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Rui Sousa*
Palavras-chave
Resumo
O problema relacionado com as delicadas relações entre a prática do jogo e a norma vigente
em Portugal conheceu diversas etapas, até que, pouco depois do golpe militar de 1926,
começou a discutir-se a necessidade de uma regulamentação do assunto que, por um lado,
respondesse de modo mais inteligente à evidente incapacidade de repressão efectiva da
actividade e, por outro lado, conduzisse ao aproveitamento de novas fontes de receita tendo
em vista a dinamização do turismo nacional, nova vertente de um projecto de divulgação do
país no estrangeiro. Num artigo publicado no Diário de Notícias a 26 de Abril de 1926, o poeta
procurou racionalizar o assunto de acordo com alguns elementos constantes no seu
pensamento. Este artigo pretende enquadrar o contributo de Pessoa no contexto de uma
proposta experimental da regulamentação, que suscitou discussão nos jornais. Apresentam-
se ainda outros documentos relevantes para a compreensão do impacto e amplo rasto da
regulamentação de Dezembro de 1927 e também para uma mais ampla inscrição de Pessoa
no assunto geral dos casinos e do turismo português.
Keywords
Abstract
The problem related with the delicate relationships between the practice of gambling and the
norm in force in Portugal had several stages until, shortly after the military coup of 1926,
discussions began on the need for a regulation of the matter which, on the one hand, would
respond more intelligently to the evident inability to effectively suppress the activity and, on
the other hand, would lead to the use of new sources of revenue with a view to boosting
national tourism, a new aspect of a project to make the country known abroad. In an article
published in Diário de Notícias on 26 April 1926, the poet sought to rationalise the subject
according to some elements in his thinking. This article aims at framing Pessoa’s contribution
in the context of an experimental proposal of the regulation, which provoked discussion in
the newspapers. Other documents relevant to the understanding of the impact and broad
trail of the December 1927 regulation are also presented, as well as for a wider inscription of
Pessoa in the general subject of casinos and Portuguese tourism.
A publicação do Decreto n.º 14.463, de 3 de dezembro de 1927, veio pôr termo, em Portugal,
a uma tradição já secular de proibição do jogo. Com efeito, dispunha o Código Civil de 1867,
que “o contracto de jogo não é permitido como meio de adquirir”. Ademais, também o
Código Penal de 1886 criminalizava a atividade de exploração de jogo, a profissão de jogador
e o jogo ocasional.
Não é necessário revolver toda a legislação portuguesa para se ficar firme na convicção de
que foi sempre baldado o esfôrço no sentido de reprimir em Portugal o jôgo de fortuna ou azar.
Houve sempre uma proibição legal expressa, a par do jogo campeando nas praias nas termas
e até nas cidades, como Lisboa e Porto.
Afigurou-se aos poderes constituídos a necessidade de regulamentar o jôgo, como sendo o
meio de reduzir ao mínimo os abusos que se estavam cometendo e várias tentativas que se
esboçaram nesse sentido.
(DECRETO LEI, N.º 14:463)
Em Portugal, foi assim também, ainda que a transformação de mentalidades fosse lenta, pelas
razões da cultura e pelas razões do regime. A legislação penal abandonou o tom paternalista
do Código de 1886, e há muito que os jogadores se deixaram de punir como vadios. Também
a lei fiscal se aligeirou no conteúdo, admitiu o jogo como factor de desenvolvimento, ainda
que continue a fazê-lo com a reserva mental, a suspeição e o desfavor de outros tempos: é
assim porque a lei ainda hoje assenta largamente em textos dos anos vinte e porque a
Revolução de 74 contribuiu para a manutenção de discriminações inspiradas na ética de
trabalho socialista.
(VASQUES, 1999: 198-199)
A controvérsia dos jogos de fortuna ou azar não se reduz a uma dimensão ética, objecto de
condenação como um vício infamante e desonroso segundo a filosofia religiosa da
culpabilidade. Ela assume perfis de uma imbrincada questão situada na intercessão de várias
áreas com implicações de diversa ordem – o direito penal, a casuística religiosa, as ciências
exactas as convenções sociais.
(VAQUINHAS, 2006: 13-14)
mesmo modo, será importante uma mais ampla pesquisa nos jornais da época, em
busca de outras notícias e propostas relacionadas com o repto do Ministro do
Interior, nas quais talvez se consiga traçar com tintas mais densas o rasto da
intertextualidade do contributo pessoano. Sobretudo, é todo o contexto da década
de 1920 no percurso biográfico, interventivo e criador de Pessoa que se encontra em
parte por (re) escrever e repensar, com a certeza de que a atenção ao quotidiano
jornalístico do tempo é fulcral, dada a crescente centralidade que a imprensa
adquiriu na formação quotidiana dos homens do século XX.
ANEXO 1
BNP/E3, 124-66r a 70v
A regulamentação do jogo
As verdadeiras bases do problema – simplicidade da sua solução
***
***
***
***
Se, porêm, o jogo é um vicio da natureza de uma excitação (se é que uma
simples excitação é em si mesma vicio, e o não é apenas em seus excessos e desvios),
então o problema é outro. É aqui que aparece, ou póde aparecer, o criterio de
regulamentação.
Partindo do principio (aliás discutivel) de que o Estado tem uma função
moral positiva, e não simplesmente negativa, cumpre-lhe, nesta hipótese,
regulamentar o jogo, isto é, restringir as condições do seu exercicio. Mas em que
fundamentos deve assentar essa <regulamentação?> restrição?
Se o jogo é (como é nesta hipótese) em si mesmo um mal, deve restringir-se o
seu exercicio de modo que (1) se evite que os espiritos debeis caiam sob a sua
influencia; (2) se evite que se multipliquem desmedidamente os lugares onde se
jogue; e (3) se evite que seja a unica diversão possivel, para que qualquer criatura,
que queira divertir-se, não seja como que obrigada a divertir-se déssa maneira.
Dos espiritos debeis, uns – os jogadores insaciaveis – são, como os insaciaveis
de outras espécies, inatingiveis pela lei; o jogador-nato ha de jogar ainda que a lei
estabeleça a pena de morte para quem jogue. Outros debeis – os que por sugestão se
convertem em jogadores incorrigiveis – tambem não póde a lei <defender> [↑
resguardar], pois não há <signa>/sinal\ exterior, designavel, pelo qual, se possam
conhecer. Só a uma espécie de debeis póde a lei dar protecção, porque ha uma
maneira de conhecê-los: são os que são debeis por aquela imperfeita formação do
espirito que resulta da sua pouca idade. A regulamentação do jogo deve, pois,
proibi-lo aos menores.
