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MÃOS DADAS

Não serei o poeta de um mundo caduco.

Também não cantarei o mundo futuro.

Estou preso à vida e olho meus companheiros.

Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.

Entre eles, considero a enorme realidade.

O presente é tão grande, não nos afastemos.

Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,

Não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,

Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,

Não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,

A vida presente.

Carlos Drummond de Andrade, O Sentimento do Mundo – 1940

Mão

Agora preciso de tua mão,

Não para que eu não tenha medo,

Mas para que tu não tenhas medo.

Sei que acreditar em tudo isso será,

No começo, a tua grande solidão.

Mas chegará o instante em que me darás a mão,

Não mais por solidão, mas como eu agora:

Por amor.
Clarice Lispector, A Paixão Segundo G.H – 1988.

Análise dos poemas –

Luana Dietrich 3 ° Ano Linguagens

Clarice Lispector e Carlos Drummond, ambos nasceram em anos próximos, sendo eles com 18
anos de diferença, o que na teoria não deveria ser muito, mas conforme vamos analisando e
vendo suas obras, vemos que dez anos fazem muita diferença, sem contar que ambos
cresceram em lugares e contextos diferentes, o que acaba afetando na visão de mundo.
Enquanto Drummond passava pela segunda guerra mundial como um homem já com
pensamento e visão feita, Clarice estava apenas entrando em sua juventude e começando a
criar suas verdades sobre o mundo.

Nos dois textos temos o título parecido, com algo que remeta a mãos, escritos em épocas
diferentes, mas que se ligam de uma forma única. No poema de Drummond podemos ver que
ele estava em um contexto histórico onde estavam acontecendo a segunda guerra no mundo e
no Brasil a ditadura de Vargas, um contexto de desesperança, de solidão, o completo
sentimento de incapacidade, um momento onde qualquer liberdade de expressão era cortada
e vigiada, onde toda sua liberdade e voz eram controladas por outros, e quando se tinha a voz,
só poderia se expressar com subjetividade, mas sinto que nesse poema é uma resistência de
Drummond, como se em algum lugar ele se tirasse de dentro de si mesmo, quando fala que
não será um poeta do mundo caduco, um mundo “louco” sem visão ou futuro, parece que o
mesmo está dando-se por vencido, mas nas próximas linhas ele fala como se não pudesse
soltar a mão de ninguém e que todos juntos vão conseguir resistir a esse tempo difícil, como se
eles juntos pudessem dar esse último sopro de esperança, e nos próximos versos ele continua
a dizer como ele será um guia de esperança, um poeta que carrega historias e poesias desse
tempo difícil, que ele não será o portador de má noticia, ele será o portador da resistência.

E temos o segundo poema escolhido, a mão de Clarice Lispector que fala de uma maneira mais
sutil sobre o apoio, de uma forma mais romântica, pesquisei mais a fundo e percebi que teria
uma forma mais bíblica, no sentido sagrado de não soltar a mão um do outro e seguir
acreditando na fé. Porém, antes de ter esse contexto, interpretei o poema como algo mais
literal, onde uma pessoa precisaria de apoio, e o eu lírico seria esse apoio, só que a pessoa
“usa” o eu lírico já que o mesmo está com medo e não está lado a lado com ele, como se
estivesse apenas atrás de uma parte que falta, já que o existencialismo presente nas obras de
Clarice me fez pensar sobre isso, acho que ambas as interpretações se encaixam de certa
forma, apenas com e sem a visão religiosa.

Com o apontamento do meu entendimento sobre ambos os poemas, ficou claro que de que
certa forma fala sobre o apoio ao próximo, mas de formas diferentes, considerando que mãos
tem como signo o apoio, esse significado de segurança e de firmeza, ambos os poemas pegam
nesse aspecto, de rede de apoio, de segurança, porém um pensando no coletivo (Drummond)
e o outro no individual (Clarice). Drummond por seu contexto pensa na mão como algo que
apoie a todos e esteja lá futuramente, mas Clarice pensa em algo mais individual e centrado,
pensando que de certa forma se completo, visto que a resistência começa do medo, do medo
de ser excluído, do medo de ser julgado, do medo de ser torturado, do medo de ser o alvo em
seguida, e desse medo se vem a rede a mão se estende e os iguais se juntam, e como a Clarice
cota em seu poema e Drummond complementa, ambos tentam ver um mundo onde a
esperança de não precisarem se juntar por solidão ou medo e sim por amor.
Bibliografia:

Sentimento do Mundo – Análise da obra de Carlos Drummond de Andrade | Guia do Estudante


(abril.com.br)

Análise Literária – Sentimento do Mundo – Literatura (passeidireto.com)

PELOS PASSOS EXISTENCIAIS DE DRUMMOND: O entrelace entre moda e poesia durante a fase
modernista no Brasil (uol.com.br)

Biografia de Clarice Lispector (vida e obras) – eBiografia

Repositório Institucional da UFMG: A paixão segundo G.H., de Clarice Lispector:


transtextualidade bíblica

O silêncio da linguagem em A Paixão Segundo G.H. – Dialnet (unirioja.es)

Admin,+20783-83689-1-CE.pdf

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