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NOVEMBER WITHOUT WATER (A. P. Tavares) O cercado (A. P.

Tavares)

Olha-me p´ra estas crianças de vidro De que cor era o meu cinto de missangas, mãe
cheias de água até às lágrimas feito pelas tuas mãos
enchendo a cidade de estilhaços e fios do teu cabelo
procurando a vida cortado na lua cheia
nos caixotes de lixo. guardado do cacimbo
no cesto trançado das coisas da avó
Olha-me estas crianças
transporte Onde está a panela do provérbio, mãe
animais de cargas sobre os dias a das três pernas
percorrendo a cidade até os bordos e asa partida
carregam a morte sobre os ombros que me deste antes das chuvas grandes
despejam-se sobre o espaço no dia do noivado
enchendo a cidade de estilhaços.
De que cor era a minha voz, mãe
* quando anunciava a manhã junto à cascata
Chegas e descia devagarinho pelos dias
eu digo sede as mãos
fico Onde está o tempo prometido p'ra viver, mãe
bebendo do ar que respiras se tudo se guarda e recolhe no tempo da espera
a brevidade p'ra lá do cercado

assim as águas
a espera
o cansaço.
(A. P. Tavares) Voz de Sangue
(Agostinho Neto)
Meu corpo é um grande mapa muito antigo
percorrido de desertos, tatuado de acidentes Palpitam-me
habitado por uma floresta inteira os sons do batuque
um coração plantado e os ritmos melancólicos do blue
dentro de um jardim japonês Ó negro esfarrapado do Harlem...
regado por veias finas ó dançarino de Chicago
com um lugar vazio para a alma. ó negro servidor do South
Ó negro de África
negros de todo o mundo
eu junto ao vosso canto
a minha pobre voz
os meus humildes ritmos.
Eu vos acompanho
pelas emaranhadas áfricas
do nosso Rumo
Eu vos sinto
negros de todo o mundo
eu vivo a vossa Dor
meus irmãos.
As terras sentidas (Agostinho Neto) Adeus na hora da largada (Agostinho Neto)

As terras sentidas da África Minha Mãe


nos ais chorosos do antigo e do novo escravo (todas as mães negras
no suor aviltante do batuque impuro cujos filhos partiram)
de outros mares tu me ensinaste a esperar
sentidas como esperaste nas horas difíceis
As terras sentidas de África Mas a vida
na sensação infame do perfume estonteante da matou em mim essa mística esperança
flor Eu já não espero
esmagada na floresta sou aquele por quem se espera
pela imoralidade do ferro e do fogo Sou eu minha Mãe
as terras sentidas a esperança somos nós
As terras sentidas de África os teus filhos
no sonho logo desfeito em tinidos de chaves partidos para uma fé que alimenta a vida
carcereiras Hoje
e no riso sufocado e na voz vitoriosa dos lamentos somos as crianças nuas das sanzalas do mato
e no brilho inconciente das sensações escondidas os garotos sem escola a jogar a bola de trapos
das terras sentindas da África nos areais ao meio-dia
Vivas somos nós mesmos
em si conosco vivas os contratados a queimar vidas nos cafezais
Elas fervilham-nos em sonhos os homens negros ignorantes
ordenados de danças de imbondeiros sobre que devem respeitar o homem branco
equilíbrios e temer o rico
de antílope somos os teus filhos
na aliança perpétua de tudo quanto vive dos bairros de pretos
Elas gritam o som da vida além aonde não chega a luz elétrica
gritam-no os homens bêbedos a cair
mesmo nos cadáveres devolvidos pelo Atlântico abandonados ao ritmo dum batuque de morte
em oferta pútrida de incoerência e morte teus filhos
e na limpidez dos rios com fome
Elas vivem com sede com vergonha de te chamarmos Mãe
as terras sentidas de África com medo de atravessar as ruas
no som harmonioso das consciências com medo dos homens
incluídas no sangue honbesto dos homens nós mesmos
no forte desejo dos homens Amanhã
na sinceridade dos homens entoaremos hinos à liberdade
na razão pura e simples da existência das estrelas quando comemorarmos
Elas vivem a data da abolição desta escravatura
as terras sentidas de África Nós vamos em busca de luz
porque nós vivemos os teus filhos Mãe
e somos as particulas imperecíveis (todas as mães negras
e inatacáveis cujos filhos partiram)
das terras sentidas de África Vão em busca de vida.

Com os olhos secos (Agostinho Neto)


Com os olhos secos (Ondjaki)
-estrelas de brilho inevitável
através do corpo através do espírito
sobre os corpos inânimes dos mortos
sobre a solidão das vontades inertes
nós voltamos
Nós estamos regressando África
e todo o mundo estará presente
no super-batuque festivo
sob as sombras do Maiombe
no carnaval grandioso
pelo Bailundo pela Lunda
Com os olhos secos
contra este medo da nossa África
que herdámos dos massacres e mentiras
Nós voltamos África
estrelas de brilho irresistível
com a palavra escrita nos olhos secos
-LIBERDADE

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