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Trajetórias e processos de ensinar e aprender: políticas e tecnologias 33

As políticas de educação profissional para os


que vivem do trabalho: formar para a inclusão
subordinada
Acacia Zeneida Kuenzer *

Este texto tem por objetivo estimular o debate acer-


ca das políticas e programas que vêm sendo oferecidos
aos trabalhadores desde o Decreto 2.208/97, justificados
pelo discurso da inclusão, como estratégia de enfrenta-
mento do desemprego estrutural que caracteriza o regi-
me de acumulação flexível. Para tanto, apresenta as gran-
des linhas das políticas que vêm sendo formuladas para a
classe trabalhadora nos últimos três períodos de governo,
com base nas pesquisas que a autora vem realizando em
empresas reestruturadas e no setor coureiro-calçadista,
tomando como categorias a inclusão, a precarização, a
polarização das competências e a relação entre o público
e o privado. Analisando as possibilidades e limites destas
políticas enquanto estratégias de inclusão subordinada,
a partir da categoria contradição, propõe alguns pontos
para a reflexão aos que pretendem construir um proje-
to público de educação para os trabalhadores, a partir
das discussões que temos levado a efeito no Estado do
Paraná, no processo de implantação do ensino médio in-
tegrado.
Com base nas clássicas categorias que definem a on-
tologia e a epistemologia que sustentam a área Trabalho
e Educação, parte do pressuposto que, considerando a
centralidade do trabalho, no modo de produção capitalis-
ta, todas as formas de inclusão são sempre subordinadas,
* Universidade Federal do Paraná – UFPR, Pesquisadora 1C do Cnpq. acaciazk@
uol.com.br Texto produzido em co-autoria com Sandra Regina de Oliveira Garcia,
Universidade Estadual de Londrina, sgarcia@pr.gov.br
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concedidas, porque atendem às demandas do processo de


acumulação. Ou seja, o círculo entre exclusão e inclusão
subordinada é condição de possibilidade dos processos
de produção e reprodução do capital, sendo constitutivo
lógico necessário das sociedades capitalistas modernas,
ou seja, são faces inseparáveis da mesma moeda (OLI-
VEIRA, 2004).
Em decorrência, as políticas e programas de edu-
cação profissional, tomando a categoria exclusão para
designar desempregados e populações em situação de
risco social, quando propõem como objetivo a inclusão
social, não ultrapassam o âmbito da inclusão concedida,
ou como a temos chamado, inclusão excludente, sempre
subordinada à lógica da acumulação. Este pressuposto
não elide a categoria contradição, derivada da relação
entre capital e trabalho, a partir da qual se admite que,
além da dimensão exploradora, o trabalho e os processos
educativos por ele determinados inscrevem-se também
na esfera da formação humana, manifestando uma po-
sitividade que aponta possibilidades de transformação
das relações sociais. Embora em tese, este pressuposto
tenha sustentação histórica e teórica, os limites e pos-
sibilidades da educação profissional precisam ser ade-
quadamente delineados no regime de acumulação fle-
xível, tanto para superar o imobilismo quanto para re-
jeitar uma visão romantizada, igualmente conservadora.
(KUENZER, 2006).

As políticas de educação profissional para os que vivem


do trabalho: a precarização como eixo

Os estudos que vimos realizando permitem identi-


ficar os principais eixos que têm norteado a formulação
das políticas para educação dos que vivem no mundo do
trabalho nos três últimos períodos de governo. Ressalva-
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das as especificidades, é possível afirmar que, quanto aos


princípios gerais, os que orientaram a formulação destas
políticas no Governo Fernando Henrique não foram su-
perados no Governo Lula, alguns deles, inclusive, tendo
sido intensificados.
As pesquisas que têm sido realizadas permitem in-
dicar alguns resultados já sobejamente evidenciado: a
destruição progressiva das ofertas públicas e o fortale-
cimento crescente do setor privado, que cada vez recebe
mais recursos para realizar funções que são do Estado; a
enunciação apenas formal, na maioria dos projetos, da
integração da educação profissional à Educação Bási-
ca; o caráter genérico, descomprometido com o efetivo
acesso ao conhecimento sobre o trabalho da maioria dos
projetos de educação profissional; a ênfase no conheci-
mento tácito em detrimento do acesso ao conhecimento
científico-tecnológico e sócio-histórico, negado em nome
de seu pretenso caráter racionalista; a pulverização de
ações e a duplicação de recursos que respondem a uma
proposta populista, em substituição a uma proposta or-
gânica e consistente, de política de Estado.
Como decorrência destas políticas, é possível indi-
car a continuidade de propostas precárias de educação
profissional para legitimar a inclusão em trabalhos pre-
carizados, de modo a alimentar o consumo predatório da
força de trabalho, para o que a redução epistemológica,
através da formação de subjetividades flexíveis, poliva-
lentes e empreendedoras, realiza-se através das dimen-
sões pedagógicas dos processos sociais aos quais se arti-
culam políticas e práticas educativas de caráter privado,
populistas e fragmentadas, que expressam as estratégias
de disciplinamento necessárias ao novo regime de acu-
mulação, para o que a nova epistemologia da prática for-
nece os fundamentos.
A seguir, esses eixos serão brevemente indicados.
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A educação geral substitui a formação profissional no ní-


