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Introdução
Em 1988 o Brasil vivia mais um importante capítulo de sua história com a
promulgação da Constituição Federal, com seu texto aprovado em 22 de setembro daquele
ano, com a promulgação oficial ocorrida em 5 de outubro. Foram momentos de intensos
debates e, principalmente, elogios à aprovação do texto que retomava a democracia no Brasil
e, mais que isso, garantia aos cidadãos direitos que há muito eram apenas sonhados. Intitulada
como a “Constituição Cidadã” pelo presidente da Constituinte, Ulisses Guimarães, o título foi
dado pela participação da população na elaboração de seus termos, bem como pela previsão
de garantias e direitos políticos e civis que desde 1967 haviam sido tolhidos do povo
brasileiro.
Desta forma, é natural que tenha ocorrido grande interesse por parte da mídia em nível
O Esquema e a Constituição de 88
Em nossa pesquisa histórica realizada no acervo do Jornal Esquema (que se encontra
sob os cuidados dos autores), centramos a atenção nos meses de setembro e outubro a fim de
verificar como o jornal abordaria o assunto. A expectativa, de início, era a de que haveria
reportagens específicas acerca da Constituição de 1988, especialmente pelo fato de se tratar
de um marco importante para a vida dos brasileiros. No entanto, as notícias sobre as eleições
municipais dominavam o assunto em todas as páginas, deixando essa informação de lado e,
possivelmente, fazendo com que os leitores do semanário buscassem informações em grandes
redes noticiosas.
A primeira menção que encontramos acerca da Constituinte está na edição de Nº 755
do Jornal Esquema, datada do dia 26 de setembro de 1988, ou seja, quatro dias após a
aprovação do texto da Constituinte.
Figura 2 – Capa da Edição 755
Fonte: Acervo dos autores
Como destacado anteriormente, este é o único texto publicado que faz menção direta à
Constituição logo após sua aprovação pelo Congresso Nacional. E o autor destaca, em seu
conteúdo, apenas pontos negativos da carta da Constituinte: a coloca como uma lei que frustra
o brasileiro e que não irá resolver os problemas do país, entre eles, expressamente a
superinflação que acometia o Brasil àquela época.
O texto vem assinado na coluna intitulada “Caro Leitor”, ou seja, trata-se de uma
mensagem direta do articulista (e do jornal) para seus receptores, como demonstrado na
Figura 2:
Figura 3 - Página 3 da Edição 775, de 26/09/1988
Fonte: Acervo dos autores
Todos os avanços que hoje, 30 anos depois, se colocam em debate, são ignorados pela
publicação da época. A conquista do direito ao voto, a cidadania, garantia de direitos e
detalhamento de deveres são colocados de lado por aquilo que o articulista chama de
“frustração”. Sendo ele um colaborador fixo da publicação e, mais que isso, à época
proprietário da empresa que estava arrendada, o texto quase assume ares de “editorial” do
jornal local, transmitindo uma mensagem para a população de total falta de aprovação com a
nova Constituição Federal, então recém-aprovada.
Esse mesmo posicionamento de descrédito em relação à Constituição também é
verificado em outras duas oportunidades em artigos assinados por um colaborador esporádico
do jornal, Luiz Ferreira de Lima, jornalista e diretor da Agência Planalto, que submetia artigos
de opinião para a publicação. Foram dois textos publicados em semanas alternadas, sendo um
no dia 3 de outubro e o outro, duas semanas mais tarde. Ambos trazem o mesmo mote na
preocupação do articulista: as questões econômicas e financeiras de prefeituras e do país a
partir do novo texto.
