplo dessa posição pode ser encontrado na seguinte passagem do livro de
Karl Polanyi: “Mesmo que consigamos comprovar, fora de qualquer dúvida, que no cerne da
transformação estava o fracasso da utopia do mercado, ainda temos que mostrar de que ma-
neira os acontecimentos reais foram determinados por essa causa” (POLANYI, 2000, p. 256).
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Agradeço a Paolo Ricci por essa observação.
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Poder, instituições e elites
Conclusão
O objetivo deste capítulo não foi defender qualquer estratégia de “pu-
reza metodológica”, a nosso ver sempre infrutífera sob qualquer ponto de
vista. Os cientistas sociais devem ter uma relação utilitária com métodos e
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Referências bibliográficas
BENDIX, Reinhard. Concepts and Generalizations in Comparative Sociological
Studies. American Sociological Review, 28, p. 532-539, 1963.
BLOCH, Marc. Comparação. In: Marc Bloch: História e historiadores. Lisboa, Teore-
ma, 1998. P. 111-118.
BORGES, André. Desenvolvendo argumentos teóricos a partir de estudos de caso: o debate
recente em torno da pesquisa histórico-comparativa. Associação Nacional de História
(ANPUH), XXIV Simpósio Nacional de História, São Leopoldo, Rio Grande do
Sul, 2007.
DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1978.
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Ernesto Seidl1
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Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Sergipe.
Pesquisador do Laboratório de Estudos do Poder e da Política – LEPP.
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Caberia mencionar rapidamente, ao mesmo tempo a escassez de estudos empíricos (monográ-
ficos ou comparativos) e, por outro lado, a disponibilidade de uma bibliografia sobre a “história
da Igreja” produzida quase inteiramente por indivíduos comprometidos em algum grau com a
instituição. No caso brasileiro, isso é evidente, por exemplo, nas publicações coordenadas por
padres, teólogos e “historiadores da Igreja”, no sentido mais ambíguo do termo. Exemplo claro
disso é a coleção História Geral da Igreja na América Latina, editada pela Vozes, editora con-
trolada por franciscanos há mais de um século.
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Às vezes, também denominada genericamente Política Comparada, trata-se de uma vertente
teórica iniciada com trabalhos debruçados sobre padrões comparados de construção nacional,
herdeiros notadamente da sociologia de Max Weber e de Norbert Elias. Para uma visualização
geral do estado da arte nesse campo no início dos anos 1990, ver especialmente a edição n. 133
(1992) da Revue Internationale des Sciences Sociales, e o artigo de Bertrand Badie & Pierre Birn-
baum, intitulado Sociologie de l’État revisitée, publicado na mesma revista, n. 140 (1994); para
questões mais gerais sobre a reaproximação entre história, sociologia e estudos da política, ver
Déloye (2003), Déloye & Voutat (2002), Offerlé & Rousso (2008) e Tilly (1981, 2001, 2007).
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Uma exposição detalhada e as respectivas críticas endereçadas a estas correntes podem ser
encontradas especialmente em Badie (1980, 1983), Badie & Hermet (1993) e Tilly (1985).
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Algumas variáveis
Uma vez expostos, de modo muito sumário, o enquadramento cen-
tral do tema e algumas questões pertinentes à construção do objeto, cabe
agora tentar situá-los mais claramente dentro das perspectivas teóricas aci-
ma apontadas. Ao mesmo tempo, indicam-se alguns níveis e variáveis de
análise a serem privilegiados.
Como foi sugerido acima, o ponto de partida para o exame dos pro-
cessos de formação do Estado nacional no Brasil e na Argentina consiste
precisamente em considerar a condição periférica em que se desenvolvem
e, portanto, tomar em conta as diferentes possibilidades de criação, adapta-
ção e hibridação encontráveis na constituição de um aparato político cen-
tralizado e legítimo. Assim, se uma noção de “Estado”, de instituições po-
lítico-administrativas “estatais” e de um léxico “político ocidental” estão
presentes tanto na Argentina quanto no Brasil, também a existência da Igreja
Católica – parte dos empreendimentos colonizadores espanhol e português
desde seu início – deve ser apreendida em sua lógica peculiar de instituição
5
Podem-se mencionar alguns trabalhos produzidos no Brasil que incluem em sua análise os
pressupostos centrais contidos nesta problemática de importação de bens simbólicos; em espe-
cial, Coradini (1996), Anjos (2002) e Seidl (2010).
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uma fórmula política que traz a marca de uma cultura cuja importância
não se poderia subestimar”, sendo sua “invenção controlada e materializa-
da pelos modelos culturais próprios à Europa ocidental”. Especificamente
quanto à Igreja e ao poder religioso, muitas são as indicações que ressaltam
o peso da variável religiosa na explicação dos vários formatos estatais que
tomaram corpo naquele continente. Contudo, em que pese a existência de
variações internas consideráveis (recortes entre tradição católica e protestan-
te, com suas variantes nacionais), a constituição de um centro político unifi-
cador vai inevitavelmente de par com uma separação relativamente clara en-
tre os poderes religioso e político, fenômeno este que também é mais amplo e
se estende a outras esferas sociais, as quais vão progressivamente descolan-
do-se e autonomizando-se umas frente às outras. De fato, o surgimento de
uma esfera política autônoma como “modo privilegiado de resolução das
tensões e dos conflitos” (Ibid., p. 159), acompanhada de um aparato burocrá-
tico-administrativo especializado, implica, neste contexto, uma recomposi-
ção do poder religioso, com perda de terreno na esfera social do político.
Autores como Bertrand Badie, Pierre Birnbaum e René Rémond, entre
outros, ressaltam o peso das relações entre o sistema político e o religioso
no processo de dissociação de um nível propriamente “político”. Segundo
esta perspectiva, “seria incontestável que o cristianismo desempenhou pa-
pel decisivo na construção do Estado”, papel que “não cessou de crescer à
medida que a religião cristã proclamou a autonomia do poder espiritual em
relação ao poder temporal e desenhou assim, em negativo, os contornos de
um campo político específico” (BADIE & BIRNBAUM, 1979, p. 160). De
outro lado, se a história europeia de construção estatal nacional tem na
secularização da política um fator crucial para sua realização, a realidade
dos países situados fora daquela órbita parece ser bastante distinta. Em pri-
meiro lugar, cabe considerar as dificuldades nas tentativas de empreendi-
mento de um aparato político-administrativo dentro de situações históricas
e de contextos sociais e culturais distintos do ocidental. Ou seja, não ape-
nas as condições de dispersão do poder por vastos territórios nas mãos de
proprietários fundiários geralmente armados (estancieiros, caudilhos, co-
ronéis) – como são os casos brasileiro e argentino –, mas também a própria
inexistência de um fenômeno de autonomização da esfera política e buro-
crática conduziram a dinâmicas estatais.
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De acordo com Badie & Hermet (1993), deve-se a Samuel Eisenstadt sua sistematização na
tentativa de compreensão dos fenômenos políticos em sociedades em desenvolvimento. No
Brasil, Raymundo Faoro (1958) renovou as reflexões sobre a constituição do Estado brasileiro
ao usar essa categoria e mostrar o peso do legado português dentro da história do país. Outro
trabalho apoiado nessa nessa vertente é o de Uricoechea (1978).
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Exemplo significativo e bem-sucedido da utilização de “serviços litúrgicos” na construção de
uma ordem social e política no Brasil é o caso da Guarda Nacional, criada sob o molde francês
em 1831. Para Uricoechea (1978, p. 304-305), “a contribuição da Guarda Nacional para a
criação de um Estado burocrático moderno foi impressionante: a relevância das milícias no
processo de construção do Estado reside, entre outras coisas, em sua participação – por vezes
exclusiva – na criação e manutenção de uma rotina administrativa de governo local que era
uma condição necessária para o desenvolvimento de uma ordem institucional além dos confins
da sociedade patriarcal”. Na visão do autor, da qual compartilha Trindade (1985a), o emprego
da ordem prebendalista dessa milícia cívica constitui um fator explicativo do sucesso obtido
pelo Estado brasileiro em sua constituição quando comparado com a Argentina e outros países
latino-americanos.
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De qualquer modo, a realidade da Igreja nos dois países diferia muito pouco também nesse
aspecto. O seminário de Buenos Aires esteve fechado de 1792 a 1865 e o de Salta, de 1813 a
1852. No Brasil, os seminários dependentes dos bispos (episcopais) só surgiram a partir de
1747, ainda sob os cuidados dos jesuítas. “Com a expulsão da Ordem, vários deles foram fecha-
dos temporária ou permanentemente, tal sendo o caso dos seminários da Bahia, Paraíba, Ma-
ranhão, Mariana, São Paulo, Pará. O único mais estável foi o do Rio de Janeiro, criado em
1739, independente dos jesuítas. Após a expulsão, o único seminário episcopal a ser criado foi
o de Olinda, em 1800” (CARVALHO, 1996, p. 166). Destaque-se que os contingentes de sacer-
dotes eram proporcionalmente muito semelhantes em ambos os países.
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Sobre o desenvolvimento e desfecho da Questão Religiosa, consultar especialmente Barros
(1971).
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Segundo Cornejo (1972, p. 39), Rosas tinha como lema o grito “Religião ou Morte”.
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uma Constituição que “rompe com toda uma tradição do estatuto público
da Igreja Católica. Todas as constituições anteriores [...] foram mais explí-
citas no reconhecimento da Igreja. De outro lado, a Constituição consagra
a liberdade de culto, mantém o Padroado e suprime o foro eclesiástico”
(ibid., p. 31). Tal tendência anticlerical intensifica-se na década de 1880 e
atinge seu auge com a série de medidas legais que retiram da Igreja direito
sobre serviços públicos importantes, como é visto na subordinação dos tri-
bunais eclesiásticos aos civis (1881), na proclamação da educação leiga
(1884), no registro e o matrimônio civis (1884 e 1888) e na secularização
dos cemitérios (1888).
Ou seja, sem dispensar seu instrumento de controle sobre a hierar-
quia e a atuação da Igreja, o Estado não mais mantinha a religião católica
como única prática legalmente reconhecida, o que não deixava de repre-
sentar ataque considerável ao poder da instituição. Porém, cabe lembrar,
como faz Trindade (1985a, p. 82), que o período em questão enquadra-se
em um contexto que previa amplo programa de imigração estrangeira (par-
te do “projeto modernizador liberal”), no qual a liberdade de direitos civis
e religiosos era condição para sua realização. Mais uma vez a comparação
com o Brasil revela grande semelhança entre os dois países, pois também
nessa época o “liberalismo nacional mais esclarecido, aliado ao cientificis-
mo que ainda engatinha no País” (BARROS, 1971, p. 330), trata com clare-
za do “problema da imigração” (igualmente como um “projeto de moder-
nização”) e defende a liberdade de direitos, passando, pouco mais tarde, a
propor abertamente a separação entre Igreja e Estado11. Graças aos “libe-
rais avançados, republicanos ou não”, e aos “republicanos todos, liberais
ou positivistas”, “a questão religiosa se transforma num libelo contra a situa-
ção vigente” e envolve a Igreja e o Império.
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“[...] Para o liberalismo de então a separação entre a Igreja e o Estado, se não era a única, era,
contudo, a principal condição para tornar o País atrativo ao imigrante, sequioso de uma nova
vida, mas não ao preço de suas crenças. Nos anos da questão religiosa, os debates do Parla-
mento e da imprensa giram com freqüência em torno deste tema: Saldanha Marinho, Cristia-
no Otoni, Silveira Martins e outros muitos batem repetidamente na mesma tecla” (BARROS,
1971, p. 331).
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Em 1820, os padres lazaristas fundam o Colégio Caraça de Minas Gerais, segundo os moldes
tradicionais jesuítas, tornando-se uma das mais importantes escolas secundárias do Império.
No final do período monárquico, surgem também as primeiras escolas secundárias vinculadas
a grupos protestantes, sobretudo metodistas. Cf. Werebe (1971, p. 375). Sobre o período poste-
rior, consultar Nagle (1977).
