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DIRETRIZES INTERNAS

PROTOCOLO DE AVALIAÇÃO DA CONDIÇÃO


HEMATOLÓGICA PRÉ-OPERATÓRIA PARA
REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTOS
RADIOLÓGICOS INVASIVOS

BELO HORIZONTE, JUNHO – 2016


BELO HORIZONTE, JUNHO – 2016

PROTOCOLO DE AVALIAÇÃO DA CONDIÇÃO


HEMATOLÓGICA PRÉ-OPERATÓRIA PARA
REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTOS
RADIOLÓGICOS INVASIVOS

PRODUZIDO POR:

GUILHERME MORATTI GILBERTO*

REVISADO POR: MARIA CAROLINA BARBOSA ALVARES**


FABIANO FRANCO MOTEIRO PRADO **
PAULO RAMOS BOTELHO ANTUNES**

*RESIDENTES DE RADIOLOGIA E DIAGNÓSTICO POR IMAGEM DA SANTA CASA DE BELO HORIZONTE


** CHEFES DO SERVIÇO DE RADIOLOGIA DA SANTA CASA DE BELO HORIZONTE

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FINALIDADE

Este manual tem por finalidade auxiliar a padronização da avaliação hematológica do


paciente a ser submetido a procedimentos radiológicos invasivos no setor de radiologia no
Centro de Diagnóstico de Tratamento (CDT) da Santa Casa de Belo Horizonte, a fim de reduzir as
complicações hemorrágicas nestes tipos de procedimento. Não tem como objetivo estabelecer regras rígidas
ou ditar normas inflexíveis, devendo-se considerar as peculiaridades de cada paciente em cada caso a ser
estudado.

INTRODUÇÃO

Hemostasia é o processo fisiológico encarregado de parar o sangramento e pode ser dividido em primária e
secundária. A primeira corresponde ao tampão plaquetário, responsável por estancar o sangramento, e a
segunda à rede de fibrina estabilizadora do tampão e responsável por evitar novos sangramentos. É
importante salientar que ambos os processos ocorrem a mesmo tempo, sendo esta divisão sobretudo didática
e não temporal.
As plaquetas são as responsáveis pela hemostasia primária, que pode ser dividida em três fases: adesão,
ativação, e agregação plaquetários. Na primeira fase de adesão ocorre exposição da matriz subendotelial
(colágeno) seguida da adesão de glicoproteínas transmembrana da superfície das plaquetas (glicoproteínas
VI e Ia/IIa) e então ancoragem a esta matriz. A ancoragem é realizada pela glicoproteína Ib, também
chamada de receptor do fator de Von Willebrand. Na segunda fase, de ativação plaquetária, ocorre ativação
da rede proteica contrátil, aumentando a superfície de contato, e secreção de seus grânulos. Estes contêm
proteínas responsáveis pela retroalimentação positiva da hemostasia primária (COX 1 e ADP, sobre os quais
agem a aspirina e o clopidogrel, respectivamente) e fatores de coagulação que também ativam a hemostasia
secundária. Na última fase, a de agregação, acontece a ligação entre as plaquetas, sendo os principais
coadjuvantes o fibrinogênio e a glicoproteína IIb/IIIa (inibida pelos seus antagonistas, sendo o Tirofiban o
mais conhecido).
A hemostasia secundária é mais conhecida pela cascata de coagulação, na qual ocorre ativação das proteínas
inativas (zimogênios) em fatores ativados, com a finalidade de produzir uma rede de fibrina, responsável
pela estabilização do trombo. Seu início se dá principalmente na superfície paquetária, ocorrendo também na
matriz endotelial exposta. É chamada de cascata pelo efeito de retroalimentação positiva, no qual a ativação
de apenas alguns zimogênios leva a ampliação de seu efeito, culminando na formação de múltiplas
moléculas de fibrina, uma vez que cada fator ativa proporcionalmente outros dez fatores. Todas estas
proteínas são produzidas no fígado, sendo algumas delas dependentes de vitamina K: II, VII, IX e X;
principais responsáveis então pela coagulopatia nos pacientes cirróticos, naqueles com obstrução das vias
biliares (colestase) e nos que estão em uso cumarínicos (Marevan).
A hemostasia secundaria pode ser dividida didaticamente (in vitro) em duas vias, a intrínseca e a extrínseca,
que convergem para a formação do fator X ativado. In vivo ocorre uma via em comum, ainda não totalmente
elucidada.

