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Instituto Brasileiro do Concreto .

Mecânica da Fratura
Luiz Eduardo Teixeira Ferreira
Pesquisador Associado Doutor, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo.
e-mail: leferrei@sc.usp.br

João Bento de Hanai


Professor Titular, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo.
e-mail: jbhanai@sc.usp.br

1 Introdução
Sabe-se que, no estudo dos materiais em nível macroscópico, a matéria pode se
apresentar em três estados de agregação: sólido, líqüido e gasoso. Outros tipos de fase,
como o estado pastoso ou o plasma, são considerados de interesse em níveis mais
avançados da Física.
No estado sólido, a matéria de um corpo se organiza com forma, volume e posição
relativa de suas partículas definidas. Os átomos ou as moléculas ficam relativamente
próximos e a matéria resiste à deformação, mas isso não evita que ela ocorra. Já no
estado líqüido, a quantidade de matéria e, aproximadamente, o volume, ficam inalterados,
mas a forma do corpo e a posição relativa das partículas não se mantêm. No estado
gasoso, apenas a quantidade de matéria se mantém, sendo que a forma e o volume
variam.
Tratando-se especificamente dos materiais no estado sólido e suas aplicações na
Engenharia, interessa conhecer as suas características quanto à continuidade,
homogeneidade e isotropia. Diz-se que um corpo é contínuo quando não tem cavidades
ou espaços vazios de qualquer espécie. Um corpo é homogêneo quando as propriedades
do material são idênticas em quaisquer pontos. É isotrópico quando as propriedades do
material não variam conforme a direção ou a orientação. Se alguma propriedade variar,
em relação a um sistema de eixos, deve ser entendida como anisotrópica.
Todavia, a interpretação da continuidade, homogeneidade e isotropia de um
material fica condicionada à escala de observação, isto é, se ele está sendo analisado
macro ou microscopicamente. Por exemplo, o aço pode, do ponto de vista macroscópico,
ser considerado contínuo, homogêneo e isotrópico, mas sabe-se que, na escala
microscópica, ele apresenta heterogeneidades de diversas naturezas. O concreto, por sua
vez, também pode ser tratado como uniforme em diversos tipos de análise, mas, na sua
estrutura interna, ele é um material multi-fásico – é constituído por pasta de cimento,
agregados e vazios. Cada uma dessas fases tem suas características peculiares, que, no
conjunto, influenciam o comportamento mecânico e a durabilidade do material.
Esta breve menção à natureza da estrutura interna dos materiais serve para
enfatizar a importância dos métodos de análise do comportamento mecânico dos
materiais, que envolvem conhecimentos sobre a sua macroestrutura e microestrutura,
também tratadas em outros capítulos deste livro.
No presente capítulo, focalizam-se especialmente a deformabilidade e o
fraturamento dos materiais de construção civil, com base em fundamentos da Mecânica
dos Sólidos e da Mecânica da Fratura.

2 Mecanismos físicos de deformação


Sob o ponto de vista macroscópico, os materiais utilizados na Engenharia são
considerados meios contínuos. Sob condições de solicitação externa, eles se deformam,
Livro Materiais de Construção Civil 1
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podendo ou não retomar a sua forma original. Essa postulação, um tanto quanto familiar,
define uma das posições na escala da observação da estrutura e do material que a
constitui, ou seja, a macroescala.
Para estudar os meios contínuos, os engenheiros procuram, primeiramente,
separar as partes que compõem o sistema contínuo ou subdividir o meio em pequenos
“elementos”, discretizando o problema. Naturalmente, esse processo de discretização é
finito. Caso não fosse, a subdivisão indefinida requereria o tratamento matemático do
problema pela consideração de elementos infinitesimais.
Em seguida, procuram estudar e compreender o comportamento dessas pequenas
partes ou elementos para, posteriormente, reagrupá-los de forma a obter uma descrição
do comportamento “médio” global, do meio.
Na Ciência dos Materiais e na Mecânica Experimental, essas pequenas partes do
meio contínuo separadas para estudos são designadas por elementos representativos.
Teoricamente, as propriedades mecânicas verificadas no elemento representativo
do material refletem satisfatoriamente as propriedades de todo o meio. Para que isso
ocorra, o elemento deve ser suficientemente pequeno de modo a evitar mudanças
bruscas de comportamento mecânico entre um elemento e outro, mas deve ser
suficientemente grande, para poder representar os microprocessos que ocorrem em sua
estrutura elementar. Para se ter uma idéia de grandeza, esses volumes representativos
são da ordem de 0,1 mm3 para os metais e de 100 mm3 para o concreto (Lemaitre, 1996).
Com efeito, mecanismos físicos como a deformação e o dano ocorrem em escalas
inferiores, especialmente na microescala do material.
Os materiais são compostos de átomos que se mantêm agrupados por ligações
que resultam da interação de campos eletromagnéticos (Lemaitre e Chaboche, 2002). O
agrupamento desses átomos ocorre de maneira organizada, formando o que se denomina
monocristal ou grão. Para um melhor entendimento do monocristal, podem-se imaginar os
átomos ocupando os vértices de um paralelepípedo. Quando um átomo adicional ocupa o
centróide desse paralelepípedo, a estrutura cristalina elementar é denominada cúbica de
corpo centrado (CCC), característica dos materiais com alta resistência. Usualmente,
esses materiais apresentam ruptura frágil.
Por outro lado, os monocristais podem apresentar átomos organizados nos vértices
do paralelepípedo e em cada uma de suas faces, resultando no que se denomina
estrutura cúbica de face centrada (CFC). Materiais com esse tipo de estrutura elementar,
usualmente apresentam ruptura dúctil. Uma terceira categoria de organização atômica é a
que se denomina hexagonal compacta (HC), ou hexagonal fechada, onde os átomos
encontram-se organizados segundo um prisma hexagonal.
A estrutura dos metais, por exemplo, é formada pela repetição de monocristais,
dando origem ao que se denomina estrutura policristalina.
Muitas vezes, a estrutura cristalina apresenta defeitos de diferentes naturezas, no
que diz respeito à organização dos átomos. Esses defeitos podem ocorrer em pontos
isolados, como, por exemplo, pela ausência de átomos ou em superfícies, como os que
se verificam na interface entre duas fases do material 1.
Ocorrem, ainda, em linha, por repetição periódica. Esse tipo de defeito, de grande
importância, é designado discordância. Nesse nível de observação, ou seja, na
microescala, é que se verificam os principais mecanismos de interesse para a definição
do comportamento mecânico dos materiais.
Entende-se por resiliência a propriedade apresentada pelo material de deformar-se
em regime elástico. As deformações elásticas ou resilientes são resultados da reversão
dos movimentos relativos dos átomos, uma vez cessada a solicitação externa. Do ponto

1
O estudo da estrutura cristalina dos materiais é procedido no capítulo 6.
Livro Materiais de Construção Civil 2
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de vista termodinâmico, dentro de um ciclo de carregamento e de descarregamento na


fase resiliente, não ocorre dissipação energética2.
Por outro lado, as deformações irreversíveis resultam de deslocamentos relativos
dos átomos, que persistem depois de cessada a solicitação externa, podendo ocorrer nos
grãos do material, internamente (deformações intragranulares), ou envolver
deslocamentos irreversíveis de diversos grãos (deslocamentos intergranulares). As
discordâncias (defeitos em linha), por exemplo, reduzem consideravelmente a
estabilidade da estrutura cristalina, e a sua movimentação é a principal causa das
deformações permanentes.
Um metal que apresente uma série de discordâncias, quando solicitado ao
cisalhamento, experimentará uma movimentação dessas discordâncias por
deslocamentos das ligações (escorregamentos), que dará origem a deformações
permanentes. Durante essa movimentação, não há ruptura de qualquer natureza nas
ligações atômicas, mas, ao seu final, a estrutura cristalina estará reorganizada,
permanentemente, em outra posição.
Se as solicitações externas continuam a crescer, a densidade das discordâncias
aumenta, aumentando, conseqüentemente, o número de “barreiras” à movimentação das
próprias discordâncias. Assim, para que as discordâncias possam continuar a se
movimentar, há a necessidade de aumento da solicitação externa, o que justifica o
comportamento de encruamento do material. Esse fenômeno ocorre em níveis elevados
de deformação plástica (Lemaitre e Chaboche, 2002).
Outros tipos de deformação, como as que ocorrem no domínio da
viscoplasticidade, também encontram amparo nas teorias de movimentação das
discordâncias. As deformações que ocorrem particularmente no concreto e materiais
assemelhados são abordadas nos próximos itens.

3 Conceito de falha e resistência


3.1 Mecanismos de falha
Os mecanismos que causam falhas nos materiais têm origens diversas e muitas
vezes estão associados à natureza do próprio material ou às suas condições de
utilização. Ainda na discussão relativa à escala cristalina, enfatizou-se que as
deformações irreversíveis, que têm origens nas movimentações das discordâncias,
ocorrem sem que haja a ruptura das ligações atômicas.
Entretanto, se a movimentação de uma discordância for impedida por um
microdefeito ou por uma concentração de tensão ao nível microscópico, a movimentação
de outra discordância pode ser impedida e, nesse caso, ocorre a quebra de ligações
atômicas. A repetição sucessiva desses impedimentos e rupturas dará origem a um dano,
dito elementar, que consiste na nucleação de uma microfissura.
A perda de coesão entre a matriz e a inclusão, ou a quebra de ligações
intergranulares, são outros exemplos de mecanismos de dano.
Entretanto, os mecanismos de falha ou ruptura são essencialmente dois, o de
ruptura frágil e o de ruptura dúctil. Na ruptura frágil, os materiais usualmente rompem por
clivagem, ou seja, por separação direta ao longo dos planos cristalográficos, ruptura que
se caracteriza pelo desenvolvimento de deformações plásticas em quantidades
desprezíveis (vide item 5.1).
Por outro lado, a ruptura dúctil ocorre pela reunião de vazios ou de microfissuras
geradas a partir dos citados danos elementares, dentro de um processo chamado
coalescência. Nesse caso, a ruptura é precedida da geração de quantidades substanciais

2
Informações mais detalhadas sobre as deformações são encontradas no Capítulo 8.
Livro Materiais de Construção Civil 3
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de deformações plásticas. O desenvolvimento de ambas as formas de ruptura é sempre


favorecido pela existência de microdefeitos na estrutura do material.
Esses microdefeitos, quer inerentes à estrutura cristalina, quer provocados por
danos elementares, são concentradores naturais de tensão, portanto, promotores de
danificação progressiva.
No caso dos concretos, por exemplo, a existência de microfissuras e vazios,
mesmo antes da aplicação de quaisquer carregamentos, favorece a ocorrência, na escala
microscópica, de concentração de tensões elevadas, já nos estágios iniciais de
carregamento do elemento estrutural. Nesse caso, com a elevação dos níveis de
carregamento, e conseqüente aumento das tensões, verifica-se a perda progressiva de
coesão entre a matriz e os agregados, dentro de um processo de ruptura frágil que
promove as deformações permanentes na microestrutura do material.
Esse processo avança, com o crescimento da solicitação, causando rupturas
designadas rupturas de interface, que contornam parcialmente os agregados graúdos até
atingirem a matriz propriamente dita.
Assim, as características de resistência da interface matriz-agregado tornam-se
determinantes relativamente à contenção da progressão do dano. No caso dos concretos
de alta resistência (solicitados ao fraturamento ou à tração), nos quais a qualidade da
interface é superior àquela dos concretos convencionais, a microfissuração ocorre
também na fase cristalina, motivando a ruptura de toda a seção dentro de um processo
misto em que prevalece a clivagem dos agregados (ruptura intra e transgranular).
As microfissuras e os vazios, inerentes à estrutura do material ou nele provocado
em virtude da solicitação externa, são sinônimos de descontinuidades e afetam
diretamente a sua resistência.

