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MITOLOGIA DE MATRIZ AFRICANA

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  MITOLOGIA DE MATRIZ AFRICANA

 MITOLOGIA DE MATRIZ AFRICANA

 Aula 

HIBRIDISMO RELIGIOSO NO
BRASIL
Prof. Dr. José Jorge de Morais Zacharias
Hibridismo Religioso é um fenômeno recorrente na humanidade e em
suas formas de devoção desde os primórdios.
A experiência humana com a natureza, seus fenômenos e ciclos, bem
como com a dinâmica interior das forças instintivas e inconscientes
conduziram a formulação de imagens e símbolos arquetípicos que
culminaram com o surgimento de espíritos e divindades, heróis e
heroínas, e seus mitos, sagas e destinos em um contexto complexo de
relações.
Estas construções simbólicas deram origem aos rituais, a sistemas de
crenças e a teologias fundamentadas nas experiências
transcendentes vividas pelos povos.
Como a natureza apresenta semelhanças em diversos lugares e,
segundo Carl Gustav Jung há um substrato mais profundo da psique
chamado de inconsciente coletivo, muitos mitos, deuses e expressões
simbólicas tem entre si semelhanças que favorecem aproximações de
conceitos e crenças, processo no qual divindades originalmente
distantes são absorvidas, assimiladas ou transformadas por outras.
Obviamente este processo ocorre devido a encontros de civilizações,
etnias ou grupos diferentes, por vezes de maneira amigável, mas em
sua maioria por meio de guerras e dominação.
No Brasil costumamos pensar em sincretismo das religiões, como se
alguma destas fossem puramente originárias de algum lugar sem que
tenha passado por transformações.
O cristianismo em si é um hibridismo do judaísmo anterior, fortemente
influenciado pela tradição de Moisés e os profetas posteriores a ele, e
elementos helênicos e romanos. Para o judaísmo é muito estranha a
ideia de um deus tridimensional, muito menos a devoção a Maria e
aos Santos.
Vale a pena lembrar que o judaísmo em sua origem abraâmica
descende da religião dos sumérios, que foi reformulado por Moisés
com a adoração de Javé e seguiu tendo transformações por influência
de outros povos, inclusive pelos gregos pouco antes do surgimento do
cristianismo.
As religiões indígenas são tão diversas quanto as tribos aqui
existentes, com mitos e ritos diferenciados, contudo mantendo os
mesmos elementos básicos da relação com a natureza interna e
externa.
As formas de culto e mitos advindos da África ocidental por conta da
escravidão negra no Brasil trouxe um conjunto de mitos e ritos
diversificados, uma vez que não havia, e não há, uma religião original
na África, que é um continente, não um país. Várias devoções, mitos,
símbolos e ritos chegaram em nossas terras, e aqui se encontraram
com as religiões indígenas e o cristianismo católico popular.
Este encontro de tradições favoreceu grandes movimentos de
hibridismo entre as expressões do Sagrado para estes povos e etnias
configurando religiões muito sincréticas como dizemos hoje.
Surgiram os cultos com maior acento nas tradições indígenas, se bem
que hibridizados em certo grau com as religiões de matriz africana e o
cristianismo, como o culto da Jurema e mais recentemente o Santo
Daime.
Os candomblés se diversificaram em cultos diferenciados, chamados
nações como: Angola, candomblé de caboclo (com influência
indígena), Jeje, ketu, tambor de mina e outros.
Neste conjunto de transformações se estabelece a umbanda em 1907,
que assimila elementos católicos, do candomblé de angola, da
tradição indígena, do kardecismo e do esoterismo europeu.
A chegada do kardecismo no final do século XIX trouxe as ideias
pseudocientíficas do pensamento positivista europeu e estabeleceu-se
no Brasil a partir de Salvador. Havia forte rejeição dos kardecistas
para com as religiões de matriz africana, sendo estas consideradas
“baixo espiritismo”.
Com o passar do tempo, entidades próprias da umbanda como
caboclos e pretos=velhos passaram a ser admitidos em centro de
espiritismo kardecista, alterando-se um pouco o ritual praticado.
Ocorre que hoje temos centros de umbanda em um grande leque de
possibilidades rituais, desde os mais africanizados (próximos ao
candomblé) até os mais próximos do kardecismo e da mesa branca.
Vale ressaltar ainda a prática contemporânea do umbandaime, isto é,
o ritual da umbanda associado com elementos do Santo Daime.
Por outro lado, os movimentos pentecostais e neopentecostais que
tiveram sua origem no fundamentalismo protestante também
apresentaram elementos propícios ao hibridismo. “A prática do êxtase
e da entrega ao Espírito Santo, bem como dons de ‘falar em línguas”,
profecias e curas, remetem à prática religiosa as manifestações de
transe e rebaixamento da consciência, mais propriamente observadas
no kardecismo e nas religiões de matriz africana.
Logo os católicos admitiram e adquiriram o carisma pentecostal, no
chamado movimento carismático católico e tornaram-se pentecostais
católicos.
A prática proselitista neopentecostal atraiu para suas igrejas muitos
que antes eram seguidores de religiões de matriz africana, que agora
não mais se permitiam o transe com guias ou orixás, mas pelo Espírito
Santo. Isto ocasionou mudanças nas músicas, nos ritmos e no ritual.
Podemos ver em várias gravações de cultos evangélicos
neopentecostais pessoas rodando, dançando, agitando mãos e
cabeças como se estivessem em um terreiro de umbanda ou
candomblé.
Todo este hibridismo ocorre pelo contato que as religiões estabelecem
entre si, pelo movimento de devotos de uma para outra tradição,
levando suas práticas, adaptando outras; bem como pelo conteúdo
simbólico que pode ser expresso de várias maneiras nas várias
tradições.
A religião, ou as religiões são organismos vivos, alimentados pela
religiosidade humana, fenômeno psíquico e profundo, originário do
inconsciente coletivo e expresso nas diversas tradições, povos,
línguas, símbolos e ritos.
Referências:
Zacharias, J.J.M. Ori Axé, a dimensão arquetípica dos Orixás, São
Paulo, Vetor, 1998.
Zacharias, J.J.M. Exu, meu compadre, São Paulo, Sattva, 2019.
www.sattvaeditora.com.br
 
José Jorge de Morais Zacharias
Psicólogo, mestre e doutor em psicologia pela USP, analista didata da
Associação Junguiana do Brasil e International Association for
Analytical Psychology, AJB/IAAP, autor do teste QUATI e DTO II, de
obras sobre tipologia junguiana e religiosidade de matriz africana.
Autor de Exu, meu compadre pela Editora Sattva e co-autor do Tear
de Palavras pela Editora Vetor, docente universitário.
 

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