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Como demonstra Miceli (1988, p. 67),”ao brindar todos os estados brasileiros com pelo menos
uma diocese, a Igreja passou a dispor de um sistema interno de governo que se pautava pelas
linhas de força que presidiram à montagem do pacto oligárquico [...]”. “A política de ‘estaduali-
zação’ foi implementada através de estratégias diferenciadas conforme o peso político e a
contribuição econômica de cada unidade federativa para a manutenção do pacto oligárquico
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SEIDL, E. • Igreja e construção nacional no Brasil e na Argentina
dados não apenas a funcionalidade das trocas entre as altas esferas católi-
cas e os membros das oligarquias locais, mas também os reflexos dessas
relações sobre os mecanismos de formação da elite do clero. Como se pode
perceber com certa nitidez, se, de um lado, a estreita conexão das frações
mais altas da hierarquia católica com as elites dirigentes regionais foi fun-
damental para a criação de uma estrutura institucional religiosa sólida –
posto que esta se autonomizava frente ao Estado tanto no aspecto material
e financeiro quanto no organizacional e doutrinário –, de outro lado, os
critérios de ocupação de cargos de liderança não ficaram imunes às influên-
cias determinadas pelos grupos detentores de recursos sociais significati-
vos, tais como propriedades econômicas, um determinado capital político e
social e, ligado sem dúvida a estes trunfos, um capital de honorabilidade.
Outro aspecto para o qual o trabalho de Miceli e também os de ou-
tros pesquisadores (DE BONI, 1980; TRINDADE, 1982) chamam a aten-
ção diz respeito à constituição, com maior intensidade a partir do início do
século, de um mercado de ensino fortemente dominado pelas escolas cató-
licas, e que, de acordo com Miceli (ibid., p. 23), foi a “alavanca mais dinâ-
mica e rentável dos empreendimentos eclesiásticos no período em apreço”.
Por outro lado, se esta expansão da rede educacional sob o domínio da
Igreja se deu em quase todo o país, parece ter sido no Rio Grande do Sul,
como mostram De Boni e Trindade, que ela alcançou maior intensidade e
importância dentro da dinâmica social14. Diretamente relacionada à vinda
de padres e religiosos de várias ordens da Europa – iniciada já na metade
do século passado – à região de imigração daquele estado, a criação de
casas de formação eclesiástica, noviciados, seminários e educandários viu
surgir dos diversos estabelecimentos instalados uma elite que, “aos poucos,
acompanhando a ascensão econômica da imigração, foi-se projetando no
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A presença da ordem dos jesuítas no Rio Grande do Sul, não considerando as primeiras mis-
sões que foram expulsas, remonta à vinda de padres espanhóis em 1842. Suas atividades do-
centes iniciaram-se em 1869, no Colégio Nossa Senhora da Conceição de São Leopoldo, já
com os jesuítas alemães, que, a partir do seu fechamento como externato em 1907, dedicaram-
se intensamente ao Colégio Anchieta, em Porto Alegre, criado em 1890 e “principal responsá-
vel pela formação da ‘geração católica’”. Para maiores detalhes, ver Trindade (1982) e Mon-
teiro (2011).
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tra aquele autor, desde o início dos anos 20 a Igreja aferra-se ao “ideal de
ampliar suas esferas de influência política através da criação de uma rede
de organizações paralelas à hierarquia eclesiástica e geridas por intelectuais
leigos”. Deste modo, a instituição empenhou-se em “preservar e expandir
sua presença em áreas estratégicas como o sistema de ensino, a produção
cultural, o enquadramento institucional dos intelectuais, etc.”, e, “em troca
da manutenção de seus interesses em setores onde a intervenção do Estado
se fazia sentir de modo crescente (o sistema educacional, o controle dos
sindicatos, etc.), a Igreja assumiu o trabalho de encenar grandes cerimônias
religiosas das quais os dirigentes políticos podiam extrair amplos dividen-
dos em termos de popularidade” (ibid., p. 51). Desta forma, a união, já não
mais legalmente formalizada, entre a “cruz e a espada” mostrava agora sua
funcionalidade a ambas as partes. Não apenas Estado e dirigentes políticos
eram auxiliados e legitimados no trabalho de organização do país, mas tam-
bém a Igreja Católica adquiria espaço e estrutura próprios aos seus objeti-
vos institucionais.
Quanto às relações entre Igreja e campo intelectual, duas instituições
de enquadramento intelectual receberam a incumbência de congregar o
núcleo de intelectuais leigos que passaram a atuar como porta-vozes orgâ-
nicos dos interesses da Igreja: a revista A Ordem (1921) e o Centro Dom
Vital (1922). Ao criar centros de difusão doutrinária e de tomada de posi-
ção sobre uma série de questões temporais, reunindo e formando uma inte-
lectualidade socialmente reconhecida, a Igreja ampliava significativamente
seu espectro de atuação no espaço social16 e entrava com maior força nas
disputas pela definição e classificação das questões “sociais” e “políticas” a
serem legitimamente tratadas.
Da mesma forma que outros grupos de intelectuais, o que incluía
uma fração escolarizada do Exército, reivindicavam uma “vocação para
16
Entre as agremiações organizadas pela Igreja, destacam-se a Ação Universitária Católica, que
mobilizava estudantes das grandes cidades, o Instituto Católico de Estudos Superiores (embrião da
futura Pontifícia Universidade Católica), editoras (Agir), além de organizações ligadas à esfe-
ra literária, como a revista Festa (publicada no Rio de Janeiro). Cf. Sérgio Miceli,1988, p. 52. De
modo semelhante, também na Argentina é criada em 1928 a revista Criterio, a qual ganha relevo
nos anos 1930, subordinando-se às rígidas normas da Ação Católica e à censura eclesiástica. Cf.
Fausto & Devoto, 2004, p. 219.
54
Poder, instituições e elites
Considerações finais
Como foi indicado inicialmente, o exercício de comparação aqui re-
alizado não propôs respostas definitivas sobre o papel da variável religiosa
nos processos de construção nacional argentino e brasileiro. Sua função
consistiu em trazer elementos para uma problematização coerente do tema
e, a partir daí, apontar possibilidades de construção de objetos de pesquisa.
Dentro desta orientação, destacou-se a fertilidade analítica de abordagens
da Sociologia Histórica que rompem com pressupostos deterministas, ao
mesmo tempo em que abrem um espectro de exame de fenômenos políti-
cos e, dentro destes, dos processos de formação estatal em contextos ex-
traeuropeus ou “periféricos”.
Dentro dos propósitos do estudo, a intenção principal com o uso de
tais enfoques foi tentar esboçar as especificidades dos fenômenos estatais e,
de modo mais amplo, da própria dinâmica de construção do “político” em
determinados contextos sociais e culturais, buscando-se, assim, escapar às
comparações tradicionais num suposto modelo ocidental. Noções como
“importação”, “readaptação” e “hibridação” de modelos políticos e outros
55
SEIDL, E. • Igreja e construção nacional no Brasil e na Argentina
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Poder, instituições e elites
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59
60
Poder, instituições e elites
Flavio Heinz
1
Este texto foi originalmente publicado em espanhol sob o título “Elites, estado y reforma en
Uruguay y Brasil meridional: castilhismo y batllismo en perspectiva comparada – El caso de las
elites de Rio Grande do Sul en la transición del siglo XIX al XX”. In: REGUERA, Andrea. Los
rostros de la modernidad – Vías de transición al capitalismo, Europa y América Latina, siglos XIX-XX.
Rosario: Prohistoria Ediciones, 2006.
61
HEINZ, F. • Driblando escalas: nota sobre a comparação histórica dos regimes batllista e castilhista
*****
Este texto discute o papel das elites políticas do estado do Rio Gran-
de do Sul, Brasil, e de seu ambiente intelectual – com a influência doutriná-
ria do positivismo comtiano –, para a consolidação e disseminação de uma
ideia de intervenção estatal de caráter reformista e “modernizador” assu-
mida pelos governos do Partido Republicano Rio-Grandense durante o
período da República Velha (1889-1930). Nesta perspectiva, da ação das
elites rio-grandenses resultariam políticas públicas que influenciaram forte-
mente a definição do cenário econômico regional e que seriam, anos mais
tarde, a inspiração política e intelectual das políticas de regulação social e
intervenção econômica postas em ação durante o 1º período Vargas (1930-
1945). Ao longo de nossa apresentação, buscaremos oferecer elementos para
a comparação do caso em questão com o processo em curso no Uruguai
durante o período de intensa mobilização reformista econômica e social
dito batllista das administrações do Partido Colorado, entre 1903 e 1933.
Um estudo sobre as experiências de gestação e formação de políticas
públicas na América Latina deveria necessariamente interessar-se pela óti-
ca da ação de grupos/elites dirigentes e pela história do pensamento políti-
co que orientou os processo de modernização do Estado latino-americano
em curso no começo do século XX. Assim, a comparação, por exemplo,
das equipes governantes ligadas ao Partido Republicano Rio-Grandense
(PRR), no período 1891-1930, sob a influência do castilhismo2, e do Partido
2
Por castilhismo entende-se o período de influência política das ideias de Júlio Prates de Casti-
lhos (1860-1903), fundador do PRR, do jornal republicano A Federação e principal liderança
republicana do Rio Grande do Sul. Castilhos foi deputado à Constituinte Nacional e autor da
62
Poder, instituições e elites
carta constitucional do Rio Grande do Sul (Constituição de 14/7/1891), tendo dirigido o esta-
do entre 1892 e 1897. Mesmo após sua morte, Castilhos seguiu sendo a principal referência
política e moral dos republicanos do Rio Grande do Sul. Seu governo e, por analogia, seu
período de maior influência na política regional foram caracterizados pelo autoritarismo go-
vernamental, intervencionismo econômico, disciplina férrea imposta aos militantes republica-
nos, defesa ideológica das virtudes da ditadura científica positivista e pelo combate sistemático
à dissidência e à oposição. Foi sucedido por Antônio Augusto Borges de Medeiros, herdeiro e
propagandista de sua obra política. Borges foi constituinte em 1891, desembargador em 1892 e
chefe de polícia em 1895, e governou o Rio Grande do Sul entre 1897 e 1908 e entre 1913 e
1928; daí a denominação do período em análise também como castilhista-borgista.
3
Por batllismo entende-se o longo período de influência de José Batlle y Ordoñez, duas vezes
presidente, na vida política uruguaia. Para o nosso interesse neste artigo, limitar-nos-emos a
tratar o período conhecido como primeiro batllismo, entre os anos de 1903 a 1933. O termo
batllismo será aqui utilizado para nos referirmos às ações e à obra governamental de caráter refor-
mador empreendida pelo grupo político do Partido Colorado, liderado por Batlle durante todo o
período, e não apenas durante seus dois mandatos presidenciais, i.e., 1903-1907 e 1911-1915.
63
HEINZ, F. • Driblando escalas: nota sobre a comparação histórica dos regimes batllista e castilhista
4
Fundado ainda sob a monarquia, em 1882, o PRR foi a força hegemônica da política regional
durante todo o período da República Velha, isto é, de 1889 a 1930, passando por contestações
episódicas em 1891-92, pela guerra civil conhecida como Revolução Federalista, entre 1893-
1895, e pela Revolução de 1923.
5
O Partido Federalista, criado em 1892, recuperou parte expressiva das antigas lideranças que,
sob a monarquia, dirigiram o Partido Liberal e controlaram a política na Província do Rio
Grande. Durante praticamente todo o período, o Partido Federalista representou a principal
força política de oposição à hegemonia republicana no Rio Grande do Sul.
6
Do industrialismo utópico de Saint-Simon e do positivismo social de Comte emerge a primeira
“vertente ideológica voltada para retificar o capitalismo mediante propostas de integração das
classes a ser cumprida por uma vigilante administração pública dos conflitos”. Para Bosi, a
inspiração profunda desta vertente é ética e, “tanto em Saint-Simon quanto em Comte, evoluiu
para um ideal de ordem distributivista”. Assim, o positivismo social, “transferido quase em
estado puro para o contexto republicano gaúcho (ou variamente combinado com o racionalis-
mo krausista, no Uruguai colorado), deu à nova configuração econômica modelos de ação
política cuja coerência interna ainda impressiona” (BOSI, p. 282).
64
Poder, instituições e elites
7
Nome dado à coalizão partidária encabeçada por Vargas nas eleições presidenciais de 1930.
