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OBRAS DE PIER PAOLO PASOLINI – COMENTÁRIOS – JOÃO

PEDRO DA SILVA

Pier Paolo Pasolini, nascido no ano de 1922 e assassinado no ano de


1975, foi um cineasta, escritor e romancista italiano que demonstrou em suas
obras literárias e cinematográficas, uma maneira singular e incomum de
representar a realidade de uma sociedade italiana no período do pós-guerra e
que era rapidamente dominada pelo consumismo do capitalismo
industrializado. Pasolini é versátil em seus escritos e filmes, o que talvez tenha
sido um dos motivo para muitos o considerarem um autor controverso e
polêmico, pois sempre tratou de temas sociais, políticos e filosóficos em suas
obras, desde apresentar uma Itália dominada pelo fascismo e capitalismo, e
como estes influenciaram a burguesia e subproletariado, até refletir sobre os
novos princípios consumistas que chegavam com o avanço da modernidade
tecnológica, que destruíam valores culturais camponeses, resultando em uma
briga interna do autor entre amar e odiar a sociedade italiana. Nesse sentido, é
importante abordarmos algumas de suas principais obras, que marcaram o
intelectual em diferentes âmbitos da sociedade italiana, desde o campo político
e social, até o filosófico e artístico.

Em As Cinzas de Gramsci (1957), poema escrito por Pasolini, o autor está


desolado com o sentimento de ser declarado como comunista herético, diante
do túmulo de Gramsci, no cemitério protestante de Roma, ele conversa com
seu humilde irmão, e desabafa sobre a injustiça e incoerência do Partido
Comunista Italiano (PCI), além de sofrer pela morte de Gramsci, que sempre
lutou pela hegemonia das classes sociais do subproletariado. Desse modo,
Pasolini trata sobre a sua saída do PCI após a denúncia do stalinismo e de sua
angústia e depressão pelo falecimento de Gramsci, seu irmão comunista, tudo
isso de uma maneira estética singular, fazendo uso de elementos linguísticos
refinados que expressam os sentimentos do eu lírico, em meio a um jogo de
palavras que remetem a luz de Pasolini em concordar com Gramsci em teoria,
porém em discordar da escuridão dos interesses individuais, burocracia,
partidarismo e corporativismo.
Em Accattone – Desajuste Social (1961), Pasolini trata da história de
Accattone, morador de uma periferia de Roma na década de 1960, sendo
cafetão da prostituta Maddalena, ele nunca trabalhou sequer um dia de sua
vida e passa o tempo com seus amigos também despreocupados com o
trabalho. Desse modo, quando Maddalena é presa por perjúrio, Accattone se
vê sem sua fonte de rendimentos, e é neste momento, que sua jornada ao
fundo do poço se inicia, chegando até a passar fome. Ademais, ele conhece
Stella, uma moça bonita de mente inocente, a qual Accattone enxerga uma
possibilidade de iniciá-la na prostituição, porém, ele acaba por se apaixonar e
decide, pela primeira vez, arranjar um trabalho e sustentar ambos, todavia,
novamente, os efeitos de suas ações acabam por trazer reviravoltas no fim de
toda trama. Nesse sentido, em sua primeira obra cinematográfica, Pasolini
avança para o neorrealismo, fazendo uso de atores não profissionais, tratando
de temas como a pobreza dos indivíduos e a sociedade do pós-guerra. Talvez
estes tenham sido alguns dos motivos para chocar as pessoas em sua estreia,
pois Pasolini regressa a temas negativos de uma Itália deprimente, que
possuía classes sociais marginalizadas e desfavorecidas, vivendo dos recursos
ilegais que as situações ofereciam, tentando sobreviver mais um dia neste
mundo desajustado socialmente.

Em O Caos (1979), Pasolini reúne neste ensaio seus textos que


contribuíram para os jornais italianos da época, sendo publicados
periodicamente nas colunas Diálogos com Pasolini. Nos escritos que produzia,
o autor analisava e refletia sobre as mudanças culturais e sociais da sociedade
italiana, que eram resultado dos processos políticos e econômicos doentios da
época do período do pós-guerra, além disso, Pasolini trata sobre os efeitos que
estas transformações afetavam o corpo social, valores e cultura. Neste texto, o
autor relaciona suas reflexões e busca entender a realidade da sociedade
italiana, por meio do jornalismo intelectual e o fazer literário. O objetivo por trás
de O Caos, era expor a ordem social e política a qual o governo italiano estava
se submetendo, porém, que na verdade, só o conduzia para um processo de
extermínio das culturas camponesas e valores simples.

