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O CICLO DO SANGUE

da captação de
doadores à transfusão
de hemocomponentes

UNIDADE 3
A transfusão de
hemocomponentes

Leilanne Kelly Borges de Albuquerque Santos


Manuela Pinto Tibúrcio
A TRANSFUSÃO DE
HEMOCOMPONENTES
As transfusões de hemocomponentes têm demonstrado papel muito
importante na medicina atual, dando suporte a muitos tratamentos e
procedimentos cirúrgicos. Porém, apesar de todos os avanços e cuida-
dos que envolvem o ciclo do sangue, pode-se ainda fazer o questiona-
mento: a transfusão de sangue ainda apresenta riscos? A resposta é: sim!
Por esse motivo, ela deve ser realizada somente quando existe indicação
precisa e nenhuma outra opção terapêutica. Os benefícios das transfu-
sões devem superar os riscos!

No que consiste a transfusão de hemocomponentes? Como ela deve


ser realizada? Se uma transfusão for prescrita para um paciente sob sua
responsabilidade, você saberia executar o passo a passo garantindo a
segurança transfusional?

As transfusões podem ser consideradas o ato final de um conjunto de


atividades que constitui o processo transfusional. Esse processo, dividi-
do em etapas ou subprocessos, pode ser integralmente desenvolvido em
um único serviço hemoterápico, como nos bancos de sangue, podendo
também ser concluído somente com o envolvimento de vários serviços,
como nos hospitais. Pelo fato do processo transfusional, normalmen-
te, estar sob responsabilidade de setores distintos e envolver diferentes
profissionais (médicos, profissionais de enfermagem, técnicos de labora-
tório), são essenciais a comunicação e a interação entre eles para garan-
tir a segurança transfusional.

Você lembra do Carlinhos, primo do Luís Eduardo? Ele foi diagnosticado


com leucemia aguda, e teve que ser internado para realizar o tratamento
da doença. Vimos que o tratamento quimioterápico pode reduzir tem-
porariamente a contagem das células sanguíneas, especialmente das
hemácias e plaquetas. Além de evitar complicações como hemorragias,
anemia e infecções decorrentes dessa redução, para que os tratamentos
sejam aplicados na sua totalidade algumas medidas são fundamentais.
Entre elas está a transfusão de sangue.

Nesta unidade, você aprenderá sobre os cuidados necessários e as boas


práticas nos procedimentos pré-transfusionais, durante a transfusão
e nos procedimentos pós-transfusionais. Ao término da unidade, você
será capaz de:

•  Identificar as indicações básicas para cada tipo de hemocomponente.

•  Definir conceitos básicos que envolvem a administração de hemocomponentes.

•  Executar a administração de hemocomponentes, seguindo os cuidados


necessários nas etapas pré-transfusional, transfusional e pós-transfusional.
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AULA 1 - INDICAÇÕES BÁSICAS
PARA TRANSFUSÃO
Vamos compreender o conceito de transfusão de sangue e as suas
modalidades? A transfusão de sangue é a transferência de sangue total
ou de um hemocomponente (componente do sangue) de um indivíduo
(doador) a outro (receptor) com o objetivo de restaurar ou manter a capa-
cidade de transporte de oxigênio, o volume sanguíneo e a hemostasia.

Vamos relembrar! De acordo com o que você estudou, atualmente, o


que se transfunde é o sangue total? Lembra do conceito de transfusão
seletiva? Como você viu na Unidade 2 do nosso curso, a hemoterapia
moderna se pautou no preceito de transfundir-se somente o hemocom-
ponente que o paciente necessita, a chamada transfusão seletiva.

Conheça agora algumas modalidades de transfusão:

•  Programada: a transfusão é marcada para determinado dia e hora. Muito utili-


zada no preparo para cirurgias eletivas ou no tratamento de doenças crônicas.

•  De rotina: a transfusão deve ser realizada dentro de um período de 24 h.


É comum no atendimento de pacientes hospitalizados que apresentem
um quadro clínico indicativo de transfusão, mas sem necessidade de
transfusão imediata.

•  De urgência: deve ser realizada em um período de até 3 h. É comum em


pacientes em situações que envolvam risco de vida, mas em condições
de aguardar a realização dos testes pré-transfusionais.

•  De emergência: deve ser feita imediatamente, mesmo sem a realização dos


testes pré-transfusionais, pois o retardo da transfusão pode acarretar risco
de morte para o paciente.

As transfusões devem ocorrer, preferencialmente, em horários


diurnos, quando é mais fácil e seguro acompanhar a ocorrên-
cia de possíveis reações transfusionais. Se você trabalha ou já
trabalhou no horário noturno, sabe as dificuldades enfrentadas
nesse turno. Normalmente à noite, o quantitativo de profissio-
nais é menor nos setores, existe o revezamento desses profis-
sionais e ainda tem como agravante o fato de ser um período
em que o paciente e o acompanhante ,quando presente, estão
dormindo. Durante a transfusão todo cuidado é pouco! Todos
devem estar atentos do início ao fim.

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Agora que você já conhece alguns conceitos básicos relacionados à
transfusão, você saberia responder, baseado na nossa situação proble-
ma, quem decide se Carlinhos deve ou não transfundir?

Essa decisão cabe ao médico! Sua indicação sempre deve ser baseada
em uma análise cuidadosa, levando em consideração a avaliação crite-
riosa do paciente, suas características particulares, o tratamento e os
procedimentos aos quais está sendo ou será submetido, bem como os
resultados dos seus exames laboratoriais. Atenção! Os exames labora-
toriais são importantes, entretanto, isoladamente, são insuficientes para
definir o uso racional das transfusões.

Conheça agora as indicações básicas para cada tipo de hemocomponente.

TRANSFUSÃO DE CONCENTRADO DE HEMÁCIAS (CH)


Quando a transfusão de concentrado de hemácias deve ser realizada?
Todo quadro de anemia exige transfusão de CH? Existem outras estraté-
gias que podem ser utilizadas antes do médico prescrever CH para um
paciente com quadro de anemia?

Os CH devem ser utilizados para aumentar rapidamente a capacidade


de transporte de oxigênio aos tecidos. Porém, é importante ressaltar
que nem todo estado de anemia exige a transfusão de CH. Em algumas
situações de anemia, o nosso corpo lança mão de mecanismos compen-
satórios, como a elevação do débito cardíaco e a diminuição da afinidade
da hemoglobina pelo oxigênio, o que muitas vezes consegue reduzir o
nível de hipóxia tecidual (BRASIL, 2015).