65
HEINZ, F. • Driblando escalas: nota sobre a comparação histórica dos regimes batllista e castilhista
Positivismo e krausismo
Lideranças intelectuais e políticas republicanas, ainda sob o Império,
interessavam-se pelas possibilidades do discurso do “progresso dentro da
ordem”, perfeitamente ajustável às necessidades das elites brasileiras no
8
Para Bosi, o “termo développement no sentido forte de progresso material e social já comparece
em Saint-Simon e no jovem Comte [que fora seu secretário particular]. Para estabelecer o siste-
ma seria indispensável instaurar uma economia planejada que regulasse o desenvolvimento da
nação como um todo. A Lei interviria, se preciso, até o limite de abolir o instituto da herança,
um dos maiores óbices criados ao progresso por manter privilégios individuais em detrimento
da solidariedade social. [...] Quanto aos ganhos pecuniários que a produção trouxesse para o
capital, poderiam ser redimidos de qualquer mancha egoísta pela instituição de uma sociedade
altruísta, termo cunhado então para designar um regime próspero e distributivo [...]. Nascia,
deste modo, o ideal reformista do Estado-Providência: um vasto e organizado aparelho público
que ao mesmo tempo estimula a produção e corrige as desigualdades do mercado” (BOSI, p.
273-274).
66
Poder, instituições e elites
9
Relativo ao pensamento e à doutrina de Karl Christian Friederich Krause, nascido em Eisen-
berg, em 1781, e morto em Munique, em 1832. Krause, que elaborou um sistema filosófico
próprio, o “racionalismo harmônico”, foi introduzido no espaço intelectual ibérico da década
de 40 do século XIX, através de traduções de obras de dois de seus discípulos, Heinrich Ahrens
e Guillaume Tiberghien. A disseminação da doutrina krausista entre intelectuais liberais espa-
nhóis a levou, em seguida, ao conhecimento e incorporação ao ambiente político e intelectual
de várias nações hispano-americanas, como o Uruguai e a Argentina. No Brasil, o pensamento
krausista ficou restrito às faculdades de Direito e pouco ou nenhum efeito teve no que concerne
a uma eventual incorporação pelas elites políticas.
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Note-se que esta não é uma observação de menor relevância, uma vez que esta oposição é, de
tempos em tempos, recuperada na interpretação de outros aspectos e clivagens da vida política
72
Poder, instituições e elites
e cultural do Rio Grande do Sul. O último episódio desta natureza talvez tenha sido o clima de
extrema radicalização política que envolveu a sociedade regional quando da chegada ao go-
verno estadual de Olívio Dutra, ex-prefeito de Porto Alegre, do Partido dos Trabalhadores,
entre 1999 e 2002. Vários intelectuais ocuparam os espaços de mídia escrita e eletrônica, seja
para denunciar a polarização histórica que divide os gaúchos desde a Revolução Federalista,
ou talvez, num recuo ainda maior, desde a Revolução Farroupilha, seja para identificar nos
agentes políticos contemporâneos traços das identidades políticas do passado. Assim, se o
governo petista era identificado pela oposição, na linha direta da tradição castilhista, como de
tipo autoritário, com “flagrantes” tendências ditatoriais, na melhor das hipóteses “estatizante
e contra o mercado”; a oposição era, por sua vez, identificada pelo partido no poder como
“desinteressada pela sorte dos demais grupos sociais, elitista, intolerante e rancorosa frente à
legitimidade popular do governo”, críticas gerais que caberiam perfeitamente no discurso de
uma liderança do PRR sobre os oponentes federalistas!
11
Com efeito, parece haver por vezes certo exagero – para não dizer clara ausência de cautela
metodológica – na convicção com que Targa trata a vinculação ideologia/ação política:
“L’intervention de l’État dans l’économie gaúcha avait un caractère doctrinaire. Elle ne s’est
pas traduite dans un discours creux, puisque les Positivistes l’on vraiment pratiqué pendant 37
ans (1893-1930) durant lesquels ils restèrent au pouvoir au Rio Grande do Sul. Elle n’avait rien
à voir avec une pratique squizofrenique d’intervention économique accompagnée de la défen-
se verbale des principes du laissez-faire, qui a caracterisé la démarche de l’élite paulista.
Au Sud, il n’y avait pas de contradiction entre idéologie et les pratiques d’intervention de
l’État. Celui-ci était envisagé comme responsable de la régulation de l’économie et de la soci-
été et était donc chargé de corriger la direction perverse que pouvait prendre l’économie de
marché. L’intervention de l’État s’accordait parfaitment à cette représentation de son rôle,
dans la mesure où il cherchait à socialiser les services publiques, à éviter la formation de
monopoles, à promouvoir le bien-être social et à ne jamais favoriser un seu secteur ou groupe
de capital” (TARGA, 2002, p. 407).
73
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Poder, instituições e elites
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Na verdade, foram estabelecidos preços médios para cada uma das 140 zonas fiscais do país.
13
Por exemplo, em seu segundo mandato presidencial, a partir de 1911, Batlle coloca em pauta
a regulação das relações de trabalho, com a fixação de jornadas de oito horas diárias, descanso
remunerado, sistema de aposentadoria, previsão de indenizações por acidente ou demissão e
interdição do trabalho de menores.
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14
Reformas nesse sentido fora introduzida primeiramente em 1877, no Governo Varela.
15
Província sob a monarquia e Estado da federação sob a república, situado no extremo meridio-
nal do Brasil, o Rio Grande do Sul pode ser dividido, para efeitos explicativos, em quatro
grandes regiões: (a) a Campanha, correspondendo à metade sul do território, incluindo toda a
área de fronteira com o Uruguai e, em certa extensão, com a República Argentina, é região de
excelentes campos naturais e concentra historicamente as grandes propriedades de terra e a
atividade pecuária tradicional do Estado; (b) a Serra é a designação genérica da metade norte
do Estado, incluindo a região das Missões e do Planalto próximas ao Estado de Santa Catari-
na, abrigando uma pecuária economicamente menos importante que aquela do sul, bem como
alguma atividade agrícola; (c) a Zona Colonial compreende áreas da encosta da Serra Geral e
da própria Serra, a leste e ao norte da capital. A Zona Colonial concentrou a parte substancial
das correntes imigratórias de origem europeia (basicamente de origem alemã ou italiana) do
século XIX no sul do Brasil e foi, a partir da segunda metade daquele século, o centro de uma
produção agrícola rica e diversificada, baseada numa estrutura tipicamente camponesa e vol-
tada para o mercado interno regional; (d) o Litoral compreende a costa atlântica e o sistema da
Lagoa dos Patos, incluindo as grandes cidades comerciais do Estado, como a capital, Porto
Alegre, e a cidade portuária de Rio Grande.
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Poder, instituições e elites
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A amostra investigada incluiu 29 inventários que puderam ser recuperados sobre um total de
148 líderes republicanos e outros 25 inventários sobre um total de 111 líderes federalistas.
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Há que referir-se aqui ao problema da sobrerrepresentação da fortuna “legal” presente nos
inventários, sobretudo no que tange às lideranças federalistas, geograficamente concentradas
na região de fronteira com o Uruguai. Possivelmente, como de hábito na elite proprietária da
região, parte das lideranças investigadas deveria possuir propriedades e ativos substanciais no
país vizinho, o que evidentemente “desaparece” na análise dos inventários.
78
Poder, instituições e elites
210). Esta aproximação em virtude de uma formação comum pode ser per-
cebida num levantamento pioneiro efetuado por Walter Spalding, onde, de
30 lideranças republicanas cuja formação profissional pôde ser identifica-
da, 2/3 aparecem como tendo estudado na Faculdade de Direito de São
Paulo. Ainda, o fato de mais da metade de um total de 37 líderes republica-
nos cuja idade pôde ser confirmada ter nascido no período 1855-1864 suge-
re o entendimento da adesão ao movimento republicano também por um
viés geracional.
Numa amostra de 69 altos funcionários (secretários de Estado, dire-
tores, vice-diretores e chefes de seção) atuantes em três secretarias de Esta-
do no período 1891-1930, reencontramos um perfil caracteristicamente ur-
bano: 20 de 52 altos funcionários cuja localidade de nascimento foi possí-
vel recuperar eram originários da capital; de 48 funcionários com formação
universitária, 22 eram formados em Direito, 11 em Engenharia e 7 eram
médicos. Entre estes altos funcionários, o tempo médio de permanência em
um cargo de secretário de Estado (na Secretaria do Interior e Exterior) foi
de 6,8 anos; de um diretor geral, 5,6 anos; dos diretores da 1ª , 2ª e 3ª
diretorias, respectivamente, de 5,5, 6,6 e 5 anos em média. Esta média ele-
vada de permanência em um cargo de chefia aponta para uma possível
estabilidade da carreira administrativa.18
Mas se os trabalhos que buscam investigar o perfil social das elites
políticas regionais ainda são incipientes no Brasil, oferecendo à análise o
conhecimento de apenas algumas poucas propriedades sociais das lideran-
ças, no caso uruguaio há pelo menos uma grande investigação de tipo pro-
sopográfico permitindo extrair significativos traços coletivos das direções
batllistas. Referimo-nos ao estudo de José P. Barrán e de Benjamin Nahum
18
Dados de uma pesquisa em curso sobre o perfil prosopográfico das lideranças do Partido
Republicano Rio-Grandense. Numa ampliação desta amostra, reunindo agora 392 funcionários
das mais variadas atividades, nas três secretarias – excluindo apenas tarefas administrativa-
mente pouco especializadas, como porteiros e estafetas – encontramos médias ainda mais
elevadas: 8,4 anos na Secretaria do Interior e Exterior; 7 na Secretaria de Obras Públicas; e 9,8
na Secretaria da Fazenda, perfazendo uma média geral de 8,4 anos de dedicação ao serviço
público. Se é possível que esse número não impressione se comparado a algumas longevas
carreiras públicas verificadas durante a monarquia, o fato é que o quadro de ampliação acele-
rada de serviços e, portanto, de incorporação de novos funcionários sugere mais uma vez, face
às médias assinaladas, uma situação de estabilidade de carreira destes funcionários.
79
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19
As 19 variáveis incluídas no estudo foram: ano de nascimento; idade ao ingressar na vida
política; idade ao aderir ao batllismo; local de nascimento; nacionalidade dos pais; se foi diri-
gente estudantil; se realizou viagem de estudos à Europa; se o pai tinha atividade política; se
possuía militância anticlerical notória; se buscou ingressar na Escola Elbio Fernández; núme-
ro de anos de atividade política; se participou na Revolução do Quebracho; se participou do
grupo colorado na guerra de 1904; se foi empregado público antes de assumir o cargo político;
se teve emprego público posterior ao cargo; se possuía título universitário; se era jornalista; e,
por fim, se era escritor profissional.
80
Poder, instituições e elites
20
Os estudos originais são as teses de doutoramento de WIRTH, John. Minas Gerais in the Brazilian
Federation, 1889-1937. Stanford: Stanford University Press, 1977; LEVINE, Robert M. Pernambu-
co in the Brazilian Federation, 1889-1937. Stanford: Stanford University Press, 1978; e LOVE, Jose-
ph L. São Paulo in the Brazilian Federation, 1889-1937. Stanford: Stanford University Press, 1980.
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Considerações finais
Este artigo apresenta uma proposta arriscada, a de expor o caso da
ação das elites governantes no Rio Grande do Sul tendo como pano de
fundo a comparação entre duas realidades históricas e políticas de diferente
escala: o próprio caso gaúcho, sob a República Velha, e o caso do Estado
nacional uruguaio. A regra da cautela metodológica sugere não se misturar
laranjas e maçãs, mas, face às flagrantes assimetrias sugeridas pela simples
confrontação de um caso regional a outro nacional, impõe-se uma série
impressionante de similitudes nas práticas e resultados obtidos ao longo
82
Poder, instituições e elites
21
Simbolismo da data à parte, o caráter algo jacobino da ação dos republicanos gaúchos, já
analisado por Hélgio Trindade, aparece também entre os reformistas batllistas.