Para evitar a multiplicação desmedida de casas de jogo, ha [↑ só] um processo
– o de considerar a industria do jogo como uma industria de luxo, e assim estabelecer
um capital minimo elevado para as empresas que a pretendam exercer.
Para o terceiro problema – evitar que o jogo seja o único divertimento
acessivel – ha dois processos conjuntos a empregar – o obrigar as casas de jogo a
terem outras diversões <– restaurante, cabaret, etc. –> alêm do proprio jogo; e o
permitir o jogo só nos grandes centros, isto é, nas grandes cidades, ainda que, talvez,
mas episodicamente, tambem se permitisse nas praias e estancias de aguas, que se
tornam, em certo modo, “grandes centros” nos mêses da sua frequência.
Entendamo-nos bem: se a aldeia de Paio Pires 1 (sem ofensa) não tiver
animatografo, nem teatro, nem nenhum outro elemento de distr[↑a]cção, será um
crime social instalar alí um casino de jogo, porisso que, constituindo êsse casino o
único fóco de atracção, desde logo se tornará o jogo o unico divertimento, o
divertimento obrigatorio, déssa aldeia. Numa cidade, porêm, em que são varias as
diversões, e a propria vida movimentada é, em certo modo, um entretimento, não
ha mal algum que se abram casinos sobre casinos, porque não constituem, nem
podem constituir, fócos únicos de atracção. Quero dizer, para o <o>/i\ndividuo
capaz de raciocinar, este problema tem uma solução natural inteiramente ás avessas
daquela que <tem salpicado de varios conteudos de *orande que se teem vasculhado
sobre o assunto.> [↑ muitos lhe teem dado]. Longe de se não dever jogar nas grandes
cidades, é precisamente só nas grandes cidades que se deve jogar.
***
FERNANDO PESSOA
1 É de notar que, apesar de parecer aleatória, a escolha da aldeia de Paio Pires como exemplo de um
local de escala reduzida e potencialmente perturbável pelos excessos que uma actividade como o jogo
poderia trazer antecipa um outro recurso público importante ao local. No texto O Provincianismo
Português, publicado no Notícias Ilustrado de 12 de Agosto de 1928, Pessoa caracteriza a manifestação
literária de um quadro mental provinciano através da seguinte menção a A Relíquia, de Eça de
Queirós: “O exemplo mais flagrante do provincianismo português é Eça de Queirós. É o exemplo
mais flagrante porque foi o escritor português que mais se preocupou (como todos os provincianos)
em ser civilizado. As suas tentativas de ironia aterram não só pelo grau de falência, senão também
pela inconsciência dela. Neste capítulo, A Relíquia, Paio Pires a falar francês, é um documento
doloroso” (PESSOA, 2020: 95). Percebe-se em parte a semelhança das duas menções, relacionadas com
a intenção de se transferir para um espaço de província geográfica e cultural marcos característicos
de um outro padrão civilizacional típico das grandes capitais nas quais, salienta Pessoa, faria mais
sentido a instalação de um casino.
ANEXO 2
DN, 26-04-1927
A regulamentação do jogo
As verdadeiras bases do problema – simplicidade da sua solução
***
***
***
***
Se, porém, o jogo é um vicio da natureza de uma excitação (se é que uma
simples excitação é em si mesma vicio, e o não é apenas em seus excessos e desvios),
então o problema é outro. É aqui que aparece, ou pode aparecer, o criterio de
regulamentação.
Partindo do principio (aliás discutivel) de que o Estado tem uma função
moral positiva, e não simplesmente negativa, cumpre-lhe, nesta hipotese,
regulamentar o jogo, isto é, restringir as condições do seu exercicio. Mas em que
fundamentos deve assentar essa restrição?
Se o jogo é (como é nesta hipótese) em si mesmo um mal, deve restringir-se o
seu exercicio de modo que (1) se evite que os espíritos debeis caiam sob a sua
influencia; (2) se evite que se multipliquem desmedidamente os lugares onde se
jogue; e (3) se evite que seja a unica diversão possivel, para que qualquer criatura,
que queira divertir-se, não seja como que obrigada a divertir-se dessa maneira.
Dos espiritos debeis, uns – os jogadores insaciaveis – são, como os insaciaveis
de outras especies, inatingiveis pela lei; o jogador-nato há-de jogar ainda que a lei
estabeleça a pena de morte para quem jogue. Outros debeis – os que por sugestão se
convertem em jogadores incorrigiveis – tambem não pode a lei resguardar, pois não
há sinal exterior, designavel, pelo qual, se possam conhecer. Só a uma espécie de
debeis pode a lei dar protecção, porque ha uma maneira de conhecê-los: são os que
são debeis por aquela imperfeita formação do espirito que resulta da sua pouca
idade. A regulamentação do jogo deve, pois, proibi-lo aos menores.
Para evitar a multiplicação desmedida de casas de jogo, ha só um processo –
o de considerar a industria do jogo como uma industria de luxo, e assim estabelecer
um capital minimo elevado para as empresas que a pretendam exercer.
Para o terceiro problema – evitar que o jogo seja o único divertimento
acessivel – ha dois processos conjuntos a empregar – o obrigar as casas de jogo a
terem outras diversões além do proprio jogo; e «o permitir o jogo só nos grandes
centros, isto é, nas grandes cidades», ainda que, talvez, mas episodicamente,
tambem se permitisse nas praias e estancias de aguas, que se tornam, em certo modo,
«grandes centros» nos meses da sua frequência.
Entendamo-nos bem: se a aldeia de Paio Pires (sem ofensa) não tiver
animatografo, nem teatro, nem nenhum outro elemento de distracção, será um crime
social instalar ali um casino de jogo, por isso que, constituindo esse casino o único
foco de atracção, desde logo se tornará o jogo o unico divertimento, «o divertimento
obrigatório», dessa aldeia. Numa cidade, porém, em que são varias as diversões, e a
propria vida movimentada é, em certo modo, um entretenimento, não ha mal algum
que se abram casinos sobre casinos, porque não constituem, nem podem constituir,
focos «unicos» de atracção. Quero dizer, para o individuo capaz de raciocinar, este
problema tem uma solução natural inteiramente ás avessas daquela que muitos lhe
têm dado. Longe de se não dever jogar nas grandes cidades, «é precisamente só nas
grandes cidades que se deve jogar».