Conheça algumas situações em que a transfusão de CH é recomendada.

•  Em hemorragias agudas, sendo recomendada após perda volêmica superior


a 25 a 30% da volemia total.

•  Em anemias normovolêmicas, quando o nível de hemoglobina encontra-se


abaixo de 7 g/dL e existe grande risco de hipóxia
tecidual e comprometimento das funções vitais.

Em situações de anemia, sempre que possível, deve-se considerar


outras formas de intervenções terapêuticas antes da transfusão,
como reposição de ferro ou tratamento com eritropoetina.

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TRANSFUSÃO DE CONCENTRADO
DE PLAQUETAS (CP)
Os CP são utilizados para controlar sangramentos em pacientes com
plaquetopenia (plaquetas abaixo de 20.000/μL) em razão de baixa pro-
dução pela medula óssea (falência medular por doenças hematológicas
e/ou quimioterapia e radioterapia). Recomenda-se ainda a transfusão
profilática em pacientes com contagem inferior a 10.000/µL, mesmo na
ausência de fatores de risco. Raramente são indicados para a reposição
em plaquetopenias por destruição periférica ou alterações congênitas
de função plaquetária.

Também é comum a transfusão de plaquetas em pacientes plaquetopê-


nicos que serão submetidos a procedimentos cirúrgicos ou invasivos
para evitar sangramentos. No geral, a dose preconizada para transfusão
é de 1 unidade de CP para cada 7 a 10 kg de peso do paciente.

TRANSFUSÃO DE PLASMA FRESCO


CONGELADO (PFC)
Quando se usar plasma fresco congelado? É melhor utilizar o PFC ou
concentrados estáveis de fatores de coagulação?

O PFC é utilizado no tratamento de pacientes com distúrbios da coagula-


ção, especialmente naqueles em que há deficiência de múltiplos fatores
e apenas quando não estiverem disponíveis produtos com concentrados
estáveis de fatores de coagulação e menor risco de contaminação viral.

Assim, tem-se como indicações para transfusão de plasma: deficiência


de fatores da coagulação, congênita ou adquirida (quando não se tem
produto industrializado); Coagulação Intravascular Disseminada (CID);
transfusão maciça com sangramento por coagulopatia; Púrpura Trom-
bocitopênica Trombótica (PTT); hepatopatias.

Mas quanto de plasma se deve transfundir? O volume irá depender do


peso e da condição clínica e hemodinâmica do paciente. A transfusão de
10 a 20mL de PFC por quilo de peso aumenta de 20% a 30% os níveis dos
fatores de coagulação. O Tempo de Ativação da Protrombina (TAP) e o
Tempo parcial de tromboplastina ativada (TTPa) devem ser mensurados
antes e após a transfusão.

A transfusão de PFC é contraindicada nos seguintes casos: expansor


volêmico; hipovolemias agudas (com ou sem hipoalbuminemia);
sangramentos sem coagulopatia; para correção de testes anormais da
coagulação na ausência de sangramento; em estados de perda protéica
e imunodeficiências.

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TRANSFUSÃO DE CRIOPRECIPITADO (CRIO)
Está indicada no tratamento de disfibrinogenemia, deficiência de fator
XIII, anormalidades do fibrinogênio, congênitas ou adquiridas e Doença
de Von Willenbrand.

A dose habitual para transfusão é de uma unidade para cada 10 quilos


de peso. Cada unidade de CRIO aumentará o fibrinogênio em 5-10mg/
dL em um adulto médio, sendo o nível hemostático de 70-100mg/dL.
Em casos de sangramento por perda sanguínea aguda, é necessário
mensurar o fibrinogênio antes e após o tratamento. Acesse o AVASUS
para assistir ao Vídeo 5 e revisar as indicações básicas para transfusão.

Vídeo 5 - Indicações básicas para transfusão

Para saber mais sobre a indicação de transfusão de hemocom-


ponentes acessando o Manual transfusional do Hemocentro
de São José do Rio Preto e o Guia para uso de hemocompo-
nentes do Ministério da Saúde. Ambas as publicações estão
disponíveis na biblioteca do curso.

Agora que você conhece as indicações básicas para o uso dos hemo-
componentes, vamos analisar os exames laboratoriais mais recentes do
nosso paciente Carlinhos. Os exames evidenciaram Htc 18%, Hb 6g/dL,
Pl 14.000/mm3, leucócitos 885/mm3. Ele foi avaliado pelo médico, que
prescreveu 02 concentrados de hemácias desleucocitados e um concen-
trado de plaqueta por aférese. Como o médico deve fazer a solicitação
para transfusão?

A solicitação para transfusão de hemocomponentes deve ser feita em


formulário de requisição específico que contenha informações suficien-
tes para a correta identificação do receptor. Vamos listar os dados que
devem conter nesse formulário?

•  Nome completo do paciente sem abreviaturas;

•  Data de nascimento;

•  Sexo;

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•  Idade;

•  Número do prontuário ou registro do paciente;

•  Número do leito (no caso de paciente internado);

•  Diagnóstico;

•  Componente sanguíneo solicitado (com o respectivo volume ou quantidade);

•  Modalidade da transfusão;

•  Resultados laboratoriais que justifiquem a indicação do componente sanguíneo;

•  Data;

•  Dados do médico solicitante (nome completo, assinatura e número do CRM);

•  Peso do paciente (quando indicado);

•  Antecedentes transfusionais, gestacionais e de reações à transfusão quando


relatados pelo paciente.

Não serão aceitas pelo serviço de hemoterapia requisições de trans-


fusão fora dos padrões prescritos. E se chegar no serviço de hemo-
terapia uma solicitação de hemocomponente incompleta, ilegível ou
rasurada? O que fazer? Ela deve ser devolvida ao setor de origem para
ser refeita! Lembre-se: além da solicitação no formulário próprio,
o médico também deve prescrever no prontuário do paciente. Veja a
seguir, um exemplo de formulário para solicitação de hemocomponentes.

Figura 1 - modelo de requisição de hemocomponente


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É direito do paciente e de sua família serem esclarecidos pelo médico
sobre a indicação de transfusão, seus benefícios e riscos. O paciente
deve concordar em ser submetido ao procedimento, para isso, alguns
serviços utilizam um termo de consentimento livre e esclarecido, no
intuito de formalizar e de registrar essa concordância.