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“O sentimento de que as indústrias locais e o mercado interno mereciam prioridade e proteção
se reavivaria toda vez que os positivistas se defrontassem com a questão abrangente do desen-
volvimento nacional. [...] [O] discurso industrialista, com maior ou menor ênfase antiimperi-
alista, só receberia acolhimento oficial ao longo do consulado getuliano [de Getúlio Vargas]
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Poder, instituições e elites
Quadro comparativo
Batllismo Castilhismo/borgismo
Periodização 1903-1933 1889-1930
Líderes políticos José Batlle y Ordoñez Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros
Modelo socioeconômico Agroexportador pecuarista Agroexportador pecuarista
dominante
Sistema de ideias Krausismo/Liberalismo/Cientificismo Positivismo (político)
Positivismo (não político)
Forma de organização Aparece como facção do Partido Colorado Aparece como movimento republicano sob
original a monarquia para transformar-se depois no
Partido Republicano Rio-Grandense
Possibilidade de dissidência Sim Não
no partido governante
Oposição política Partido Nacional – Blancos Partido Federalista
Episódios de violência Sim Sim
política e guerra civil
Liberdade de imprensa Sim Sim, relativa
que foi incorporando, lenta e pragmaticamente, as sugestões aventadas pela ala marchante dos
nossos empresários. O dirigismo estatal e o progressismo burguês encontrariam, a partir dos
meados da década de 30, uma zona de intersecção de que ambos se beneficiariam. [...] [O]
pendor industrializante dos homens de 30 era temperado por um respeito, igualmente comtia-
no, pelo ideal do equilíbrio orçamentário. [...] [A] práxis republicana no Rio Grande, amplia-
da pelo grupo que subiu ao poder na Revolução de Outubro, interferia no processo de acumu-
lação da burguesia ora mediante instrumentos fiscais, tributando ou isentando, ora mais dire-
tamente, pela encampação de redes de transportes segundo o lema da socialização dos servi-
ços públicos” (BOSI, p. 292-294).
87
HEINZ, F. • Driblando escalas: nota sobre a comparação histórica dos regimes batllista e castilhista
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90
Poder, instituições e elites
Encontros e desencontros do
cooperativismo na Argentina (Buenos Aires)
e no Brasil (Rio Grande do Sul)
1
Licenciada em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2009/2) e mestranda em
História na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
2
Doutora em História pela Universidade Federal do Rio Grande Sul. Professora e pesquisadora
do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
91
SANTOS, A. C. C. dos; HARRES, M. M. • Encontros e desencontros do cooperativismo na Argentina e no Brasil
Presença de imigrantes
Na Argentina o cooperativismo, como experiência associativa, apa-
rece já no século XIX, com os imigrantes europeus. No Brasil, encontra-
mos, também no século XIX, a difusão do ideal cooperativista e algumas
experiências pioneiras, mas somente no início do século XX temos registro
das primeiras cooperativas agrárias, o que ocorreu em áreas de colonização
alemã e italiana. A respeito da imigração, cabe destacar que, a partir do
processo de independência, esses países passaram a receber de modo ex-
pressivo imigrantes de diversas partes da Europa. No Brasil, uma das polí-
ticas adotadas no que se refere à recepção de imigrantes foi a povoação das
províncias do Sul, ou seja, as regiões fronteiriças e conflituosas do país.
Este movimento ganhou força nas décadas de 1820 e 1830 e caracterizou-
3
Este texto apresenta resultados parciais da pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Gradua-
ção em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos intitulada “Cooperativismo Rural.
Estudo comparado: o Rio Grande do Sul e a Província de Buenos Aires (1950-1970)”, realiza-
da no período entre 2008 e 2010 por Marluza Marques Harres, com apoio dos bolsistas de
iniciação científica Alba Cristina Couto dos Santos e André Ricardo de Andrade. A ele agrade-
cemos pela leitura e sugestões apresentadas a este texto.
92
Poder, instituições e elites
4
Ver mais sobre o estudo comparativo da população de Argentina e Brasil em: Fausto, Bóris;
Devtoto, Fernando J. Brasil e Argentina: um ensaio de história comparada (1850-2002). São
Paulo: Ed. 34, 2004. p. 40-50.
93
SANTOS, A. C. C. dos; HARRES, M. M. • Encontros e desencontros do cooperativismo na Argentina e no Brasil
5
No ano de 1891 surgiu, em São Paulo, a Associação Cooperativista dos Empregados da Com-
panhia Telefônica na cidade de Limeira, e, em 1895 foi fundada, em Pernambuco, a Coopera-
tiva do Proletariado Industrial de Camaragibe.
94
Poder, instituições e elites
95
SANTOS, A. C. C. dos; HARRES, M. M. • Encontros e desencontros do cooperativismo na Argentina e no Brasil
6
Os 28 tecelões em situação de greve e de demissão em massa começaram a esboçar, desde fins
de 1843, o que em dezembro do ano seguinte se traduziria na cooperativa de consumo, que, na
sobriedade operária, surgiu pequena e modesta, e desenvolveu-se ininterruptamente até nossos
dias (SCHNEIDER, 1994, p. 10).
96
Poder, instituições e elites
97
SANTOS, A. C. C. dos; HARRES, M. M. • Encontros e desencontros do cooperativismo na Argentina e no Brasil
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Poder, instituições e elites
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SANTOS, A. C. C. dos; HARRES, M. M. • Encontros e desencontros do cooperativismo na Argentina e no Brasil
102 o foram nos últimos dois anos e meio. “Mostra tal fato o corte violento
que foi feito no processo rápido de surgimento de cooperativas e a total
inversão de tendência do processo, após a introdução do ICMS (Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).
Na Argentina, as relações do cooperativismo rural com o Estado ocor-
riam por meio da representação feita pelas federações e pela confederação.
O cooperativismo rural argentino defendia a ideologia da não intervenção
estatal, porém, durante o período estudado, manteve constantes relações
com o Estado, visando à defesa dos seus interesses.
Durante o governo do general Juan Domingo Perón, uma politica de
sacrifícios para o setor rural resultou do I Plano Quinquenal de Governo
(1947-1951), cuja principal fonte de financiamento vinha do Instituto Ar-
gentino de Promoción del Intercambio (IAPI). Esse órgão tinha como fun-
ção intervir e controlar as importações e exportações realizadas pela Ar-
gentina, tomando parte direta nas transações de compra e venda dos pro-
dutos agropecuários, o que acabou gerando saldos positivos para o governo
(LATTUADA, 1986, p. 86).
O desenvolvimento veio com o Segundo Plano Quinquenal (1953-
1957) na medida em que foram sendo aplicados múltiplos incentivos eco-
nômicos. De modo geral, o programa previa: uma política de colonização e
de reordenamento do uso da terra; o aumento da mecanização para a pro-
dução agropecuária; a capacitação técnica para os produtores; a fixação
antecipada dos preços visando a uma melhor remuneração para os agricul-
tores; o fomento da indústria agropecuária regional, e preferentemente co-
operativa, entre outras providências indicadas. Este Segundo Plano reser-
vava um papel importante para o cooperativismo, estabelecendo como meta:
“fomento especial para la organización cooperativa de los productores agro-
pecuarios, las cuales deberán transformarse en las unidades básicas de la
economía social-agraria, que progresivamente participarían de la coloni-
zación, comercialización interna e externa e industrialización de la producción
agropecuária” ( LATUADA, 1986, p. 99).
Perón também teve uma preocupação especial com o crédito, um gran-
de aliado de sua política, alavancando o crescimento econômico no meio
rural. Um dos principais agentes de crédito era o Banco de la Nación Ar-
gentina, que desde a década de 1930 já operava neste sistema. Em 1946, o
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Poder, instituições e elites
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SANTOS, A. C. C. dos; HARRES, M. M. • Encontros e desencontros do cooperativismo na Argentina e no Brasil
vismo rural, pois o governo federal entendia que esta era a melhor forma de
normalizar o abastecimento, reduzir os conflitos fundiários e promover o
desenvolvimento agrícola. Para Perius (1994, p. 24), a lei carregava as mar-
cas da interferência do Estado na vida das cooperativas, mas cabe também
destacar que abriu as portas para a educação cooperativista ao destinar 5%
das sobras líquidas das cooperativas para serem investidos em um Fundo
de Assistência Técnica, Educacional e Social.
Neste contexto, evidencia-se que, tanto na Argentina quanto no Bra-
sil, obtiveram-se renovações nas estruturas cooperativas. No entanto, a in-
tervenção estatal brasileira se fez mais presente que na Argentina, marcan-
do o período de forte centralismo estatal.
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SANTOS, A. C. C. dos; HARRES, M. M. • Encontros e desencontros do cooperativismo na Argentina e no Brasil
7
Correio do Povo, Porto Alegre, 3/01/59, p. 7.
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8
Correio do Povo, Suplemento Correio Rural, Porto Alegre, 19/09/1958, p. 19.
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9
Para saber mais sobre a presença da juventude e as experiências cooperativas, ver: Vânia
Rizzo, 1989.
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SANTOS, A. C. C. dos; HARRES, M. M. • Encontros e desencontros do cooperativismo na Argentina e no Brasil
Considerações finais
Tanto no Rio Grande do Sul como na Argentina, as origens do co-
operativismo remontam ao final do século XIX e vinculam-se às experiências
trazidas pelos imigrantes europeus. Para a Argentina, “el crecimiento del
número de cooperativas fue progresivo en todo el país, especialmente en la
región central, y tuvo su momento de mayor expansión entre mediados de
la década de 1940 y 1950.”10 Entretanto, um exame do número de associa-
dos revela uma forte expansão do cooperativismo até o início dos anos de
1970. Algumas associações foram particularmente importantes no desen-
volvimento do movimento cooperativo argentino, como Agricultores Fe-
derados Argentinos, criada em 1932 por iniciativa da Federação Agrária
Argentina, que impulsionou, a partir dos anos de 1950, a criação de Cen-
tros Cooperativos Primários em diversas localidades, incluindo o norte de
Buenos Aires. A Federação Agrária Argentina estimulou a criação, em 1947,
da Federação Argentina de Cooperativas Agrárias (FACA), que chegou à
década de 1970 como a mais importante empresa cooperativa de comerciali-
zação de grãos do país. A Associação de Cooperativas Argentinas (ACA)
foi a primeira cooperativa das cooperativas agrárias que funcionou neste
país, estando em funcionamento na atualidade.
Para o Rio Grande do Sul, os períodos de destaque pela expansão
expressiva das cooperativas e federações de cooperativas são as décadas de
1950 e 1970. Segundo José Odelso Schneider, em 1961 eram apenas três as
Cooperativas Centrais, chegando a sete em 1978. Quanto às Federações de
Cooperativas, havia cinco em 1961, num total de 11 em todo o país, e oito
em 1981, com destaque, no âmbito rural, para a FECOTRIGO, FECOVI-
10
LATTUADA, Mario. El cooperativismo agrário ante la globalización. Buenos Aires: Siglo XXI,
2004. p. 25.
110
Poder, instituições e elites
111
SANTOS, A. C. C. dos; HARRES, M. M. • Encontros e desencontros do cooperativismo na Argentina e no Brasil
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Poder, instituições e elites
113
114
Poder, instituições e elites
Jonas Vargas
1
Ver, por exemplo, Graham (2001), Dolhnikoff (2005), Martins (2007), Dantas (2009), Gouvêa
(2008).
2
Sobretudo, nas teses de Carvalho (2003) e Mattos (1990).
115
VARGAS, J. • “Um império de cruzes, togas e espadas”
res, estas elites ainda participaram ativamente do governo central por meio
da sua atuação na Câmara e no Senado – importantes espaços de represen-
tação nacional e que, sendo eletivos, refletiam a expressão política das eli-
tes regionais.
Entretanto, a complexidade deste sistema político não se esgotava na
separação das esferas de atuação dos cargos que o compunham. Quando se
tomam as famílias como unidade política de análise, observa-se que sena-
dores e deputados gerais estavam vinculados por laços de parentesco tanto
aos deputados provinciais quanto a importantes lideranças nas localida-
des.3 Além do mais, o exercício de funções legislativas num âmbito nacio-
nal não vetava o compromisso dos deputados e senadores com seus interes-
ses regionais e até mesmo locais. Na prática, as razões de Estado, entendi-
das como politicamente superiores, não se chocavam diretamente com as
redes clientelísticas mantidas pelos mesmos agentes e que os conectavam
com as suas regiões de origem. Era na realização destas últimas que muitos
aspectos das primeiras acabavam se concretizando. Conforme Graham, este
tipo de relação “não conflitava com o crescimento do poder central, pois as
autoridades local e central coexistiam numa relação recíproca” (GRAHAM,
2001, p. 41). O pertencimento de ambas as autoridades a um mesmo parti-
do sedimentava estes vínculos. No interior destas redes de relações que en-
volviam os parlamentares na Corte, os recursos materiais e imateriais transa-
cionados reuniam agentes da sua própria base eleitoral, ou seja, favoreciam
suas regiões de origem. Tudo isto resultava num verdadeiro mosaico de
interesses políticos e econômicos que compunham o Legislativo da Corte,
pois o perfil sociológico das elites provinciais que ocupavam tais cargos
refletia naturalmente as singularidades de cada região. No entanto, havia
uma convergência de interesses e opiniões políticas entre muitos membros
destas elites, sendo a permanência da monarquia e da escravidão algumas
das mais notáveis.