vel básico

A formação de subjetividades flexíveis, tanto do


ponto de vista cognitivo quanto ético, se dá, predominan-
temente, pela mediação da educação geral; é por meio
dela, disponibilizada de forma diferenciada por origem
de classe, que os que vivem do trabalho adquirem conhe-
cimentos genéricos que lhes permitirão exercer e aceita
múltiplas tarefas no mercado flexibilizado. Ser multita-
refa, neste caso, implica exercer trabalhos simplificados,
repetitivos, fragmentados, para os quais seja suficiente
um rápido treinamento, de natureza psicofísica, a partir
de algum domínio de educação geral, o que não implica
necessariamente no acesso à educação básica completa.
Neste sentido, a educação geral, assegurada pelos
níveis que compõem a educação básica, tem como fina-
lidade dar acesso aos conhecimentos fundamentais e às
competências cognitivas mais simples, que permitam a
integração à vida social e produtiva em uma organização
social com forte perfil científico-tecnológico, um dos pi-
lares a sustentar o capitalismo tardio, na perspectiva do
disciplinamento do produtor/consumidor; e, por isso, a
burguesia não só a disponibiliza, mas a defende para os
que vivem do trabalho.
Ser multitarefa, para estes trabalhadores, significa
adaptar-se ao movimento de um mercado que inclui/ex-
clui, segundo as necessidades do regime de acumulação.
A competência, nos pontos desqualificados das cadeias
produtivas, resume-se ao conhecimento tácito simplifi-
cado, demandado pelo trabalho concreto, que se carac-
teriza pela fragmentação e pela repetição. Não há, para
estes trabalhadores que atuam nos setores precarizados,
demandas relativas ao desenvolvimento da competência
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de trabalhar intelectualmente em atividades de nature-


za científico-tecnológica, em virtude do que as políticas
não contemplam a formação avançada.
Para os que exercerão atividades complexas na pon-
ta qualificada das cadeias produtivas, a educação básica
é rito de passagem para a educação científico-tecnoló-
gica e sócio-histórica de alto nível. Nestes casos, a flexi-
bilidade, atributo geralmente exercitado internamente
às firmas, advém da capacidade de trabalhar intelectual-
mente e atuar praticamente, para usar a expressão gra-
msciana (GRAMSCI, 1978), estabelecendo-se uma maior
integração entre concepção e atuação. Ou, como afirma
Antunes (2005), a nova fase do capital re-transfere o sa-
ber fazer para o trabalho, apropriando-se de sua dimen-
são intelectual, procurando envolver mais intensamente
a subjetividade operária. Ao mesmo tempo, transfere
parte do saber intelectual para as máquinas informatiza-
das, que se tornam mais inteligentes, reproduzindo parte
das atividades a elas transferidas pelo saber intelectual.
Ser multitarefa, neste caso, significa a capacidade
de adaptar-se a múltiplas situações complexas e diferen-
ciadas, que demandam o desenvolvimento de competên-
cias cognitivas mais sofisticadas que permitam a solução
de problemas com rapidez, originalidade e confiabilida-
de. Para tanto, há que assegurar formação avançada, que
articule as dimensões geral e específica.
Na acumulação flexível, portanto, a educação para
os que vivem do trabalho continua a ser distribuída de
forma desigual e diferenciada; contudo, contrariamente
ao que ocorria no taylorismo/fordismo, a educação bási-
ca passou a ser valorizada para os que vivem do trabalho,
como condição para a formação flexível, e a educação
específica, de natureza científico-tecnológica e sócio-
histórica, passou a ser privilégio dos que vão exercer o
trabalho intelectual, de modo a assegurar que a posse
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do conhecimento estratégico, nesse caso o conhecimento


que permite inovação, permaneça com o capital.
A estratégia por meio da qual o conhecimento é dis-
ponibilizado/negado, segundo as necessidades desiguais
e diferenciadas dos processos de trabalho integrados, é o
que temos chamado de inclusão excludente na ponta da
escola. Ao invés da explícita negação das oportunidades
de acesso à educação continuada e de qualidade, há uma
aparente disponibilização das oportunidades educacio-
nais, por meio de múltiplas modalidades e diferentes na-
turezas, que se caracterizam por seu caráter desigual e,
na maioria das vezes, meramente certificatório, que não
asseguram domínio de conhecimentos necessários ao
desenvolvimento de competências cognitivas complexas
vinculadas à autonomia intelectual, ética e estética.
Conclui-se, desta rápida exposição, que o enfraque-
cimento da relação entre qualificação e ocupação justifi-
ca a expansão da oferta de educação básica a um maior
contingente de trabalhadores, o que viabilizará maior
flexibilidade em sua incorporação ao longo das cadeias
produtivas. Desta forma, caracteriza-se menor dependên-
cia do capital em relação ao trabalho qualificado, que,
pelo uso flexível, fica mais vulnerável.
Já o conhecimento científico tecnológico, integrado
à cultura e ao trabalho, por seu caráter estratégico para a
competitividade por meio da inovação, tem sua distribui-
ção mais controlada e, embora também seja disponibi-
lizado de forma diferenciada para atender aos arranjos
flexíveis, tem caráter mais elitizado.
Enfim, a relativização da qualificação pela banali-
zação das competências, ao tempo que liberta o capital
das competências específicas, permite-lhe maior liberali-
dade quanto à oferta de educação mais ampliada, o que,
inclusive, passa a defender... desde, é claro, que mante-
nha privada a propriedade do conhecimento estratégico
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à acumulação, qual seja, o conhecimento científico-tec-


nológico e sócio-histórico de ponta, reservado aos inte-
lectuais seus prepostos.