Municípios e reforma tributária
Faz muito tempo que nos incluímos entre aqueles brasileiros que se
insurgiam contra a excessiva concentração tributária em mãos da União, o que não
só contribuía para arrebentar com o princípio federativo, praticamente anulando a
autonomia político-administrativa de Estados e municípios, cujos poderes
Executivos não dispunham de recursos financeiros para administrar, como, ao
mesmo tempo, humilhava governadores e prefeitos, transformando-os em eternos
pedintes do poder central, do qual dependiam para a consecução de qualquer verba
que pudesse contribuir para melhorar a qualidade de vida dos municípios.
Os constituintes decidiram, então, efetuar uma reforma tributária em
profundidade de modo a dar aos Estados e municípios uma parte bem maior do bolo
tributário. Os Estados terão suas arrecadações aumentadas em até 15% e os
municípios em até 30%, o que provocará uma queda de cerca de 17% na receita da
União, a qual já montou uma chamada “operação desmonte”, com o objetivo de
transferir aos governantes e prefeitos certos encargos que atualmente são de
exclusiva responsabilidade da União.
Poderíamos aplaudir com entusiasmo essa reforma. Todavia, nos
arreceiamos do que possam vir a fazer em alguns municípios deste vasto País alguns
dos prefeitos que serão eleitos em 15 de novembro. Dispondo de recursos
financeiros, nem sempre dispõem de um plano administrativo ou de ideias que sejam
transformadas em realidade depois que os administradores municipais, mais do que
os governadores de Estado, cujos problemas são maiores e mais conhecidos até
nacionalmente, dependendo do Estado, elaborem seus planos administrativos e
elejam as prioridades a serem executadas. E estas não poderão fugir muito de umas
poucas áreas, como educação, transporte coletivo, saneamento básico, saúde. A
moradia deve ficar a cargo da iniciativa privada, cuja indústria da construção civil é
forte e poderosa, devendo o poder municipal cuidar para que as plantas aprovadas
não se voltem, tempos depois, contra a população, dificultando-lhe a vida por falta
de um plano diretor da cidade.
Além de tudo isso, será preciso que a comunidade esteja atenta para que a
fartura do dinheiro nos cofres municipais não seja utilizada para a construção de
fontes luminosas ou de cristos redentores esculpidos sobre qualquer elevação em
torno da cidade, nem para continuar o empreguismo público que já é, presentemente,
uma grande vergonha nacional. (LIMA, 1988a, p.3)
O mais emblemático dos dois textos faz menções diretas à Constituição e a sua
promulgação. O artigo foi publicado em 17 de outubro de 1988 na seção “Fatos e Ideias”, e
único texto que menciona de forma expressa a aprovação da Carta Constitucional.
No artigo do jornalista, não são feitas exaltações aos direitos civis, mas ponderações
sobre lacunas apresentadas na nova Carta Magna, em especial, a preocupação da necessidade
excessiva de leis complementares:
Enfim, a Constituição
O Brasil está de Constituição nova. Não adianta, agora, discutir se ela é boa
ou se é má; se representa o Brasil real ou o Brasil resultante da confusão
estabelecida pelos constituintes entre os seus desejos e a realidade objetiva. A todos
se impõe o dever de cumprir a nova Carta. Ela é a nossa Lei Maior, embora careça
de grande quantidade de leis complementares e ordinárias, que deverão ser
elaboradas e votados por deputados e senadores, para que tenhamos efetivas
condições de realizar a tarefa de cumpri-la.
Tarefa ainda difícil, sem dúvida. Primeiro, porque 28%, ou mais, de
patrícios nossos são analfabetos e jamais lerão o que na Carta está escrito; segundo,
porque nem tudo que nela se contém é auto-aplicável; terceiro, porque no seu texto
estão contidos os meios que, de início, impedirão o seu cumprimento sem que a
sociedade, como um todo, seja prejudicada. Por exemplo: a declaração do mercado
brasileiro como patrimônio nacional, o que leva a crer que os negócios serão feitos
só entre nacionais; a exploração das riquezas mineiras proibida a empresas
estrangeiras; a xenofobia na definição do que é empresa nacional; a discriminação
da origem da empresa e do capital.