Portanto, as diversidades econômicas e socioculturais de cada região
influíam na diversidade do perfil socioeconômico das elites políticas, e, num
olhar mais macroanalítico, que vai além das histórias dos gabinetes e dos
3
Como demonstraram Martins (2007) e Vargas (2010a), entre outros.
116
Poder, instituições e elites
O “mediador”
A distância física e temporal que separava as províncias do mundo da
Corte constituía-se num obstáculo por onde somente alguns poucos indiví-
duos conseguiam transitar com distinção e obter ganhos dele. Os “media-
dores” (brokers) eram pessoas que possuíam características diferenciadas
dentro da sua “aldeia” e eram responsáveis por vincular a sua comunidade
com o mundo exterior, defendendo interesses ligados à sua região de ori-
gem, à sua facção política e aos seus clientes, sem deixar de compartilhar
de parte dos interesses mais nacionais com os governantes dos principais
117
VARGAS, J. • “Um império de cruzes, togas e espadas”
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Poder, instituições e elites
4
Ver, por exemplo, Ladurie (s. d.), Uricoechea (1978), Levi (2000). Para uma boa síntese do uso
do conceito entre os micro-historiadores italianos ver Lima Filho (2006).
119
VARGAS, J. • “Um império de cruzes, togas e espadas”
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Poder, instituições e elites
Uma das reclamações dos rebeldes farrapos, em 1835, foi exatamente com
relação às poucas cadeiras que os sul-rio-grandenses possuíam na Câmara.
Ceará, Bahia e Rio Grande do Sul também se diferenciavam quanto
às suas estruturas socioeconômicas. A economia cearense destacou-se, so-
bretudo, pela pecuária e, em menor medida, pela agricultura de alimentos
voltada para o abastecimento das principais vilas. Desde o século XVII, a
pecuária cearense esteve fortemente vinculada ao porto de Recife e ao abas-
tecimento dos engenhos pernambucanos. Importantes vilas cearenses, como
Aracati, que possuía uma significativa produção de carne-seca, dependiam
das conexões com comerciantes pernambucanos tanto para remeter sua
produção para outras regiões quanto para obter sal, escravos e demais mer-
cadorias. Na passagem do século XVIII para o XIX, o cultivo do algodão e
da cana-de-açúcar encontrou certo desenvolvimento, mas não chegou a
acompanhar a importância da criação de gado ao longo do oitocentos. No
entanto, estas atividades foram recorrentemente afetadas pelas secas. Se a
de 1777 foi prejudicial à economia regional, a de 1791-92 praticamente
inviabilizou o desenvolvimento das charqueadas cearenses, dizimando seus
rebanhos. No século XIX, as secas de 1825 e 1845 também foram notáveis,
trazendo enormes perdas para os criadores de gado. Mas foi a de 1877 que
afetou duramente a economia provincial, provocando a migração de ho-
mens ricos e pobres para as áreas urbanas, acelerando a saída de cativos
para os cafezais do sudeste, o que veio a contribuir decisivamente para o
precoce abolicionismo da mão de obra escrava na província.5
No Rio Grande do Sul, nas primeiras décadas do século XIX, o cul-
tivo do trigo encontrou um importante desenvolvimento, mas entrou em
declínio ainda na década de 1820. A economia pecuária praticada nas es-
tâncias da fronteira e o complexo charqueador no vale do Jacuí, mas, sobre-
tudo, em Pelotas lideraram as exportações por décadas. Esta produção era
destinada basicamente para o mercado interno, mas também se destacou
pelas vultosas remessas de couros para a Europa e, em menor medida, do
charque para Havana e Lisboa.6 Na segunda metade do século XIX, o de-
5
Para uma análise mais aprofundada Girão (1982), Paiva (1978), Pinto (1984), Oliveira (1984).
6
Ver Osório (1999), Silva (1979), Corsetti (1983).
121
VARGAS, J. • “Um império de cruzes, togas e espadas”
7
Sobre a produção agropecuária ver Zarth (1997) e FarinattI (2007), para a integração da produção
colonial ao mercado carioca, Graça Filho (1992), para os fatores políticos e econômicos regionais
que provocaram a Guerra do Paraguai, Vargas (2010b).
8
Para uma análise mais completa ver Chaves (2001), Mattoso (1992), Ximenes (1999), Neves
(2000), Barickman (2003).
122
Poder, instituições e elites
Analisando os dados
Uma das características comuns a muitas elites políticas eleitoralmente
constituídas é a concentração dos mandatos nas mãos de poucos indivíduos.
Neste sentido, as três províncias apresentaram índices semelhantes, com
mínimas variações. Começando pelos deputados provinciais, é possível ve-
rificar que, na Bahia, 80% deles exerceram três mandatos ou menos no
parlamento regional (1835-1889). No Rio Grande do Sul; este índice che-
gou a 81%, e no Ceará ele alcançou 85%. A província meridional revelou-
se a mais instável para os estreantes no seu parlamento, pois, analisando os
números relativos aos deputados que exerceram somente um mandato, tem-
123
VARGAS, J. • “Um império de cruzes, togas e espadas”
se 44,6% para a Bahia, 48% para o Ceará e 50,6% para o Rio Grande do
Sul. Combinando estes indicadores com o dos deputados que mais acu-
mularam mandatos provinciais, é possível considerar que houve uma maior
concentração de poder na elite rio-grandense. Enquanto no Ceará os deputa-
dos provinciais que ultrapassaram os sete mandatos chegaram a 2%, na Bahia
eles somaram 2,4% e no Rio Grande do Sul 4,8%. Os dados revelam que o
parlamento provincial rio-grandense se caracterizou por um diminuto grupo
de deputados (5,6% do total) que concentrou 22% dos mandatos na casa
entre 1835 e 1889. Um deputado rio-grandense chegou a acumular 14 man-
datos. Tais números revelam que os “concentradores” do topo da elite rio-
grandense pareciam bloquear a reeleição dos estreantes no parlamento.
Analisando os deputados gerais, verifica-se uma tendência diversa.
Como o acúmulo de mandatos entre os deputados gerais era menor, pois
havia poucas cadeiras disponíveis e os mandatos eram de quatro anos e não
de dois, a reeleição nas províncias que possuíam menos cadeiras, como o
Rio Grande do Sul, era difícil.9 Por isso, nesta província, os parlamentares
que se elegeram somente uma vez atingiram 62,5%, enquanto na Bahia,
que possuía mais que o dobro de cadeiras, eram 43,5%. O Ceará, por sua
vez, atingiu 57,5% para os estreantes que nunca retornaram à Câmara. No
topo, enquanto no Ceará e na Bahia 20% dos deputados haviam acumula-
do quatro mandatos ou mais, no Rio Grande do Sul este feito foi realizado
por somente 9,3% dos parlamentares. Portanto, nesta casa parlamentar os
rio-grandenses não conseguiram impor a mesma capacidade de concentra-
ção que apresentaram em nível provincial. Mesmo que o menor número de
cadeiras ajude a explicar este fenômeno, ele também parecia ser resultado
da maior intervenção que os ministros de Estado realizavam nas eleições
gerais, pois os mesmos dependiam da maioria na Câmara para governar.
Nestas investidas, eles buscavam favorecer seus correligionários, inviabili-
9
Os parlamentos provinciais rio-grandense e cearense possuíam 28 cadeiras quando foram ins-
talados em 1835. Em meados do século XIX, eles possuíam 30 cadeiras. Portanto, havia a
mesma possibilidade de acúmulo de mandatos para ambos os grupos de políticos. Mas na
Câmara, o Ceará possuía oito cadeiras contra seis dos rio-grandenses. Em contrapartida, a
Bahia possuía 40 cadeiras no parlamento provincial e 14 no parlamento geral. É interessante
observar que mesmo oferecendo maiores espaços para os políticos baianos acumularem man-
datos, a Bahia não revelou os índices de concentração rio-grandenses, o que reforça mais ainda
a concentração de poder no interior da elite rio-grandense.
124
Poder, instituições e elites
10
Isto se torna mais notável ao se perceber que os maiores concentradores de mandatos parla-
mentares provinciais pertenciam ao Partido Liberal rio-grandense. Este foi hegemônico na
província, controlando a Assembleia Legislativa em muitas ocasiões, inclusive quando os con-
servadores estavam no poder, como de 1873 a 1877.
125
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Poder, instituições e elites
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É importante destacar que o fato dos indivíduos aqui mencionados serem classificados como
membros da burocracia ou das profissões liberais não exclui a ligação dos mesmos com as
atividades econômicas de esfera mercantil e agropecuária. Não foi raro aos membros das
elites oitocentistas dedicarem-se a mais de uma atividade econômica, podendo combiná-la
com o exercício de uma profissão. Além do mais, muitos eram filhos ou genros de grandes
proprietários, vindo a defender os seus interesses no parlamento. Portanto, a classificação dos
membros das elites políticas por critérios socioprofissionais não diverge de outra que busca
caracterizá-los por sua ocupação econômica. Para um exemplo de uma análise integrada e
que tem nas famílias o objeto principal de investigação ver Vargas (2010a).
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A primeira turma de formandos é de 1832. Analisando somente os bacharéis cearenses verifi-
ca-se que na década de 1860, formaram-se 41 bacharéis, que perfaziam 10,5% do total de
nordestinos. Na década de 1870, os mesmos índices eram de 41 bacharéis e 7% do total, acu-
sando uma grande queda. Nos anos 1880, apesar do aumento do número de bacharéis para
66, o índice sofreu nova queda para 6,1%, ou seja, diminuiu 42% desde a década de 1860
(BEVILÁQUA, 1977).
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Em 1836, este índice era de 12,5% (OLIVEIRA, 1984, p. 67). Conforme José Marcelo Pinto,
de 1854 a 1865, o Ceará perdeu 3.652 cativos para o tráfico interprovincial. O mesmo mercado
capturou 7 mil escravos cearenses, entre 1871 e 1881. O destino da grande maioria deles foram
os cafezais do Sudeste (PINTO, 1984, p. 122).
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14
Teotônio Simões (1983), ao estabelecer uma relação entre o número de bacharéis por provín-
cias e a sua respectiva população, encontrou dados interessantes. Entre eles, observa-se que o
Rio Grande do Sul, apesar de ser a sétima província mais populosa do Império e uma das mais
importantes economicamente, apresentava-se em 13.° lugar (entre 20 províncias) na relação
número de bacharéis a cada 100 pessoas, atrás de províncias menores como Alagoas, Paraíba,
Sergipe e Piauí. O Ceará ocupava a 11º posição (CASTRO, 1995, p. 30-31).
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Poder, instituições e elites
Exército no Senado. Sua influência política foi tão alta que eles consegui-
ram eleger-se após a lei eleitoral de 1855, que cerceava a possibilidade das
suas candidaturas.15
A elite política do Ceará apresentou um perfil diverso. Entre os depu-
tados provinciais, os magistrados e os padres somados atingiram índices
que oscilavam entre 30% e 45% das cadeiras do parlamento de 1835 até a
década de 1870. Nas últimas décadas, eles continuaram com força, mas os
empregados públicos, os fazendeiros e os negociantes também se fizeram
representar com percentuais aproximados. O destaque é que, ao contrário
do Rio Grande do Sul e da Bahia, os advogados poucas vezes passaram dos
5%, ao contrário dos rábulas, que, na década de 1880, chegaram a ocupar
20% das cadeiras numa das legislaturas.16 Na média geral, os padres são o
grupo que mais acumulou mandatos na Assembleia, somando 16,1% das
representações. Ao todo, cerca de 78 padres conseguiram tomar assento
nesta Casa.