Após a indicação do médico, quais são os próximos passos antes que


aconteça efetivamente a transfusão? Você já havia parado para pensar
em quantas etapas são realizadas antes do sangue poder ser transfun-
dido em um paciente? Quanto tempo isso demora? Quantos recursos
materiais e humanos são necessários nesse processo? Essas questões
serão respondidas nas aulas posteriores.

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AULA 2 - ETAPA
PRÉ-TRANSFUSIONAL

COLETA DE SANGUE PARA TESTES


PRÉ-TRANSFUSIONAIS
Após a requisição de transfusão e sua prescrição no prontuário médico,
devem ser coletadas amostras de sangue do paciente que irá receber a
transfusão para a realização dos testes pré-transfusionais.

Como o profissional deve proceder na coleta de sangue para testes


pré-transfusionais? Quais os materiais e insumos que ele deve utilizar?
Quais os cuidados ele deve ter de modo a garantir a segurança transfu-
sional do receptor?

Para a realização dos testes pré-transfusionais, profissionais treinados e


capacitados devem coletar amostras de sangue periférico utilizando-se
de dois tubos: um com anticoagulante EDTA (ácido etilenodiaminotetra-
cético) e outro sem anticoagulante. Este é um momento crítico em que a
ocorrência de falhas pode comprometer todo o processo transfusional e
provocar sérios danos ou, até mesmo, a morte do receptor.

Conheça os cuidados que nesta fase são imprescindíveis para garantir a


segurança transfusional:

•  Antes da coleta, deve-se confirmar se o procedimento vai ser realizado no


paciente correto. Para isso, é importante conferir os dados do formulário
de solicitação de sangue com a pulseira de identificação do paciente, com o
prontuário e, sempre que possível, deve-se questionar ativamente a ele ou
a família o seu nome.

•  A coleta deve ser cuidadosa, sendo realizada em local com pele íntegra e
longe de hematomas. Todos os equipamentos de proteção individual devem
ser utilizados, respeitando-se as normas de segurança.

•  Imediatamente após a coleta, os tubos devem ser identificados, sendo obri-


gatório constar: nome completo do paciente, número de identificação do
receptor (registro ou número de prontuário), setor e leito em que ele está
internado, data da coleta e identificação do coletador.

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Figura 2 - Tubos de coleta com os dados completos do paciente Carlinhos.

Atenção, todo cuidado é pouco! Esta etapa é considerada crí-


tica, pois as estatísticas mostram que a maior parte dos óbitos
relacionados à transfusão ainda resulta de falha na identificação
das amostras. Portanto, qualquer erro dessa natureza torna-se
devastador, uma vez que se inicia aí uma cadeia de eventos
que pode conduzir à transfusão do sistema ABO incompatível
que pode levar, até mesmo, o paciente a óbito.

As amostras coletadas para testes pré-transfusionais devem ser utiliza-


das exclusivamente para este fim, tendo uma validade de 72h. O que
fazer após esse período? Após esse período, novas amostras deverão ser
coletadas para fins transfusionais.

As amostras, juntamente com o formulário de solicitação de hemocom-


ponentes, devem ser encaminhadas aos serviços de hemoterapia, mais
especificamente ao laboratório de imuno-hematologia, para a realização
dos exames pré-transfusionais. Para isso, deve-se utilizar um recipiente
rígido, fechado, impermeável, que possibilite higienização e esteja devi-
damente identificado com o símbolo de risco biológico.

Vídeo 6 - Etapa pré-transfusional

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REALIZAÇÃO DE TESTES PRÉ-TRANSFUSIONAIS
Ao chegar no laboratório de imuno-hematologia, os profissionais que ali
trabalham devem conferir mais uma vez se os dados do formulário de
solicitação de sangue conferem com os dados presentes nos tubos. Se as
amostras estiverem inadequadas ou identificadas incorretamente o que
deve ser feito? Devem ser desprezadas e nova coleta deve ser solicitada.

A imuno-hematologia é responsável pela análise laboratorial deste san-


gue, proporcionando ao paciente maior segurança transfusional. Os tes-
tes imuno-hematológicos possuem a capacidade de detectar, na mem-
brana da hemácia, os antígenos de grupos sanguíneos e, no soro ou
plasma, os anticorpos dirigidos contra antígenos eritrocitários.

Para garantir a segurança transfusional do receptor devem ser realiza-


dos os seguintes exames pré-transfusionais:

•  Classificação ABO/Rh do receptor: é definida pelos antígenos presentes nas


hemácias e pelos anticorpos naturais presentes no soro ou plasma.

•  Pesquisa de anticorpo irregular (PAI) do receptor:

•  Visa detectar anticorpos irregulares clinicamente significantes no soro/plas-


ma do receptor.

•  Consiste em testar o soro do receptor com hemácias de triagem conhecidas.

•  Autocontrole: pesquisa de autoanticorpo que consiste em testar o soro do


receptor com suas próprias hemácias.

•  Prova de compatibilidade:

•  Consiste na mistura do soro do receptor com as hemácias do doador, com a


finalidade de investigar no soro ou plasma do receptor a presença de anti-
corpos contra os antígenos presentes nas hemácias do doador.

•  Considera-se que a compatibilidade existe quando não há, no receptor,


anticorpo contra antígenos presentes nas hemácias do doador.

•  A prova de compatibilidade deve ser compatível para que a transfusão ocor-


ra, porém existem situações em que, apesar de não ser possível conseguir
sangue compatível com o receptor, a transfusão é imprescindível. Nesses
casos, após o médico assistente do paciente e o hemoterapeuta avaliarem
os riscos e benefícios, a transfusão pode ser autorizada.

•  É desnecessária antes da transfusão de plasma, crioprecipitado e concentra-


do de plaquetas.

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Para saber mais, acesse a biblioteca do curso no AVASUS
e confira o arquivo: Classificação dos Grupos Sanguíneos.

Figura 3 - Método de gel centrifugação para prova de compatibilidade e PAI.

Quanto tempo dura a realização dos testes pré-transfusionais? O tempo


mínimo para realizar todas as provas necessárias para liberar um hemo-
componente é de aproximadamente 1 hora, após a chegada da amostra
de sangue à agência transfusional.