***
ANEXO 3
DN, 01-08-1926
A situação politica
ANEXO 4
DN, 03-04-1927
Regulamentação do jogo
O ante-projecto elaborado pelo sr. Ministro do Interior
Como será permitido o jogo de azar e como serão aplicadas as receitas dele
provenientes
Considerando que o jogo de azar tomou entre nós, como – afinal – em todos
os (sic) quasi todos os paises civilizados, proporções que mais convem vigiar de
perto e atentamente do que reprimir com violencia, e com tanta mais razão quanto
é certo que o passado nos deve ter convencido da quasi ineficácia da repressão;
Considerando que semelhante resultado só tem contribuido para a criação de
situações sempre despretigiosas do Poder;
Considerando que se imoralidade é o jogo de azar, bem mais imoral e até
perigosa deve considerar-se a tolerancia em que se tem vivido, pois que pode ser
considerado como uma pactuação deprimente para o Estado perante exigencias ou
interesses ilegitimos;
Considerando que o Governo, sujeitando o jogo de azar a disposições
regulamentares e legais, contribuirá para a protecção e defesa áqueles que, pela sua
idade e estados de inteligencia, devem ser defendidos dos seus resultados quasi
sempre funestos;
Considerando que muitos indivíduos ha que, pelas suas funções, se acham
intimamente relacionados a interesses de outros, do Estado e até com o prestigio
dêste como encarregados da execução das Leis;
Considerando que uma vez defendidas estas pessoas, os perigos do jogo
resultarão muito diminuidos e atenuados;
Considerando ainda que seria indesculpavel neglicencia consentir a
exploração duma industria altamente lucrativa, sem que o Estado dela auferisse as
receitas correspondentes a esses lucros, quando é certo que tributa outras menos
rendosas e mais legitimas;
Considerando que em outros paises, não menos civilizados e moralizadores
do que o nosso – mas, sem duvida, mais praticos – se tem regulamentado o jogo de
Ante-projecto
CAPITULO I
§ unico. A classificação a que se refere este artigo será feita por decreto,
mediante informação fundamentada da Repartição de Inspecção e Fiscalização de
Jogos.
Art. 7.º A autorização para o exercicio da industria do jogo de azar só poderá
ser conferida a cidadãos portugueses.
Art.8.º O decreto em que se conceda a licença conterá:
1.º Nome ou firma do requerente;
2.º Determinação da região ou localidade;
3.º Especificação das obras ou modificações a realizar;
4.º Prazo em que as obras ou modificações devem ser feitas;
5.º Declaração de que a licença é intransmissivel sem prévia autorização
ministerial;
6.º Aprovação do regulamento interno a que se refere o artigo 4.º n.º 3.º
7.º Determinação da importancia que fôr arbitrada como caução;
8.º E as demais condições que o Governo entenda impor aos requerentes.
CAPITULO II
Dos estabelecimentos do jogo de azar
CAPITULO III
Das receitas do Estado
CAPITULO IV
Das pessoas que não podem jogar
CAPITULO V
Da distribuição das receitas do jogo
Art. 36.º As receitas provenientes do jogo de azar e das multas que, por
virtude desta lei, sejam aplicadas, deduzidas as despesas de inspecção e fiscalização,
terão a seguinte distribuição:
1.º 40% para as comissões de turismo das respectivas regiões ou localidades;
CAPITULO VI
Da administração e pessoal dos casinos
CAPITULO VII
Da repartição de Inspecção e fiscalização de jogos
CAPITULO VIII
Do jogo de azar clandestino
CAPITULO IX
Dos pequenos jogos de azar
Art. 51.º Os pequenos jogos de azar, tais como: rifas, tombolas, sorteios, etc.,
ficarão dependentes de regulamento especial a elaborar pelo ministerio do Interior.
CAPITULO X
Disposições transitorias
Art. 52.º Os casinos já existentes a que venham a ser concedidas licenças para
o exercicio do jogo de azar deverão, dentro do prazo que lhes fôr marcado, construir
hoteis de primeira classe e nas condições que lhes forem impostas pelo decreto em
que forem concedidas essas licenças.
Art. 53.º Quando na região ou localidade haja mais que um casino com licença
para exercer a industria do jogo de azar, poderão consertar-se para a construção de
um hotel unico, mas, neste caso, de modo a poder satisfazer as necessidades
consideradas indispensaveis.
Art. 54.º O ministerio do Interior elaborará os regulamentos necessarios á
execução desta lei.
Art. 55.º Fica revogada a legislação em contrario.
ANEXO 5
DN, 08-04-1927
A questão do jogo
ANEXO 6
DN, 21-04-1927
A questão do jogo
Uma representação dos casinos de Lisboa ao sr. ministro do Interior
Pelas empresas dos Grandes Casinos de Lisboa foi entregue ao sr. ministro do
Interior a seguinte representação:
«Ex.mo Sr. ministro do Interior. – Tornou V. Ex.ª publico, por intermedio da
imprensa, um ante-projecto de regulamentação de jogo, manifestando o desejo, que
sobremaneira o honra como homem de Estado, de ouvir sobre ele as opiniões dos
interessados e do publico em geral, antes de o transformar em lei do País.
Os abaixo assinados, como proprietarios de casinos onde a industria do jogo
poderá vir a ser exercida e portanto directamente interessados em que a sua
regulamentação venha a ser decretada em bases praticas, aproveitam assim o ensejo,
que V. Ex.ª localmente lhes oferece, para lhe dizerem o que, sobre o assunto, a
experiencia lhes tem ensinado.
Asseguram a V. Ex.ª que, se lhes não é licito descurar a defesa dos seus justos
interesses e dos grandes capitais que têm imobilizados, não é apenas essa defesa que
os move, antes estão absolutamente dispostos a fazer todos os sacrificios
comportaveis para que a lei da regulamentação resulte uma medida de largo alcance
economico para o Pais, sem que ao mesmo tempo o Estado tenha de sacrificar o que
legitimamente possa pedir á nova industria que vai regulamentar.
É nesta orientação que vão apresentar a V. Ex.ª alguns pequenos reparos que
o seu ante-projecto lhes sugere.
Se bem compreenderam o pensamento de V. Ex.ª, as directrizes gerais a que
obedeceu o seu ante-projecto foram as seguintes:
1.º Acabar com a situação deprimente para todos, e para a propria lei, que
resultava do antagonismo irredutivel entre as disposições legais em vigor e um
habito sancionado pela tolerancia mais ou menos franca de todos os governos e de
todas as autoridades.