Entretanto, quando se sobe para outro nível de poder político, o per-
fil desta elite sofre algumas alterações. Entre os deputados gerais cearenses,
até a década de 1850, os padres rivalizavam com os magistrados e os milita-
res na representatividade; entretanto, a partir da década de 1850, os milita-
res perderam espaço e, nos anos 1860, os padres começaram a dar lugar ao
grupo dos profissionais liberais. Nas últimas décadas, professores, médi-
cos, engenheiros, jornalistas e advogados somavam mais da metade dos
representantes. Neste espaço de poder político, os advogados formados su-
biram em importância e os rábulas se elegeram muito pouco. Analisando o
Senado cearense, percebe-se que os padres também tiveram importância no
topo desta elite política. Apesar de 30% dos senadores cearenses terem sido
15
A Lei eleitoral de 1855 buscava dificultar a eleição dos magistrados e dos militares proibindo
que os mesmos se elegessem nos seus distritos de jurisdição, tendo que buscar seus votos em
outro distrito mais distante no interior da província. Um dos motivos da lei foi investir mais
fortemente na profissionalização de ambas as carreiras burocráticas; para isto, acreditava-se
ser necessário afastá-los da vida política.
16
Os rábulas eram os advogados sem diploma e que conseguiam licença para exercer esta profis-
são junto às câmaras municipais. É interessante notar que o aumento da importância política
deles é inversamente proporcional à diminuição do número de bacharéis em Direito na socie-
dade cearense nas décadas de 1870 e 1880, conforme descrevi anteriormente.
133
VARGAS, J. • “Um império de cruzes, togas e espadas”
17
Assim como o Ceará, a província de Minas também teve três padres. No entanto, o Ceará teve
19 senadores ao longo da monarquia contra 45 mineiros, o que revela a maior proporcionali-
dade dos padres no interior da elite política cearense.
134
Poder, instituições e elites
Considerações finais
Cada uma das elites políticas aqui analisadas apresentou um grupo
socioprofissional que se destacou mais do que os outros, sobretudo entre os
senadores. Na Bahia, os magistrados dominaram as cadeiras senatoriais.
No Rio Grande do Sul, os militares se constituíram num grupo socioprofis-
sional importante, enquanto que no Ceará o Senado apresentou um signifi-
cativo número de padres. Uma análise dos senadores de todas as outras
províncias do Brasil confirma a existência de tais singularidades numa com-
paração mais ampla. A Bahia foi de longe a província que mais teve sena-
dores magistrados durante a monarquia. O Ceará, por sua vez, empata no
número de padres senadores com Minas Gerais. No entanto, como Minas
possuía mais que o dobro do número de cadeiras no Senado, os três padres
cearenses ocupam um percentual muito maior do que os padres entre os
mineiros. Com o Rio Grande do Sul acontece o mesmo. A província teve
três senadores militares, perdendo somente para Pernambuco, que teve qua-
tro. No entanto, os três senadores rio-grandenses compõem um percentual
bem maior que os militares entre os pernambucanos, província onde havia
nove senadores magistrados, por exemplo.
A existência destes perfis sociais distintos revela que os recursos ne-
cessários para que um candidato vencesse as eleições parlamentares envol-
viam uma série de fatores comuns a todas as regiões, mas também traziam
componentes distintos, de acordo com a província analisada. Um dos indí-
135
VARGAS, J. • “Um império de cruzes, togas e espadas”
cios desta diversidade era a alta capacidade eleitoral que o exercício de cer-
tas ocupações profissionais fornecia aos seus portadores em determinadas
províncias. Na Bahia, por exemplo, os juízes de direito, mas, sobretudo, os
desembargadores, eram um dos grupos socioprofissionais portadores de tal
prestígio social e, notadamente, os mais competentes em converterem este
prestígio em capital político. Tal fenômeno possui explicações históricas
que devem ser buscadas desde os tempos coloniais. A Bahia foi a sede do
primeiro Tribunal de Relação do Brasil, criado em 1609. Composto por de-
sembargadores com larga experiência jurídica, o mesmo permaneceu como
único tribunal de segunda instância no Brasil até o período pombalino.
Estudando este grupo de elite, Stuart Schwartz (1979) considerou-o
como um dos principais agentes administrativos da colônia nos séculos XVII
e XVIII. Ele formava uma elite de letrados distinta do grosso da população
formada de degredados, escravos, livres pobres, comerciantes e senhores de
engenho. No exercício de suas funções judiciárias, os desembargadores re-
produziam na colônia todas as idiossincrasias corporativas alimentadas na
metrópole. Mas, ao mesmo tempo em que serviam à Coroa, eles gozavam de
autonomia suficiente para estabelecer alianças matrimoniais e de compadrio
com as famílias mais ricas da Bahia, notadamente a elite açucareira. Confor-
me Schwartz, com o tempo, os magistrados fizeram de seu cargo um suporte
de status social. Os aposentados mantinham o título e continuavam influindo
nas decisões de seus pares, além de serem respeitados por toda a população
local. Esta posição foi habilmente manejada por muitos desembargadores
que enfeixaram grande poder em suas mãos e buscaram sempre influir para
que seus familiares permanecessem no tribunal nas gerações sucessoras. Um
outro número significativo de desembargadores também foi provedor da Santa
Casa de Misericórdia, estreitando seus laços com a Igreja. O abrasileiramen-
to dos desembargadores, nas palavras de Schwartz, integrou-os de tal forma
à sociedade colonial que muitos se tornaram senhores de engenho, fazendei-
ros e até comerciantes de açúcar e de escravos. Em consonância com estes
projetos, havia senhores de engenho que se esforçavam para atraí-los como
genros, podendo, desta forma, usar a sua influência administrativa e judicial
para obter ganhos políticos (SCHWARTZ, 1979, p. 246-257).
Portanto, os desembargadores na Bahia oitocentista pertenciam a um
círculo burocrático com uma secular tradição colonial. Entre os senadores
136
Poder, instituições e elites
18
Conforme Mattoso, “os quinze senadores que estudaram em Coimbra pertenciam ao pessoal
administrativo e político do Antigo Regime. Haviam servido ao Estado português, sobretudo
como magistrados e, em seguida, a Dom Pedro I, que os brasileiros sempre consideraram
como um monarca português. Depois da Independência, a maior parte deles integrou o cír-
culo dos altos funcionários que assumiram responsabilidades ministeriais no novo Estado”
(MATTOSO, 1992, p. 281).
19
Em meados do século XIX, a Bahia também era a província com mais número de comarcas e,
portanto, possuía um número ligeiramente maior de juízes, o que também favorecia o seu
sucesso no mundo da política.
137
VARGAS, J. • “Um império de cruzes, togas e espadas”
esta endemia belicosa e que tinha nos estancieiros e militares os mais in-
fluentes nas localidades. Estes líderes sustentaram a guerra civil mais lon-
ga da história do Brasil (1835-1845) e usaram o seu prestígio militar tanto
para barganhar com o governo central quanto para exercer autoridade so-
bre a população provincial, mantendo a ordem social.
Na década de 1880, o Rio Grande do Sul concentrava 31,13% do con-
tingente total do Exército brasileiro. Para o comando e a administração das
forças armadas em nível nacional, os rio-grandenses também obtiveram cer-
to destaque. Durante todo o período imperial, a província teve 13 ministros
de Estado. Destes, sete ocuparam a pasta da Guerra, o que indica que os
membros da elite política da província eram mais lembrados e recrutados
para a Corte quando os assuntos eram desta competência. A pasta da Guerra
foi a única repartição do governo central em que o Rio Grande do Sul conse-
guiu impor alguma tradição com relação às outras províncias. Entre 1832 e
1889, 52 homens ocuparam o Ministério da Guerra, sendo 11 da Corte, sete
do Rio Grande do Sul, sete de Portugal e sete baianos, apenas para citar as
principais regiões representadas (o restante estava distribuído pelas outras
províncias). Este protagonismo no ministério se manteve na República, pois,
entre 1889 e 1930, os rio-grandenses tiveram sete dos 22 ministros.20
Portanto, no Rio Grande do Sul a política e a guerra sempre estive-
ram intimamente ligadas. A província teve o maior número de soldados na
campanha contra os paraguaios (1864-1870) e um número significativo de
lideranças militares e paisanas comandadas por oficiais rio-grandenses.21 O
papel dos mesmos nas batalhas foi reconhecido pela Coroa, que os consa-
grou com uma enxurrada de títulos de nobreza. Foi durante esta Guerra, por
exemplo, que o general Osório recebeu os títulos que o fizeram Marquês do
Herval. Osório era o chefe do Partido Liberal na Província, em 1877 ele-
geu-se senador e em 1878 foi escolhido ministro da Guerra. A sua popula-
20
Para maiores detalhes, ver Carvalho (2003, p. 203-205), Galvão (1894) e Lyra (1978).
21
O Rio Grande do Sul foi a província que mais contribuiu para o contingente militar na Guerra,
enviando cerca de 34 mil soldados para os campos de batalha, ou seja, 17% da população
masculina da província e 27,45% de todo o efetivo brasileiro. Apenas para se ter uma compa-
ração, a Corte, que mandou 11.461 homens, ou 8% da sua população masculina, e a Bahia,
que enviou 15 mil soldados (2% de sua população masculina), foram os únicos que chegaram
perto dos índices rio-grandenses (Vargas, 2010b).
22
Sobre sua trajetória ver Braga (2008) e Neto (2009).
138
Poder, instituições e elites
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140
Poder, instituições e elites
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VARGAS, J. • “Um império de cruzes, togas e espadas”
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Poder, instituições e elites
Marcelo Vianna
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1
Plínio de Arruda Sampaio foi promotor público em São Paulo entre os anos de 1955 e 1959.
Foi eleito deputado federal pelo PDC em 1962, mas acabou cassado pelo AI-1 em 1964. No
processo de redemocratização, voltou a ser eleito deputado federal pelo PT e foi um dos
defensores das garantias institucionais ao MP na Constituinte de 1988. Entrevista de Plínio de
Arruda Sampaio ao Projeto Memória do MPRS em 07 de agosto de 2002, p. 4. Disponível em:
<http://www.mp.rs.gov.br/memorial/noticias/id12392.htm>. Acesso em: 20.01.2010.
2
Discurso de Ladislau Fernando Röhnelt, ex-procurador do MPRS e desembargador do TJRS.
Réplica, n. 16, ano VI, junho/julho 1987.
146
Poder, instituições e elites
3
Como grandes conquistas estão a Lei Orgânica do MP (Lei Federal Complementar nº 40/81)
em 1981, Lei de Ação Civil Pública (Lei Federal nº 7347/85) em 1985 e o Capítulo IV, Seção I
da Constituição de 1988 (artigos 127 a 130), que consolidaram o MP como responsável pela
fiscalização da lei e defesa da sociedade em seus direitos individuais indisponíveis e coletivos.
4
Conforme Marc Bloch: “Antes do mais, no nosso domínio, o que é comparar? Incontestavelmente
o seguinte: escolher, em um ou vários meios sociais diferentes, dois ou vários fenômenos que
parecem, à primeira vista, apresentar certas analogias entre si, descrever as curvas de sua
evolução, encontrar as semelhanças e as diferenças e, na medida do possível, explicar umas e
outras. São, portanto, necessárias duas condições para que haja, historicamente falando,
comparação: uma certa semelhança entre os fatos observados, ‘o que é evidente’, e uma certa
dessemelhança entre os meios onde tiveram lugar” (1998, p. 120-121).
5
“As reconversões são o conjunto de ações e reações permanentes através das quais cada grupo
social se esforça em manter ou mudar sua posição na estrutura social, e se traduzem em
deslocamentos no espaço social de atores ou de grupos de atores, provocados por grandes
transformações políticas [...], ou mais estruturais [...], com o abandono de posições estabelecidas
e o ingresso em novos setores” (SAINT MARTIN, 2008, p. 64).
147
VIANNA, M. • Os founding fathers do Parquet – um ensaio comparativo entre as elites do Ministério Público...