A ênfase no conhecimento tácito como expressão da nova


epistemologia da prática

A análise das propostas de educação profissional


que vêm sendo analisadas, cotejadas com os dados dis-
ponibilizados pelas pesquisas de campo, realizadas pelas
autoras nos últimos anos, vem evidenciando que, embo-
ra as mudanças ocorridas no mundo do trabalho passem
a exigir ampliação da educação básica com qualidade,
à qual se integre formação profissional de natureza tec-
nológica, fundada no domínio intelectual da técnica
enquanto relação entre conhecimentos e competências
cognitivas complexas, o que se vem oferecendo aos que
vivem do trabalho se resume, basicamente, a uma educa-
ção genérica e fragmentada, que favorece a aquisição do
conhecimento no trabalho, não passando de discurso a
integração entre educação básica e profissional.
Assim é que os programas de educação profissio-
nal que vêm sendo oferecidos aos que vivem do trabalho
contemplam um amálgama de qualificação social enten-
dida como ação comunitária, aprendizagem de fragmen-
tos do trabalho no espaço produtivo como conhecimento
científico-tecnológico, domínio de algumas ferramentas
da informática e das linguagens como capacidade de tra-
balho intelectual, discussão sobre algumas dimensões da
cidadania como capacidade de intervenção social, levan-
do a entender que o resultado deste conjunto configura-
se como educação para a inclusão social. Embora estes
elementos sejam fundamentais para a educação dos que
vivem do trabalho, a forma superficial e aligeirada, na
maioria das vezes descolada da educação básica de qua-
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lidade, reveste as propostas de caráter formalista e de-


magógico, a reforçar o consumo predatório da força de
trabalho ao longo das cadeias produtivas.
Não há, nos projetos que vêm sendo ofertados, re-
ferência a condições concretas, dadas as suas caracterís-
ticas, para a implementação de procedimentos pedagó-
gicos que assegurem o desenvolvimento das competên-
cias complexas que caracterizam o trabalho intelectual.
Em particular às que assegurem o exercício da crítica,
da criação, da participação política ou acesso aos co-
nhecimentos necessários para enfrentar os desafios de
uma sociedade cada vez mais excludente, para o que o
domínio de conhecimentos científicos, tecnológicos e so-
ciohistóricos, com vistas à formação de um profissional
com autonomia intelectual e ética, são fundamentais. Ao
contrário, vários dos projetos analisados, embora sutil-
mente, negam esta necessidade.
Como afirma Contreras (2002), a idéia básica que
fundamenta propostas deste tipo é que a prática profis-
sional consiste na solução instrumental de problemas
mediante a aplicação de um conhecimento previamente
disponível. É instrumental porque supõe a aplicação de
técnicas e procedimentos que se justificam por sua ca-
pacidade para conseguir os efeitos ou resultados deseja-
dos. (Ibid., p.90-91).
Ou, como afirma Schön, conhecer e refletir na ação,
o que implica em um tipo de inteligência tácita e es-
pontânea, incapaz de se tornar verbalmente explícita
(SCHÖN, 2000, p. 33). Como afirma esse autor, é a prática
o critério de reformulação da prática a partir da reflexão
crítica, a qual deve perpassar toda a formação profissio-
nal.
Esta concepção privilegia a prática como espaço
formativo, reduzindo a formação ao conhecimento tácito
através de uma epistemologia na qual a prática se cons-
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trói a partir de uma reflexão sobre si mesma, sem a me-


diação da teoria, o que se configura perverso para a clas-
se trabalhadora, por justificar a irrelevância ou mesmo
a inutilidade da aquisição do conhecimento científico e
tecnológico, bem como da competência de trabalhar in-
telectualmente.

A crescente privatização da oferta

Os programas e projetos de educação profissional,


tanto no Governo Fernando Henrique quanto no governo
Lula, não se diferenciam no que diz respeito à concepção
das relações entre Estado e sociedade civil, que passam
a se dar através das parcerias entre o setor público e o
setor privado.
Estas relações supõem o repasse de parte das fun-
ções do Estado para a sociedade civil, acompanhado do
repasse de recursos, que, realizados sob o ordenamento
jurídico privado, fogem aos controles públicos da União.
Em decorrência desta concepção, a prestação de con-
tas dos contratos se dá através da realização do produto
acordado, que pode ser o número de trabalhadores qua-
lificados, sem que haja controle do processo, inclusive
sob o ponto de vista contábil. A ausência de avaliação
que contemple indicadores de qualidade e efetividade
social não permite, nestes casos, o controle do uso dos
recursos públicos.
Esta afirmação é facilmente comprovável através
das informações disponíveis nos diferentes sistemas de
controle, inclusive do Tribunal de Contas da União, com
o que se verifica a manutenção do balcão de negócios em
que se transformaram as instituições públicas e privadas
de educação profissional, a partir do Decreto 2208/97.
O Decreto 5154/04, longe de reafirmar a primazia
da oferta pública, viabilizando-a através de políticas pú-
42 KUENZER, Acacia Zeneida • As políticas de educação...