Há outros dispositivos “avançados”, que países como a França estão
anulando por força de lei de sua Assembleia Nacional, como o caráter irrestrito de
greve, sem ressalva dos serviços essenciais à população, como os de saúde,
transporte coletivo, bancos e outros. E há a limitação dos juros em 12% ao ano,
quando o governo lança papeis no mercado que rendem, às vezes, 20% ao mês.
As dificuldades da nova Carta, podem contribuir para ampliar o diálogo
entre empregados e empregadores na iniciativa privada, o que já vem acontecendo,
como é fácil verificar pelo número de greves eclodidas no decorrer deste ano. Foram
poucas no setor privado, sendo a grande maioria realizada no setor público, nas
deficitárias e mal-administradas empresas estatais, onde o prejuízo é socializado
pelo Tesouro Nacional. Os 18 meses de elaboração da nova Constituição deixaram
lições, principalmente entre os empresários que, quando da elaboração das leis
complementares e ordinárias, hão de deixar de lado as vaidades mal-feridas e os
interesses menores, para unirem-se e oferecerem colaboração que resultem em
benefício geral, a fim de que so brasileiros possam, efetivamente, cumprir e
orgulharem-se da sua Constituição que, então, poderá ser chamada de Constituição
Cidadã. (LIMA, 1988, p.3)
Neste contexto todo, as preocupações quanto a direitos civis, conquista do voto direto,
ou quaisquer outros benefícios trazidos na nova Carta Magna são deixadas de lado pela
publicação. Alta de preços, diminuição do poder aquisitivo e os problemas tributários do país
e das prefeituras tomam o primeiro lugar nas preocupações do semanário, deixando todo o
resto de lado.
Considerações Finais
A pesquisa realizada com base nas edições dos meses de setembro e outubro de 1988
no Jornal Esquema demonstrara uma interessante realidade para o público leitor do município
de Frutal e região: a falta de abordagens da Constituinte ou da Constituição em si em matérias
de cunho noticioso. De certa forma, enquanto o país atravessava um importante momento para
sua redemocratização, o jornal semanário passava a impressão de estar alheio ao fato, com
exceção, nos artigos de opinião assinados por seus colaboradores.
Possivelmente a falta de notícias sobre a Carta se deve ao fato da publicação ser
semanária e a distância entre uma edição e outra, ou mesmo entre o fechamento e sua
circulação nas ruas, pudesse atrapalhar o acompanhamento mais próximo do que acontecia em
Brasília naquele momento. No entanto, quando se trata das opiniões dos articulistas, o que se
vê é a falta de empolgação com aquele momento, com textos que chegam a beirar o
negativismo sobre o real impacto da Constituição Federal na vida dos brasileiros e moradores
da região de circulação do jornal.
A preocupação com os quesitos econômicos tratados nos artigos é evidente. Desde a
questão tributária, que impacta diretamente a vida financeira dos municípios e do Estado, ao
caráter irrestrito das greves tal como constava em seu texto original, são alvos de
questionamentos por parte dos articulistas.
Partindo da perspectiva do Jornal Esquema, considerando o fato de que possa ter
existido àquela época leitores que só se informavam exclusivamente por esse meio de
comunicação, a leitura que se pode fazer daquele momento para a publicação é de que a nova
Constituição não resolveria os problemas imediatos de ordem inflacionária e, de certa forma,
até mesmo o direito ao voto, e demais direitos civis, são deixados em segundo plano, como se
fossem apenas acessórios da Carta Constitucional e que sequer mereceram abordagem ou
destaque para a mídia impressa.
Por seu caráter documental, o jornal impresso é uma fonte importante de leitura e
observação para se entender como determinadas comunidades encaravam fatos e notícias à
época de suas ocorrências e, diante do que vimos, essa era uma questão que, localmente ou
regionalmente, não havia relevância para esse impresso.
Referências bibliográficas