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AVALIAÇÃO PRÉ-CIRÚRGICA DO PACIENTE

Os pacientes a serem submetidos a procedimentos cirúrgicos de risco habitual são submetidos a seguinte
avaliação:
o História clínica
 Resposta hemostática a traumas/cirurgias prévias (como extrações dentárias,
operações otorrinolaringologicas, biópsias de pele, pequenos ferimentos, hematomas
desproporcionais ao trauma, necessidade de transfusão sanguínea prévia, sangramento
aumentado no parto ou durante o período menstrual e etc.)
 Sangramento espontâneo (hematomas sem traumas significativos)
 Uso de medicamentos
 História familiar
o Exame físico
o Estudos laboratoriais
 Como testes de triagem são desnecessários
Clinicamente o sangramento plaquetário geralmente se manifesta em pele e mucosas (gengivorragia,
epistaxe, petéquias e equimoses) e tende a persistir por tempo prolongado, cessando com tampão. Os
pacientes extremamente plaquetopênicos agem também como se tivessem distúrbio da coagulação, uma vez
que não têm superfície para ativação da hemostasia secundária.
Já o sangramento por coagulopatia geralmente se manifesta em órgãos e tecidos internos (hemartrose,
hematomas profundos/musculares/órgãos internos) e tende a cessar de imediato e recidivar em grande monta
dentro de algumas horas
AVALIAÇÃO PRÉ-CIRÚRGICA DO PACIENTE EM RADIOLOGIA INTERVENCIONISTA

Na radiologia intervencionista, em contraste com a rotina da cirurgia aberta, devemos solicitar exames
laboratoriais para avaliação da hemostasia dos pacientes. Essa prática se deve ao manejo difícil de um
sangramento aumentado durante um procedimento minimamente invasivo, uma vez que não é possível o
acesso direto ao sítio do sangramento, impossibilitando técnicas cirúrgicas diretas de hemostasia como a
compressão, a oclusão de vasos e o uso do cautério.
São inúmeros os exames laboratoriais para avaliar a hemostasia, porém os mais utilizados são:
 Contagem e índices plaquetários
o >100.000 – sem risco de sangramento anormal
o 50.000 a 100.000 – eventual sangramento aumentado após trauma grave
o 20.000 a 50.000 – sangramento acima do normal após trauma ou cirurgia
o <20.000 – sangramento espontâneo é comum
o VPM: volume plaquetário médio (seu aumento sugere destruição periférica que estimula
maior produção com plaquetas maiores)
o PDW: índice de anisocitose plaquetário (pouco utilizado na prática médica diária)
 Tempo de tromboplastina parcial ativado (PTTa)
o Realizado pela adição de cefalina sem fator tecidual (tromboplastina parcial)
o Interpretado em relação ao tempo controle
o Alargado quando há deficiência moderada ou grave das vias intrínseca ou comum:

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 Heparina não fracionada
 Hemofilia A (def. fator VIII)
 Hemofilia B (def. fator IX)
 CIVD
 Outros
 Tempo de protrombina (TP ou TAP)
o Realizado pela adição de cefalina com fator tecidual (tromboplastina completa)
o Grande variabilidade de kits/lotes à fator de correção (RNI)
o Alterado nas coagulopatias das vias extrínseca e comum:
 Cumarínicos
 Deficiência de vitamina K
 Insuficiência hepática
 Deficiência de fatores VII ou X
A tabela abaixo cita os valores de referencia normais para os exames supracitados.