2.º Acompanhar a orientação de todos os povos cultos, cujos dirigentes
acabaram por compreender que o jogo, constituindo uma distracção absolutamente
impossivel de reprimir, representa, quando bem regulamentado e fiscalizado não só
uma fonte de receita muito aproveitavel, mas tambem, e acima de tudo, um meio
absolutamente indispensavel para atrair e espalhar na economia dum País a massa
formidavel de capitais que o desenvolvimento do turismo hoje em dia mobiliza.
3.º Transformar o exercicio duma prática ilicita e cuja existencia os poderes
publicos fingiam ignorar, numa industria exercida á luz do Sol e sujeita aos rigores
duma fiscalização á sombra da qual todos os abusos se tornarão impossiveis.
4.º Mercê dessa fiscalização, limitar fortemente o numero das pessoas ás quais
o jogo fica sendo permitido, excluindo todos aqueles que, ou pela sua idade ou pela
natureza de funções que exercem, possam ser levados a transformar a simples
distracção, que o jogo representa, na prática de quaisquer actos irregulares.
Obter para o Estado uma receita que o exercicio da industria comporte,
colocando-a assim em condições analogas ás de todas as outras industrias.
Se estes foram, de facto, como os signatarios supõem, os topicos principais
que levaram V. Ex.ª á elaboração do seu ante-projecto, começam por dizer-lhe que
se declaram em absoluto acôrdo com todos eles, o que significa que nada têm a opôr
á economia geral do ante-projecto.
Unicamente, em certos pontos de detalhe, para os quais vão muito
respeitosamente chamar a atenção de V. Ex.ª, lhes parece que seria necessario
introduzir algumas modificações que, longe de afectarem a estrutura geral do ante-
projecto, melhor se adaptarão até ao pensamento de V. Ex.ª, cujas directrizes os
signatarios julgam ter anteriormente sintetisado.
Analisando o projecto, artigo por artigo, terão os signatarios ocasião de ir
dizendo a V. Ex.ª quais são os detalhes em que lhes parece necessario introduzir
certas modificações.
Sobre o artigo 5.º, permitem-se observar a V. Ex.ª o seguinte:
A caução aí estabelecida tem por fim garantir o pagamento das multas ou a
realização das obras que tenham sido requeridas.
Para o primeiro fim, e salvo o devido respeito, a caução não parece aos
signatarios precisa, por isso que, e nos termos da lei geral, todo o activo das
empresas responde pelo pagamento das multas que vierem a ser-lhes impostas.
Ora o activo das empresas proprietarias de casinos, ainda mesmo que o
imovel lhes não pertença, é forçosamente assás elevado para responder sempre pelo
pagamento de multas que em nenhum dos casos em que são previstas (artigos 26.º,
§ 2.º do artigo 28.º, 30.º e 34.º) excedem dez mil escudos. O deposito duma caução
em dinheiro para garantir as multas representaria, pois, uma inutil imobilização de
capital e encurtaria, portanto, os limites de tributação das empresas concessionarias
sem proveito para o Estado.
Tambem não parece aos signatarios necessaria a caução em dinheiro para
garantir a efectivação de obras requeridas, por isso que os artigos 12.º a 16.º do
projecto sujeitam tais obras a uma vistoria que poderá aprová-las ou fazê-las
modificar, ficando a concessão ou manutenção da licença, conforme se trate de
casinos novos ou de obras em casinos já existentes, dependente dessa vistoria. Se as
obras, pois, não forem aprovadas, a sanção estará na recusa ou na retirada da licença,
sem necessidade de impor outra penalidade a quem nada aproveitou nem pode
aproveitar com a falta ou êrro cometidos, que só a ele prejudicavam.
Pelas razões que ficam aduzidas, os signatários proporiam a supressão do n.º
7.º do artigo 8.º, em que se determina que o Governo fixará a caução a depositar.
Sobre o artigo 12.º, parece-lhes justo que se esclareça que a comissão só poderá
mandar modificar as obras feitas quando elas não estejam de acôrdo com o projecto
préviamente apresentado.
É realmente de toda a justiça que não possam mandar-se modificar obras
realizadas segundo um projecto previamente aprovado pelo Governo, desde que as
mencionadas obras dele se não tenham afastado. Se o projecto não fôr julgado bom,
ao ser apresentado, o Governo tem todo o direito de o rejeitar e de exigir outro com
as modificações que entender.
Mas aprovado definitivamente um projecto não faz sentido que possam
mandar-se modificar, ou mesmo rejeitar, obras que previamente foram aceitas e
aprovadas.
A comissão a que se refere o art.º 12.º deve ficar o direito de não considerar
qualquer casino já existente, quando o vistoriar nos termos do art. 16.º, em condições
de nele se poder jogar, sendo-lhe nesse caso negada a licença enquanto não fizer as
obras ou modificações que a comissão indicar.
Mas tratando-se de novas construções ou de modificações em construções
existentes, propõem os signatarios que, sendo obrigatoria a apresentação dum
projecto previo, o direito que a comissão tem, de rejeitar ou mandar alterar as obras
feitas, deve ficar restrito ao caso em que eles se não encontrem de acordo com o
projecto previamente aprovado.
Sobre o art. 15.º ponderam os signatarios a V. Ex.ª parecer-lhes conveniente
que a redacção deste artigo seja esclarecido de forma a evitar duvidas futuras. É 4
certamente ideia de V. Ex.ª que as salas de jogo dentro dos casinos estejam dispostas
de forma que nem seja obrigatorio passar por elas nem sejam vistas pelas pessoas
que desejem vêr jogar. Mas certamente não é pensamento de V. Ex.ª que entre as
salas de jogo e o resto dos casinos não haja qualquer comunicação permitindo aos
frequentadores dos casinos, quando nelas quizerem entrar, o poderem fazê-lo.
Ora a expressão «completamente independentes» que se encontra no
mencionado artigo 15.º poderia de futuro levar a fiscalização a entender que as salas
de jogo deviam estar absolutamente separadas e isoladas dos casinos, nem podendo
mesmo fazer parte do edificio.
Para evitar estas possiveis duvidas futuras é que os signatarios pedem a V.
Ex.ª que na redacção do artigo 15.º se substitua a expressão «completamente
independentes das outras», por esta: «não devem constituir passagem forçada para
as pessoas que frequentem os casinos», mantendo-se o resto da redacção do artigo.
