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Metalurgia Física

Brasília-DF.
Elaboração

Róbinson Gerardo Trindade Portilla Erazo

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 5

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7

UNIDADE I
ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS......................................................................................................... 9

CAPÍTULO 1
A ESTRUTURA DOS SÓLIDOS CRISTALINOS E SUAS IMPERFEIÇÕES................................................ 9

CAPÍTULO 2
DIFUSÃO NOS SÓLIDOS, DISCORDÂNCIAS E MECANISMOS DE AUMENTO DE RESISTÊNCIA....... 19

CAPÍTULO 3
PRINCÍPIOS DE TERMODINÂMICA METALÚRGICA...................................................................... 28

UNIDADE II
DIAGRAMA DE FASES........................................................................................................................... 38

CAPÍTULO 1
CONCEITOS BÁSICOS E DEFINIÇÕES....................................................................................... 38

CAPÍTULO 2
DIAGRAMAS DE FASE BINÁRIOS............................................................................................... 42

CAPÍTULO 3
O SISTEMA FERRO-CARBONO................................................................................................. 54

UNIDADE III
TRANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS................ 61

CAPÍTULO 1
TRANSFORMAÇÕES DE FASES................................................................................................. 61

CAPÍTULO 2
PRINCÍPIOS METALÚRGICOS DE SOLIDIFICAÇÃO..................................................................... 73

CAPÍTULO 3
FABRICAÇÃO, PROCESSAMENTO E TRATAMENTOS TERMOMECÂNICOS.................................... 80

REFERÊNCIAS................................................................................................................................... 95
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para
aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

5
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

6
Introdução
Desde os primórdios da história, o ser humano tem utilizado materiais para satisfazer
suas necessidades de ferramentas, moradia, proteção, e um dos principais são os
metais, devido sua capacidade de ser conformado em diversos formatos e por suas
propriedades notáveis de resistência mecânica, além de sua própria beleza, sendo
usado como joias e símbolo de status e poder. Depois da Revolução Industrial se tornou
patente a importância dos metais na engenharia, principalmente o aço, onipresente na
sociedade atual, seja na indústria automobilística, aeronáutica, náutica, construções,
e tantos outros.

Assim, é clara a necessidade de se conhecer as bases físicas da metalurgia, para que


o profissional tenha arcabouço para a seleção de materiais para diversas situações
de trabalho, além de atuar no controle e otimização da microestrutura dos metais
em sua fabricação e processamento.

A disciplina de Metalurgia Física visa dar o conhecimento aos alunos da Unyleya


sobre com a estrutura do material se expressa no comportamento elastoplástico de
metais e ligas. Por conseguinte, abordaremos assuntos envolvendo imperfeições
cristalinas, tratamentos térmicos, conformação plástica e comportamento mecânico
de metais e ligas sob condições de carregamento estático e dinâmico. Essa disciplina
será de grande interesse para pesquisadores e profissionais aplicados na área de
metais e ligas convencionais, além da busca de novos materiais.

Objetivos
»» Compreender a relação entre a estrutura do material, seu
comportamento, e como essa estrutura pode ser modificada por meios
dos processos de fabricação.

»» Entender os fenômenos físicos que acontecem na estrutura dos


metais, suas fases, equilíbrios, noções de termodinâmica, dinâmica de
transformação, difusão entre outros fenômenos.

»» Entender e interpretar o diagrama do sistema ferro-carbono e suas


transformações.

7
»» Compreender de modo geral o processo de solidificação.

»» Saber sobre os principais tratamentos termomecânica, com alteram a


estrutura do material, quais suas finalidades.

»» Adquirir uma noção geral de como selecionar e especificar materiais.

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ESTRUTURA E UNIDADE I
FENÔMENOS FÍSICOS

Nesta Unidade I investigaremos a natureza íntima da estrutura dos sólidos, dentro


dos quais se encaixam os metais. Os átomos formam uma estrutura reticulada que
chamamos de cristais, nos quais há defeitos, discordâncias, e outras imperfeições.
Digamos que esse é o campo em que ocorrem diversos fenômenos físicos como
difusão, locomoção de discordâncias, crescimento ou refinamento de grãos de
cristais e a termodinâmica atuante nos metais. Logo, conhecer a estrutura e dinâmica
que acontece nesse nível é fundamental para saber quais serão as propriedades
macroscópicas do material.

CAPÍTULO 1
A estrutura dos sólidos cristalinos e suas
imperfeições

Átomos e suas ligações

O átomo é o elemento básico para entender as estruturas cristalinas. É sabido que o


átomo é formado de muitas partículas subatômicas, mas para nossa discussão, vamos
nos ater ao nível atômico. Conhecer a estrutura geral do átomo é importante para
tomar conhecimento de como governam as propriedades do material. Por exemplo,
quando um material é tensionado, são as forças interatômicas que governam
sua resistência, a condutividade elétrica é função da mobilidade dos elétrons nas
camadas eletrônicas do átomo, e a oxidação depende da difusão de átomos de metais
ou oxigênio pela superfície metálica.