As condições da comparação
Os processos de institucionalização do MPP e MPRS se coadunam
com a profissionalização do campo jurídico paulista e rio-grandense em
curso nos anos 1930. Nesse processo, no qual magistrados e bacharéis rei-
vindicaram e constituíram um espaço próprio, de saber especializado e pro-
gressivamente refratário às interferências político-partidárias (BONELLI,
2002; ENGELMANN, 2001), há duas causas que merecem destaque: a
desvalorização do diploma e a redefinição do campo político e do próprio
campo de poder durante o Estado Novo. No tocante à primeira, o aumento
de diplomados em Direito leva a conflitos em diferentes perspectivas, como
a persistência do bacharelismo e a expertise jurídica, o rábula e o diploma-
do, e os cargos jurídicos em disputa por sua primazia no campo jurídico, o
que obriga os agentes do campo jurídico a controlar o ingresso de novos
bacharéis na profissão jurídica e obter maiores garantias/regalias pela rela-
ção com o Estado (MICELI, 2001; COELHO, 1999).
A outra está ligada à redução das possibilidades de articulação das
elites, grupos dirigentes, agentes políticos, para dentro das novas estruturas
estatais, estas marcadas pela eliminação dos partidos políticos, centraliza-
ção de poderes e modernização conservadora (SOUZA, 1990). Assim, como
mostraram os estudos de Adriano Codato para a elite política do Estado
Novo em São Paulo e Sandra Amaral para a elite gaúcha, houve uma re-
definição das possibilidades de inserção no Estado pelas vias políticas tradi-
cionais, com a própria redução das posições de poder, concentradas nos
cargos de interventor, secretário e membros do Departamento Administra-
tivo do Estado de São Paulo (DAESP) e do Rio Grande do Sul (CODATO,
2009b; AMARAL, 2006). A nosso ver, essa restrição da participação políti-
co-partidária coincidiu com a criação de novas instâncias de poder ou sua
remodelação, com os devidos insulamentos burocráticos e corporativismos
que marcariam o Estado Novo, de maneira a acomodar parte das elites
regionais e suas práticas clientelísticas (DINIZ, 1999; ABREU, 2007). Des-
se modo pensamos o MP: os agentes interessados no fortalecimento da
atividade de promotor público se mobilizariam frente ao contexto da época
para transformar o cargo na promotoria, visto então como um estágio para
uma carreira política ou jurídica, para uma carreira construída em torno de
uma instituição em crescimento no campo jurídico.
148
Poder, instituições e elites
6
Destacaram-se a reivindicação de harmonia e independência entre Magistratura e órgãos do
MP no exercício das respectivas funções; a recomendação para que os Estados organizassem
códigos funcionais garantidores de um plano de carreira, obrigatoriedade de concurso para ingresso,
promoções mediante critério de merecimento e antiguidade, vencimentos nunca inferiores a dois
terços daqueles percebidos pelos juízes, proibição de remoções não solicitadas, direito a férias
remuneradas, etc.; e, finalmente, a recomendação para que a classe fundasse em todos os estados
associações como as de São Paulo e do Rio Grande do Sul” (AXT, 2003, p. 41).
149
VIANNA, M. • Os founding fathers do Parquet – um ensaio comparativo entre as elites do Ministério Público...
7
Os dados sobre os founding fathers foram obtidos principalmente nas seguintes fontes: Banco de
Dados do MPRS, Revista do MP, Justitia, Martins (1978), DHBB (2001), Félix (2001) e Heinz
(2005). Para os membros do MPP, a revista Justitia preocupou-se, nas décadas de 1960 em
diante, em preservar a história da instituição e publicou biografias de seus membros,
contemplando os founding fathers do MPP. Também foram utilizados trabalhos diversos
disponíveis on-line, como artigos acadêmicos e sites institucionais, como o material elaborado
pela prefeitura municipal de São Paulo que fornece breves biografias sobre os “patonos [sic]”
de suas escolas municipais. Disponível em: <http://arqs.portaleducacao.prefeitura.sp.gov.br/
patonos/>. Acesso em: 10.09.2011.
150
Poder, instituições e elites
órgãos “culturais” que eram as revistas.8 Nesse sentido, para efeitos de com-
paração, formariam as respectivas elites institucionais – embora se reco-
nheça, no caso do MPRS, uma fragilidade desse grupo, por possuir uma
organização mais recente (1941) e singela, centrada apenas no procurador-
geral do Estado Abdon de Mello, o único da instituição investido de pode-
res de sanção e promoção sobre a classe.
8
Essa opção aproxima-se do critério posicional proposto por Wright Mills para definição de elite
(1962).
151
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Poder, instituições e elites
Direito de São Paulo e Porto Alegre (ADORNO, 1988; GRIJÓ, 2005), sal-
vo exceções (como Abdon de Mello na Faculdade de Direito de Pelotas,
essa mais restrita à elite de Pelotas e seu entorno), e tiveram a possibilidade
de militar politicamente, em especial os paulistas.
No entanto, a comparação revela um maior acúmulo de capitais e
recursos por parte dos founding fathers do MPP, como as origens familiares,
militâncias políticas e incursões no campo literário/acadêmico, em compa-
ração com os membros do MPRS. Os founding fathers integravam famílias
notáveis (“quatrocentões”) com maiores relações com os meios políticos,
tinham, em boa parte, uma experiência de militância política, atuaram em
cargos além das promotorias (mas relacionáveis, em boa parte, com o Di-
reito Penal, como a Polícia), tinham maior produção literária e acadêmica
(incluindo aí dois futuros membros da Academia Paulista de Letras e do-
cências na Faculdade de Direito de São Paulo) e apresentavam trajetórias
mais dinâmicas no pós-Estado Novo, tanto no domínio dos cargos de che-
fia do MPP quanto na carreira político-partidária. Isso não significa que os
rio-grandenses não tivessem seus trunfos e não tivessem uma origem apre-
ciável e capacidade de reconverter seus capitais para o MP ou carreiras
políticas no RS, mas representavam uma elite regional “menor” frente à
paulista.
Se os rio-grandenses não apresentavam maior militância e acesso aos
cargos burocráticos antes do Estado Novo, também pesou o fato de serem
uma geração mais nova – em média 32,5 anos de idade comparada aos 40,5
anos dos founding fathers do MPP –, o que os impediu de participar e adqui-
rir maiores experiências no campo político tradicional. Isso foi o efeito da
crise do MPRS nos anos 1930; parte dos futuros founding fathers do MPRS
acabou substituindo os depurados. Embora não se negue que processo se-
melhante tenha ocorrido em São Paulo, não foi o suficiente para constran-
ger a participação dos futuros founding fathers do MPP no campo político e
na instituição ao ponto de conseguirem organizar concursos públicos a par-
tir de 1936 e organizar a APMP em 1938.
A supremacia dos founding fathers do MPP pode ser percebida nas
suas incursões no jornalismo e em atividades literárias. Essa experiência foi
válida para as revistas Justitia e Revista do MP, pois incorporaram indivíduos
que dominavam essas práticas em cargos de direção: o paulista Miguel de
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Justitia, v. 7, n. 16, p. 412, jan.-jun. 1944.
156
Poder, instituições e elites
são menor do que a de seus colegas paulistas: Dámaso Rocha foi o repre-
sentante da classe na Assembleia Nacional Constituinte de 1946, eleito pelo
Partido Social Democrático (PSD), no rastro da máquina eleitoral construída
pela interventoria. Henrique Fonseca de Araújo (PL) e Hélio Carlomagno
(PSD) tornaram-se deputados estaduais, sendo o último presidente do par-
lamento gaúcho em 1961.
Por fim, nas carreiras em suas instituições os founding fathers do MPP
foram mais efetivos. Embora apenas cinco se dedicassem exclusivamente à
carreira após o Estado Novo, eles e os demais founding fathers continuaram
a dominar os postos-chave da instituição, associação e revista, quando es-
tas duas últimas foram reorganizadas. Dos oito procuradores-gerais entre
1945 a 1965, quatro eram founding fathers e acumularam 13 anos de chefia
nesse período. Além de César Salgado, Mário de Moura e Albuquerque
foi escolhido para dois mandatos como procurador-geral (em 1956 e 1964),
sendo pela primeira vez escolhido pela classe de promotores em lista trí-
plice.
No caso do MPRS, a constituição de uma elite propriamente dita a
partir da organização do Conselho Superior do MPRS em 1948 incorpo-
rou parte dos founding fathers, mais exatamente oito membros. Dois alcan-
çariam o cargo de procurador-geral: Henrique Fonseca de Araújo em 1955
e Floriano Maia D’Ávila em 195910; três atuariam como procuradores-ge-
rais substitutos – Abdon de Mello (novamente), Álvaro de Moura e Silva e
Luiz Lopes Palmeiro alternaram-se em substituições ao procurador-geral
ao longo da década de 1950 e início de 1960, quando se aposentaram. A
AMPRGS se desarticulou e apenas seria retomada em fins dos anos 1950,
sem founding fathers no comando. Já na Revista do MP, que circulou até
1951, os founding fathers mantiveram a editoria com Gabriel Mesquita da
Cunha e Luiz Lopes Palmeiro. O último a permanecer no MPRS foi Júlio
Marino de Carvalho, que se aposentou em 1969.
10
O envolvimento de Floriano Maia D’Ávila como procurador-geral no governo Brizola (1959-
1962), atuando no processo de encampação da ITT (Companhia Telefônica Nacional) e na
Campanha da Legalidade (1961); contribuiu para que fosse cassado pelo AI-1 e aposentado
do serviço público em 08.10.1964.
157
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Poder, instituições e elites
11
Informações obtidas nas biografias disponíveis em Justitia, v. 10, jan.-mar. 1952; v. 51, 4º trim.
1965; v. 57, 2º trim. 1967; v. 105, 2º trim. 1979, entre outras. Serão indicadas as fontes quando
não referentes à Justitia.
12
Era tesoureiro do Santuário Episcopal de Aparecida, função herdada de seu sogro. Estima-se
que o ambiente familiar religioso estimulou a relação especial que César Salgado tinha com o
catolicismo, mas também revela o trânsito que seu pai tinha com o episcopado. Também foi
muito ativo na emancipação de Aparecida, o que demonstra o prestígio de seu cargo e sua
importância para um município voltado à adoração religiosa. O pai foi tesoureiro de 1900 até
1946, ano de seu falecimento. Em vida foi agraciado com a comenda da Ordem de São Silvestre
e era Cavaleiro de Capa e Espada (MOURA, 2002, p. 253).
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13
Sua importância residiu na reorganização da Força Pública para a guerra. Não morreria em
combate, mas em um acidente no campo de testes. Um canhão explodiu, soltando estilhaços e
atingindo-o mortalmente. Foi promovido post mortem, sendo alvo de espessas homenagens.
14
Entrevista de Plínio de Arruda Sampaio ao Projeto Memória do MPRS em 07 de agosto de
2002, p. 3. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/memorial/noticias/id12392.htm>.
Acesso em: 20.01.2010.
160
Poder, instituições e elites
15
Um exemplo está nos discursos por ocasião da saída de Benedito Costa Neto (Justitia, v. 6, n.
14, p.430-435, maio-ago. 1943).
16
Justitia, v. 1, p. 179, set.-out. 1939.
17
Justitia, v. 4, p. 581-583, maio-set. 1942; Justitia, v. 6, n. 15, p. 767, set.-dez. 1943.
18
Justitia, v. 51, p. 28. Nesses ofícios previa-se a revisão do Código Judiciário de São Paulo
(Decreto n.º 11.058, de 26.04.1940) que criou o Conselho Superior do MP. Esse órgão, que
previa a participação do procurador-geral e de três subprocuradores, tinha poderes para propor
remoções e promoções, organizar concursos e fiscalizar a atuação dos promotores públicos.
19
Justitia, v. 51, p. 28.
161
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20
Apenas em 1950 é que a APMP voltaria a atuar, sob a presidência de João Batista de Arruda
Sampaio.
21
A família era originária de Mamanguape, Paraíba. “O avô deles [Manuel Antônio de Siqueira
Mello Filho] era um grande senhor de engenho. Quando morreu, dividiram as terras. Depois,
também morreu o pai deles, meu avô, e papai resolveu ingressar no Exército. Engenho é muito
bom quando está só com um. Papai, então, foi ser cadete, que era um posto herdado da
Monarquia” (Entrevista do Mal. Nélson de Mello ao CPDOC/FGV em 08.06.1978, p. 7).