O art. 23.º determina que os jogadores requisitem as fichas ao fiscal do
Governo. Os signatarios nada têm que opôr a esta disposição mas consideram
indispensavel que o fiscal tenha alguns ajudantes que possam estar juntos das
bancas a fim de fornecerem fichas aos jogadores quando estes delas precisem. Um
único «guichet» de compra de fichas numa sala em que possam estar funcionando
simultaneamente numerosas bancas, tornaria excessivamente moroso o serviço e
forçaria os jogadores a formar bicha junto do «guichet». Tudo se evitará desde que
o fiscal tenha um ou mais ajudantes junto de cada um dos encarregados de vender
fichas aos que lhas requisitem. Se V. Ex.ª entender que a existencia destes ajudantes
do fiscal acarretaria um aumento de despesa, os signatarios declaram-se prontos a
fornecer pessoal seu que adquira as fichas ao fiscal, podendo em seguida revendê-
las aos jogadores junto das bancas. O unico fim dos signatarios, ao fazerem a V. Ex.ª
esta indicação e este pedido, é o de tornar facil o movimento dos trocos, declarando-
se pois de acordo com todas as soluções que permitam acrescentar ao «guichet» fixo
de trocos a venda movel de fichas junto das bancas.
Os signatarios afirmam a V. Ex.ª não compreender a razão que o determinou
o incluir no seu anterior projecto o art.º 28.º e seus §, tornando obrigatoria a troca
das fichas no final de cada sessão, considerando sem valor as que não forem trocadas
no proprio dia, e punindo como passadores de moeda falsa aqueles que as fizerem
circular depois desse dia.
Pela propria gravidade das sanções impostas são os signatarios levados a
pensar que V. Ex.ª viu qualquer perigo de fraude no facto de não serem as fichas
trocadas por dinheiro no final de cada sessão.
Por mais que procurem confessam os signatarios não compreender como é
que qualquer fraude poderia resultar na demora da troca das fichas.
Estas ultimas são privativas de cada casino, de forma a distinguirem-se das
de qualquer outro e préviamente marcadas pela Repartição de Inspecção e
Fiscalização de Jogos (art. 23.º).
Constituem pois uma autentica moeda privativa das salas de jogo de cada
casino, e trocável á vista contra dinheiro, visto que só contra dinheiro o fiscal do
Estado, seu único depositario, as pode entregar.
Que inconveniente poderia neste caso resultar do facto de algumas fichas não
serem trocadas no proprio dia e serem-no no dia seguinte ou seguintes?
O fiscal não encontraria no fim do dia todas as fichas que entregára no começo
dêle?
Sobrar-lhe-ia dinheiro em troca.
No dia seguinte em compensação aparecer-lhe-iam mais fichas para trocar do
que as que entregára no começo do dia. A diferença consistiria precisamente nas
fichas trocadas a menos na vespera. Que mal poderia advir daí?
O unico seria, ao que parece, o de ser o fiscal obrigado a guardar de um dia
para o outro certa quantidade de dinheiro correspondente ás fichas não trocadas.
Mas como o fiscal não poderá deixar de ter em cada casino um cofre seu, em que
possa guardar pelo menos as fichas de que é depositario, o mal resultante da guarda
de certas quantias em dinheiro não poderá ter a menor importancia.
pessoal dum casino, nunca pode haver a certeza de que uma ovelha ranhosa se não
infiltrou no rebanho. É 5 de toda a justiça que esta ovelha ranhosa, se aparecer, seja
imediatamente punida com as penas mais severas. Mas representaria a mais
flagrante das injustiças que atrás dela e punidos com a pena da ruina imediata e
total, fôssem tambem aqueles que tinham sido afinal os primeiros burlados.
Preceitua o artigo 32.º que as sessões de jogo durem das 13 ás 3 com intervalo
das 19 ás 21.
Os signatarios ponderam a V. Ex.ª que não ha vantagem em contrariar certos
habitos inveterados em muitos daqueles que cultivam o prazer do jogo e que,
sobretudo nos grandes centros, nem começam a jogar ás 13 horas nem gostam de
recolher ás 3. Não haveria inconveniente em que se estabelecesse que as sessões de
jogo pudessem funcionar enquanto os casinos estiverem abertos, excluindo apenas
o periodo que vai das 7 ás 10 horas. Tratando-se da exploração duma industria que
vai ser fortemente tributada e sendo os casinos frequentados por diferentes
categorias de pessoas, entre as quais existem habitos muito diferentes, a restrição
das horas tornar-se-ia uma diminuição de receitas sem proveito para ninguem.
Os signatarios chamam a atenção de V. Ex.ª para a redacção, em que lhes
parece haver engano, dos n.ºs 8.º e 9.º do artigo 33.º, que proíbem a entrada nas salas
do jogo não só aos proprietarios e empregados das casas, mas até aos funcionarios
encarregados da fiscalização. A intenção de V. Ex.ª foi naturalmente a de proibir ás
pessoas indicadas nesses dois numeros do artigo 33.º, que jogassem, mas não que
entrassem nas salas de jogo, onde sem eles nem jogo poderia haver. Nada têm os
signatarios que opôr á proibição de jogar imposta a essas pessoas mas chamam a
atenção de V. Ex.ª para qualquer gralha tipografica que escapou á revisão e que
mudou completamente o que decerto estava na intenção de V. Ex.ª decretar.
Sobre a materia dos artigos 34.º e 35.º, julgam os signatarios dever dizer a V.
Ex.ª o seguinte:
Acham perfeitamente justas as restrições que o artigo 33.º impõe á entrada
nas salas de jogo, e tanto que nenhuma objecção lhe fizeram nem fazem.
Não podem tambem deixar de considerar justo que a lei procure por todas as
formas tornar efectivas as restrições que impõe castigando aqueles que de qualquer
forma a infringem e não procuram eximir-se ao casino se forem eles os infractores.
Mas julgam por isso mesmo necessario que as suas obrigações fiquem claramente
determinadas na lei, de forma que eles fiquem sabendo claramente o que devem e
que não devem fazer.
A lei proíbe a entrada nas salas de jogo a certas categorias de individuos que
são os indicados no artigo 33.º. Como estas categorias de pessoas poderão constar
de quadros colocados á entrada dos casinos e nas proprias salas de jogo, e como de
resto a ignorancia da lei, aliás improvavel no caso presente, não pode aproveitar a
ninguem, é evidente que todo o individuo que, sabendo muito bem não dever entrar
nas salas de jogo, aí consegue por qualquer forma introduzir-se, não pode queixar-
se do castigo que lhe impõe o artigo 35.º, visto que estava na sua mão evitá-lo, não
praticando a infracção.
Tambem é evidente que o proprietário do casino que conscientemente
permitiria a entrada nas salas de jogo a quem nelas não devia entrar, merece ser
punido, e justa é, pois, em tal caso, a sanção que lhe impõe o artigo 34.º do projecto.