blicas, representou uma acomodação conservadora que


atendeu a todos os interesses em jogo: do Governo, que
“cumpriu” um dos compromissos de campanha com a
“revogação” do Decreto 2208/97, das instituições públi-
cas, que passaram a vender cursos para o próprio Gover-
no, e gostaram de fazê-lo, renunciando em parte à sua
função, e das instituições privadas, que passaram a pre-
encher, com vantagens, o vácuo criado pela extinção das
ofertas públicas.
O ensino médio integrado, que seria uma alternativa
para a oferta pública de educação profissional de quali-
dade, integrada à educação básica, ainda não teve, desde
a edição do Decreto 5154/04, alocação de recursos para
o seu financiamento. Os três estados que se disponibili-
zaram a realizar uma experiência piloto em 2004, como
não houve disponibilização de recursos, só tiveram como
alternativa o financiamento próprio, como fez o Paraná.
Em resumo, o que se está afirmando é que, uma vez
procedido o desmonte da oferta pública de educação pro-
fissional pelo Decreto 2208/97, e estabelecido o balcão
de negócios, dificilmente este processo será revertido.
Do ponto de vista do repasse de recursos públicos
para a iniciativa privada, no Governo Lula não houve
avanços no sentido da publicização, permanecendo, e de
modo mais intenso, a mesma lógica: o repasse de parte
das funções do Estado e dos recursos para a sua execu-
ção para o setor privado sob a alegação da eficácia e da
ampliação da capacidade de atendimento, segundo a
concepção do público não-estatal a ser operacionalizada
pelas parcerias com instituições privadas.
Estudos, realizados por Grabowski (2004), mostram
que há uma profusão de dados que enunciam o mau uso
dos recursos públicos a partir de uma concepção que,
implementada no governo anterior, foi assumida e esti-
mulada no Governo Lula, e que esconde, sob a defesa do
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caráter público das ações, a sua realização pelo setor pri-


vado sem que haja elementos que permitam comprovar
sua qualidade e efetividade social.
O que os dados revelam é que, sob o discurso da par-
ceria entre o Estado, a sociedade civil e o setor empre-
sarial, a partir do entendimento que as organizações da
sociedade civil tendem a obter melhores resultados junto ao
público jovem em situação de maior vulnerabilidade social, e
que estas instituições são capazes de chegar em lugares onde
o Estado não chega1, foram e estão sendo carreados vultosos
recursos para o chamado setor comunitário realizar a fun-
ção do Estado no tocante à educação profissional, sem que
haja indicações, através de avaliações conseqüentes, de que
os projetos atingem suas finalidades. De modo geral, a oferta
gratuita, pelos setores público e comunitário é quantitativa-
mente insignificante e pouco aderente às demandas dos ex-
cluídos, cujos resultados não evidenciam outra possibilidade
de inclusão senão através da realização de trabalhos precari-
zados e predominantemente eventuais, segundo a lógica da
inclusão subordinada.

A ausência de políticas públicas

Além da concepção de ação pública não-estatal que


justificou o repasse de recursos públicos para institui-
ções privadas, os programas de educação profissional
que têm sido disponibilizados para os que vivem do tra-
balho caracterizaram-se pela desarticulação e pela frag-
mentação das ações a que deram origem, através de uma
profusão de projetos similares espalhados por diferentes
unidades gestoras, particularmente no Governo do Pre-
sidente Lula.
2 Ver os termos de referência dos Projetos Consócio Social da Juventude e Escola
de fábrica, nos sites do Mec e do Ministério do Trabalho e do Emprego: www.mec.gov.
br e www.mtegov.br.
44 KUENZER, Acacia Zeneida • As políticas de educação...

Com o objetivo de viabilizar cada um desses pro-


gramas, são estabelecidas parcerias entre a Secretaria
Geral da República, ministérios, governos estaduais, mu-
nicipais e outros órgãos federais, entidades da sociedade
civil, empresas públicas e privadas, sempre prevalecendo
o repasse dos recursos públicos ao setor privado, através
das redes ou franquias sociais. De modo geral, eles são
muito parecidos, com pequenas especificidades que não
justificam a fragmentação de ações e a pulverização de
recursos. Como resultado, reproduzem-se estruturas, es-
paços e recursos, financeiros e humanos, para os mesmos
fins, configurando-se uma clara estratégia populista de
eficácia discutível.
Não é de estranhar, portanto, a reivindicação feita
pelos gestores públicos da educação profissional, para
que estes inúmeros projetos que fragmentam as ações e
os recursos, executados pelo setor privado, sejam subs-
tituídos por uma política de Estado que contemple, de
forma orgânica, o financiamento e a gestão pública, com-
prometidos com o bom uso dos recursos públicos, a ser
assegurado pelos controles públicos da União, posto que
há dados que permitem questionar falta de efetividade
social dos programas que vêm sendo desenvolvidos, que
se revestem de caráter fragmentado, assistencialista e
compensatório, sem que se configurem de fato como po-
lítica pública.
Como já se afirmou em outro texto, a razão funda-
mental para que a política de educação profissional seja
uma política de Estado, é o reconhecimento do papel es-
tratégico que desempenham a educação e a produção do
conhecimento cientificotecnológico e socio-histórico no
processo de construção de uma sociedade de novo tipo,
fundada na justiça social a partir da participação de
todos na produção, na fruição do que foi produzido, na
cultura e no poder, o que demanda processos educativos
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que articulem formação humana e sociedade na perspec-