Os hemocomponentes só devem ser transfundidos após a conclusão


dos testes pré-transfusionais. Porém, existem situações em que o tem-
po necessário para isso pode colocar em risco a vida do paciente: são
as chamadas transfusões de emergência. Nesses casos, permite-se a
liberação do hemocomponente para transfusão com a autorização do
médico assistente, mediante assinatura de um termo de responsabilida-
de no qual ele declara estar ciente dos riscos e que os assume devido à
gravidade do quadro do paciente.

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Figura 4 - Autorização de provas sem testes pré-transfusionais.

Sendo assim, o hemocomponente é liberado sem a realização dos testes


pré-transfusionais, no entanto, mesmo com a transfusão já em curso, os
testes devem ser obrigatoriamente realizados. O médico assistente deve
ser informado imediatamente caso qualquer anormalidade seja detec-
tada por esses testes e a decisão sobre a suspensão ou continuação da
transfusão deve ser tomada em conjunto por ele e pelo médico do Ser-
viço de Hemoterapia.

Atenção! Lembre-se de que nos casos de emergência, em que


não é possível aguardar a realização dos testes pré-transfu-
sionais, a classificação ABO/Rh do receptor é desconhecida.
Nesses casos, qual o tipo sanguíneo que deve ser enviado
para o receptor? O sangue enviado deve ser o “O” negativo.

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PROPOSTA DE PROTOCOLO PARA OS SERVIÇOS
DE HEMOTERAPIA NA TRANSFUSÃO DE EMERGÊNCIA
1 - Receber a solicitação de transfusão, feita pelo médico
responsável pelo paciente, com o Termo de Responsabilidade
assinado, no qual afirme expressamente concordar com
o procedimento.
2 - Enviar sangue O RhD Negativo.
3 - Etiquetar as bolsas como liberadas para determinado
paciente e sem os resultados dos testes de compatibilidade.
4 - S olicitar coleta de amostra do paciente assim que
possível. A coleta deve ser feita preferencialmente antes
da transfusão ou pelo menos antes da administração de
grande quantidade de hemocomponentes, pois isto pode
comprometer o resultado dos testes.
5-R  ealizar os testes até o final, mesmo que a transfusão já
tenha sido iniciada ou completada.
6 - Informar ao médico assistente imediatamente caso qualquer
anormalidade seja detectada por esses testes.

IDENTIFICAÇÃO E LIBERAÇÃO
DOS HEMOCOMPONENTES
Após a realização dos testes pré-transfusionais de Carlinhos, verificou-
se que o seu tipo sanguíneo é “AB” positivo, a pesquisa de anticorpos
irregulares deu negativa e as provas de compatibilidade para os concen-
trados de hemácias foram compatíveis.

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Como você pode perceber, os seus exames estavam todos adequados.
Qual o próximo passo antes que os hemocomponentes sejam liberados?

Após a realização dos testes pré-transfusionais, o técnico em hemotera-


pia deverá anexar em cada hemocomponente uma etiqueta/rótulo que
deve conter, no mínimo, os seguintes dados:

•  Dados do receptor: nome completo, registro hospitalar, localização do


receptor, tipagem ABO e Rh.

•  Dados do hemocomponente: tipo do hemocomponente, volume, tipagem


ABO e Rh e número de identificação da bolsa.

•  Dados dos testes pré-transfusionais: resultado dos testes, nome do


responsável pela realização e data.

Vamos ver no Vídeo 7 como foram realizados os testes pré-transfusionais


de Carlinhos? Acesse o AVASUS para conferir.

Vídeo 7 - Realização de testes pré-transfusionais

Esse rótulo deve permanecer na bolsa durante toda a transfusão. Você


vai entender melhor a importância disso na próxima unidade. Após

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o término da transfusão, é recomendável que ele seja anexado ao
prontuário do paciente de forma a garantir a documentação completa
do procedimento e sua rastreabilidade.

Durante todo o procedimento, o profissional deve inspecionar a bolsa


para verificar sua integridade e observar a existência de anormalidades
como presença de coágulos, fibrina, grumos e coloração anormal suge-
rindo hemólise ou contaminação bacteriana. E se for detectado na bolsa
algum desses problemas? Ela não poderá ser liberada para transfusão!

Figura 5 - Anormalidades na inspeção visual de concentrado de hemácias.

Fonte: AABB Press and American Red Cross (2009).

Quando os hemocomponentes estiverem prontos para o uso, eles devem


ser liberados e distribuídos para os serviços de saúde. É fundamental o
cuidado com o transporte desses hemocomponentes! Para isso, o servi-
ço deve dispor de alguns materiais como caixa térmica de polietileno ou
material similar, gelo reciclável, placas de papelão ou de EVA e termô-
metro. A caixa térmica deve ser lavável, resistir à desinfecção e portar a
identificação de “infectante” ou “risco biológico”.

Como caixa deve ser montada? A forma de montar a caixa é a mesma


para todos os hemocomponentes?

A montagem da caixa deverá ser realizada respeitando-se as condi-


ções adequadas de conservação para os diferentes hemocomponentes,

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assim como ocorre no armazenamento. No transporte de concentrado
de hemácias, plasma fresco congelado e crioprecipitado, a maleta térmi-
ca deve conter gelo reciclável protegido por papelão, de maneira que o
hemocomponente e o gelo não entrem em contato. No caso dos concen-
trados de plaquetas, a maleta de transporte não pode conter gelo, pois o
resfriamento deixa o hemocomponente ineficaz para o uso transfusional.

O controle da temperatura é importante e deve ser rigoroso


durante todo o processo de transporte! A caixa térmica deve
ter sua temperatura monitorada e anotada em planilha durante
todo o trajeto.

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AULA 3 - ATO TRANSFUSIONAL
Caro aluno, nesta unidade, nós já vimos que a transfusão de sangue
deve ser apropriada às necessidades de saúde do paciente e deve ser
proporcionada de forma criteriosa e a tempo.

A transfusão de sangue é um recurso terapêutico valioso que alivia


sofrimentos e salva vidas todos os dias. Da mesma forma que qualquer
terapêutica médica, apesar de todo cuidado e rigor que envolve as etapas
do ciclo do sangue, esse procedimento ainda envolve riscos e complicações
que podem trazer sérios prejuízos ao paciente, inclusive fatais. Dentre as
complicações, podemos citar contaminação bacteriana, reações hemolíticas
agudas ocasionadas por incompatibilidade do sistema ABO, reações
anafiláticas, sobrecarga volêmica, entre outras. Elas podem ser não imunes
e estar associadas à falha humana; ou imunes, ou seja, estão ligadas aos
mecanismos de resposta do organismo à transfusão de sangue.