Mas se o proprietario do casino tiver sido iludido e poder provar que o foi?
Pensará talvez V. Ex.ª que ao proprietario cumpre não se deixar iludir. Mas
precisamente para isso se torna necessario que a lei lhe diga o que deve fazer para
que ninguem o possa iludir, ou para que, se conseguirem iludi-lo, não possam puni-
lo por uma falta alheia. Evidentemente não pode exigir-se ao proprietario dum
casino que conheça intimamente a vida de cada uma das pessoas que lhe solicitem
entrada nas salas de jogo a ponto de poder ter a certeza de que ela não está incluida
em qualquer das restrições do artigo 33.º, algumas das quais, como por exemplo as
dos n.ºs 6.º e 7.º, são de tal natureza que podem aparecer ou desaparecer dum dia
para o seguinte. O que ha-de então o proprietario fazer para não infringir
involuntariamente a lei caindo sobre a alçada do artigo 34.º?
Entendem os signatarios que a lei deveria estabelecer que a entrada nas salas
de jogo pudesse fazer-se por meio de bilhetes fornecidos pela gerencia do casino ou
com a aparesentação do cartão de identidade do pretendente quando ele o tivesse, e
desde que por ele pudesse conhecer-se que o pretendente não estava incurso nas
restrições do artigo 33.º ou sobre a apresentação de duas pessoas de reconhecida
idoneidade, que garantissem não haver infracção na entrada do pretendente.
Os fiscais do Governo poderiam, de resto, pedir a todos os que encontrassem
nas salas de jogo o seu bilhete de admissão, e desde que nelas encontrassem
qualquer pessoa que nelas não devesse ter entrado, fá-la-iam prender e relegar ao
poder judicial para os efeitos do artigo 35.º, e exigiriam do proprietario do casino a
prova de que o respectivo cartão tinha sido passado com as cautelas anteriormente
indicadas. Se o proprietario do casino não pudesse fazer tal prova, ser-lhe-ia então
aplicada a multa do artigo 34.º, mas se mostrasse que só passara o cartão apreendido
sob a garantia de duas pessoas que lhe tenham afirmado conhecer o requerente e
saber que ele não estava incurso nas restrições do artigo 33.º, nenhuma penalidade
lhe seria aplicada.
Os signatarios pensam que o facto de qualquer pessoa saber que o ser
encontrado numa sala de jogo sem direito a lá entrar lhe acarretará alguns meses de
cadeia, bastará para o impedir de tentar qualquer fraude. Mas a verdade é que, se
alguem, apesar de tudo, quiser correr tal risco, não é justo que seja punido quem
tenha demonstrado ter tomado as possiveis cautelas para o evitar.
simples industria de consumo interno, está muito longe de ter o movimento que se
supõe e de dar os lucros que se lhe atribuem.
Pretender tributá-lo além dos limites, que ele comporta, seria pois uma
medida nitidamente contraproducentes porque tornaria impossivel o jogo regular e
regulamentado, e reduziria zero as receitas possiveis do Estado e só serviria para
restabelecer a situação desprestigiando para todos com que precisamente a
regulamentação procura acabar.
A percentagem fixa de 3% sobre o capital das bancas estabelecida no artigo
17.º é a primeiras das impossibilidades de que os signatarios desejam convencer V.
Ex.ª. Tal percentagem não representaria uma qualquer forma de participação nos
lucros, mas um autentico imposto sobre o capital e de tal elevação que no fim do ano
subiria a 1.096%, isto é, representaria quasi onze vezes a aborpção do proprio capital
sobre que recaia.
Não ha nenhuma industria, por maior que fôsse a sua prosperidade, que
pudesse suportar uma amputação mensal de 90% do seu capital de giro. E a
industria do jogo, que em Portugal vai ser uma industria perfeitamente nova, menos
do que qualquer outra suportaria um tributo que exigiria, por assim dizer, um
capital ilimitado, visto ter de resistir indefinidamente á sua propria auto-destruição.
Como o Estado vai, de resto, compartecipar, sob o mais severo regime
fiscalizador, nos lucros das empresas, V. Ex.ª verá praticamente quanto são
verdadeiras as afirmações dos signatarios e quão longe estão essas empresas de
poder arcar com um imposto indefinido sobre o seu capital de giro.
De resto, para que é preciso taxar o capital se os signatarios se declaram
prontos a dar ao Estado compartecipação sobre todos os seus lucros?
Esses lucros serão grandes? Grande será a receita do Estado. Esses lucros são
e serão menores do que se pensa? O Estado receberá uma importancia menor. Mas
que ganharia o Estado em tal caso, em pretender receber o que a experiencia vai
mostrar que não podiam pagar? Que beneficio lhe adviria do estabelecimento duma
ilusão legal que não poderia praticamente levar senão ao encerramento de todas as
casas que tentassem aguentar com encargos que excedessem as suas fôrças?
Os signatarios entendem, dentro do espirito de perfeita colaboração e
lealdade que tem ditado esta sua representação que V. Exª deve limitar a exigir ás
empresas concessionarias do jogo uma compartecipação razoavel nos seus lucros e
nada mais do que isso, porque mais ninguem poderia honestamente pagar sobre
esta partecipação, o que constitui a materia do artigo 18.º do projecto, entendem
dever dizer a V. Ex.ª o seguinte:
A pertentagem de 15 ou 20% sobre os lucros brutos do jogo é aceitavel, como
limite a atingir num futuro mais ou menos proximo e ainda assim mesmo desde que
seja liquidado não diaria mas trimestralmente. E só por si incomportavel no
momento presente, em que os rendimentos do jogo, como o Estado vai brevemente
poder verificar, são em grande parte absorvidos pelas formidaveis despesas dos
casinos, isto é, vem a ser em grande parte restituidos ao publico que não joga, que,
no entanto, encontra lá dentro confortos e prazeres, luz e alegria, á custa duma
grande parte da percentagem cobrada sobre aqueles que cultivam o prazer do jogo.
É 7 de centenas de contos por mês a despesa media dos grandes casinos de
Lisboa e todo este formidavel peso morto tem de sair dos lucros brutos do jogo
reduzindo, assim, a sua parte liquida a uma percentagem muito modesta em face
dos riscos forçados da industria da enormissima imobilização de capitais que ela
exige.
Se a estes lucros brutos o Estado fôsse desde já buscar 15 ou 20%, pouco
ficaria, se alguma coisa ficasse, para a justa remuneração dos grandes capitais
empatados. E, assim, ficaria o Estado unico senhor real daquilo que representa o
legitimo activo das empresas o dos que nelas entraram com o produto do seu
trabalho.