Em Notas Para Uma Oresteia Africana (1970), Pasolini apresenta, por


meio de um documentário-poético, a África e o povo africano, baseado em
fragmentos de películas que gravara durante a sua viagem ao continente afro.
Neste longa-metragem, ele transpõe a obra de Ésquilo, filósofo e dramaturgo
grego, que escreveu A Oresteia (458 a.C.), para um contexto moderno, na qual
a África se encontrava num período pós-colonial e recém apresentada à
democracia, projetando a tragédia dramática e o coro grego numa época em
que o mundo era transformado pelo avanço do consumismo do capitalismo
industrializado. Nesse sentido, o filme se baseia em retratar a natureza política,
antropológica e etnográfica da África, através da evocação do coro grego numa
sociedade moderna e pós-colonial, sendo a tragédia grega um alicerce que
sustenta todo drama das cenas, auxiliando no sentido subjetivo da política
infundida na obra.

Em Escritos Corsários (1975), Pasolini reúne diversos ensaios em sua


última produção literária organizada em vida. Nesta obra, o autor escrevera O
Artigo dos Vagalumes, visando explorar um tipo novo de fascismo que estava
surgindo na Itália, conjuntamente com um poderio político causado pela rápida
aceleração do capitalismo industrial, resultando também em uma nova
sociedade de consumismo global, por fim, ocasionando uma extinção em
massa de formas e movimentos culturais tradicionais. A narrativa é baseada no
confronto entre fascismo fascista e fascismo democrata-cristão que, segundo
Pasolini, na verdade é um confronto entre fascismo fascista e algo que ele
nomeia como alguma coisa que se passara há alguns anos atrás. Além disso, o
autor faz uso de elementos metafóricos para apresentar um caso que ocorrera
nos anos 60, sendo este o desaparecimento dos vaga-lumes, que está
intrinsicamente relacionado com as duas fases do regime democrata-cristão.

Em Salò ou Os 120 Dias de Sodoma (1975), Pasolini se baseia no obra


do polêmico Marquês de Sade, intitulada de Os 120 Dias de Sodoma (1785) –
ou Escola de Libertinismo –, para retratar a história que se passa no ano de
1944, na qual a Itália se encontra dominada pelo regime ditatorial de Mussolini.
Na trama, 16 jovens são sequestrados por quatro dirigentes fascistas e levados
para um castelo isolado na região de Salò, onde são vítimas de uma série de
atividades que envolvem sexo, tortura, violência e sadismo, durante um período
de 120 dias. Talvez seja uma das obras cinematográficas mais perturbadoras
da filosofia pasoliana, sendo o filme dividido em três partes, denominadas de O
Círculo das Manias, O Círculo das Fezes e O Círculo de Sangue. O longa-
metragem não é apenas um amontoado de cenas de orgias e torturas, mas
visa criticar o regime fascista daquele período histórico, ao mesmo tempo em
que revela a verdadeira natureza do homem sob o poder político e de como
este explora e subjuga os que considera inferiores a ele, apenas para suprir
seus desejos doentios e maliciosos.

Desse modo, Pier Paolo Pasolini talvez possa ser considerado um dos
maiores artistas do século XX, sempre criticando a sociedade burguesa e a
desigualdade social que o capitalismo causava, sendo muito perseguido pelo
regime democrata-cristão da época por seus escritos e filmes. Ele produzira, ao
longo de sua curta vida, diversos poemas, escritos, ensaios e filmes,
considerado por muitos como um verdadeiro gênio, tendo recebido muitos
prêmios por suas obras, mas também definido por alguns como um autor
detestável, sendo alvo de diversas críticas. Todavia, é um importante
intelectual a ser conhecido e estudado, possuindo uma maneira singular de
escrever seus textos e uma forma peculiar de retratar seus personagens em
seus filmes, prendendo o leitor e espectador em suas obras, ao mesmo tempo
que critica a Itália de seu tempo, porém, nunca deixando de amar os seus
indivíduos.

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