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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS – UEG

CAMPUS - SEDE NORDESTE


CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA
HISTÓRIA ANTIGA I
MS. JULIANO DE ALMEIDA PIRAJÁ

SATIRICON DE PETRÔNIO:

O banquete de Trimalquião e organização social da Roma Antiga

FERNANDA PAULA DA SILVA

FORMOSA 2023
RESUMO

Este trabalho irá apresentar como a sociedade romana é satirizada no


texto Satíricon de Petrônio, escrito no século I a.c, e como esses registros nos
ajudam a compreender como era organizada essa sociedade nos tempos do
império. O trecho é narrado durante o banquete oferecido aos “heróis” da estória
por um anfitrião de nome Trimalquião, é o palco para que mesmo hoje possamos
compreender alguns costumes da antiga Roma, incluindo um grande teor sexual
nas relações interpessoais das personagens, além das relações de classe que
acabam se evidenciando ao longo do texto.

PALAVRAS CHAVES: ESTAMENTO, ROMA, BANQUETE, TRIMALQUIÃO,


VIDA PRIVADA.

SATÍRICON

Satíricon é um texto escrito por volta do século I a.c, atribuído ao poeta


Petrônio, e inaugura uma forma diferente dos textos clássicos como Odisseia de
Homero, pois se apresenta como sátira ao leitor e é considerado por muitos
estudiosos de literatura como o primeiro romance europeu. O texto apresenta a
jornada de Ascilto, Encólpio e Gitão e a relação existente entre os mesmos,
inclusive a relação afetiva/sexual. Apesar de ser um texto extremamente rico em
informações da sociedade romana o documento literário não está completo e
durante vários momentos da narrativa há uma falta de continuidade do texto.
Satíricon, apesar desses grandes hiatos em seu conjunto de estórias, possuí
uma em especial, pois é a que menos isso acontece, e na ausência dessas
lacunas acaba por emprestar ao leitor uma melhor compreensão e interpretação
do texto. O banquete de Trimalquião é esse recorte textual acima citado, e ilustra
pela visão de Encólpio uma baquete ofertado por um “novo-rico”, um escravo
liberto que acaba ganhando a herança de seu senhor e procura sempre reafirmar
a sua grandeza perante a sociedade romana. Aqui podemos compreender um
pouco melhor a partir da sátira de Petrônio como funcionavam as relações
sociais de acordo com os estamentos estabelecidos no império romano.
TRIMALQUIÃO E O BANQUETE DA VIDA PRIVADA

A sociedade romana possuía uma divisão em estamentos e com pouca


possibilidade de ascensão, ou seja, muito dificilmente haveria casos que o sujeito
poderia mudar do conjunto social ao qual pertencia. Na narrativa de Petrônio, as
personagens principais estavam fugindo de uma briga que tiveram ao longo do
caminho quando se deparam na pensão na qual estavam hospedados com um
mensageiro de Trimalquião, que era justamente uma das exceções à regra de
ascensão.

Trimalquião era um escravo que ganhou sua liberdade ao que tudo indica
com a morte de seu senhor, um patrício de grandes posses que lhe deixou como
herança grandes propriedades de terra e outras riquezas. Na Roma antiga,
diferente do que somos acostumados hoje, ao falecimento de alguém os bens e
propriedades daquela pessoa são deixados de herança para familiares, caso não
seja descrito o que fazer com os bens em por meio de um testamento, porém no
que tange o império romano não tratava as coisas da mesma maneira.

Nas origens de Roma até o século III d.c, o senhor de escravos poderia
preferir seus servos à sua própria família, construindo uma relação com eles de
forma tranquila e amistosa. Assim, como os laços, na antiga Roma, eram
constituídos a partir de nome e não de sangue, ao contrário da nossa concepção,
era comum que escravos ou outros indivíduos livres, que não da família do
senhor, herdassem o seu patrimônio com a morte desse, na tentativa de fazer o
seu nome perpetuar ao longo dos anos, uma vez que o herdeiro, se servo,
herdava o nome do patrão.

