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NOTAS PARA UMA ORESTEIA AFRICANA – PIER PAOLO

PASOLINI

JOÃO PEDRO DA SILVA – COMENTÁRIOS

Em meados da década de 1960, Pier Paolo Pasolini decidiu produzir e


dirigir um “longa-metragem poético” sobre a África e o povo africano. Este filme
mistura o gênero documentário e poesia em um só produto, além de expor as
palavras e comentários do próprio Pasolini, que narra suas ideias,
pensamentos e objetivos, e guia o espectador em sua obra cinematográfica da
África como “Terceiro Mundo”, enquanto relaciona essa região empobrecida,
pós-colonial e recém apresentada a democracia e modernidade com a obra de
Ésquilo, filósofo e dramaturgo grego, que escreveu A Oresteia (458 a.C.).

Notas Para Uma Oresteia Africana, retrata uma viagem que Pasolini
realizou para África Ocidental e Oriental, como a Tanzânia e Uganda, entre a
década de 1960 e 1970. O título, já por si só, explica que se trata de um
conjunto de estudos e pesquisas primárias, com o objetivo de maior de
representar a obra de Ésquilo, A Oresteia, em um cenário pós-colonial, na qual
região é apresentada a vida moderna.

De acordo com Pasolini, a obra em si, não pode ser considerada como
um filme por completo, mas como fragmentos, todos unidos e ligados, como
planos e bases para um filme que está para ser lançado. O fundamento
principal do “documentário”, é baseado no fato de Pasolini comentar a história
enquanto aponta sua câmera pelas várias regiões da África, procurando por
pessoas que possam representar os personagens da obra de Ésquilo, em meio
a improvisação de cenas e reconstituição de lugares. Um ponto importante
disso tudo, é a alternância entre as imagens capturadas por Pasolini, em meio
aquele cenário atual, com a Guerra em Biafra, fazendo uma alusão histórica e
uma metáfora à Guerra de Tróia. Além disso, ainda um conjunto de cenas é
especial, por se tratar de uma conversa sobre o filme, entre Pasolini e um
grupo de estudantes africanos de uma universidade.
Pasolini transmite a impressão de não querer definir seu filme nem como
um documentário, no sentido literal da palavra, nem como mais uma narrativa
comum, talvez na esperança de trazer novamente a tragédia grega para a
atualidade. Em vez disso, as “notas” parecem não pertencer a um gênero em
si, um “estilo sem estilo” pode-se dizer assim, algo que só parece fazer sentido
em uma linguagem específica da arte e filosofia. Além disso, Notas Para Uma
Oresteia Africana, aparenta possuir dois tipos de natureza: a primeira, trata de
uma imagem metafórica da África e a segunda, apresenta bases
indeterminantes e experimentais.

O filme aborda diversos assuntos importantes, desde alguns mais


visíveis, como política e a natureza antropológica e etnográfica, até temas mais
subjetivos, como a religião. Entretanto, em meio aos mais diversos assuntos,
existe um ponto em específico que merece toda a atenção que Pasolini queria
que tivéssemos: o coro grego antigo evocado na África moderna e pós-colonial.
O coro é tratado como uma estrutura que sustenta o espaço dramático,
auxiliando no sentido subjetivo de política que está infundido na tragédia grega.

“Oresteia na África”, frase apresentada no filme, é utilizada por Pasolini


para transpor uma obra da Grécia Antiga, datada desde Atenas, em 458 a.C.,
na África moderna do século XX, ou seja, ele tem o objetivo de “ressuscitar” um
aspecto grego natural para a história moderna. A história que Pasolini tenta
retratar nos tempos modernos, se remete a um assassinato e vingança.
Orestes, filho de Agamemnon, Rei de Argos, assassina sua própria mãe,
Clitemnestra, para vingar a morte de seu pai, morto pela própria esposa. Após
ter concluído sua vingança, Orestes tem sua mente perturbada pelas Fúrias –
personificações da vingança, responsáveis por punir os mortais que cometiam
crimes de sangue contra a família. Ao final da obra, Orestes é protegido pelo
Deus do Sol, Apolo, que instrui o personagem a seguir até Atenas, cidade
protegida da Deusa da Sabedoria e da Razão. Atenas, ao receber Orestes,
para que haja um julgamento justo, cria o Areópago, o Tribunal ateniense, onde
Orestes é absolvido e perdoado pela deusa Atena. Todavia, as Fúrias, não
aceitam a sentença e reclamam a punição de Orestes, porém, Atena consegue
acalmá-las e convence elas, e por fim, transforma as Fúrias em Eumênides,
deixando de serem criaturas irracionais e sanguinárias, para virarem seres
gentis e justos.

Enfim contada a narrativa dramática da Oresteia, Pasolini logo destaca a


importância desta última parte da obra: a analogia entre a tragédia grega
produzida por Ésquilo e as condições de vida dos africanos pós-colonialismo. O
fundamento disto tudo é a política, e Pasolini reencarna essa questão tão
antiga e traz de volta para o contexto atual da África moderna, que se encontra
numa em meio a uma “batalha temporal”, no qual o seu passado e futuro se
chocam, levantando um dilema entre a cultura tribal africana e o início do
pensamento racional e democrático trazidos pelo Ocidente.

Adiante, Pasolini complementa com o momento em que as Fúrias, deixam


de ser criaturas terrenas e incoerentes para se tornarem seres sensatos e
justiceiros – Eumênides -, comparando a transformação das Fúrias, com a ideia
da transição da civilização africana arcaica-primitiva para uma sociedade
implementada numa nova ordem mundial racional, representada por valores
advindos do Ocidente, simbolizando a deusa Atena. Nesse caso, Atena seria a
“deusa branca”, que apresentou os valores morais e éticos a Orestes e instituiu
o primeiro tribunal humano, sendo Orestes o personagem que conhece a
democracia, comparado a figuro do africano pós-colonialismo, e por fim, as
Fúrias, que deixaram a irracionalidade e vida primitiva para se tornaram
racionais e lógicas, sendo comparadas ao mundo irracional dentro do mundo
racional, com as tribos africanas primitivas existindo sob o mundo moderno.
Desse modo, estas heranças primitivas estariam inclusas neste mundo, porém
de modo silencioso, inaudível ao progresso do mundo e da racionalidade
moderna.

Nesse sentido, Pasolini retrata de forma muito precisa e coerente, além


de cumprir seu objetivo, um filme-poema sobre a realidade da África no período
moderno, com perspectivas racionais e progressistas, pós-colonialismo,
representando de forma análoga certos indivíduos da população que viviam
pela região, com os personagens da obra de Ésquilo, tratando de evidenciar
temas como política e antropologia, além de evocar novamente o gênero da
tragédia grega para a época atual, frente a uma África prensada entre seu
passado, fundado numa cultura tribal primitiva, e um futuro progressista,
democrático e racional.

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