tiva da autonomia crítica, ética e estética (KUENZER e
GRABOWSKI, 2006). Para reflexão: avançar é possível?

Retomar a concepção de politecnia

O regime de acumulação flexível, em que pese as


suas dimensões de acirramento da precarização do tra-
balho e da educação quando se trata dos que vivem do
trabalho, mediante os arranjos flexíveis de competências
diversificadas que ora incluem, ora excluem os trabalha-
dores a partir das demandas das cadeias produtivas, re-
conhece a necessidade de ampliação da educação escolar
e profissional para os trabalhadores a partir da crescente
intelectualização do trabalho (KUENZER, 2007).
Para atender às novas demandas, o discurso des-
te regime de acumulação sobre a educação defende a
necessidade de formação de profissionais flexíveis, que
acompanhem as mudanças tecnológicas decorrentes da
dinamicidade da produção científico-tecnológica con-
temporânea, ao invés de profissionais rígidos, que repe-
tem procedimentos memorizados ou recriados por meio
da experiência. Para que esta formação flexível seja pos-
sível, torna-se necessário substituir a formação especia-
lizada, adquirida em cursos profissionalizantes focados
em ocupações parciais e, geralmente, de curta duração,
complementados pela formação no trabalho, pela forma-
ção geral adquirida por meio de escolarização ampliada,
que abranja no mínimo a educação básica, a ser disponi-
bilizada para todos os trabalhadores.
A partir desta sólida formação geral, dar-se-á a for-
mação profissional, de caráter mais abrangente do que
especializado, a ser complementada ao longo das práticas
laborais. Como a proposta é substituir a estabilidade, a
rigidez, pela dinamicidade, pelo movimento, à educação
46 KUENZER, Acacia Zeneida • As políticas de educação...

cabe, segundo o discurso pedagógico da acumulação fle-


xível, assegurar o domínio dos conhecimentos que funda-
mentam as práticas sociais e a capacidade de trabalhar
com eles, por meio do desenvolvimento de competências
que permitam aprender ao longo da vida.
Se o trabalhador transitará, ao longo de sua traje-
tória laboral, por inúmeras ocupações e oportunidades
de educação profissional, não há razão para investir em
formação profissional especializada; a integração entre
as trajetórias de escolaridade e laboral será o elo entre
teoria e prática, resgatando-se, desta forma, a unidade
rompida pela clássica forma de divisão técnica do traba-
lho, que atribuía a uns o trabalho operacional, simplifica-
do, e a outros, o trabalho intelectual, complexo.
Embora se tenha clareza acerca dos limites que a
materialidade da acumulação flexível impõe à objeti-
vação deste discurso, posto que a polarização das com-
petências, e portanto, a propriedade privada do conhe-
cimento estratégico continua a ser a sua lógica, não há
como negar que a produção e o consumo passam a de-
mandar uma relação com o conhecimento sistematiza-
do, mediado pelo domínio de competências cognitivas
complexas. Dentre estas, destacam-se as competências
comunicativas e a lógica formal, que não eram deman-
dadas para a maioria dos trabalhadores pelo taylorismo/
fordismo, cuja concepção de conhecimento fundava-se,
para estes, na dimensão tácita: resolver situações pouco
complexas por meio de ações aprendidas através da ex-
periência. As competências intelectuais ficavam restri-
tas aos que exerceriam, na sociedade e no trabalho, as
funções de direção e de criação e desenvolvimento de
ciência e tecnologia.
Assim, há que reconhecer que, por contradição,
abrem-se algumas possibilidades de construção de uma
proposta mais orgânica ao projeto contra-hegemônico dos
Trajetórias e processos de ensinar e aprender: políticas e tecnologias 47