Ficou curioso para saber mais sobre cada uma das reações
transfusionais? Não tenha pressa! Na próxima unidade iremos
aprofundar este assunto. O foco agora é na administração
correta dos hemocomponentes para evitar danos! Lembre-se
de que, embora algumas reações sejam inevitáveis, a maioria
das reações fatais é atribuída a erro humano.

Embora seja impossível eliminar totalmente a possibilidade de erro


humano, reduzir as oportunidades para que eles ocorram pode ser um
objetivo facilmente alcançável. Como fazer isso? Quais os cuidados que
os profissionais devem tomar para garantir a segurança transfusional
dos pacientes? Qual o papel das instituições de saúde diante da seguran-
ça dos pacientes no processo transfusional?

Inicialmente, um ponto importante é que a equipe envolvida na adminis-


tração de hemocomponentes realize suas atividades com competência
técnica-científica e responsabilidade, de forma a garantir a segurança
transfusional e o gerenciamento do processo de forma eficiente. Profis-
sionais com pouco conhecimento nessa especialidade e sem habilidade
suficiente podem causar danos importantes.

Outro ponto que merece destaque é que as instituições de saúde


devem possuir instrumentos que forneçam instruções adequadas e
consistentes de como proceder nos cuidados do paciente submetido à
transfusão de sangue. Ter protocolo escritos, adequados e disponíveis
sobre esta prática auxilia a equipe e também contribui sobremaneira
para a segurança transfusional.

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Dentre os profissionais que estão envolvidos no ciclo do sangue, a equi-
pe de enfermagem acompanha todo o processo de forma mais integral,
realizando a instalação do hemocomponente, o acompanhamento da
transfusão e a monitorização do paciente, nas unidades de internação
ou no ambulatório. Portanto, é imprescindível que os profissionais dessa
área conheçam os cuidados que norteiam a transfusão de sangue e as
possíveis complicações que essa terapêutica pode trazer para os pacien-
tes. Vamos lá?

Retornando a nossa situação problema, o Serviço de Hemoterapia acaba


de avisar que os hemocomponentes solicitados para Carlinhos já estão
disponíveis e prontos para serem administrados. Qual é o primeiro pas-
so que você deve seguir para infundir o sangue?

O primeiro passo a ser seguido, deve ser certificar-se de que a transfu-


são do hemocomponente consta na prescrição médica, no prontuário
de Carlinhos. É importante observar rigorosamente a prescrição médica,
atentando para: o tipo de hemocomponente, a quantidade, volume, tem-
po de infusão, preparos especiais de hemocomponentes (pobre em leu-
cócitos, desleucocitado, irradiado, fenotipado, lavado) e necessidade de
pré-medicação. Atenção! Se a transfusão não estiver prescrita ou a
prescrição gerar dúvidas, você não deve administrar o sangue até que
o problema seja resolvido.

Após conferir a prescrição, é importante que você separe os materiais


necessários para a instalação do hemocomponentes. Vamos listá-los?

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Materiais
necessários para
a verificação dos
sinais vitais.

Termômetro, esfigmomanômetro,
estetoscópio, relógio de pulso.

Materiais
necessários para
realização de
punção venosa.

Bandeja, algodão, solução antisséptica,


garrote, scalp/jelco, esparadrapo, luvas de
procedimento.

Materiais
necessários para
a instalação do
hemocomponente.

Equipo de transfusão e luvas de procedimento.

Quadro 1 – Materiais necessários para a transfusão de hemocomponentes.


Dica importante! Só peça para o serviço de Hemoterapia levar
o hemocomponente para o setor de destino quando ele estiver
no momento de ser transfundido. Você só pode administrar
componentes eritrocitários que tenham permanecido, no
máximo, 30 minutos em temperatura ambiente antes do início
da transfusão. Se este tempo for atingido, o hemocomponente
deve ser imediatamente recolocado no refrigerador.
Em se tratando dos componentes plasmáticos, desde que sejam
armazenados a 22°C, eles devem ser transfundidos em até 6
horas após o seu descongelamento; se forem armazenados
entre 2 e 6°C, a transfusão pode ser prorrogada por até 24
horas após o descongelamento. Já as plaquetas podem ser
transfundidas em até 24h, mas é recomendável que elas sejam
infundidas o mais rápido possível depois que saem do agitador
de plaquetas.
Fique atento a esses prazos! Quando esses períodos forem
ultrapassados, a transfusão não pode ser realizada e o
hemocomponente tem que ser encaminhado ao serviço de
hemoterapia para ser descartado, pois fora do controle de
temperatura ele perde as suas propriedades terapêuticas.

IDENTIFICAÇÃO DO PACIENTE
O próximo passo é conferir se nós temos o hemocomponente cor-
reto para o paciente correto! A identificação do paciente integra o
cuidado seguro e deve ser uma iniciativa prevista nos serviços de saúde
para garantir a segurança transfusional. Para realizar a identificação do
paciente, você deve utilizar, no mínimo, dois identificadores distintos.

Normalmente, os dois marcadores mais utilizados são o nome completo


e o registro de prontuário do paciente na instituição. Como proceder na
identificação ativa do paciente? Você deve perguntar ao paciente qual o
nome do mesmo, no caso de o paciente não estar apto a responder (ex:
paciente inconsciente, desorientado, etc.), seguir o protocolo de identifi-
cação do paciente da instituição. Os dados de identificação do paciente
SEMPRE devem ser iguais aos dados presentes no rótulo da bolsa do
hemocomponente destinado a ele.

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Nunca fale em voz alta o nome do paciente para que ele lhe
confirme ou não a informação, pois se ele estiver sonolento,
confuso ou desorientado, provavelmente, ele concordará com
você mesmo a informação não sendo correta.

Em seguida, faça a identificação passiva, comparando o nome completo,


o registro hospitalar e outros dados contidos no bracelete de identifi-
cação do receptor, ou no prontuário, com os dados do rótulo da bolsa
do hemocomponente. No intuito de melhorar a segurança transfusional,
algumas instituições preconizam a dupla checagem nessa etapa. A dupla
checagem consiste na conferência dos dados do paciente com os dados
presentes no hemocomponente por dois profissionais de saúde. Eles
devem checar um de cada vez, em momentos distintos, sempre compa-
rando os dados para minimizar os riscos de erros.