3.2 Resistência real e teórica e efeito de escala


De modo geral, pode-se dizer que os diagramas tensão-deformação utilizados na
Engenharia não representam com total fidelidade as relações entre tensão e deformação
e a resistência efetiva do material em todos os pontos da matéria. Isso ocorre, em
primeiro lugar, pelo fato de que tais diagramas são construídos com base nas dimensões
originais do corpo-de-prova, as quais são continuamente alteradas durante o ensaio. A
rigor, seriam necessárias medidas de tensão e deformação baseadas nas dimensões a
cada instante.
Em segundo lugar, lembra-se que a resistência de um material guarda relação
estreita com o grau de integridade da sua estrutura interna. Como já se comentou, a
integridade da estrutura cristalina governa a deformabilidade do material, tanto no regime
elástico, quanto no regime plástico.
Com a evolução do processo de dano, a microfissuração torna-se mais acentuada
e, por conseqüência, aumenta também o número de descontinuidades internas no volume
do elemento estrutural. A conseqüência geométrica, em uma dada seção transversal, é
traduzida pela redução da seção útil, do ponto de vista resistente.
Por outro lado, duas ou mais estruturas similares, por exemplo, dois cilindros
construídos com o mesmo material, o primeiro com 10 cm de diâmetro por 20 cm de
altura, e o segundo com 15 cm de diâmetro por 30 cm de altura, externamente vinculados
da mesma maneira e solicitados à ruptura por compressão ou por tração uniaxial,
deveriam apresentar resistências “idênticas”, quer dizer, romper sob os mesmos níveis
teóricos de tensão.
Entretanto, isso não se verifica. Em materiais com estruturas cristalinas bem
definidas, como é o caso dos metais, a probabilidade de ocorrência de microdefeitos será
muitas vezes maior no cilindro de maior tamanho. No caso de materiais cimentícios, como
o concreto e as rochas, tanto os danos difusos quanto os danos localizados, também
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serão diferentes e ocorrerá a manifestação de um forte efeito de escala, que se exprime


através dos diferentes níveis da tensão de ruptura apresentados em cada caso.
Como o processo de microfissuração é evolutivo, a modificação da capacidade
resistente torna-se dependente do nível de danificação do material que constitui o
elemento estrutural. Assim, a resistência real vincula-se, em última análise, às
propriedades de danificação do material e, inevitavelmente, à escala estrutural.

4 Gênese da fissuração
4.1 Processo de acumulação de dano e iniciação da fissuração
Do ponto de vista mecânico, a acumulação do dano ocorre pela geração
sistemática de rupturas das ligações e nucleações sucessivas de microfissuras. Muitas
vezes, essas rupturas são caracterizadas por simples perda de coesão entre as diferentes
fases do material. Como tais descontinuidades microscópicas ocorrem nas regiões mais
tensionadas do sólido, quer no fraturamento frágil, quer no fraturamento dúctil, os vazios
que as caracterizam acabam por se reunir, dando origem a uma ou mais mesofissuras.
O crescimento individual dessas mesofissuras, ou a ocorrência de um novo
processo de coalescência delas, gera a macrofissura, que é aquela que se pode detectar
visualmente.
A solicitação alternada por tração, ou por tração seguida de compressão, por
exemplo, constitui outro importante fator de natureza mecânica, responsável pela
acumulação de danos. Mesmo que a flutuação de tensões ocorra abaixo da tensão de
escoamento do material (fadiga de alto ciclo), os defeitos microscópicos, microfissuras e
vazios que ocorrem na estrutura cristalina do material passam a concentrar tensões
(suficientemente altas), que dão origem a processos locais de plastificação.
No princípio, o processo de danificação é estável e caracterizado pela propagação
estável das microfissuras. Contudo, esse processo é evolutivo e leva a estrutura ao
colapso pelas razões anteriormente expostas.
Na macroescala do elemento estrutural, pequenas regiões que apresentem
irregularidades, descontinuidades externas ou internas decorrentes de detalhes mal-
projetados ou de defeitos de fabricação são regiões potencialmente concentradoras de
tensões, as quais podem levar a estrutura à danificação progressiva, à fissuração e ao
colapso.
Por outro lado, a acumulação de danos não se dá única e exclusivamente por
razões de ordem mecânica ou geométrica. Outros processos importantes de acumulação
de danos são os processos assistidos pelo meio. Dentre eles, destacam-se o de
fragilização dos metais pela presença de hidrogênio e o processo de corrosão.
A conjugação de fatores mecânicos e químicos, como o fenômeno da corrosão sob
tensão, constitui uma terceira classe de processo de acumulação de danos. Este último é
de grande importância na engenharia estrutural, especialmente no caso de obras
protendidas sujeitas à ação agressiva do meio.

4.2 Propagação de fissuras em elementos estruturais


A propagação de fissuras em elementos estruturais ocorre, fundamentalmente, por
intensificação de tensões acima da resistência ao fraturamento do material. As tensões
responsáveis pelo crescimento das fissuras, que muitas vezes levam ao colapso
estrutural, podem ter origens em solicitações diretas, como a aplicação de carregamentos
ao elemento estrutural, ou podem decorrer de deslocamentos impostos, a exemplo dos
recalques diferenciais, ou, ainda, de deformações termo-elásticas.
Por outro lado, fatores como a fragilização química atuam no sentido de mudar o
regime de ruptura do material, modificando, conseqüentemente, as suas características
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de resistência ao fraturamento. Essa mudança de regime pode levar à instabilidade,


como, por exemplo, uma fissura inicialmente estável.
A propagação de fissuras pode ocorrer segundo diferentes regimes. O crescimento
subcrítico ou estável subentende o crescimento da solicitação externa, para que haja um
avanço adicional da fissura. Cessada a carga, a fissura permanece estável na nova
posição.
Esse tipo de crescimento é usualmente verificado em materiais de comportamento
dúctil ou em elementos estruturais que apresentem elevados níveis de plastificação na
região à frente da ponta da fissura, a exemplo de elementos metálicos delgados e das
chapas finas. Ocorre também no concreto, nas argamassas e rochas, uma vez
ultrapassado o “limite de elasticidade” e antes que se atinja a carga crítica que leva o
elemento à ruína.
O crescimento instável da fissura é aquele que se verifica uma vez atingida a carga
crítica, ou a carga de colapso. É característico nos materiais de ruptura frágil, que
usualmente rompem sem apresentar plastificação apreciável. Os diferentes regimes de
propagação da fissura são abordados com mais detalhes ao longo deste capítulo.

4.3 Limitações da Mecânica do Dano e da Mecânica da Fratura


Na realidade, a Mecânica do Dano e a Mecânica da Fratura são ciências que se
complementam. A Mecânica do Dano preocupa-se com o processo de danificação do
material, desde a sua condição de absoluta integridade até o grau máximo de
degradação, caracterizado pela nucleação de uma fissura discreta no material. Portanto, a
formação ou iniciação de uma fissura é explicada pela Mecânica do Dano.
Por outro lado, a Mecânica da Fratura lida com a verificação da estabilidade de
uma fissura pré-existente em um meio não degradado por mecanismos de dano, assim
como com a instabilidade dessa fissura até o colapso estrutural.
Dessa maneira, tudo faz indicar que o divisor de águas entre esses dois ramos da
Ciência é, de fato, a localização da deformação.

5 Mecânica da Fratura
Definida por Kanninen (1985) como um tópico da Engenharia fundamentado na
Mecânica Aplicada e na Ciência dos Materiais, a Mecânica da Fratura ganhou impulso
como ramo da Engenharia Estrutural somente há algumas décadas, motivado pela
necessidade de interpretação de acidentes catastróficos que envolveram obras de
Engenharia.
Quando o foco do estudo se refere à integridade estrutural, esse ramo da Mecânica
contribui para a análise da formação, propagação e arrestamento3 das fissuras, com
vistas ao desempenho adequado dos materiais e estruturas. Em outras situações, os
conhecimentos podem ser aplicados na formação e propagação intencional e controlada
de fissuras, a exemplo do fraturamento hidráulico em rochas destinado à estimulação de
produtividade em reservatórios de petróleo.
Broek (1986) observa que estruturas construídas com materiais de alta resistência
normalmente apresentam baixa resistência ao fraturamento, podendo romper em níveis
de tensão muito abaixo daqueles para os quais foram projetadas. Segundo o autor, a
ocorrência de fraturamento a baixos níveis de tensão em estruturas construídas com
esses materiais induziu o desenvolvimento da Mecânica da Fratura como disciplina da
Engenharia Estrutural.
Em contínuo desenvolvimento, a Mecânica da Fratura faz parte da base dos
fundamentos do projeto estrutural, de modo a complementar aos critérios de resistência

3
Entende-se por arrestamento, o impedimento da propagação da fissura.
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utilizados, uma vez que interessa à Engenharia o conhecimento do processo de formação


das fissuras, de forma a preveni-las ou, eventualmente, a produzi-las intencionalmente.
Uma vez que as falhas ou fissuras são inevitáveis nos materiais, do ponto de vista
prático, as obras da Engenharia devem ser necessariamente avaliadas quanto à sua
segurança e vida útil, especialmente sob os enfoques da preservação e da conservação,
que são premissas essenciais do mundo moderno. A Mecânica da Fratura oferece
técnicas eficientes para a avaliação da Tolerância de Dano, com base no conhecimento
prévio de parâmetros resistentes associados à fissuração e ao colapso do material.
Os tópicos a seguir apresentados têm por principal objetivo a apresentação dos
principais conceitos relativos à Mecânica da Fratura, guardando, no entanto,
características de um texto introdutório.