trabalhadores, não obstante todos os limites impostos pela


lógica da acumulação flexível. Para tanto, há que retomar
a proposta gramsciana que aponta para a politecnia, atra-
vés da construção de um projeto que articule ciência, cul-
tura, tecnologia e sociedade. Para tanto, há que recorrer
a uma sólida formação geral a partir da prática social,
buscando a promoção, através da organização curricular,
da universalização dos bens científicos, culturais e artís-
ticos, tomando o trabalho como eixo articulador dos con-
teúdos, ou seja, como princípio educativo. E desta forma,
responder às novas estratégias de articulação entre cultu-
ra, trabalho e ciência com uma formação que busque um
novo equilíbrio entre o desenvolvimento da capacidade
de atuar praticamente e trabalhar intelectualmente.
Gramsci (1978, p. 121) mostra que a escola que uni-
fica trabalho, ciência e cultura será necessariamente ati-
va e articulada ao dinamismo histórico da sociedade em
seu processo de desenvolvimento; sua finalidade é a for-
mação de homens desenvolvidos multilateralmente, que
articulem à sua capacidade produtiva as capacidades de
pensar, de estudar, de dirigir ou exercer o controle social
sobre os dirigentes: “a escola de cultura geral deveria se
propor a tarefa de inserir os jovens na atividade social,
depois de tê-los levado a um certo grau de maturidade e
capacidade, à criação intelectual e prática e a uma certa
autonomia na orientação e na iniciativa”.
Em decorrência, deverá educar tanto para as ati-
vidades intelectuais como para as instrumentais, pro-
piciando uma orientação múltipla para futuras ativida-
des profissionais não definidas precocemente, pois não
é possível preparar para as atividades profissionais tão
complexas e articuladas à ciência senão sobre as bases
de uma cultura geral formativa de caráter teórico-prá-
tico. Ao mesmo tempo, deverá estimular a necessidade
de educação permanente e contínua, que permita a atu-
48 KUENZER, Acacia Zeneida • As políticas de educação...

alização das atividades culturais e profissionais, o que


exige o domínio das competências relativas à pesquisa e
ao desenvolvimento.
Para atender a este princípio, a proposta curricular
deverá, do ponto de vista dos conteúdos, contemplar:

os princípios científicos gerais sobre os quais se funda-


mentam as relações sociais e produtivas;
os conhecimentos relativos às formas tecnológicas que
estão na raiz dos processos sociais e produtivos contem-
porâneos;
as formas de linguagem próprias das diferentes ativida-
des sociais e produtivas;
os conhecimentos sócio-históricos e as categorias de aná-
lise que propiciem a compreensão crítica da sociedade
capitalista e das formas de atuação do homem, como ci-
dadão e trabalhador, sujeito e objeto da história.

Tomar o trabalho como princípio educativo signifi-


ca defender o direito ao acesso à cultura, à ciência e à
tecnologia para todos os trabalhadores, não de forma en-
ciclopedista ou estritamente profissionalizante, mas de
modo a desenvolver as competências ao mesmo tempo
intelectivas e práticas, na perspectiva da dimensão for-
mativa da práxis humana.
Do ponto de vista da organização curricular, é ne-
cessário considerar que a integração entre conhecimen-
to básico e aplicado só é possível através da mediação
do processo produtivo, posto que não se resolve através
da soma de conteúdos ou mesmo de instituições com di-
ferentes especificidades; ela exige outro tratamento a
ser dado ao projeto pedagógico, que tome o processo de
trabalho e as relações sociais como eixo definidor dos
conteúdos, além do conhecimento que compõe as áreas
do conhecimento.
Tomar o trabalho como ponto de partida para o pla-
Trajetórias e processos de ensinar e aprender: políticas e tecnologias 49

nejamento curricular na perspectiva da politecnia signi-


fica superar a tarefa como foco, o que originou o procedi-
mento das séries metódicas e que fez história principal-
mente no Senai; esta proposta já há tempo mostrou seu
anacronismo em face das mudanças ocorridas no mundo
do trabalho. Esta questão, contudo, está longe de ser re-
solvida, principalmente pelas diferentes abordagens que
têm sido dadas à questão pelas diferentes tomadas da
categoria competência.
Assim é que, partindo da afirmação do desloca-
mento do referencial da qualificação do emprego para
a qualificação do indivíduo, a compreensão dada a este
princípio pela concepção neoliberal de competência tem
levado a centrar os processos de educação profissional
no desenvolvimento de competências comportamentais,
que supostamente seriam transversais a todas as ocupa-
ções, tais como trabalhar em equipe, ter iniciativa, comu-
nicar-se adequadamente, estudar permanentemente, e
assim sucessivamente. No caso brasileiro, essa concepção
se fez presente nas diretrizes curriculares para a educa-
ção profissional; nestas diretrizes, de modo geral se dá
forte ênfase à dimensão comportamental em detrimento
da formação teórica. E mais, expandem-se os tempos e
espaços de prática sem a obrigatoriedade de seu acom-
panhamento, mediante o entendimento que ela, por si
só, é suficiente para a formação de qualidade.
As pesquisas que temos realizado nos últimos anos
têm mostrado a insuficiência destas abordagens, que se
centram ora no objeto, a tarefa, ora no sujeito, o trabalha-
dor. Essas limitações só podem ser superadas através de
uma compreensão que tome o processo de trabalho como
foco, não reduzido a uma dimensão parcial, mas como tota-
lidade rica de complexas relações. Substitui-se, portanto,
o conhecimento da tarefa pelo conhecimento da relação
entre produto e processo, o que vale dizer, o conhecimen-
50 KUENZER, Acacia Zeneida • As políticas de educação...

to de um produto do conhecimento humano a ser apreen-


dido de forma mecânica, rotineira, pelo conhecimento do
processo que conduz ao produto, enquanto conjunto de
relações complexas, que revelam movimento.