O patrício poderia deixar todas as suas riquezas para seu escravo, o que
além de deixá-lo imediatamente rico também garantia automaticamente sua
liberdade. Neste momento existe a mudança de estamento social na antiga
sociedade romana, pois ele passou de escravo para liberto. Não significava que
ele pertenceria ao grupo dos plebeus, apesar de ser um homem livre, e muitas
vezes ter quantidade de riquezas iguais ou superior a qualquer nobre a partir
daquele momento ele pertenceria a classe dos libertos. Para Paul Veyne eles
acabam não participando de ambos os grupos, ou seja, não são escravos e nem
libertos como apresentado em seu texto:

Encontramos em toda parte o que constitui o tormento dos libertos, sua


incerteza quanto ao lugar que realmente ocupam na sociedade; a
escala das condições sociais não se confundia com a hierarquia dos
estatutos, e os libertos se situam nesse desajuste. Sofrem a falta de
legitimação. (2009: P.94).

Confirmamos isso no texto de Petrônio, a busca pelo pertencimento em


diversas partes, há em Trimalquião um eterno desejo de se afirmar, buscando
na posse e nos bens materiais essa autoafirmação. Percebemos no trecho a
seguir que sempre ele se utiliza de pompas para que presença seja anunciada.

“Quando, aflitos, procurávamos descobrir um meio de conjurar a


tempestade que pairava sobre nós, eis que chega um escravo de
Agamenon: “Não sabeis, então, em casa de quem se vai comer hoje?
Em casa de Trimalquião, homem muito generoso, que tem no seu
triclínio um relógio e um corneteiro sempre prontos a anunciar-lhe, de
hora a hora, quanto tempo da sua vida já passou.” (2008, P.67)

Diante da cena desse banquete não nos resta imaginar historicamente


como se portava Trimalquião, senão como um esbanjador de suas riquezas a
fim de mostrar publicamente para a sociedade romana da época que seus
pequenos desejos e gostos poderiam ser realizados ao estalar de seus dedos,
como não usar a mesma bola em um jogo para a sua diversão e de seus
convidados também apresentado em Satíricon “Quando uma bola caía, não
cuidava de apanhá-la; um escravo, com um saco cheio de pélas novas, estava
sempre pronto a fornecê-las.”

Esse comportamento de Trimalquião reforça a ideia que Roma conservou


a mentalidade de uma coletividade restrita, na qual a opinião pública julgava
tudo. Sobre quaisquer acontecimentos da vida cotidiano, os romanos emitiam o
seu parecer. Esse aspecto da vida em comunidade não estava restrito às
camadas mais baixas da sociedade: os nobres e até mesmo alguns imperadores
prestavam contas de suas vidas privadas para a cidade, uma vez que se
considerava a opinião pública essencial e de extrema importância.

CONCLUSÃO

Dessa forma Petrônio oferece aos historiadores um bom material para se


pensar esses grupos “subalternos” da Roma antiga, ao passo que ainda existe
um caminho bem longo na busca da compreensão dessa sociedade e de seus
indivíduos. Chegamos aqui também concluindo que a vida privada na
antiguidade romana as vezes podia acabar se apresentar publicamente devido
a afirmação de um estamento subjugado. Trimalquião nos empresta de forma
alegórica um pouco do arquétipo do “novo rico” e de certa forma contribuindo
grandemente para os estudiosos da sociedade romana, que buscam
compreender como era organizada e quem eram os indivíduos que compunham
essa sociedade.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

VEYNE, Paul. “o Império Romano”. In História da Vida Privada Vol. 1. São Paulo,
Companhia da Letras, 2009. Pp. 17 – 211.

PETRONIO. Satíricon. Tradução Portuguesa Cláudio Aquati. São Paulo, Cosac Naif,
2008.

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