5.1 Considerações sobre o fraturamento de materiais frágeis


De modo geral, a formulação da Mecânica da Fratura Elástico-Linear (MFEL) é
aplicável a analise de materiais que apresentam ruptura frágil e que usualmente rompem
por clivagem. A clivagem é a forma mais frágil de fraturamento que pode ocorrer em
materiais cristalinos. Nos metais, por exemplo, ocorre por separação direta ao longo dos
planos cristalográficos, devido à ruptura das ligações atômicas4.
Sob condições normais de solicitação ao fraturamento, nos materiais frágeis a
dissipação energética envolvida com a plastificação do material é nula ou desprezível, e o
crescimento da fissura usualmente é instável. Isso quer dizer que, uma vez iniciada, a
fissura propaga-se sem que haja necessidade de aumento do carregamento externo, o
que é sinônimo de colapso catastrófico.
Esse tipo de ruptura é usual nos materiais com estruturas cristalinas cúbicas de
corpo centrado, como o tungstênio, o molibdênio e o cromo, que se caracterizam pela sua
elevada resistência. É comum também entre materiais com estruturas cristalinas
hexagonais compactas, como o zinco, o berílio e o magnésio. Muitos aços de alta
resistência utilizados na construção civil também apresentam ruptura frágil, requerendo,
assim, atenção especial no que diz respeito à sua utilização.
Da mesma forma, diversos materiais compósitos, a exemplo dos concretos de alta
resistência, apresentam regimes de ruptura muito próximos ao da fragilidade quando
solicitados ao fraturamento. A ruptura por propagação de fissura, nesse caso, é
majoritariamente transgranular, o que, de certa forma, justifica a baixíssima quantidade de
crescimento subcrítico da fissura, que se verifica antes da ruptura.
Outro caso de interesse é o fenômeno denominado transição dúctil-frágil que
ocorre com determinados aços de comportamento dúctil. Esses materiais, se submetidos
a diminuições bruscas de temperatura, passam a romper de maneira frágil.

5.2 Modos de solicitação ao fraturamento


Os modos de solicitação ao fraturamento são diferenciados de acordo com os
deslocamentos relativos das faces da fissura, produzidos pelas solicitações externas
(pontos A e A’, Figura 1). Os três diferentes modos de solicitação ao fraturamento,
caracterizados pelas componentes de deslocamento, u, v e w, que se associam
respectivamente aos eixos ortogonais x, y e z apresentados na Figura 1, são:
ƒ Modo I, ou modo de abertura (u=0; v≠0; w=0);
ƒ Modo II, modo de escorregamento ou de cisalhamento plano (u≠0; v=0; w=0);
ƒ Modo III, modo de rasgamento ou de cisalhamento antiplano (u=0; v=0; w≠0).

4
Para maiores informações sobre os regimes de ruptura dos materiais, sugere-se uma consulta ao Capítulo 6.
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Figura 1 – Modos de solicitação ao fraturamento: Modo I (A), Modo II (B) e Modo III (C).

No entanto, em situações práticas, os sólidos e os elementos estruturais fissurados


são usualmente solicitados ao fraturamento em circunstâncias em que os diferentes
modos ocorrem simultaneamente. A combinação (ou interação) de modos e intensidade
de cada um deles determinará, dentre outras coisas, a trajetória da fissura até o colapso
estrutural.

5.3 Campo de tensão à frente da ponta de uma fissura


As regiões de descontinuidade em um sólido deformado, usualmente, provocam
aumentos rápidos dos níveis de tensão. Esse é o caso, por exemplo, de um simples furo
em uma placa tensionada. Em regiões situadas na periferia desse furo, as tensões
atingem valores três vezes maiores do que aquele da tensão aplicada.
Ao abaular-se o furo, dando-lhe o formato de uma elipse, a concentração de
tensões crescerá substancialmente, e as tensões resultantes serão amplificadas,
relativamente à tensão aplicada, de um fator igual a (1 + 2a/b), onde a e b são os semi-
eixos, maior e menor da elipse. Essas situações são ilustradas na Figura 2.

Figura 2 – Concentrações de placas de grandes dimensões com furos circular (a) e elíptico (b).

Numa situação real, onde b é praticamente nulo, ocorre o que se denomina


configuração de fissura. Nesse caso, a relação a/b tende ao infinito e, matematicamente,
a tensão também tenderá a crescer infinitamente, ou seja, a tornar-se singular. A Figura 3
ilustra esquematicamente a distribuição de tensões à frente da ponta de uma fissura de
extensão 2a, em uma chapa de dimensões “infinitas”, solicitada biaxialmente por tensões

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remotas, σ. Esse caso clássico é denominado “problema de Griffith”, em homenagem ao


precursor da Mecânica da Fratura5.

Figura 3 – Diagrama de distribuição de tensões à frente da ponta da uma fissura interna.

A presença da singularidade na ponta da fissura afeta diretamente os campos de


tensão e de deformação à sua frente, de tal modo que a determinação analítica do estado
de tensão, em um dado ponto nessa região, requer considerações especializadas.
De uma forma geral, nos problemas planos de elasticidade linear, a questão central
é encontrar uma função de tensão de Airy (Φ), que satisfaça à equação bi-harmônica:

∂ 4 Φ 2∂ 4 Φ ∂ 4 Φ
+ + =0 Equação 1
∂x 4 ∂x 2 ∂y 2 ∂y 4

Para a solução do problema de Griffith, adota-se uma função de variáveis


complexas (Unger, 1995) que satisfaz também às condições de contorno estabelecidas
no problema. Assim, todas as componentes de tensão, em qualquer ponto próximo à
ponta da fissura, ficam determinadas em função da distância r e do ângulo θ (Figura 3).
Para o Modo I de solicitação ao fraturamento, as tensões são dadas por:

KI θ θ 3θ 
σx = cos 1 − sen sen  Equação 2
2π r 2 2 2 
KI θ θ 3θ 
σy = cos 1 + sen sen  Equação 3
2π r 2 2 2 
KI θ θ 3θ
τ xy = sen cos cos Equação 4
2π r 2 2 2

Nas equações anteriores, a variável KI recebe o nome de Fator de Intensidade de


Tensão para o Modo I de fraturamento, que representa a “amplitude” da singularidade de
tensão na ponta da fissura. Em outras palavras, o Fator de Intensidade de Tensão, KI,

5
Grifith, A.A. The phenomena of rupture and flow in solids. Philosophical Transactions of the Royal Society of
London, series A, v. 221, p. 163-198, Mar. 1920.
Livro Materiais de Construção Civil 9
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pode ser entendido como o fator que associa o campo de tensão à frente da ponta da
fissura com a singularidade. No caso geral, escreve-se:

KI
σ ij = f ij (θ ) Equação 5
2π r

Para o Modo II de fraturamento, o estado de tensão em um ponto genérico é


determinado pelas equações:

K II θ θ 3θ 
σx = − sen  2 + cos cos  Equação 6
2π r 2 2 2 
K II θ θ 3θ
σy = sen cos cos Equação 7
2π r 2 2 2
K II θ θ 3θ 
τ xy = cos 1 − sen sen  Equação 8
2π r 2 2 2 

Para as solicitações no Modo III de fraturamento, tem-se:

K III θ
τ xz = − sen Equação 9
2π r 2
K III θ
τ yz = cos Equação 10
2π r 2

Nesse caso, σx= σy= σz= τxy= 0.

Observa-se, finalmente, que os Fatores de Intensidade de Tensão dependem das


dimensões do sólido fissurado, das condições de contorno do problema (tipo/forma do
carregamento e vinculação externa) e da extensão da própria fissura (Broek, 1986). Para
o Modo I, por exemplo, tem-se que:

K I = σ π a f ( a; W ) Equação 11

onde σ é a tensão externamente aplicada, a é a extensão da fissura e W é uma dimensão


significativa do sólido fissurado. A função adimensional de dependência geométrica e de
condições de contorno f(a;W) é usualmente determinada para geometrias específicas
utilizando-se técnicas numéricas, como os métodos dos elementos finitos ou dos
elementos de contorno. Para as geometrias comuns submetidas a carregamentos usuais,
as funções de dependência são facilmente encontradas na literatura.

Seja, por exemplo, uma viga bi-apoiada com base B, altura W e vão S, solicitada à
flexão em três pontos por uma carga P (carga concentrada central), que apresenta uma
fissura de extensão a no centro do vão. Nesse caso, a tensão nominal na região central
da viga é dada por:

3 PS
σ= Equação 12
2 BW 2

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A profundidade da fissura a, normalizada relativamente à altura W da viga, é


α=a/W. A altura W é a dimensão significativa do sólido fissurado, uma vez que (W-a)
define o que se denomina ligamento, ou seja, a extensão que ainda está sujeita à
fissuração. Combinando as Equações 11 e 12, tem-se:

3 PS
KI = π a f (α ) Equação 13
2 BW 2

Para a determinação do fator de intensidade de tensão, a função f(α) deve ser


calculada para a relação S/W particularmente analisada, uma vez que KI é uma grandeza
que depende da geometria. Para tanto, utiliza-se a equação que segue, cujos
coeficientes, computados pelo método dos elementos finitos, são apresentados na Tabela
1:

f (α ) = a + bα + cα 2 + dα 3 + eα 4 + fα 5 (0.05 ≤ α ≤ 0.65) Equação 14

Tabela 1 – Coeficientes para a função adimensional de dependência, f(α).

