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1.

2CIÊNCIA E ENGENHARIA DE MATERIAIS

Às vezes é útil subdividir a disciplina de ciência e engenharia de materiais


nas subdisciplinas ciência de materiais e engenharia de materiais.
Rigorosamente falando, a ciência de materiais envolve a investigação das
relações que existem entre as estruturas e as propriedades dos materiais
(isto é, por que os materiais apresentam suas propriedades). Já a
engenharia de materiais envolve, com base nessas correlações estrutura-
propriedade, o projeto ou engenharia da estrutura de um material para
produzir um conjunto predeterminado de propriedades. A partir de uma
perspectiva funcional, o papel de um cientista de materiais é desenvolver
ou sintetizar novos materiais, enquanto um engenheiro de materiais é
chamado para criar novos produtos ou sistemas usando materiais
existentes e/ou para desenvolver técnicas para o processamento de
materiais. A maioria dos formandos em programas de materiais é treinada
para ser tanto cientista de materiais quanto engenheiro de materiais.

Estrutura é, a essa altura, um termo nebuloso que merece alguma


explicação. Em suma, a estrutura de um material refere-se geralmente ao
arranjo dos seus componentes internos. Os elementos estruturais podem
ser classificados com base no tamanho e, nesse sentido, existem vários
níveis:

•Estrutura subatômica — envolve os elétrons no interior dos átomos


individuais, suas energias e interações com os núcleos.
•Estrutura atômica — está relacionada com a organização de átomos para
gerar moléculas ou cristais.

•Nanoestrutura — trata de agregados de átomos que formam partículas


(nanopartículas) que possuem dimensões em escala nanométrica
(menores do que aproximadamente 100 nm).

•Microestrutura — aqueles elementos estruturais que estão sujeitos à


observação direta usando algum tipo de microscópio (características
estruturais que possuem dimensões entre 100 nm e vários milímetros).

•Macroestrutura — elementos estruturais que podem ser vistos a olho nu


(com uma faixa de escalas entre vários milímetros e da ordem de um
metro).

A estrutura atômica, a nanoestrutura e a microestrutura dos materiais são


investigadas usando técnicas microscópicas discutidas na Seção 4.10.

A noção de propriedade merece alguma elaboração. Em serviço, todos os


materiais são expostos a estímulos externos que causam algum tipo de
resposta. Por exemplo, uma amostra submetida à ação de forças
experimenta deformação, ou uma superfície metálica polida reflete a luz.
Uma propriedade é uma característica de um dado material, em termos
do tipo e da magnitude da sua resposta a um estímulo específico que lhe é
imposto. Geralmente, as definições das propriedades são feitas de modo
que elas sejam independentes da forma e do tamanho do material.

Virtualmente todas as propriedades importantes dos materiais sólidos


podem ser agrupadas em seis categorias diferentes: mecânica, elétrica,
térmica, magnética, óptica e deteriorativa. Para cada categoria existe um
tipo característico de estímulo que é capaz de provocar diferentes
respostas. Essas são observadas conforme a seguir:

•Propriedades mecânicas — relacionam a deformação a uma carga ou


força que é aplicada; os exemplos incluem o módulo de elasticidade
(rigidez), a resistência e a tenacidade.

•Propriedades elétricas — o estímulo é um campo elétrico aplicado; as


propriedades típicas incluem a condutividade elétrica e a constante
dielétrica.

•Propriedades térmicas — estão relacionadas a variações na temperatura


ou gradientes de temperatura ao longo de um material; exemplos de
comportamento térmico incluem a expansão térmica e a capacidade
calorífica.
•Propriedades magnéticas — as respostas de um material à aplicação de
um campo magnético; as propriedades magnéticas comuns incluem a
susceptibilidade magnética e a magnetização.

•Propriedades ópticas — o estímulo é a radiação eletromagnética ou a


radiação luminosa; o índice de refração e a refletividade são propriedades
óticas representativas.

•Características deteriorativas — estão relacionadas com a reatividade


química dos materiais; por exemplo, a resistência à corrosão dos metais.

Os capítulos a seguir discutem propriedades que se enquadram em cada


uma dessas seis classificações.

Além da estrutura e das propriedades, dois outros componentes


importantes estão envolvidos na ciência e engenharia de materiais, quais
sejam: o processamento e o desempenho. No que se refere às relações
entre esses quatro componentes, a estrutura de um material depende de
como ele é processado. Além disso, o desempenho de um material é uma
função das suas propriedades.