Nesse momento, também é importante orientar o paciente e/ou seu res-


ponsável sobre a transfusão do hemocomponente, enfatizando não só
os seus benefícios, mas também os riscos envolvidos. Qualquer sinal ou
sintoma que possa surgir durante ou após a transfusão, deve ser comu-
nicado à enfermagem para que sejam tomadas as providências cabíveis.

Figura 6 - Profissional de saúde verificando a identificação de Carlinhos.

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VERIFICAÇÃO DOS SINAIS VITAIS
De acordo com a portaria n° 158/MS, de 4 de fevereiro de 2016, o
paciente deve ter seus sinais vitais verificados e registrados (pressão
arterial, temperatura, frequência cardíaca e frequência respiratória) pelo
menos, imediatamente, antes do início e após o término da transfusão
e, em determinados casos, faz-se necessária sua verificação durante o
procedimento. Esse processo serve de parâmetro para monitorarmos o
decorrer da transfusão de forma a identificar, precocemente, possíveis
reações transfusionais.

Figura 7 - Carlinhos tem seus sinais vitais verificados antes da transfusão.

Já imaginou se o paciente está internado em uma UTI, sob sedação,


e vai receber uma transfusão sanguínea? Com certeza ele vai estar
impossibilitado de verbalizar os sintomas que surgirem se alguma
complicação decorrer do sangue. Nesses casos, a monitorização dos
sinais vitais assume uma importância ainda maior.

E se Carlinhos estiver com febre, o sangue deve ser instalado? Calma,


a dúvida não é só sua! De modo geral, muitos profissionais de saúde
têm dúvidas em relação à infusão de sangue e à hipertermia. Saiba que
a febre não é contraindicação absoluta para as transfusões de sangue,
mas, de preferência, ele deve ser infundido quando o paciente estiver
com a temperatura controlada.

Você sabe o porquê desta recomendação? Vamos pensar juntos! Na


Unidade 4, você aprenderá que a elevação da temperatura é um dos
principais sinais que indicam a possibilidade de reações transfusionais.
Se nós iniciarmos a administração do hemocomponente estando o
paciente com febre, não saberemos, no transcurso da transfusão, se
aquele aumento da temperatura é decorrente do seu quadro clínico
preexistente ou se pode estar relacionado com o hemocomponente.
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Porém, sabemos que existem pacientes que o próprio quadro clíni-
co predispõe a febre recorrente e contínua. Eles não poderão receber
sangue? Em qualquer paciente, ao ser constatada hipertermia antes
da transfusão, o médico tem que ser informado. Ele deverá avaliar o
seu quadro clínico, analisando o risco-benefício da transfusão naquele
momento, além de prescrever medidas para tentar diminuir a tempera-
tura corporal. Como a hipertermia não é contraindicação absoluta para
a transfusão, a decisão de transfundir cabe a ele.

E se o paciente que estava com temperatura normal apresentar febre


no decorrer da transfusão? Vamos a uma situação hipotética. No seu
setor de trabalho, você instalou um concentrado de hemácias no pacien-
te após verificar que os seus sinais vitais estavam normais. Entretanto,
após meia hora do início da transfusão, você constatou que ele está
apresentando febre. O que fazer? Ao se deparar com a elevação da tem-
peratura acima de 38°C durante a transfusão de um paciente que estava
sem febre, você deve interromper imediatamente a transfusão, informar
ao médico e o componente sanguíneo não poderá mais ser infundido.

E se o paciente já estivesse com febre antes do início da transfusão e


mesmo assim o médico autorizou o procedimento? Nesses casos, você
deve manter um controle mais rigoroso da temperatura no decorrer da
infusão do hemocomponente, verificando-a a cada 30 minutos. Caso o
paciente apresente a elevação da temperatura corporal acima de 1°C,
você terá que interromper imediatamente a transfusão, informar ao
médico e o componente sanguíneo não poderá mais ser infundido.

E se nos depararmos com uma situação inversa? Ao invés de hiperter-


mia, o paciente está hipotérmico. O sangue deve ser aquecido antes de
ser instalado? Já vimos que, salvo raras exceções, o sangue não deve ser
aquecido. O foco tem que ser o aquecimento do paciente! Use coberto-
res e mantas térmicas para mantê-lo aquecido.

Ainda se tratando da verificação dos sinais vitais, o médico também


deverá ser informado se o paciente apresentar elevação da pressão san-
guínea. Lembre-se de que a infusão de volume aumentará ainda mais
sua pressão. Mais uma vez, ele deverá avaliar o caso clínico do paciente,
analisar o risco-benefício, e possivelmente, prescrever algum medica-
mento para diminuir a pressão arterial. Nesses pacientes, para evitar
sobrecarga volêmica, também é importante infundir o sangue lentamen-
te e, se possível, com o paciente sentado.

SELEÇÃO DO ACESSO VENOSO


Quando for puncionar o paciente para iniciar a transfusão, é importante
que você procure um acesso venoso que seja pérvio, calibroso e em uma
localização que possibilite mobilidade e conforto para ele. Para isso, use
cateter agulhado tipo scalp de nº 19 ou, caso o paciente tenha acesso

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venoso difícil, você pode escolher um de n° 21 ou 24. Se for puncionar
com cateter flexível (do tipo abocath, jelco), prefira os de nº 18, 20 ou 22.

Um bom acesso venoso é condição essencial para se determinar o tem-


po de infusão do hemocomponente. Quando o acesso venoso é inade-
quado, ocorre demora na transfusão e, muitas vezes, leva à perda do
hemocomponente que tem que ser desprezado após 4 horas de transfu-
são. Além disso, a alta pressão do fluxo através do cateter com pequeno
lúmen pode causar a hemólise dos eritrócitos.

Se você for optar por acesso venoso preexistente, é importante avaliar


sinais de infiltração, inflamação e infecção para evitar a perda ou a inter-
rupção da infusão do hemocomponente. Você também deve atentar
para lavar a via com soro fisiológico antes da infusão para evitar intera-
ção do sangue com medicamentos previamente administradas no aces-
so venoso.

Pacientes com história prévia de reações transfusionais podem neces-


sitar de medicamentos para evitá-las. Verifique em seu prontuário se
tem prescrito alguma pré-medicação e administre-a 30 minutos antes
da transfusão.