S/W a b c d e f
1 1.3784151 -2.8339910 6.3744746 -2.9002261 -5.8053333 12.7549070
2 1.0244559 -1.4050530 4.4289807 0.0180668 -8.7581504 13.9282700
3 1.0444201 -1.2557771 4.0220222 1.3056905 -11.1403750 15.6007550
6 1.0771384 -1.0921176 3.5032921 2.5230498 -12.8730870 16.6358800
9 1.0843312 -0.9797652 3.0458388 3.4258041 -13.6221960 16.7970730
12 1.0952824 -1.0798027 3.9783769 0.0532106 -8.2047085 13.5719790
15 1.0985129 -1.0667642 3.9535844 0.0330708 -8.0664448 13.4576870

Por outro lado, para uma estrutura de dimensões “infinitas”, como a chapa do
problema de Griffith, a função f(a;W) terá valor unitário.

5.4 Critério de estabilidade da fissura e tenacidade ao fraturamento


Em uma estrutura previamente fissurada, ao elevar-se o nível da solicitação
externa ao fraturamento no Modo I, por exemplo, o Fator de Intensidade de Tensão, KI,
cresce proporcionalmente.
Para um material de resposta linear-elástica ao fraturamento, o crescimento de KI
ocorrerá até que se atinja um nível crítico, a partir do qual a fissura passa a propagar de
forma instável, isto é, sem que haja crescimento da solicitação externa. Nesse caso, tem-
se uma situação limite de resistência, ou seja:

K I = K IC Equação 15

onde KIC é a tenacidade ao fraturamento do material. O subscrito c tem o significado de


crítico.
Entende-se por tenacidade ao fraturamento a propriedade que o material apresenta
de absorver e dissipar energia antes e durante o processo de fraturamento.
Pode ser igualmente entendida como a propriedade apresentada pelo material de
resistir ao avanço da fissura. Assim, a Equação 15 representa um critério de estabilidade
que é amplamente utilizado em atividades de projeto. Analisando dimensionalmente a
Equação 11 para KI (e, conseqüentemente, KIC) e observando que a função f(α) é
adimensional, tem-se:

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[K I ] = [F 2] [L] = [F ][L]− 3 2 (Equação 16)


[L]
Para a utilização de unidades de medida do SI, resulta da equação anterior:

−3
K I = Pa m = N m 2

Entretanto, as unidades usuais para KI e KIC são MPa m , MPa m m , kN m-3/2 e


daN cm-3/2, dando-se preferência à primeira e última formas para concretos, argamassas,
rochas e outros materiais menos resistentes, e à segunda, para materiais metálicos. A
Tabela 2 reúne valores típicos de KIC para alguns materiais.

Tabela 2 – Valores típicos de tenacidade ao fraturamento, para materiais de diferentes naturezas.

MATERIAL KIC
(MPa.m^0.5)

Concretos-resistência intermediária 0.6 -1.0


Concretos de alta resistência 1.0 -1.6
Madeiras 1.5-2.0
Ligas de Alumínio 25-35
Aços- resistência moderada 90-120

5.5 Campo de deslocamento à frente da ponta da fissura


O campo de deslocamento para o Modo I de fraturamento (abertura) pode ser
determinado pelas expressões que seguem (Broek,1986):

KI  r θ θ 
u=  cos 1 − 2υ '+ sen 2  Equação 17
G  2π 2 2 
K  r θ θ 
v= I  sen  2 − 2υ '− cos 2  Equação 18
G  2π 2 2 

onde u e v são as componentes de deslocamento nas direções x e y respectivamente; G


é o módulo de elasticidade transversal do material, e ν’ é o coeficiente de Poisson. O
campo de deslocamento para o Modo II de fraturamento (cisalhamento plano) é dado
pelas equações:

K II  r θ θ 
u=  sen  2 − 2υ '+ cos 2  Equação 19
G  2π 2 2 
K  r θ θ 
v= I  cos  − 1 + 2υ '+ sen 2  Equação 20
G  2π 2 2 

Para análises em estado plano de deformação, ν’=ν. No caso de estado plano de


tensão, adota-se ν’=ν/(1+ν). Para o Modo III de fraturamento (cisalhamento antiplano),
tem-se:

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K III  2r θ
w=  sen  Equação 21
G  π 2

As últimas cinco equações são úteis para a simulação do processo de fraturamento


pelos métodos dos elementos finitos e dos elementos de contorno, uma vez que permitem
o cálculo de KI, KII e KIII, assim como o ângulo θ que define a trajetória da fissura. Para
tanto, são utilizados os deslocamentos nodais (u, v e w) que resultam das soluções
numéricas.

5.6 Taxas críticas de liberação de energia


Até o presente, os parâmetros de fraturamento foram abordados em termos locais,
isto é, pela análise dos fatores de intensidade de tensão para os diversos modos de
solicitação à fratura. Por outro lado, um sólido que apresente uma fissura pode ser
analisado a partir do seu comportamento global. Nesse caso, o sólido é estudado
relativamente à variação da sua flexibilidade durante o processo de propagação da
fissura, utilizando técnicas que se fundamentam em princípios energéticos.
Suponha-se um sólido (não fissurado) deformado e em equilíbrio, sujeito à ação de
um conjunto de ações externas. O equilíbrio pode ser escrito na forma:

F=U Equação 22

onde F é trabalho realizado pelas forças externas, e U a energia potencial elástica ou


energia de deformação acumulada no sólido.
No caso de um sólido deformado em equilíbrio, que apresente uma fissura de
extensão inicial a, o crescimento desta fissura somente ocorrerá se a energia necessária
para formar uma fissura adicional de extensão “ da ” puder ser liberada pelo sistema. Por
outro lado, a condição necessária para que o sólido permaneça em equilíbrio durante a
propagação adicional e estável, de extensão infinitesimal ∂a , é que a primeira derivada
(taxa de variação) da energia potencial elástica total, П, relativamente à extensão a da
fissura seja nula (Shah, Swartz e Ouyang, 1995). Nesse caso, o equilíbrio pode se escrito
na forma:

F=U+W Equação 23

onde F é o trabalho realizado pelas forças externas, U a energia potencial elástica e W a


energia requerida para a propagação estável da fissura. Entende-se por propagação
estável da fissura o crescimento da fissura necessariamente associado ao aumento da
solicitação externa. Em outras palavras, uma vez cessado o aumento da solicitação,
cessa também o crescimento da fissura. O potencial energético, nesse caso, é dado por:

∏ = U − F +W Equação 24

A condição para que o crescimento da fissura seja estável,será:

∂∏ ∂
= (U − F + W ) = 0 Equação 25
∂a ∂a
e


(F − U ) = ∂W Equação 26
∂a ∂a
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que é a condição para o equilíbrio energético. O primeiro membro da equação anterior,


designado por G, é a parcela que solicita ao fraturamento, e o segundo, a sua contraparte
resistente, R. Para um sólido deformado, de espessura B, solicitado por uma força P que,
por sua vez, produz um deslocamento v, tem-se:

1 ∂
G= ⋅ ( F −U ) Equação 27
B ∂a

que é a Taxa de Liberação de Energia. Considerando-se o deslocamento v produzido


pela carga ao realizar o trabalho, a equação anterior pode ser reescrita na forma:

1 ∂
G= (F − U ) = 1  P ∂v − ∂U  Equação 28
B ∂a B  ∂a ∂a 

Considerando também o conceito de flexibilidade, C = v/P ou v = C.P, tem-se que:

1 1
U= Pv = C P 2 Equação 29
2 2
e
∂v ∂
= (C P ) = C ∂P + P ∂C Equação 30
∂a ∂a ∂a ∂a

Com o equacionamento anterior, as duas diferentes formas de solicitação ao


fraturamento (através de forças aplicadas ou de deslocamentos aplicados) podem ser
estudadas separadamente. No caso de força constante aplicada, tem-se:

1  ∂v ∂U  1   ∂P ∂C  1  ∂P ∂C  
G= P −  =  P C +P  −  2CP + P2  Equação 31
B  ∂a ∂a  B   ∂a ∂a  2  ∂a ∂a  

Como P é constante, ∂P / ∂a = 0 :

P 2 ∂C
G= Equação 32
2 B ∂a

Da mesma forma, pode-se escrever:

1  ∂v  1  ∂U 
G= P  =   Equação 33
2 B  ∂a  B  ∂a 

No caso de deslocamento constante aplicado, tem-se v constante e ∂v / ∂a = 0 .


Procedendo de forma análoga, obtém-se:

1 ∂P 1  ∂U 
G=− v =−   Equação 34
2 B ∂a B  ∂a 

O equacionamento anterior permitiu concluir que o valor de G é constante, tanto


para carregamentos prescritos como para forças prescritas. É importante observar que G
tem um caráter global, ao contrário de KI, pois decorre da análise de variação de
flexibilidade do corpo (antes e após a propagação da fissura).
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Observa-se que, para um material frágil e de comportamento elástico-linear,


quando a taxa de liberação de energia, G, atinge um valor crítico, GC, a fissura propaga
de maneira instável. Assim, GC é um parâmetro resistente do material, ou seja, uma
propriedade mecânica e é conhecido como Taxa Crítica de Liberação de Energia ou
Energia de Fraturamento. A energia de fraturamento é uma medida da tenacidade ao
fraturamento do material.
Mesmo que obtidos em análises de diferentes naturezas (local e global), o fator de
intensidade de tensão K e a taxa de liberação de energia potencial elástica G, são
parâmetros de tenacidade que se relacionam. A relação entre K e G é obtida através de
uma análise inversa, pela qual se procura determinar a energia necessária ao fechamento
parcial de uma fissura em um corpo deformado, aplicando-se uma tensão às duas faces
da mesma, denominada tensão de fechamento (Broek,1986), procedimento que conduz a:
2 2
KI K II
GI = G II = Equação 35
E' E'

onde E’=E para o estado plano de tensão (EPT) e E’=E/(1-ν2) para o estado plano de
deformação (EPD). Para o Modo III, tem-se:

2
K
G III = (1 + ν ) III Equação 36
E

Para o caso de solicitação múltipla ao fraturamento:

1 2 (1 + ν ) 2
G= ( K I + K II2 ) + K III ( E.P.T.)
E E
Equação 37a, b
(1 − ν 2 ) 2 (1 + ν ) 2
G= ( K I + K II2 ) + K III (E.P.D)
E E

Figura 4 – Seqüência esquemática da determinação de KIC pela técnica de variação de flexibilidade.