Significa isto que o Estado não possa vir a cobrar os 15 ou 20%, sobre os lucros
brutos, que desejaria desde já receber? De nenhuma maneira.
A solução do problema está apenas em aceitar o principio de que, sendo as
despesas forçadas dos casinos aproximadamente fixas, quer seja pequeno quer seja
grande o rendimento do jogo, o Estado aceite cobrar uma percentagem variavel e
crescente com o numero de bancas que o desenvolvimento natural e logico da
industria vai permitindo criar, isto é, que o Estado consigne no diploma que vai
promulgar o principio de que tanto maiores serão os lucros «liquidos» daqueles com
quem comparticipa, tanto maior será a sua participação. O numero de bancas que
funcionam nos grandes casinos estrangeiros atingem frequentemente 20 e mais.
Quere isto dizer, que o numero de jogadores permite sustentar vinte e mais bancas
em funcionamento. Quando pelo natural desenvolvimento do turismo estrangeiro,
que a regulamentação do jogo vai fortemente ajudar, os grandes casinos portugueses
possam atingir este numero, justo é que o Estado lhes peça então os 20% a que se
refere o projecto. Mas até esse momento é justo o numero de mesas de jogo que
funcionam dentro de cada casino, com um mínimo de 6% sobre os lucros brutos,
desde que o numero de mesas não exceda 5 e crescendo dai para cima
proporcionalmente na razão de 1% a mais por cada nova banca até ao limite de 20%
para as 20 bancas acima referidas.
Esta liquidação terá de ser feita trimestralmente e não dia a dia por que só
dessa forma representa de facto uma percentagem sobre os lucros das empresas. É 8
isto que os signatarios considerariam justto e equitativo e é isto que julgam
comportavel dentro do actual desenvolvimento do jogo em Portugal, embora se
fixasse um minimo de percentagem que poderia ter de 75 contos trimestrais.
ANEXO 7
DN, 30-04-1927
A questão do jogo
ANEXO 8
DL, 12-04-1927
O Jogo
ANEXO 9
DL, 19-04-1927
O TURISMO
A creação
do novo organismo
de propaganda
e o que nos diz José de Ataide
***
insignificantes. O que nós precisamos é de boas estradas e bons hoteis para atrair o
estrangeiro que necessita das nossas esplendidas aguas e magnifico clima.
—Mas, talvez com a nova repartição de turismo…
—Não compreendo como, ignorando-se absolutamente, a quanto devem
montar as receitas provenientes do jogo, se pensa em criar, á uma, repartições e
organismos, que requerem numeroso pessoal, e cuja manutenção deve sair dos
lucros do jogo.
—No caso das receitas do jogo não bastarem a cobrir as despesas feitas com a
propaganda, resulta daí um novo encargo para o Estado?
—Sim senhor. A propaganda de Portugal no estrangeiro custa muito
dinheiro. Os anuncios, cartazes, livros, e reclamos nos jornais do estrangeiro custam
muito dinheiro.
—E o resultado compensa a despesa feita?
—Olhe, vou mostrar-lhe os anuncios publicados em jornais estrangeiros e
cujo resultado reputo excelente.
Com entusiasmo o nosso entrevistado lê varios oficios de algumas agencias
pedindo informações e esclarecimentos.
—Ha quem diga – perguntamos – que a propaganda feita não tem sido tão
intensa como seria para desejar…
—A culpa não é nossa! Desde 1921 que nos tiraram a autonomia, motivo
porque não podemos fazer o que desejavamos. Concedam-nos autonomia e recursos
que a propaganda se fará convenientemente e sem necessidade de muito pessoal.
Ora o novo organismo que se pretende criar não pode viver com as reduzidas
receitas do jogo.
“Está condenado a uma morte prematura. Os factos, de futuro, o provarão.
—V. ex.ª é contra o jogo?
—Sou contra o novo organismo de propaganda, pelas razões apontadas.
ANEXO 11
(BNP/E3, 137A-29 a 37)
Capitulo primeiro
ARTIGO 5º- As Emprezas que construirem Casinos, nos termos estabelecidos pela
presente lei, gosarão do beneficio de poderem pagar em 10 prestações anuaes,
garantidas por fiador idóneo, os direitos aduaneiros devidos pelo mobiliario,
utensilios e aparelhos destinados á instalação, quando esses artigos não possam ser
nacionais, em egualdade de condições.
----- o -----
Capitulo segundo
ARTIGO 9º. Para os efeitos d’esta lei consideram-se casinos as casas de recreio
dentro<s> das quaes ficam sendo permitidos os jogos a que se referem os artigos
1542, Nº. 2 e 1543 do Código Civil e 264, 265 e 267 do Código Penal. Só podem
funcionar quando munidas as respectivas emprezas de cartas de habilitação,
passadas nos termos da presente lei.
a) Estar instalados em casas mobiladas com todo o luxo e conforto, com entradas
perfeitamente independentes e privativas do casino;
b) Ter, alem das salas de jogo <,>/o\, salas de baile, de musica, de leitura, de bilhar
e de quaesquer outras diversões;
c) Ter restaurant que funcione enquanto funcionar o casino;
d) Ocupar, quando estabelecido em Lisboa, com todas as suas instalações e
dependências, uma área total não inferior a dois mil metros quadrados.
ARTIGO 10º. O minimo de casinos que cada empreza poderá explorar inicialmente
será aquelle que submeter a registo no requerimento para a carta de habilitação.
Desde que, no decurso do periodo de proteção, qualquer das Emprezas habilitadas
deseje construir na mesma localidade um novo casino pode-lo-ha fazer sugeitando-
se inteiramente aos prazos e termos estabelecidos n’esta lei.
----- o -----
Capitulo tereceiro
Da renda ao estado
ARTIGO 12º. Cada casino pagará ao Estado uma renda anual vencida em dôse
prestações mensaes, todsa eguaes e pagas adiantadamente até ao dia 5 de cada mez.
O pagamento efectuar-se-ha até ao dia 5 de cada mez na Inspeção Geral dos Casinos.
ARTIGO 13º. A renda será, dentro de cada concelho, calculada pela totalidade das
contribuições, impostos e verbas destinadas a beneficencia e serviços municipaes
que no ano de 1926 tenham sido pagas pelo casino maior contribuinte do concelho,
acrescida de 50%. Ao cambio de 31 de Dezembro de 1926 será calculada em ouro
essa quantia e assim se estabelecerá essa renda fixa anual, devida em ouro, ou em
moeda corrente ao cambio do ultimo dia de <cada> mês anterior.