A gestão da educação profissional integrada à gestão da


educação nacional, com a participação dos trabalhadores

Embora a autonomia para a intervenção política te-


nha severos limites impostos pela hegemonia do capital,
é possível considerar a organização da educação profis-
sional sobre outras bases, diferentes das que historica-
mente vêm sendo desenvolvidas, desde que se incluam
outros agentes no processo de discussão e formulação de
políticas de educação profissional: os trabalhadores.
Esta proposta, que reafirma o compromisso históri-
co da esquerda com a classe trabalhadora, reconhece não
só a urgência da disponibilização de educação científico-
tecnológica e sociohistórica, ampliada e de qualidade,
para todos os que vivem do trabalho, mas também a sua
competência para participar processo de definição das
propostas a partir do seu ponto de vista de classe.
Abrir espaços de participação para os que vivem do
trabalho na formulação das políticas públicas de educa-
ção significa trazer para a cena outras formas de leitura
e compreensão da realidade a partir das experiências e
necessidades de uma classe que historicamente esteve
ausente deste debate, na perspectiva da construção de
políticas e projetos alternativos capazes de restaurar di-
reitos negados aos trabalhadores ao longo dos tempos.
Esta compreensão leva à necessidade de substituir
o termo educação profissional, vinculado a uma concep-
ção de qualificação estreita e precarizada com foco na
ocupação para atender aos interesses do setor produtivo,
para educação dos trabalhadores, cuja concepção integra
Trajetórias e processos de ensinar e aprender: políticas e tecnologias 51

educação básica e especializada para atender às deman-


das da transformação social; se aquela ocorre predomi-
nantemente no setor privado, esta se dá principalmente
em espaços públicos, através de políticas, financiamento
e gestão públicos.
A gestão, portanto, desta modalidade de educação
deverá: integrar-se à gestão da Educação Nacional, em
especial à educação básica, apontando para a integração
com o ensino superior; contemplar a participação efetiva
dos trabalhadores nos espaços decisórios, tendo em vista
a construção de uma nova trajetória para a produção e
difusão de Ciência e Tecnologia, de modo a abrir a pos-
sibilidade de que a produção do conhecimento possa ser
utilizada em favor de interesses mais amplos e do atendi-
mento das demandas materiais que dizem respeito à me-
lhoria das condições de vida da maioria da população;
redefinir as finalidades e os projetos de educação dos
trabalhadores de modo a contemplar novas prioridades e
alternativas que impactem as suas condições de trabalho
e de existência (KUENZER e GRABOWSKI, 2006)

Articulação dos órgãos públicos estatais e das instituições


formadoras

Um dos grandes desafios a ser enfrentado pelo go-


verno e pela sociedade civil é a construção de uma pro-
posta de gestão da educação profissional que seja capaz
de envolver todos os segmentos sociais e organizar ins-
tâncias e espaços públicos de discussão e deliberação
que superem a fragmentação existente e produzam re-
sultados socialmente reconhecidos no que tange à quali-
ficação dos que vivem do trabalho.
No âmbito conceitual, a educação profissional deve
estar integrada à educação básica e articulada à educa-
ção superior. Desta premissa decorre uma conseqüência
52 KUENZER, Acacia Zeneida • As políticas de educação...

inevitável no caso da educação profissional brasileira,


considerando a dualidade, a fragmentação e a desigual-
dade das ofertas: é imprescindível que se mantenham
consolidados níveis de articulação e integração para que
se possa ter conseqüência política e efetividade social, o
que implica em articulação das políticas, dos órgãos pú-
blicos estatais, das escolas nos âmbitos federal, estadual
e municipal e dos sistemas e redes de educação profis-
sional.
Como apontam Kuenzer (2007) e Kuenzer e Grabo-
wski (2006), a gestão da educação profissional no Brasil
está sob a responsabilidade de vários órgãos federais. A
rede de escolas técnicas está sob a responsabilidade do
Ministério da Educação (MEC); a formação dos traba-
lhadores, através do Programa Nacional de Qualificação
(PNQ) está sob a égide do Ministério do Trabalho e Em-
prego (MTE); a educação do campo está dividida entre o
MEC e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)
por meio do PRONERA; ao Ministério da Ciência e Tec-
nologia está afeta toda a política de formação tecnológi-
ca do país e os nove Sistemas “S” estão afetos ao Minis-
tério da Agricultura (SENAR), Ministério da Indústria e
Comércio (SEBRAE), Ministério da Ação Social (SESI e
SESC), Ministério do Trabalho (SENAI e SENAC), além
do Pró-jovem, que vincula-se à Secretaria Geral do Go-
verno.
Este conjunto de órgãos de governo, que possui res-
ponsabilidades específicas na esfera federal, seja coor-
denando políticas, programas, ações, redes de escolas,
centros de formação ou sistemas de formação profissio-
nal, demanda articulação interna. Há evidente fragmen-
tação dentro do próprio governo a exigir um nível de or-
ganização, articulação, coordenação e gestão pública das
políticas e dos programas de educação profissional em
âmbito nacional.
Trajetórias e processos de ensinar e aprender: políticas e tecnologias 53