As equações para G, anteriormente deduzidas, bem como a relação existente entre


G e K, são de grande utilidade para a determinação da tenacidade ao fraturamento dos
materiais, a partir da análise da variação de flexibilidade de corpos-de-prova, quando
solicitado ao fraturamento em laboratório. De uma forma geral, toma-se:

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2
P 2 ∂C K I
GI = = Equação 38
2 B ∂a E'
e
1
 E ' ∂C  2
K I = P  Equação 39
 2 B ∂a 

A Figura 4 ilustra a seqüência de determinação de KI, pela análise da variação de


flexibilidade de um corpo-de-prova, utilizando a Equação 39.
Ao leitor interessado em um aprofundamento no assunto, recomenda-se o estudo
de outras formulações baseadas em princípios energéticos, como o das integrais de
caminho independente (integrais “J”), que se aplicam à análise tanto de problemas
lineares, quanto de problemas elastoplásticos.

5.7 Extensão da zona de processos inelásticos e limitações da Mecânica da


Fratura Elástico-Linear
Define-se como zona de domínio de K a região circunferencial à frente da ponta da
fissura, dentro da qual o campo de tensão e de deformação é descrito (e governado) pelo
Fator de Intensidade de Tensão. Tendo em vista as limitações inerentes à resistência do
material fissurado dentro dessa zona circular e imediatamente à frente da ponta da
fissura, ocorre o que se denomina Zona de Processos Inelásticos, conforme se ilustra na
Figura 5a.
No caso dos materiais de ruptura quase-frágil, como os concretos, as argamassas
e certas rochas, a zona de processos inelásticos é caracterizada por uma "banda"
microfissurada, que acumula o processo de dano decorrente da amplificação das tensões.
No caso de sólidos fissurados constituídos de materiais dúcteis, quando as tensões
na região próxima à ponta da fissura excedem o nível de resistência elástica, o material
passa a escoar.

Figura 5 – Zonas de domínio de K e de processos inelásticos.

Sob o enfoque da possível redistribuição da tensão excedente, a extensão da zona


de processos inelásticos pode ser calculada, com certa aproximação, utilizando-se a
seguinte expressão (Broek, 1986):

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σ 2a K I2
rp = = (Equação 40)
f y2 π f y2

onde a é a extensão da fissura, σ a tensão aplicada e fy a tensão de escoamento do


material. O valor de rp assim calculado é utilizado para a correção da extensão da fissura,
como se discute a seguir.
Como estudados, os conceitos gerais da MFEL são baseados em análises
elásticas do campo de tensão, para pequenas deformações (Unger, 1995). Assim, para
que a formulação da MFEL seja aplicável à análise de um determinado problema, essa
premissa deve ser observada.
Naturalmente, no interior da zona danificada, as soluções elásticas perdem a
validade. A extensão da zona de processos inelásticos influenciará diretamente a
extensão da zona de domínio de K, dado que as soluções elásticas foram deduzidas para
regiões muito próximas à ponta da fissura.
Portanto, para que os princípios elásticos lineares tenham validade, é necessário,
que a condição de plastificação (ou danificação) em pequena escala se verifique. Uma
determinação mais rigorosa da extensão rp da zona de processos inelásticos é procedida
analisando-se o estado de tensão à frente da ponta da fissura, comparativamente à
resistência apresentada pelo material, considerando-se todas as componentes de tensão
σ1, σ2 e σ3. Para tanto, é necessário que se utilize um critério de escoamento ou de ruptura
que descreva satisfatoriamente o comportamento do material.
Nesse sentido, materiais que apresentem ruptura associada ao cisalhamento, a
exemplo dos metais, podem ser analisados através dos critérios de Tresca ou de von
Mises. Outros materiais, cujas rupturas vinculam-se mais fortemente à tensão
hidrostática, como, por exemplo, os solos, as rochas e materiais assemelhados, são
freqüentemente estudados pelos critérios de ruptura de Mohr-Coulomb e Drucker-Pragger
(Chen e Han, 1999). No que se segue, o critério de von Mises passa a ser analisado.
De acordo com esse critério, o escoamento terá lugar quando a tensão efetiva ou
tensão equivalente de von Mises, σeq, atingir o valor da tensão de escoamento, fy, do
material (Lemaitre e Chaboche, 2002). Assim:

[(σ ]
1
1
− σ 2 ) − (σ 2 − σ 3 ) − (σ 3 − σ 1 )
2 2 2
1
2
= fy Equação 41
2

Introduzindo o conceito de Fator de Confinamento Plástico (FCP):

σ eq
FCP = Equação 42
fy

e observando que a tensão efetiva de escoamento, σeq, é dependente do grau de


confinamento, pode-se proceder às análises dos diferentes estados planos. Para θ = 0, as
tensões principais são dadas por:

KI KI KI
σ1 = ; σ2 = ; σ 3 = ν (σ 1 + σ 2 ) = 2ν Equação 43
2π r 2π r 2π r

Adotando-se o coeficiente de Poisson, ν =1/3, e manipulando-se as equações


anteriores, decorre para o estado plano de deformação que FCP= 3, isto é:

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σ 1 = 3 f y = σ eq Equação 44

De maneira análoga, estuda-se o estado plano de tensão. Nesse caso, a tensão σ3


será nula, implicando que F.C.P= 1. O equacionamento anterior permite reescrever a
Equação 40 de forma a considerar o fator de confinamento plástico, como segue:

σ 2a K I2
rp = = Equação 45
(FCP f ) y
2
π (FCP f y )2

Observa-se, por meio da Equação 45, que a extensão da zona de processos


inelásticos para o EPT (chapas finas, por exemplo) é várias vezes maior em comparação
ao estado plano de deformação (Figuras 5b e 5c). Isso permite concluir que, em estado
plano de tensão, a dissipação energética associada à formação da ZPI (Zona de
Processos Inelásticos) é muito superior. Nesse caso, a resistência ao fraturamento
também o será, dado que grande parte da energia potencial elástica ou energia de
deformação será dissipada com a danificação prévia do material, antes mesmo que a
propagação da fissura tenha lugar. Com efeito, a tenacidade ao fraturamento avaliada em
EPD é menor que aquela avaliada em EPT.
Por outro lado, devido ao confinamento, em EPD as tensões na região à frente da
ponta da fissura podem alcançar o triplo da tensão de escoamento, e a resistência ao
fraturamento, nesse caso, será menor.
Para considerar esta questão e por razões inerentes à segurança de projeto, a
tenacidade ao fraturamento é correntemente avaliada em EPD. Nesse sentido, algumas
considerações que objetivam limitar a extensão da zona de processos inelásticos, assim
como assegurar as condições de confinamento da região à frente da ponta da fissura, são
adotadas nas principais normas técnicas. A ASTM (ASTM,1990), por exemplo, faz as
seguintes exigências, relativamente às dimensões do corpo-de-prova destinados à
avaliação da tenacidade ao fraturamento em EPD:

2
K 
a; B; (W − a ) ≥ 2.5 IC  Equação 46
 f 
 y 

As Figuras 5b e 5c ilustram, esquematicamente, a distribuição de tensões para


EPD e EPT, bem como as extensões da zona de processos inelásticos em cada um dos
casos. Para considerar a transição entre EPT e EPD à frente da ponta da fissura, dado
que na superfície do sólido o EPD não pode ser totalmente assumido, adota-se
FCP = 2 2 , o que conduz a:

σ 2a K I2
rp = ≅ Equação 47
 2 2 f 
2
3π f y2
 y

Observa-se, finalmente, que, muitas vezes, torna-se necessária a correção da


extensão a da fissura, para a utilização da formulação da MFEL, o que só é possível
fazer, dentro de certos limites. Para tanto, utiliza-se uma extensão efetiva que pondera a
extensão da zona de processos inelásticos. Essa extensão, para uma fissura com
somente uma ponta, é dada por:

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aef = a + rp Equação 48

6 Mecânica da Fratura Elastoplástica e Não-Linear


6.1 Considerações sobre o fraturamento de materiais dúcteis
Como se comentou anteriormente, problemas de fraturamento que envolvem a
elasticidade não-linear ou a plastificação em larga escala não devem ser analisados com
a formulação da MFEL, uma vez que ela se fundamenta no campo elástico-linear de
tensão, em condições de pequenas deformações.
Por outro lado, quando o material apresenta comportamento plástico ou
viscoplástico envolvendo quantidades substanciais de deformações irreversíveis (e
conseqüente dissipação de energia), a zona de processos inelásticos deixa de ter
extensão desprezível, em comparação a outras dimensões significativas do sólido
fissurado ou à extensão da própria fissura.
Nesses casos, o crescimento da fissura usualmente é estável, isto é, para que haja
crescimento da fissura, há a necessidade de se aumentar o nível do carregamento
externo, comportamento desejável do ponto de vista da segurança estrutural. O
desempenho progressivo do material é um indicador de que a tenacidade ao fraturamento
do material nesses casos não tem um valor constante. Na realidade, a resistência ao
fraturamento cresce com o crescimento da fissura.
Para a análise de problemas de fraturamento nessas condições, diversos modelos
não-lineares foram desenvolvidos, dando origem à Mecânica da Fratura Não-Linear
(MFNL).
Os conceitos da MFNL são aplicáveis à análise de materiais com estruturas
cristalinas cúbicas de face centrada, que apresentam ruptura dúctil. Com esses modelos
são analisados ao fraturamento os metais puros como o ouro e o cobre, certas ligas de
alumínio. Da mesma maneira, modelam com naturalidade o fraturamento de componentes
estruturais esbeltos e chapas de pequena espessura, elementos estruturais sujeitos a
elevados níveis de plastificação, usualmente fabricados com aços de baixo teor de
carbono ou outros materiais.
Aplica-se também a MFNL, porém com a utilização de enfoques próprios, à análise
de materiais de ruptura quase-frágil, como os concretos, as argamassas, as rochas e
certas cerâmicas. Nesses casos, a zona de processos inelásticos não é caracterizada por
uma região plastificada, mas por uma região microfissurada de extensão considerável.

6.2 Modelos de análise do fraturamento elastoplástico


Os principais modelos não-lineares desenvolvidos para a análise do fraturamento
elastoplástico são:

ƒ Modelo de Dugdale/Barenblatt;
ƒ Modelo de Wells;
ƒ Integrais “J”;
ƒ Módulo de rasgamento;
ƒ Curvas de resistência ao fraturamento.