PROTOCOLO PROPOSTO

São inúmeros os protocolos e estudos na literatura visando ditar valores de referência para os múltiplos
procedimentos invasivos. Este protocolo visa estabelecer valores para aqueles mais realizados em nossa
prática diária no CDT e devem ser assim classificados e triados rotineiramente:

 Procedimentos com baixo risco de sangramento, facilmente detectáveis e controláveis


o Toracocentese
o Paracentese
o Biopsias trucut e aspirativas de superfície: tireoide, linfonodos, etc.
o Testes laboratoriais de rotina:
 RNI – recomendado para pacientes em uso de Warfarin e suspeita de hepatopatias
 Deve ser corrigido caso > 2,0
 PTTa – recomendado para pacientes em uso de heparina não fracionada
 Não há consenso para sua correção
 Plaquetas e hemoglobina – não recomendado
 Transfusão recomendada para plaquetopenias < 50.000
 Não há consenso para sua correção da hemoglobina
 OBS: não é necessário suspender AAS; suspender clopidogrel; suspender ultima dose
da heparina de baixo peso molecular (HBPM)
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 Procedimentos com moderado/alto risco de sangramento, dificilmente detectáveis e controláveis
o Drenagem de abscessos profundos
o Biópsia hepática percutânea
o Biópsia renal
o Biópsia de tórax (pulmão / mediastino)
o Nefrostomia
o Colecistostomia
o Drenagens biliares (interna ou externa)
o Quimioembolização
o Intervenções vasculares venosas ou arteriais
o Radioablação de tumores
o Testes laboratoriais de rotina:
 RNI – recomendado para todos os pacientes.
 Corrigir para  1,30
 PTTa – recomendado para pacientes em uso de heparina não fracionada.
 Suspender heparina até atingir 1,5x o valor de referência
 Plaquetas e hemoglobina – recomendado para todos os pacientes
 Corrigir Hg para  6,0
 Corrigir plaquetas para  80.000
 OBS: suspender AAS e clopidogrel; suspender ultimas duas doses da heparina de
baixo peso molecular (HBPM)
É importante salientar que cada caso deve ser avaliado isoladamente, evitando-se o engessamento da
avaliação pré-operatória. Para tal deve-se discutir os casos entre as equipes sempre que possível e, se
necessário, solicitar interconsultas da hematologia.

RESUMO DO PROTOCOLO

Todos os pacientes que vão ser submetidos a procedimentos minimamente invasivos devem ser avaliados
por uma anamnese e exames físico e imaginológico pré-operatório bem feitos.
Aqueles com suspeita de hepatopatia devem ser avaliados hematologicamente (solicitar RNI) para todos os
tipos de procedimento, incluindo paracentese.
Todos os pacientes que serão submetidos a exames com risco moderado/alto de sangramento devem ser
integralmente avaliados do ponto de vista hematológico, sendo os valores de referência para correção:
 RNI  1,30
 PTTa  1,5x o valor de referencia (pacientes em uso de heparina não fracionada)
 Plaquetas  80.000
 Hg  7,0 (Obs: pacientes com doença renal crônica o limite é  6,0)
As correções de hemoglobina e plaquetas devem ser realizadas pelo médico assistente no andar, antes da
realização dos procedimentos.
Os pacientes com necessidade de transfusão de plasma deverão recebe-la no setor de radiologia, antes,
durante e após a realização do procedimento. Para tal o médico assistente deverá realizar reserva e tipagem
sanguíneas prévios.

ANEXO I - HEMOTRANSFUSÃO
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 Concentrado de hemácias (CH)
o 300 ml / bolsa
o 1 bolsa eleva 1 Hg (transfundir  600 ml rotineiramente)
 Plasma fresco congelado (PFC)
o 200 ml / bolsa
o 15 a 20 ml por Kg (transfundir  600 ml rotineiramente)

 Plaquetas
o Unidades de plaqueta
o 1 unidade eleva 5 a 10 mil
o 1 UI / 10 kg (transfundir  6/8 UI rotineiramente)
 Criopreciptado
o Usado em CIVD à paciente grave em CTI
o 1 UI / 10kg

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Consensus Guidelines for Coagulation Status and Hemostasis Risk; Patel et al; J Vasc Interv Radiol 2012;
23:727–736.

CT- and MR-Guided Interventions in Radiology; Andreas H. Mahnken · Jens Ricke (Eds.); © Springer-
Verlag Berlin Heidelberg 2009

Guidelines for radiologically guided lung biopsy; Manhire, Charig, Clelland, et al; Thorax 2003;58:920–936

Image-Guided Interventions; Terry Peters • Kevin Cleary; © 2008 Springer Science+Business Media, LLC

Techniques in Interventional Radiology; Debra A. Gervais; © Springer-Verlag London 2011

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