ARTIGO 14º. A renda paga pelos casinos ao Estado terá o seguinte destino:–
----- o -----
Capitulo quarto
----- o -----
Capitulo quinto
Dos jogos
ARTIGO 19º. Os jogos autorisados por eta lei são os seguintes: a roleta, a banca
franceza, o monte, o bacarat, o trinta, quarenta e o écarté, alem dos jogos de vaza já
permitidos anteriormente.
ARTIGO 20º. O jogo poderá fazer-se em moeda corrente ou em fichas fornecidas pela
Empreza. O troco das fichas faz-se n’um gichet especial que estará aberto sempre
que funcione o casino.
ARTIGO 22º. Nas salas de jogo estarão bem visíveis as condições de cada um dos
jogos, os minimos e os maximos das paradas, montante <d>/e\ duração das bancas,
horas de abertura e encerramento das salas de jogo, e tudo o mais que for necessario
para que não possam os jogadores alegar desconhecimento do jogo.
ARTIGO 23º. O minimo de cada parada será estabelecido por forma a que não seja
inferior a $20, ouro.
ARTIGO 24º. Todos os empregados das bancas, fiscaes, inspectores e directores das
salas de jogo serão de nacionalidade portugueza. Aos empregados das bancas é
prohibido fazer aos jogadores quaesquer observações ou indicações, salvo no que
seja indispensavel para boa regularidade do jogo e cumprimento das disposições
regulamentares.
ARTIGO 25º. A remuneração dos empregados das bancas é bancas (sic) é fixa e não
podem eles em nenhum caso ter qualquer participação nos lucros do jogo ou da
empreza que servem.
ARTIGO 26º. A entrada nas salas destinadas aos jogos agora permitidos é
expressamente prohibida aos menores e a todos os que exerçam̃ as seguintes
profissões : exactores da Fazenda Publica, tesoureiros, oobradores, assalariados e
tambem aos func<oa>/io\narios do Estado, a quem é defeso, nos termos de
regulamentos especiais, a entrada em salas de jogo.
-----o-----
Capitulo sexto
ARTIGO 27º. E’ cre<d>ada no Ministerio do Interior uma Inspeção Geral dos Casinos
a quem compete fiscalizar o cumprimento d’este decreto com força de lei, dar
parecer sobre tudo que se relacione com a exploração de casinos, propor as medidas,
propor as medidas convenientes para a boa execução d’este decreto com força de lei,
lavrar as cartas de habilitação a que ela se refere, fazer o registo dos ca sinos, arquivar
as plantas e mais documentos apresentados obrigatoriamente pelos casinos,
ARTIGO 28º 11. Aos Delegados do Governo cumpre dar este conhecimento à [↑
G]erencia do Casino de qualquer facto que chegue ao seu conhecimento e que
involva infração das disposições da lei.
ARTIGO 30º. A Empreza entregará á Inspeção [↑ G]eral dos Casinos os bilhetes que
lhe forem requisitados e que darão aos seus portadores o direito de exercer por todas
as formas a fiscalisação que lhe compete, sem quaesquer embaraços de restrições. A’
Gerencia do Casinocompete prestar-lhe todo o auxilio e facilitar-lhes a sua missão.
ARTIGO 31º. O uso ilegítimo de cartão de fiscal faz incorrer o abusivo <po†††††††>
portador nas penas cominadas no artº. 236 do Codigo Penal.
----- o -----
Capitulo setimo
ARTIGO 32º. A proteção regulada por este diploma abrange um periodo de vinte e
cinco anos assim dividido:
a) Até 1932 poderão funcionar os casinos registados nos termos d’esta lei, ainda que
não funcionem em edificio proprio;
b) Até 1938 poderão funcionar apenas aquelles que, em terrenos próprios ou
expropriados para as instalações d finitivas, tenham iniciado, antes de 1930, as
respectivas obras e as levem a cabo.
11 Pessoa engana-se na numeração deste Artigo, repetindo a indicação “ART. 28.º” (cf. 137A-34r).
c) Depois de 1938 só poderão funcionaros casinos que á data d’este diploma estejam
instalados em edificio proprio e os novos casinos que se tenham construído ao abrigo
d’este Decreto.
ARTIGO 33º. As expropriações autorisadas por este Decreto devem ser requeridas
pelos interessados dentro de um ano, a contar da carta de habilitação; iniciar-se-hão
as obras que as motivaram dentro de dois anos e serão contados da data de
expropriação.
ARTIGO 36º. Entre cada dois casinos de diferentes concelhos haverá a distancia
minima de 15 quilometros em que não é permitido estabelecer casinos.
ARTIGO 38º. Dentro de trinta dias a contar da publicação d’est<g>/e\ diploma será
instalada a Junta Consultiva da inspeção eral de [↓ c]asinos que imediatamente
entrará em funções.
ARTIGO 41º. Aquelles que exercerem o jogo clandestino alem das penas estabelecidas
pela lei vigente pagarão uma multa de cinquenta mil escudos, da primeira vez e cem
mil das seguintes.
ARTIGO 42º. Continuam a ser proibidos, fora dos casinos, os jogos a que se referem
os artigos 1542, Nº. 2 1 1543 do Código Civil e 264, 265 e 267 do Código Penal que se
enumeram no artº. 19º do presente Decreto com força de lei.
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RUI SOUSA graduated in Portuguese Studies and obtained a Master’s degree in Romanic
Studies—Modern and Contemporary Portuguese Literature—from the Faculty of Letters of the
University of Lisbon. He recently obtained his PhD, with a dissertation dedicated to the concept
of the libertine in Luiz Pacheco. He has published essays on Ronald de Carvalho and Eduardo
Guimaraens, in the anthology 1915—The Year of Orpheu (2015) coordinated by Steffen Dix and
has published studies on Pessoa in Pessoa Plural and in projects coordinated by Estranhar Pessoa
and by Casa Fernando Pessoa. He published in 2016 the book A Presença do Abjecto no Surrealismo
Português. He is a researcher of the Centre for Lusophone and European Literatures and Cultures
at the Faculty of Letters of the University of Lisbon (CLEPUL). He prepares a research project
related to the interactions between literature, philosophy and politics in the context of
Modernism and Surrealism in Portugal, seeking to explore the role of mythology in the political
intervention of literary groups and the strong presence of hybrid processes and syncretism in
the progressive reflection on culture as a plural and globalized reality.