No presente trabalho, somente o modelo de Dugdale é abordado, ficando os


demais modelos indicados aos leitores que desejarem um maior aprofundamento no
assunto.

Modelo de Dugdale
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Esse modelo considera a existência de uma fissura efetiva, cuja extensão é maior
que a da fissura real e que engloba a zona plastificada na ponta da fissura. A extensão
adicional, ρ, à frente da ponta da fissura é suposta estar solicitada por uma tensão de
fechamento de valor igual à tensão de escoamento do material.
A determinação dessa extensão é procedida considerando-se a superposição de
efeitos dos fatores de intensidade de tensão decorrentes do carregamento externo, K Iσ , e
da tensão de fechamento que atua ao longo da extensão ρ, K Iρ . Assim, a singularidade
na ponta da fissura é cancelada, ou seja, KI = 0, conforme ilustra a Figura 6.

Figura 6 – Fissura efetiva do modelo de Dugdale.

A superposição de efeitos é dada por:

K I = K Iσ + K Iρ = 0 Equação 49

que conduz a

K Iσ = − K Iρ Equação 50

As expressões para os fatores de intensidade de tensão devidos às tensões de


fechamento e ao carregamento externo podem ser encontradas na literatura (Broek,
1986). A consideração dessas expressões nas Equações 49 e 50 conduzem a:

π 2σ 2 a π K I2
ρ= = Equação 51
8 f y2 8 f y2

que representa a extensão adicional a ser considerada na ponta (ou nas pontas) da
fissura, para a aplicação da formulação da MFEL. Observa-se que:

π K I2 K I2
≅ = rp Equação 52
8 f y2 π f y2

resultado bastante parecido com aqueles obtidos com as Equações 40 e 45 para estado
plano de tensão, comprovando, como esperado, que no fraturamento elastoplástico a
região de dano é bastante significativa.

6.3 Fraturamento com localização e amolecimento


Nos itens anteriores, foram abordados os principais conceitos relativos à Mecânica
da Fratura Elástico-Linear e do fraturamento elastoplástico. Observou-se, também, que a

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aplicabilidade dos conceitos clássicos da MFEL à análise dos problemas de fraturamento


vincula-se à extensão da zona de processos inelásticos à frente da ponta da fissura.
No caso dos materiais de ruptura quase-frágil, como é o caso dos concretos, das
argamassas, das rochas e de certas cerâmicas, a zona de processos inelásticos é
caracterizada por uma “banda” microfissurada (Bazant e Oh, 1983; Shah, Swartz e
Ouyang,1995). A banda ou região de microfissuração é usualmente modelada pela
adoção de uma simples interface, dita coesiva, cuja principal característica é a habilidade
de transmissão de tensões entre as faces da fissura.
Essa propriedade, de certa maneira, caracteriza a ruptura quase-frágil e espelha o
ganho de tenacidade do material, dado que uma parcela complementar de energia deve
ser dissipada para a redução progressiva (no sentido de destruição) da interface coesiva
durante a ruptura, o que serve de fundamento para o modelo de amolecimento adotado
para o concreto (Hillerborg,1985). Em tese, a extensão dessa interface é uma propriedade
intrínseca do material e associa-se a parâmetros específicos da sua estrutura.
Entretanto, a extensão total da fissura (fissura visível acrescida da extensão da
interface coesiva), em princípio, é indeterminada, o que torna o problema fortemente não-
linear. Para equacionar-se a questão, diferentes estratégias, como aquelas já abordadas
na elastoplasticidade e que envolvem o conceito de fissura efetiva, podem ser aplicadas
satisfatoriamente para a solução de diversos problemas.
Os principais conceitos relacionados à modelagem do fraturamento quase-frágil
passam a ser analisados em seus principais aspectos.

6.3.1 ANÁLISE DA RUPTURA QUASE-FRÁGIL


Para o estudo da ruptura quase-frágil, analisa-se inicialmente um sólido pré-
fissurado, solicitado ao fraturamento, bem como o diagrama carga versus deslocamento
decorrente do procedimento, conforme se ilustra na Figura 7.
Supõe-se que a solicitação ocorra em ciclo fechado, em que as respostas de
deslocamento controlam a aplicação da carga. Dessa maneira, a adoção de uma taxa
constante de deslocamento fará com que o sistema de ensaio monitore sistematicamente
a carga aplicada, carregando ou descarregando o sólido e evitando o colapso brusco.
Esse tipo de ensaio é denominado ensaio controlado, ou ensaio sob condições de
controle de deslocamentos, e pode ser levado a efeito igualmente sob condições de
controle de deformações ou do CMOD (crack mouth opening displacement ou
deslocamento de abertura da entrada do entalhe).

Figura 7 – Sólido pré-fissurado solicitado ao fraturamento e diagrama Pxδ (ou Px CMOD) da ruptura.

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Para a análise de resultados do ensaio, o diagrama de ruptura é subdividido em


três fases distintas. Dentro da primeira fase, a microfissuração é dispersa no volume do
sólido e, para todos os efeitos, a resposta é considerada elástico-linear. Na segunda fase,
com o crescimento da carga, a partir do ponto a, a microfissuração passa a ficar mais
pronunciada, especialmente no plano preferencial de fraturamento.
Durante o crescimento da carga, inicia-se a formação de uma banda de
microfissuração, ou seja, de uma zona de acumulação de danos. Assim, a resposta de
deslocamentos do sólido começa a desviar-se gradativamente da linearidade até que se
alcance o ponto b. A partir desse ponto, as microfissuras passam a reunir-se para formar
uma fissura maior, dentro de um processo conhecido como coalescência, caracterizando
a localização da deformação.
Até o ponto c, ou seja, até a carga de instabilidade, o crescimento da fissura é
estável (ou subcrítico). Em outras palavras, para que a fissura continue a crescer, há a
necessidade de crescimento do carregamento externo. A partir da carga de instabilidade,
ou seja, a partir do ponto c, a fissura passa a propagar de forma instável, e a fase III do
diagrama só poderá ser obtida experimentalmente se os níveis de carregamento puderem
ser gradativamente diminuídos, para que a ruptura brusca não ocorra. Isso pode ser
alcançado por meio do controle de um parâmetro de deslocamento (ou de deformação).
O ramo descendente do diagrama P-δ é conhecido como amolecimento e
caracteriza a ruptura dos materiais quase-frágeis.

6.3.2 MODELAGEM DA ZONA DE PROCESSOS INELÁSTICOS


A zona de processos inelásticos é inicialmente modelada pela consideração de
uma tensão de fechamento, que atua em ambas as faces da fissura. Esse procedimento é
análogo àquele adotado nos modelos elastoplásticos de Dugdalle, conforme se ilustra na
Figura 8.

Figura 8 – Tensão coesiva de fechamento das faces da fissura quase-frágil.

A tensão de fechamento, usualmente chamada de “pressão” coesiva, σ(w), é uma


função monotonicamente decrescente do deslocamento de abertura da fissura, w, ou
seja, quando w = 0, tem-se que σ (w) = f t e quando w = wC, σ (w) = 0 . Na Figura 8, o
comprimento da fissura inicial é designado a e a extensão da zona de processos
inelásticos, ou seja, a extensão da interface coesiva é designada lp, de tal forma que a
extensão total da fissura será aef = a+ lp, consideração análoga àquela feita nos modelos
elastoplásticos efetivos.

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A tensão de fechamento tem origem em diversos e complexos mecanismos que


atuam nas faces da fissura e espelha a principal propriedade da interface coesiva, ou
seja, a sua capacidade de transmissão de tensões entre as faces da fissura. Assim, para
que a fissura se propague, há necessidade de dissipação de uma parcela adicional de
energia, muitas vezes predominante, para superar a ação inibidora da propagação,
provocada pelos mecanismos de fechamento. Como exemplos desses mecanismos,
citam-se o intertravamento dos grãos, o desvio da direção de propagação, a fricção
interfacial, os arrestamentos localizados devido à presença de vazios, a bifurcação do
caminho de propagação e o arrancamento dos grãos entre as faces da fissura.
Devido aos diferentes mecanismos de dissipação de energia que se verificam no
fraturamento quase-frágil, o processo de ruptura pode ser modelado de diferentes
maneiras. Quando é modelado usando unicamente o mecanismo de Dugdale, a fissura
quase-frágil é usualmente chamada de fissura fictícia, e o modelo utilizado para tratá-la
denomina-se Modelo Coesivo.
Quando é modelada considerando-se o mecanismo de dissipação de Griffith-Irwin
que fundamenta a MFEL, a fissura quase-frágil é chamada de fissura efetiva, e a
abordagem é denominada Elástico-Equivalente ou Elástico-Efetiva. Nesse último caso, a
modelagem é procedida para a determinação de parâmetros de tenacidade ao
fraturamento, a qual é abordada no item seguinte.
Uma terceira classe de modelo é o proposto por Bazant, denominado Modelo do
Efeito de Escala (Bazant e Kazemi, 1990). Esse modelo considera a extrapolação das
respostas das Taxa Crítica de Liberação de Energia, a estruturas de dimensões infinitas e
relaciona essa taxa à escala estrutural.
Dentre os modelos denominados coesivos, o que ganhou maior aceitação foi o
modelo idealizado por Hillerborg (1976, 1985), denominado Modelo da fissura fictícia.
Nesse modelo, uma questão importante reside na escolha adequada da relação tensão-
abertura (σ-w). As relações σ-w mais simples são as relações lineares e as bi-lineares,
ilustradas na Figura 9. Para o fraturamento no Modo I, de abertura, tem-se (Shah, Swartz
e Ouyang, 1995):
Relação Linear

 w
σ (w) = f t 1 −  Equação 53
 w
c 

com wC variando entre 0,01 e 0,04 mm.

Figura 9 – Relações tensão-abertura para o modelo fictício.

Relação Bi-linear

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w
σ (w ) = ( f t − σ 1 ) para w ≤ w1 Equação 54
w1
e
 w − w1 
σ (w) = σ 1   para w > w1. Equação 55
w
 c − w 1 

Essa relação é recomendada pelo CEB-FIP. Nesse caso, wC varia em função da


dimensão característica do agregado, Φmax, de acordo com a Tabela 3.

Tabela 3 – Valores de wC e da constante kd, em função de Φmax.