O hemocomponente deve ser infundido em acesso exclusivo.


Nenhuma droga ou solução pode ser adicionada à bolsa de hemo-
componente nem ser infundida em paralelo com ele, com exceção
do soro fisiológico a 0,9 %. Qual o porquê desta recomendação?
As hemácias são sensíveis à variação osmótica e hemolisam pela
adição ou infusão concomitante de soluções hipotônicas, tais
como: soro glicosado a 5%, soluções com adição de medicamentos,
água destilada, solução de dextrose, entre outros.

Utilizar um acesso venoso central com múltiplos lúmens pode ser uma
alternativa para a transfusão de hemocomponentes, uma vez que a
entrada de infusão separada para cada lúmen permite a administração
de líquidos na linha de infusão. Também pode-se usar cateter implantado
ou semi-implantado, desde que respeitadas as técnicas de manipulação.

Lembre-se! Normalmente as perdas de acesso venoso, bloqueios ou


lentidão do fluxo sanguíneo interferem no tempo programado para a
transfusão. Por essa razão, a equipe de enfermagem deve estar aten-

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ta, observando periodicamente a venopunção e tendo em mente que
o tempo aumentado de exposição da bolsa é um fator de risco para o
crescimento bacteriano.

Nunca esquecer, também, de olhar se no mesmo acesso do sangue está


passando alguma solução ou medicamento que não seja o soro fisiológi-
co a 0,9 %. Quando não for possível esperar terminar a transfusão para
que o paciente possa receber medicamentos ou soluções parenterais,
elas devem ser instaladas em outro acesso venoso.

Figura 8 - Profissional de saúde busca um bom acesso venoso em Carlinhos.

INSTALAÇÃO DO HEMOCOMPONENTE
Você já identificou que aquele é o hemocomponente certo para o pacien-
te certo. Lembre-se de que todo cuidado é pouco! Confira mais uma vez,
imediatamente antes da transfusão, confrontando os dados do paciente
com os dados do hemocomponente.

Agora você deve também inspecionar a bolsa, observando o aspecto


do hemocomponente, a coloração, a integridade do sistema, a data
de validade e a presença de hemólise ou de coágulos. Se houver
anormalidades à inspeção, o hemocomponente deve ser devolvido ao
serviço de hemoterapia.

Só monte o sistema transfusional no momento em que você tiver certeza


de que o paciente tem condições de iniciar a transfusão, considerando
tudo o que a gente já viu até o momento (a prescrição médica no pron-
tuário, a identificação correta do paciente, os resultados da verificação
dos sinais vitais, o acesso venoso e a inspeção da bolsa).

Para isso, você deve utilizar um equipo próprio para hemocomponente,

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que deve ser livre de pirógenos, descartável e com filtro de 170 μm a 180
μm para reter pequenos coágulos ou agregados. Abra o porto da bolsa,
sem cortá-lo, e introduza o equipo com cuidado para não o contaminar.
Não é preciso usar luva estéril, mas neste momento você deve se prote-
ger e utilizar luva de procedimento.

Atenção! Como Carlinhos vai transfundir mais de um concentrado de


hemácias, recomenda-se a troca do equipo de transfusão a cada unidade
transfundida, objetivando diminuir o risco de contaminação bacteriana.
Quando necessário infundir mais de uma unidade com o mesmo equipo
de transfusão, deve-se obedecer às quatro horas de infusão.

O gotejamento deve ser iniciado bem lentamente e os primeiros 10


minutos de transfusão deverão ser acompanhados rigorosamente pelo
médico ou por um profissional de saúde qualificado, pois, caso ocor-
ra uma reação ou complicação, a intervenção deverá ser imediata.
Cuidado! Isso não significa que após os 10 minutos você deva esquecer
completamente do paciente.

A prática da observação é importante, tanto nos minutos iniciais, como


também durante todo o transcurso da transfusão. O paciente deve
ser observado constantemente e mantido sob vigilância para facilitar
a detecção precoce de sinais e sintomas sugestivos de reações trans-
fusionais, tais como: ansiedade, desconforto respiratório, inquietação,
calafrios, prurido, tosse frequente, dor intensa, principalmente na região
lombar, torácica e membros superiores. Uma atenção especial deve ser
dispensada àqueles que não conseguem verbalizar o que estão sentin-
do, como os inconscientes, sedados, anestesiados, confusos e crianças.

Figura 9 - Profissional de saúde monta o sistema transfusional de Carlinhos.

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Passados os 10 minutos, se não houver alterações nos sinais vitais e o
paciente não apresentar queixas, você pode aumentar o gotejamento,
sem esquecer da relação de tempo e do volume a ser administrado com
o estado geral do paciente. Fique atento para casos específicos! Pacientes
com cardiopatias, nefropatias, idosos e crianças exigem transfusões mais
lentas para evitar sobrecarga volêmica; já em pacientes com necessidade
de reposição volêmica (grandes hemorragias ou politraumatizados)
transfundir rapidamente, com gotejamento livre.

Você também não pode esquecer de verificar e registrar o horário


em que a transfusão foi iniciada e finalizada. Esse dado é importante,
pois permite a monitorização do tempo de transfusão, que deve ser
de no máximo 4 horas para cada unidade de hemocomponente.
Caso a transfusão exceda esse tempo determinado pela legislação,
ela deve ser interrompida e a bolsa descartada. Após esse período,
o hemocomponente perde as suas propriedades pela exposição
à temperatura não controlada, além do aumento do risco para
crescimento bacteriano. Assista agora ao vídeo 8 no AVASUS.

Vídeo 8 - Instalação do hemocomponente

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AULA 4 - ETAPA
PÓS-TRANSFUSIONAL
Ao término da transfusão, é primordial que os sinais vitais sejam veri-
ficados e registrados novamente. Deve ser feita a comparação com os
parâmetros pré-transfusão e, se houver alguma alteração importante, o
médico deve ser comunicado.

Os pacientes internados, como Carlinhos, devem ser observados, após


o término da transfusão, quanto à ocorrência de reações transfusionais
imediatas (até 24 horas do início da transfusão) ou tardias (após 24 horas,
podendo ir até 6 meses após a transfusão). Já os pacientes ambulatoriais
permanecem sob observação por uma hora antes de serem liberados,
devendo ser orientados a informar ao serviço onde realizaram a trans-
fusão caso apareça algum sinal ou sintoma sugestivo de reação transfu-
sional tardia, como febre, palidez, icterícia e coloração anormal da urina.