Apresentamos um exemplo desses princípios de processamento-


estrutura-propriedades-desempenho na Figura 1.1, uma fotografia que
mostra três amostras delgadas em forma de disco colocadas sobre um
material impresso. Fica óbvio que as propriedades ópticas (isto é, a
transmitância da luz) de cada um dos três materiais são diferentes; aquela
à esquerda é transparente (ou seja, virtualmente toda a luz refletida da
página impressa passa através dela), enquanto os discos no centro e à
direita são, respectivamente, translúcido e opaco. Todas essas amostras
são do mesmo material, óxido de alumínio, mas aquela mais à esquerda é
o que chamamos de um monocristal — isto é, possui um alto grau de
perfeição —, o que dá origem à sua transparência. A amostra no centro é
composta por um grande número de monocristais muito pequenos, todos
ligados entre si; as fronteiras entre esses pequenos cristais espalham uma
fração da luz refletida da página impressa, o que torna esse material
opticamente translúcido. Por fim, a amostra à direita é composta não
apenas por um número muito grande de pequenos cristais interligados,
mas também por um grande número de poros ou espaços vazios muito
pequenos. Esses poros espalham a luz refletida em maior grau do que os
contornos dos cristais e tornam esse material opaco. Assim, as estruturas
dessas três amostras são diferentes em termos dos contornos entre os
cristais e da presença de poros, o que afeta as propriedades de
transmitância óptica. Além disso, cada material foi produzido usando uma
técnica de processamento diferente. Se a transmitância óptica for um
parâmetro importante em relação à aplicação final do material, o
desempenho apresentado por cada material será diferente.
Figura 1.1 Três amostras de discos delgados de óxido de alumínio que
foram colocadas sobre uma página impressa com o objetivo de
demonstrar suas diferenças em termos das características de
transmitância da luz. O disco mais à esquerda é transparente (isto é,
virtualmente toda luz que é refletida da página passa através dele),
enquanto o disco no centro é translúcido (significando que uma parte
dessa luz refletida é transmitida através do disco). O disco à direita é
opaco — isto é, nenhuma luz passa através dele. Essas diferenças nas
propriedades ópticas são uma consequência de diferenças nas estruturas
desses materiais, as quais resultaram da maneira como os materiais foram
processados.

Figura 1.2 Os quatro componentes da disciplina ciência e engenharia de


materiais e as suas inter-relações.
Essa inter-relação entre processamento, estrutura, propriedades e
desempenho dos materiais pode ser representada de uma maneira linear
como na ilustração esquemática mostrada na Figura 1.2. O modelo
representado por esse diagrama foi chamado por alguns de paradigma
central da ciência e engenharia de materiais ou às vezes simplesmente de
paradigma dos materiais. (O termo “paradigma” significa um modelo ou
conjunto de ideias.) Esse paradigma, formulado nos anos 1990 é,
essencialmente, o núcleo da disciplina ciência e engenharia de materiais.
Ele descreve o protocolo para a seleção e o projeto de materiais para
aplicações específicas e bem definidas, e tem tido uma profunda
influência sobre o campo dos materiais.2 Antes desse tempo, a
metodologia da ciência/engenharia de materiais era projetar
componentes e sistemas usando o conjunto de materiais existentes. A
significância desse novo paradigma está refletida na seguinte citação: “...
sempre que um material está sendo criado, desenvolvido ou produzido, as
propriedades ou fenômenos que o material exibe são uma preocupação
central. A experiência mostra que as propriedades e os fenômenos
associados a um material estão intimamente relacionados com sua
composição e estrutura em todos os níveis, incluindo quais átomos estão
presentes e como os átomos estão arranjados no material, e que essa
estrutura é o resultado de síntese e processamento.”3

Ao longo de todo este texto, chamamos atenção para as relações entre


esses quatro componentes em termos do projeto, produção e utilização
de materiais.
1.3POR QUE ESTUDAR A CIÊNCIA E A ENGENHARIA DE MATERIAIS?

Por que os engenheiros e cientistas estudam os materiais? Simplesmente


porque as coisas que os engenheiros projetam são feitas de materiais.
Muitos cientistas ou engenheiros de aplicações (por exemplo, mecânicos,
civis, químicos, elétricos) vão, uma vez ou outra, estar expostos a um
problema de projeto que envolve materiais — por exemplo, uma
engrenagem de transmissão, a superestrutura para um edifício, um
componente de uma refinaria de petróleo ou um chip de circuito
integrado. Obviamente, os cientistas e engenheiros de materiais são
especialistas que estão totalmente envolvidos na investigação e no
projeto de materiais.

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