φ max wc kd
(mm) (mm)

8 0.12 4
16 0.15 6
32 0.25 10

Na relação bi-linear, tem-se:

σ 1 = 0.15 f t Equação 56
e
0.95
G 
G F − 22 wC  F 
w 1=  kd  Equação 57
0.95
 GF 
150 
 kd 
com:

0.7
GF = k d f C Equação 58

onde GF é a Energia de Fraturamento (a ser detalhada). Na Equação 58, a resistência à


compressão fC é dada em MPa e GF em N/m ou J/m2. Outras relações, como a tri-linear, a
função de potência ou mesmo relações exponenciais, podem ser igualmente adotadas.
No caso em que se considera a solicitação mista ao fraturamento, relações tensão-
abertura análogas às anteriores, mas que utilizam também as tensões de cisalhamento e
os deslocamentos de escorregamento (CSD), são necessárias para uma análise
acoplada.

6.4 Estudo do fraturamento dos materiais cimentícios


6.4.1 Parâmetros de tenacidade associados ao modelo da fissura fictícia
Pela utilização do modelo coesivo, torna-se possível não só a reprodução do
colapso estrutural computacionalmente, como também a determinação de parâmetros de
tenacidade ao fraturamento que interessam, do ponto de vista prático, às atividades de
projeto. Dentre os diversos parâmetros de resistência ao fraturamento até aqui
abordados, os principais, e que se associam ao modelo fictício, são a Energia de
Fraturamento GF e o comprimento característico do material, lch.

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A metodologia utilizada para a determinação desses parâmetros de tenacidade,


assim como as limitações e as dificuldades inerentes à suas implementação experimental,
são discutidas a seguir.

Energia de fraturamento, GF
A determinação da energia de fraturamento faz uso de uma técnica bastante
simples que consiste na determinação do trabalho necessário à completa ruptura de uma
secção transversal entalhada. A energia de fraturamento, em termos unitários, é obtida
dividindo-se o trabalho realizado pela carga até a ruptura do corpo, no sentido dado por
Clapeyron, pela área da seção fraturada.
O método foi proposto na década de 1980 por Hillerborg (1985), um dos
precursores da Mecânica da Fratura do concreto. Por sua simplicidade, a metodologia
proposta foi largamente aplicada, tendo sido sugerida pela RILEM (1985) para
determinação da energia de fraturamento como parâmetro de resistência dos concretos e
das argamassas.
Posteriormente, com o desenvolvimento mais acelerado da Mecânica da Fratura do
concreto, diversos pesquisadores concluíram que a energia de fraturamento assim obtida
é fortemente dependente de escala, o que inviabilizaria, ao menos em tese, a aplicação
irrestrita do método.

Bases do método
Para o estudo do método proposto por Hillerborg (1985), analisa-se o colapso de
um sólido fissurado submetido a um ensaio de tração uniaxial, no qual o carregamento é
aplicado em ciclo fechado com as respostas de deslocamento. Para tanto, duas posições
distintas são monitoradas ao longo da ruptura, utilizando-se dois transdutores de
deslocamentos. A primeira dessas posições, designada A, situa-se na região não
fissurada do sólido, e a segunda, designada B, situa-se na região da fissura, como se
ilustra na Figura 10.
Na posição A, os deslocamentos são simplesmente registrados. Os deslocamentos
registrados em B servem também para controlar a aplicação da carga.

Figura 10 – Decomposição da resposta global de deslocamentos no ensaio de energia de fraturamento.

A resposta global dos deslocamentos do sólido ao longo da ruptura também é


apresentada na Figura 10. Essa resposta refere-se às aquisições do transdutor
posicionado em B.
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Nessa posição, observa-se o crescimento dos deslocamentos com o aumento da


carga, até que se alcance a carga de instabilidade, ou seja, a carga máxima do ensaio.
Durante o processo de carregamento até a carga máxima, o transdutor posicionado em A
registra os deslocamentos, que também são crescentes Após atingir-se a carga máxima,
tem início a propagação instável da fissura. Como o ensaio está sendo executado em
ciclo fechado, o sistema passa a diminuir paulatinamente os níveis de carregamento, de
tal forma que a taxa de deslocamento inicialmente imposta é respeitada. Com o início do
descarregamento, observa-se que os deslocamentos elásticos (e, conseqüentemente, as
deformações elásticas) na região A passam a ser recuperados.
Durante esse processo, o transdutor situado em B evolui a aquisição, registrando o
ramo de amolecimento, conforme ilustram os diagramas da Figura 10. Com a diminuição
da carga até zero, a parcela elástica da deformação em A é recuperada, recuperando-se
a energia de deformação correspondente (área 1, Figura 10). A parcela irrecuperável
(área 2, Figura 10) espelha a densidade de energia de deformação dissipada no volume
do sólido. Essa parcela da dissipação energética é relativamente pequena,
comparativamente àquela que se verifica em B.
A área 3 da Figura 10, registrada pelo transdutor B, é muitas vezes maior e reflete
a quantidade de energia dissipada na zona de processos inelásticos durante a ruptura.
Essa dissipação de energia está fortemente relacionada à redução progressiva da
interface coesiva (que inibe o crescimento da fissura) e justifica o comportamento quase-
frágil do material, ao longo da ruptura.
Ao dividir-se o trabalho realizado pela carga pela área da seção fraturada,
normaliza-se o problema e define-se, assim, a energia de fraturamento como sendo a
quantidade de energia necessária para a propagação de uma fissura unitária.
Naturalmente, abstrai-se desse raciocínio toda a energia dissipada de forma espúria, quer
no volume do corpo-de-prova, quer com a danificação do material nos apoios e no ponto
de transmissão da carga.

Generalidades sobre os procedimentos de ensaio


Para a determinação da energia de fraturamento GF, são utilizadas vigas com
entalhes centrais, submetidas à flexão em três pontos, como se ilustra na Figura 11a. No
caso dos concretos, as dimensões do corpo-de-prova são determinadas em função da
dimensão característica do agregado graúdo, Φmax.

Figura 11 – Vigas entalhadas, submetidas à flexão em três pontos.

A execução do entalhe central tem por objetivo a fragilização da seção transversal


nessa região e a criação de um plano preferencial de fraturamento, de tal forma que a
dissipação energética seja, o tanto quanto possível, planar.

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Os ensaios são conduzidos em ciclo fechado, onde o carregamento é controlado


pelas respostas do deslocamento vertical da linha de carga. A taxa de deslocamento
imposta é da ordem de 0.05 mm/min. O deslocamento de 0.05 mm é obtido para os
concretos usuais na carga máxima, a qual se pretende atingir em um minuto. Muitas
vezes, os deslocamentos verticais são tomados na face inferior da viga.
Em ambos os casos, esses deslocamentos são medidos com o auxílio de um
transdutor, fixado ao corpo-de-prova através de um dispositivo de fixação denominado
Yoke, cujos pontos de ancoragem encontram-se situados sobre os apoios do corpo-de-
prova, à meia-altura da seção.
Os corpos-de-prova são ensaiados saturados com água, até a total ruptura ou até
que se atinja a carga zero. A saturação das amostras deve-se ao fato de que a totalidade
dos parâmetros de fraturamento do concreto e de outros materiais assemelhados é
diretamente influenciada pelo teor de umidade do material.

Determinação da energia de fraturamento


A energia de fraturamento é obtida dividindo-se o trabalho realizado pela carga
externa, para total ruptura do corpo-de-prova, pela área da seção transversal fraturada, ou
seja, a área do ligamento, AL, projetada sobre o plano da seção transversal.
O trabalho externo é dado pela área sob a curva Pxδ. Assim:

1 δ
GF =
AL ∫ P(δ ) dδ
0
Equação 59

Para a consideração de outras parcelas intervenientes, a Equação 59 é


remodelada, da forma que se segue:

W0 + W1 + W2
GF = Equação 60
AL

onde W0 é o trabalho realizado pela força externa, W1 o trabalho parcial realizado por uma
força adicional, F1, decorrente da consideração do peso próprio do corpo-de-prova e do
peso dos acessórios de transmissão de carga, posicionados sobre o corpo-de-prova.
O trabalho W2 é o trabalho complementar realizado pela força F1, considerada
concentrada no centro do vão e que daria origem ao mesmo momento fletor que aquele
decorrente do peso da viga e dos acessórios de transmissão de carga. Essa carga tem
valor igual à metade do peso próprio mais acessórios. As diversas parcelas que compõem
o trabalho total são ilustradas na Figura 12.

Figura 12 – Parcelas de trabalho que compõe o trabalho total de fraturamento.


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As parcelas W1 e W2 consideram a situação de carregamento prévio do corpo-de-


prova, que ocorre antes do início do carregamento externo e que decorre da ação do peso
próprio e do peso dos acessórios. A rampa de amolecimento que se utilizaria para a
determinação de W2 tende assintoticamente ao eixo dos deslocamentos. Como
simplificação, adota-se W2 ≈ W1.

Determinação do comprimento característico, lch.


O comprimento característico do material, como definido por Hillerborg (ano???), é
dado por:

EG F
l ch = Equação 61
ft2

onde E é o módulo de Young, GF a energia de fraturamento e ft, a resistência à tração do


material. Essa grandeza decorre de uma aproximação do fraturamento elástico-linear, em
que a relação entre K e G é considerada, ou seja:

K 12 σ 2 a
G= = Equação 62
E' E'
ou

E'G
a= (Equação 63)
σ2

Observa-se que as Equações 61 e 63 têm a mesma forma dimensional. A


grandeza lch, inicialmente definida como uma propriedade do material, é proporcional à
extensão da zona de processos inelásticos. Para o concreto essa extensão varia entre
0.3lch e 0.5lch. Na realidade, o comprimento característico é um índice da ductilidade do
material. Por decorrer de uma aproximação da MFEL, essa grandeza também é
intrinsecamente dependente de escala.