Como você deve descartar o material após a transfusão? Recolha a bolsa


plástica e descarte-a no coletor de resíduos hospitalares (saco branco
leitoso). Se algum evento adverso for identificado, ela deverá ser enca-
minhada ao serviço de hemoterapia. É importante que você conheça as
normas de biossegurança e o Programa de Gerenciamento de Resíduos
de Serviços de Saúde da sua instituição.

Figura 10 - Descarte de bolsa em local adequado: lixo para material biológico.

Geralmente quando todos os cuidados necessários são tomados, as


transfusões são realizadas sem intercorrências especiais. Entretanto,
lembre-se que de nada adianta você seguir todo o protocolo, se ao final do
procedimento você deixa de registrar dados importantes no prontuário.

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As anotações de enfermagem são indispensáveis no prontuário do
paciente como parte da documentação do processo saúde/doença,
especialmente considerando que a equipe de enfermagem acompanha
todo esse processo de forma integral.

Devem ser registradas no prontuário todas as informações referentes


ao procedimento, desde dados dos hemocomponentes até os parâme-
tros clínicos do paciente. Isso serve como uma ferramenta para monito-
rar o paciente submetido a essa terapêutica, sendo possível identificar
e intervir precocemente no aparecimento de reações transfusionais e
minimizar eventuais danos e desconfortos que possam surgir.

São obrigatórios os seguintes registros no prontuário do paciente que


foi submetido à transfusão sanguínea: horário de início e término da
transfusão; volume e produto infundido; número de identificação do
produto; sinais vitais pré e pós transfusionais; profissional responsável
pela instalação e acompanhamento. Qualquer incidente transfusional
ou possíveis intercorrências durante a transfusão também devem ser
registrados.

O rótulo/etiqueta da bolsa de hemocomponente só pode ser retirado ao


término da transfusão e deve ser arquivado no prontuário do paciente.
Também não esqueça de checar a prescrição médica!

Figura 11 - Profissional registra as informações


da transfusão no prontuário de Carlinhos.

E se, após tudo isso, for preciso instalar no paciente outra unidade de
hemocomponente, como no caso de Carlinhos? Cada nova bolsa instala-
da deve ser encarada como uma transfusão diferente, exigindo, assim,
todos os cuidados já estudados nesta unidade.

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Antes de finalizarmos esta Unidade, vamos assistir a uma entrevista?
O médico hematologista e professor do Departamento de Medicina
Clínica, Rodolfo Soares, foi o convidado do programa Saúde em Foco
para falar sobre os hemocomponentes e as indicações para transfusão.
Acesse o AVASUS e confira.

Vídeo 9 - Entrevista com Dr. Rodolfo Soares – Parte 1

RESUMINDO
A terapia transfusional é um processo que, mesmo com indi-
cação precisa e administração correta, respeitando todas as
normas técnicas preconizadas, envolve riscos ao paciente.
Assistencialmente, cabe à enfermagem, juntamente com a
equipe médica, os cuidados com a instalação e a administração
desta terapêutica.
Por ser considerado um procedimento de alta complexidade,
toda a equipe precisa deter conhecimentos e habilidades ade-
quados para desenvolver de forma eficiente as etapas que
antecedem a transfusão, o próprio ato transfusional e as etapas
pós-transfusão. Além disso, ela tem que ser capaz de intervir
de forma rápida e eficaz nas complicações que porventura
possam surgir.
Nesta unidade, além de conhecermos as principais indicações
médicas para a solicitação de hemocomponentes, foram estu-
dados os cuidados básicos de enfermagem em todas as eta-
pas que compõem o processo: pré-transfusional que envolve
a coleta de sangue periférico para testes pré-transfusionais,
realização dos testes pré-transfusionais e liberação dos hemo-
componentes; transfusional, que abrange a identificação do
paciente, verificação dos sinais vitais, seleção do acesso venoso,
montagem do sistema transfusional e observação rigorosa da
transfusão nos primeiros minutos e durante todo o processo;
e pós-transfusional, que culmina com a verificação dos sinais
vitais ao término da infusão e registro dos dados da transfusão
no prontuário do paciente.

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REFERÊNCIAS
BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Hemovigilância:
manual técnico para investigação das reações transfusionais imediatas
e tardias não infecciosas. Brasília: Anvisa, 2007.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da


Educação na Saúde. Departamento de Gestão do Trabalho na Saúde.
Técnico em hemoterapia. Brasília: Ministério da Saúde, 2013. 292 p.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde.


Departamento de Atenção Especializada e Temática. Guia para uso de
hemocomponentes. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2015.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Nº158, de 04 de fevereiro de


2016. Redefine o regulamento técnico de procedimentos hemoterápicos.
Brasília: Ministério da Saúde, 2016.

GARCIA, P. C.; BONEQUINI JÚNIOR, P. Manual de transfusão para


enfermagem. Botucatu: SO, 2015. Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de Botucatu.

MATTIA, D. Assistência de enfermagem em Hemoterapia: construção


de instrumentos para a gestão da qualidade. 2015. 106f. Dissertação
(mestrado profissional em gestão do Cuidado em Enfermagem) –
Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2015.

MIOLA, M. P.; FACHINI, R. M. Manual Transfusional. Hemocentro


São José do Rio Preto, São Paulo. Revisão 01: 01/2017. Disponível em:
http://www.hemocentroriopreto.com.br/files/pub/artigos/MANUAL-
TRANSFUSIONAL-Rev01.pdf. Acesso em 21 de abril de 2017.

SILVA, M. A. Atuação dos profissionais de enfermagem durante o


processo transfusional na UTI de um Hospital Universitário. 2008.
124f. Dissertação (mestrado em Enfermagem) – Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Natal, 2008.

SOUZA, G. F. Instrumento de boas práticas de enfermagem em


hemoterapia na Unidade de Terapia Intensiva. 2012. 173f. Dissertação
(mestrado profissional em Gestão do cuidado em Enfermagem) –
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2012.

VIEIRA, M. S. Conhecimento da Equipe de Enfermagem sobre


hemoterapia. 2012. 34f. Monografia (Graduação em Enfermagem) –
Centro Universitário UNIVATES, Lajeado, 2012.

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