Pela entrevista, traduz-se a estratégia de conversão do prestígio familiar de Francisco Mello
para se manter frente à decadência. A vinda para o Rio Grande do Sul cortou os laços familiares
com a Paraíba.
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Além do concurso público como recrutamento meritocrático e como garantia de estabilidade
ao promotor público, o projeto previa o ingresso de estagiários e acesso via concurso para
qualquer entrância. Justiça, 1938, p. 637-653.
23
Justiça, 1938, p. 637.
24
Em início de 1938, Abdon de Mello havia negado oferecer denúncia contra Flores da Cunha
no caso do desvio de 10.000 libras esterlinas, um dos vários procedimentos legais abertos pela
interventoria contra o ex-governador. Se isso rendeu prestígio ao ponto de publicar um livreto
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Considerações finais
Pode-se dizer que os founding fathers do MPP seguiam o caminho de
ingresso na elite política, mas foram colhidos pelas transformações dos anos
1930, culminando no Estado Novo e no constrangimento das vias tradicio-
nais de acesso político. Por outro lado, pelo fato de ser uma geração mais
nova, os founding fathers do MPRS tinham menos capitais e recursos neces-
sários para impor suas ideias e ficaram, desta forma, submetidos à lideran-
ça de Abdon de Mello. Mas isso pode ser visto como vantagem, pois, ao
manter um low profile, escaparam das depurações ou puderam ocupar o
lugar dos depurados diante da desorganização inicial do MPRS no início
do Estado Novo.
O caso de César Salgado ilustra um acúmulo de capital político con-
vertido para a defesa do novo campo institucional, tornando-se um articu-
lador dos demais founding fathers e incorporando os procuradores-gerais do
estado ao grupo para atender as demandas da classe. O uso da APMP como
órgão de mobilização e da revista Justitia como órgão de divulgação funcio-
nou e conseguiu garantir, ainda em fins dos anos 1930, as conquistas insti-
tucionais do MPP, possibilitou a manutenção mesmo em episódios com
divergências do DAESP e manteve os founding fathers ocupando cargos de
chefia até 1965.
O processo de institucionalização do MP contou com outra estraté-
gia. Com Abdon de Mello, ela se daria por baixo, através do desenvolvi-
mento de uma doutrina nos anos 1930 e certa subserviência ao Poder Exe-
28
Ata do CSMP nº 151, de 06.05.1969. Arquivo do MPRS.
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AMARAL, Sandra M. O teatro do poder: as elites políticas no Rio Grande do Sul na
vigência do Estado Novo. Tese de doutorado – PUC, Porto Alegre, 2006.
29
Na visão de Christophe Charle, uma “rede de proteção cômoda para realocar as vítimas dos
acasos do sufrágio universal” (2008, p. 21).
30
Justitia, v. 54, n. 158, p. 254, 1992.
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1
Boris Fausto e Fernando Devoto, na Introdução de Brasil e Argentina: um ensaio de história compa-
rada (1850- 2002), afirmam que Marc Bloch foi o historiador que “mais influenciou a disciplina
quanto ao uso do método comparativo” (FAUSTO; DEVOTO, 2004, p. 13). Comentando as
dificuldades e as vantagens da segunda aplicação da comparação, considerada a mais rica cien-
tificamente por Bloch, os autores destacam, entre as dificuldades, “[...] distinguir os fenômenos
que poderiam ser explicados autonomamente dos que deviam ser entendidos em conjunto com
os da outra sociedade estudada; ou de dominar com a mesma profundidade os dois ou mais
campos pesquisados; ou, ainda, de traduzir os diferentes códigos e vocabulários empregados
pelos historiadores de cada lugar” (FAUSTO, DEVOTO, 2004, p. 14). Passando a discutir as
vantagens desta aplicação da comparação, Fausto e Devoto afirmam que “[...] eram muito
grandes, sempre que a pesquisa fosse realizada com o devido cuidado. Assim, seria possível
perceber influências mútuas e buscar explicações para os diversos problemas para além das
causas internas; identificar as falsas causas locais e diferenciar as verdadeiras das gerais; encon-
trar vínculos antigos e perduráveis entre as sociedades; fornecer sugestões e novas pistas para a
investigação. Para Bloch, a comparação não dizia respeito somente à busca de semelhanças,
mas também, e especialmente, à das diferenças. Desse modo, a história comparada servia tanto
para melhor formular as questões sobre cada caso quanto para explicá-lo” (FAUSTO, DEVO-
TO, 2004, p. 14).
2
Para uma breve discussão sobre as dificuldades suscitadas pelo binômio história comparada, ver
Heinz, Flavio; Korndörfer, Ana Paula. Comparações e comparatistas. In: HEINZ, Flavio (Org.).
Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América
Latina. São Leopoldo: Oikos, 2009, p. 9-20.
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3
“For the purposes of this comment I want to stress that comparing in history means to discuss
two or more historical phenomena systematically with respect to their similarities and differen-
ces in order to reach certain intellectual aims” (KOCKA, 2003, p. 39. A tradução é minha).
4
Maria Gabriela Marinho define da seguinte maneira a filantropia científica da Fundação Ro-
ckefeller: “De modo geral, o conceito de filantropia pode ser definido como a destinação de
recursos privados para atuação em atividades de interesse público. No caso específico da filan-
tropia científica, há destinação de recursos privados para a produção de conhecimento científi-
co” (MARINHO, 2001, p. 14).
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O Rockefeller Institute for Medical Research (1901) era um Instituto voltado para o desenvolvimen-
to da medicina experimental. O General Education Board (1903) tinha como objetivo o desenvol-
vimento de um amplo projeto educacional voltado principalmente para a região sul dos Esta-
dos Unidos. A Sanitary Commission for the Eradication of Hookworm Disease (1909) atuou no com-
bate à ancilostomíase nos estados do sul norte-americano num projeto de cinco anos (ETTLING,
1981; FARIA, 2007). Analisando a atuação da Fundação Rockefeller em termos globais de
maneira geral, Lina Faria firma que é possível identificar dois momentos distintos importantes.
Segundo Faria, “o primeiro, iniciado em 1913, dava ênfase à medicina e a ações em saúde
pública. Durante as décadas de 20 e 30, a Rockefeller direcionou suas atividades para pesquisa
e controle de doenças infecciosas como a ancilostomíase, a febre amarela e a malária. Um
segundo momento, que se consolidou em fins dos anos 40, mais precisamente com o fim da
Segunda Guerra Mundial, ligou-se ao desenvolvimento do ensino médico, das ciências físicas
e biológicas e da agricultura” (FARIA, 2007, p. 78-79).
6
Diversos países contaram com a cooperação da Fundação Rockefeller a partir de 1913, entre os
quais México, Brasil, Equador, Argentina, Colômbia, Chile, Paraguai, Peru, Uruguai, Vene-
zuela, Costa Rica, Cuba, Guatemala, Haiti, Nicarágua, Panamá, El Salvador, Jamaica, Trini-
dad e Tobago, Granada, Canadá, Ceilão, Índia, Malásia, Coréia, Tailândia, China, Japão,
Iraque, Turquia, Israel e Líbano. Alguns países africanos e europeus também receberam apoio
da Rockefeller. Entre os países europeus, podemos citar Inglaterra, França, Espanha, Portugal
e Albânia (FARIA, 2007, p. 59). Para informações sobre a presença e a atuação da Fundação
Rockefeller na área da saúde na América Latina, ver trabalho de Marcos Cueto: CUETO,
Marcos (Ed.). Missionaries of Science: The Rockefeller Foundation & Latin America. Blooming-
ton: Indiana University Press, 1994.
7
A ancilostomíase é uma verminose conhecida popularmente no Brasil como amarelão ou opi-
lação.
8
John Farley discute a história da divisão internacional de saúde da Fundação Rockefeller em:
FARLEY, John. To Cast Out Disease: A History of the International Health Division of the
Rockefeller Foundation (1913-1951). Nova York: Oxford University Press, 2004.
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9
Sobre a atuação da Fundação Rockefeller no Brasil, por exemplo, Lina Faria afirma que “aqui
no país, para lograr êxito, a Rockefeller teve de adaptar seus objetivos e modelos de atuação às
condições históricas, culturais e sanitárias locais” (FARIA, 2007, p. 80).
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As campanhas contra a febre amarela no México também foram analisadas mais recentemen-
te por Anne-Emanuelle Birn (BIRN, Anne-Emanuelle. Marriage of Convenience: Rockefeller
International Health and Revolutionary Mexico. Rochester: University of Rochester Press,
2006).
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má, Costa Rica, Guatemala, Trinidad e Guiana Britânica, com ênfase nos
quatro últimos, entre os anos de 1914 e o final da década de 1920.
Apesar das diferenças11, os “mundos” da América Central e do Cari-
be britânico eram convergentes em termos geopolíticos e econômicos. Du-
rante o curso do século XIX, os quatro territórios – Guatemala, Trinidad,
Guiana Britânica e Costa Rica – compartilharam a experiência de se inseri-
rem no sistema capitalista mundial através da exportação agrícola e, em
cada um dos casos, o boom exportador foi financiado principalmente pelo
capital britânico e a produção tinha o mercado europeu como destino. No
início do século XX, porém, os quatro territórios estavam na órbita de in-
fluência dos Estados Unidos.
Neste texto, é o próprio autor quem destaca a ausência de estudos
comparados sobre o tema, indicando que há pesquisas sobre as campanhas
contra a ancilostomíase realizadas em parceria com a Fundação Rockefeller
em países como Austrália, Brasil, Colômbia, México, sul dos Estados Uni-
dos, entre outros, mas, surpreendentemente, quase nenhum trabalho de
comparação foi realizado. Segundo Palmer, estes recentes estudos realiza-
dos sobre as campanhas em países individualmente analisados sublinha-
ram que a agenda e as propostas da Fundação poderiam ter aplicações dis-
tintas em cada um dos locais de atuação e sofrer importantes transforma-
ções como resposta a preocupações e condições locais, mas que não há
uma apreciação sobre o grau de diferenciação em questão. Assim, Palmer
afirma que a análise comparativa dos seis programas institucionalmente
iguais, desenvolvidos no mesmo tempo histórico e no mesmo espaço geo-
político, demonstra o quão diferentes podiam ser o desenvolvimento dos
programas e seus resultados (PALMER, 2010, p. 3).12
Orientado pela história social e cultural da medicina, mas valendo-se
também de estudos elaborados na área das ciências sociais e das aborda-
gens institucionais que têm analisado a saúde internacional, Palmer discu-
11
A Costa Rica e a Guatemala eram dois estados da América Central hispânica, Trinidad e a
Guiana Britânica eram duas colônias do Caribe britânico e a Nicarágua e o Panamá, dois
países sob a influência norte-americana.
12
“The following comparative worm’s-eye view of six institutionally identical programs, de-
ployed in the same historical time and geopolitical space demonstrates how distinct each
program’s development and outcome could be […]” (PALMER, 2010, p. 3).
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Capítulo 3 – Local Material: Social and Political Character of the Missions (PALMER, 2010,
p. 89-114).
14
“There is no more powerful expression of the degree to which preexisting social and political
dynamics defined the nature of hookworm missions than the stark differences in the character
and composition of the staff from one area of operation to the next” (PALMER, 2010, p. 90).
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15
Luiz Antonio de Castro Santos e Lina Faria também são autores de CASTRO SANTOS, Luiz
Antonio de; FARIA, Lina Rodrigues de. Os primeiros centros de saúde nos Estados Unidos e
no Brasil: um estudo comparativo. Teoria e Pesquisa, n. 40 e 41, p. 137-181, jan./jul. 2002. Lina
Faria é coautora de outro estudo comparativo referente à Fundação Rockefeller: FARIA, Lina;
COSTA, Maria Conceição. Cooperação científica internacional: estilos de atuação da Funda-
ção Rockefeller e da Fundação Ford. Dados – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 49, n.
1, p. 159-191, 2006.
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ria e Historiadores. Textos reunidos por Étienne Bloch. Tradução de Telma Costa.
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16
Desenvolvo, atualmente, projeto de pesquisa sobre as relações entre a Fundação Rockefeller e
o governo do estado do Rio Grande do Sul entre os anos de 1919 e 1923.
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PALMER, Steven. Launching Global Health: The Caribbean Odyssey of the Rocke-
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