A dependência da energia de fraturamento na escala estrutural


Estudou-se que a energia de fraturamento é obtida dividindo-se o trabalho
realizado pela carga externa, pela área da seção fraturada. Essa área é tomada no
sentido estritamente geométrico, não se considerando, portanto, as irregularidades da
superfície fraturada. Na realidade, a área da superfície fraturada é, muitas vezes, superior
ao produto da largura B da viga, pela extensão do ligamento W-a0. Ao ampliar-se o campo
da observação, é possível notar que a topografia da superfície rugosa é constituída por
inúmeros picos e vales, com características fortemente fractais.
Na realidade, a rugosidade da superfície fraturada está intimamente relacionada à
fragilidade do material. Quanto mais frágil for o material, mais plana será a superfície
fraturada, uma vez que o fraturamento passa a ocorrer por clivagem, ou seja, por um
corte mais uniforme. Nesse caso, a área fraturada terá valor mais próximo do produto
B.(W-a0), e o erro no cálculo da energia de fraturamento, relativamente à área de
projeção, será menor.
No caso de materiais de comportamento relativamente dúctil na ruptura, a
separação das partes tem características intergranulares mais acentuadas. Isso justifica
uma superfície maior, ou seja, um maior afastamento da área real, relativamente ao
produto B.(W-a0). Conseqüentemente, o erro no cálculo da energia de fraturamento,
relativamente à área de projeção, será maior. Observa-se, entretanto, que a análise não
deve ser procedida considerando-se apenas eventuais erros no cálculo da área da seção
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fraturada. O que de fato ocorre é que, em ambos os casos, os diagramas P-δ serão
significativamente diferentes.
Em sólidos que apresentam ligamentos de pequena extensão, em relação à
extensão da zona de processos inelásticos, os efeitos da supressão da tensão de
fechamento são proporcionalmente mais acentuados, e a energia de fraturamento
resultante será maior. Com o crescimento progressivo da escala, a energia de
fraturamento será paulatinamente menor até que se alcance um nível de constância.
Nesse nível, a energia de fraturamento passa a ser independente de escala e pode
ser entendida como uma propriedade do material.

6.4.2 Parâmetros de tenacidade associados aos modelos efetivos


A principal estratégia adotada nos modelos efetivos é a determinação de uma
extensão efetiva para a fissura aef ou a, que possa representar adequadamente o
crescimento subcrítico (ou estável) da fissura real, ou seja, que possa considerar
implicitamente o desenvolvimento da interface coesiva.
Isso é feito pela identificação de uma fissura “livre” das tensões de fechamento e
elasticamente equivalente à fissura real, de tal forma que os conceitos da MFEL possam
ser utilizados, conforme ilustrado na Figura 13.

Figura 13 – Fissura elástico-efetiva ou elástico-equivalente.

A formulação geral dos modelos efetivos baseia-se na técnica de variação de


flexibilidade, pela consideração da variação de um dos deslocamentos significativos (δ ou
CMOD) monitorado ao longo da ruptura. Por conseqüência, é implicitamente aceita a
hipótese de que a variação de flexibilidade seja um parâmetro suficiente para a
determinação da quantidade de avanço (ou crescimento estável) da fissura no corpo
deformado.
Os principais modelos dessa categoria são o Modelo dos Dois Parâmetros (RILEM,
1990), devido a Jenq e Shah (1985), e o Modelo da Fissura Efetiva, proposto por
Karihaloo e Nalathambi (1989). No presente texto, apresenta-se o mais conhecido deles,
o Modelo dos Dois Parâmetros.
O modelo proposto permite a determinação de dois parâmetros de fraturamento
aparentemente independentes de escala, que são a tenacidade ao fraturamento, KSIC e o
CTODC (deslocamento crítico de abertura da ponta da fissura). As grandezas
mencionadas são obtidas pelo mesmo ensaio, usualmente de flexão em três pontos,
conforme se ilustra na Figura 11b. Decorre dos procedimentos do ensaio a determinação
do módulo de Young E do material.
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Por esse modelo, admite-se que as respostas elásticas e inelásticas da


deformação podem ser analisadas carregando-se o corpo-de-prova até a carga máxima e
executando-se, na seqüência, um ciclo completo de descarregamento e recarregamento,
como se mostra na Figura 14. Das rampas, inicial e de recarregamento, pode-se obter a
variação de flexibilidade do corpo-de-prova e, então, determinar-se as parcelas elástica e
inelástica do CMOD.
Para tanto, o ensaio deve ser levado a efeito em ciclo fechado, em que o
carregamento quase-estático é aplicado ao corpo-de-prova em ciclo fechado, sob
condições de controle do CMOD, o que se faz por meio da utilização de um transdutor de
deslocamentos, do tipo clip-gauge.

Bases do método
Embasam o modelo as seguintes considerações: o deslocamento de abertura
CMOD, na carga crítica, é composto por uma parcela elástica e outra inelástica, da forma
que segue.

Figura 14 – Rampas inicial e de recarregamento, para a determinação da variação de flexibilidade.

CMODC = CMODCE + CMODCP Equação 64

O deslocamento crítico de abertura da fissura, CTODC, é determinado a partir da


extensão elástico-efetiva da fissura, utilizando-se as equações da MFEL, e decorre da
parcela elástica do CMOD, na carga crítica, CMODEC. Com o valor da flexibilidade inicial,
Ci, ou seja, ainda dentro da fase em que as respostas podem ser consideradas lineares,
determina-se o valor do módulo de Young, E, do material.
Para tanto, utiliza-se a = a0 e α 0 = a 0 / W , onde a0 é a profundidade do entalhe
inicial. O módulo é determinado com o auxílio das equações para vigas entalhadas:

6 Pi Sa 0
E= g (α 0 ) Equação 65
CMODi BW 2

Considerando-se

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Pi 1
= Equação 66
CMODi C i

decorre

6 Sα 0
E= g (α 0 ) Equação 67
C i BW

A função de dependência geométrica e de condições de contorno, para CMOD,


pode ser calculada com o auxílio da Equação 68, com os coeficientes apresentados na
Tabela 4, computado com o método dos elementos finitos.

g (α ) = a + bα + cα 2 + dα 3 + eα 4 + fα 5 (0.05 ≤ α ≤ 0.65) Equação 68

Tabela 4 – Coeficientes para a função adimensional de dependência, g(α).

S/W a b c d e f
1 1.7590492 -0.7041380 1.5300094 31.5003310 -83.0702820 83.0341820
2 1.2977013 0.2193838 -4.2223686 45.3635140 -98.2878040 92.5002940
3 1.3221786 0.3308006 -4.3841661 46.6028540 -100.2734000 94.2106720
6 1.3645023 0.4351097 -4.4062485 47.3894340 -101.6294900 95.5545530
9 1.3791305 0.4651369 -4.4126231 47.7335150 -102.3004800 96.1660140
12 1.3866538 0.4729740 -4.3357744 47.5632800 -102.0181200 96.0754080
15 1.3908255 0.4781380 -4.2864554 47.4803470 -101.9790900 96.1730250

A determinação da flexibilidade inicial é procedida através de um ajuste linear


aplicado a um conjunto de pontos situados no intervalo de cargas que varia entre 10% e
30% da carga máxima do ensaio. Esse limite superior pode ser estendido a 50% de Pmax,
de acordo com o grau de fragilidade do material. Considerando-se a invariabilidade do
módulo de Young, E, pode-se determinar, iterativamente, o valor de αi que conduz ao
valor de E, quando a flexibilidade passa de Ci para Cu, ou seja:

6 Sα i
Ei = g (α i ) Equação 69
C u BW

O valor de αi deve ser incrementado lentamente, para que boa precisão possa ser
atingida. O processo iterativo termina quando Ei ≈ E, dentro de uma tolerância pré-
estabelecida, por exemplo, 0.001. Quando isso ocorre, tem-se que:

α i = α C ⇒ aC = α C .W Equação 70

A extensão crítica da fissura, ac, é a extensão da fissura elástico-equivalente, aef:

α ef = α C ⇒ a ef = α ef .W Equação 71

A tenacidade ao fraturamento, KSIC, é obtida fazendo-se:

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3 S π a
S
K IC = (Pmax + 0.5w) f (α ef ) Equação 72
2 BW 2

onde w é a soma do peso próprio da viga, entre os apoios e dos acessórios posicionados
sobre a viga durante a realização do ensaio. O deslocamento crítico de abertura da
fissura, CTODC, pode ser determinado com o auxílio da formulação da MFEL, utilizando-
se a extensão efetiva da fissura, aef, da forma que segue:

6 (Pmax + 0.5w) S a ef  a aef 


CTODC = g (α ef ) h 0 ;  Equação 73
EW 2 B a W 
 ef 
com

1
 a a ef    a  2
h 0 ;
a W  
 = (1 − β 0 )2 + 1.081 − 1.149 ( ef
 W
(
)  β 0 − β 02 )
 Equação 74
 ef     
e
a0
β0 = Equação 75
aef

Generalidades sobre os procedimentos de ensaio


A determinação experimental da tenacidade ao fraturamento, KSIC, é procedida
utilizando-se corpo-de-prova com a relação S/W igual a quatro. Essa relação é bastante
usual, uma vez que as principais equações para as funções adimensionais de
dependência geométrica encontram-se disponibilizadas na literatura. Isso não implica,
entretanto, que outras relações não possam ser utilizadas. Para o concreto e outros
materiais assemelhados, as recomendações da RILEM apontam o valor de 1/3 para a
profundidade normal do entalhe inicial (α0= a0/W).
Os ensaios são conduzidos em ciclo fechado, onde o carregamento é controlado
pelas respostas do deslocamento de abertura do entalhe inicial, CMOD. A taxa de
deslocamento imposta é da ordem de 0.05 mm/5 min, o que faz resultar um carregamento
com características quase-estáticas.
Os corpos-de-prova, em número mínimo de quatro, são ensaiados saturados. As
dimensões dos corpos-de-prova sugeridas pela RILEM para os concretos variam em
função da dimensão característica do agregado, Φmax. O entalhe central é usualmente
serrado, com largura da ordem de 3mm.

Determinação do comprimento característico Q


O modelo proposto permite também a determinação de um comprimento
característico do material, designado Q. Teoricamente, esse comprimento relaciona-se
com a extensão da ZPI e é análogo ao comprimento característico, lch, definido por
Hillerborg (1985), fundamentando-se, entretanto, nas relações de abertura da fissura
efetiva. O comprimento característico é dado pela Equação 76:

2
 E CTODC 
Q =  S

 Equação 76
 K IC 

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Para a pasta de cimento, Q varia entre 12.5 e 50 mm. Para as argamassas, entre
50 e 150mm. No caso dos concretos usuais, esse número está compreendido entre 150 e
350 mm.

7 Referências
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Plane-Strain Fracture Toughness of Metalic Materials. ASTM-E 399, Book of ASTM
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