Ao considerar estratégica para o país a formulação


e a execução de políticas públicas de educação profissio-
nal, cabe ao governo definir as esferas de competência
relativas à coordenação, articulação e supervisão das di-
versas iniciativas, demandas, redes, programas e ações
existentes no país, buscando construir organicidade en-
tre as diversas ações de educação profissional, atualmen-
te dispersas, através de programas que se realizam por
uma multiciplicidade de órgãos públicos, instituições
privadas e organizações não governamentais, de modo a
assumir o Estado sua função reguladora nessa área.
Do mesmo modo, a educação profissional realiza-
se, atualmente, através de uma vasta rede diferenciada,
composta por inúmeras instituições, que abrangem es-
colas de ensino médio e técnico, universidades e demais
instituições de ensino superior, Sistema S, escolas e cen-
tros mantidos por sindicatos, escolas e fundações empre-
sariais, cursos promovidos por organizações não-governa-
mentais, ensino profissional e regular livre, centros de
formação em línguas, centros de formação de condutores
e inúmeros outros espaços. O que tem caracterizado his-
toricamente esta oferta diversificada é a falta de organi-
cidade entre estas múltiplas redes, e entre elas e o siste-
ma público de geração de emprego e renda, sem o que a
educação profissional perde o sentido.

Destinação de recursos que assegure a estabilidade dos


programas de educação profissional.

Grabowski, em seus estudos, mostra que não há, na


legislação do Estado brasileiro, a responsabilidade cons-
titucional ou legal de financiamento da educação profis-
sional, ou seja, ao contrário dos diversos níveis educa-
cionais que possuem, inclusive, recursos vinculados ou
fundos de manutenção e desenvolvimento, a educação
54 KUENZER, Acacia Zeneida • As políticas de educação...

profissional permanece sem garantia e sem destinação


de recursos próprios necessários para a sua consecução,
dependendo, anualmente, das dotações orçamentárias
ou de programas especiais financiados através de convê-
nios internacionais, como o PROEP. (2004)
Ao mesmo tempo, integrando as políticas de edu-
cação e o Sistema Nacional de Educação, há que definir
uma política de Estado, tendo em vista a certificação,
uma vez que esta não pode ser delegada a organismos
privados independentes ou mesmo ao mercado, sob pena
de fomentar-se uma nova indústria de certificados, que
sobreponha os interesses mercantis aos interesses públi-
cos na esfera da educação profissional.

Educação profissional como política de Estado, realizada


nos espaços públicos

Há, finalmente, que resgatar o caráter público esta-


tal da educação profissional, enquanto resultado de uma
política de Estado. A educação, como direito fundamen-
tal, é responsabilidade do Estado, que deve assegurar
oferta pública com qualidade. Embora se reconheçam os
limites do Estado na sociedade capitalista, e o papel ne-
les exercido pela sociedade civil, através da participação
dos diferentes sujeitos sociais, interessados na formação
para e no trabalho, é competência do Estado a articu-
lação do processo de discussão, formulação e execução
das políticas públicas de educação para os que vivem do
trabalho, na perspectiva de sua emancipação, integrada
a um projeto de fortalecimento nacional.
Para tanto, cabe à sociedade civil, através dos seus
movimentos organizados e instâncias de representação
dos interesses contraditórios em jogo, instar permanen-
temente o Estado a cumprir não apenas um papel de
coordenador das políticas, mas através das instâncias
Trajetórias e processos de ensinar e aprender: políticas e tecnologias 55

democráticas constituídas, organizar os processos de re-


gulação da oferta pública de educação profissional, cons-
truindo socialmente as normas, preservando a qualidade
da educação ofertada e assegurando conteúdos de inte-
resse coletivo, já que as leis e reformas não são naturais,
mas refletem um projeto de sociedade que se define a
partir de uma dada correlação de forças, em que a classe
que vive do trabalho, dadas as características do modo
de produção capitalista, tende a ser sempre perdedora.

Referências

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SANFELICE, J.L.; LOMBARDI,J .C. (Org.). Capitalismo,
trabalho e educação. 3. ed. Campinas: Autores Associados,
p. 35 a 44, 2005.
CONTRERAS, J. A autonomia de professores. São Paulo:
Cortez, 2002.
GRABOWSKI G. Outra educação profissional é
(impossível)? Porto Alegre: PPGE/UFRGS, Dissertação
de mestrado, 2004.
GRAMSCI A. Os intelectuais e a organização da cultura.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
KUENZER, A. A educação profissional nos anos 2000:
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_________. Da dualidade assumida à dualidade negada: o
discurso da flexibilização justifica a inclusão excludente.
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KUENZER e GRABOWSKI Educação Profissional:
pressupostos para a construção de um projeto para os
que vivem do trabalho. Perspectiva. Florianópolis, UFSC
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OLIVEIRA, A . Marx e a exclusão. Pelotas: Seiva, 2004.
SHÖN, D. Educando o Profissional Reflexivo: um novo
56 KUENZER, Acacia Zeneida • As políticas de educação...

design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre:


Artmed Editora, 2000.

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