9
UNIDADE I │ ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS

No modelo atômico aqui apresentado (modelo de Bohr), o átomo é composto por


um núcleo circundado por elétrons figura 1. Nesse núcleo há prótons e nêutrons.
Os elétrons são de carga negativa e se equilibram com os prótons que apresentam
carga positiva. Os neutros apresentam carga neutra. Como o elétron apresenta
apenas 0,0005 da massa do próton (1,67 x 10-27 kg), considera-se a massa atômica
como a massa do núcleo, isto é, soma de prótons e nêutrons, variando de 1,008 u.a.
(unidade de massa atômica) até 250 para alguns elementos transurânicos.

Figura 1. Representação esquemática do modelo de Bohr.

Elétron e seu orbital

Núcleo

Fonte: Callister, 2000.

Os elétrons que circundam o núcleo não têm todos o mesmo nível de energia, ou
seja, apresentam características energéticas diferentes que são agrupadas segundo
níveis quânticos, sendo o primeiro nível quântico, com energia mínima, contém no
máximo 2 elétrons, o nível dois tem 8 elétrons etc., conforme quadro 1, nos quatro
subníveis s p d f. Além do mais, os elétrons não são todos iguais dentro de cada
nível e subnível, assim, de acordo com o Princípio de Exclusão de Pauli, apenas dois
elétrons podem ter os mesmos números quânticos orbitais, mesmo que esses dois
elétrons apresentem propriedades magnéticas diferentes, isto é, “spins” opostos. Esse
princípio governa a distribuição de elétrons nas camadas e, por sua vez, determina o
tipo de ligações que existirão entre os átomos.

10
ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS │ UNIDADE I

Quadro 1. Números Quânticos Eletrônicos.

Elemento K L Q
(número M (n=3) N (n=4) O (n=5) P (n=6)
(n=1) (n=2) (n=7)
atômico 3s(2)3p(6)3d(10) 4s(2)4p(6)4d(10)4f(14) 5s(2)5p(6)5d(10)5f(14) 6s(2)6p(6)6d(10)
Z) 1s(2) 2s(2)2p(2) 7s(2)

H (1) 1
He (2) 2
Li (3) 2 1
Be (4) 2 2
B (5) 2 21
C (6) 2 22
N (7) 2 23
O (8) 2 24
F (9) 2 25
Ne (10) 2 26
Na (11) 2 26 1
Mg (12) 2 26 2
Al (13) 2 26 21
Si (14) 2 26 22
P (15) 2 26 23
S (16) 2 26 24
Cl (17) 2 26 25
Ar (18) 2 26 26
...
Fonte: Van Vlack,1970.

As ligações atômicas mantêm os átomos e moléculas de um sólido verdadeiro juntos.


Os sólidos verdadeiros são aqueles que apresentam uma estrutura cristalina de átomos
e moléculas geometricamente organizadas. Por exemplo, o vidro, ele é sólido sob
temperatura ambiente, porém sua estrutura é desorganizada igual a de um líquido,
logo, o vidro é um líquido super-resfriado. Podemos classificar as ligações atômicas em
quatro tipos:

» Ligação Iônica: os átomos que apresentam 8 elétrons na última


camada eletrônica são estáveis como um gás nobre, assim, por exemplo,
um átomo como o sódio que apresenta um elétron a mais que um gás
nobre fornece esse elétron para outro átomo e se torna um íon positivo
+1, esse outro átomo pode ser o cloro, que apresenta um elétron a menos
que um gás nobre, assim, ele captura esse elétron doado pelo sódio e se
torna estável, apresentando uma carga eletrostática de -1. Assim, esses
dois átomos formam uma ligação forte, formando um composto como o
sal da cozinha, NaCl. Essa é uma ligação típica de sais.

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UNIDADE I │ ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS

» Ligação Covalente: outra forma de completar em 8 os elétrons da


camada eletrônica mais externa é por meio do compartilhamento de
elétrons. Por exemplo, o nitrogênio N apresenta 5 elétrons na camada
externa, faltando 3 elétrons para atingir a configuração estável de um gás
nobre. O hidrogênio tem um elétron, e necessita de mais um elétron para
atingir a configuração do hélio, que tem dois elétrons na camada mais
externa. Assim, se o N se aproximar de três H e compartilharem seus
elétrons, cada um atingirá a configuração estável e formarão uma forte
ligação, devido à atração que os núcleos exercem nos elétrons dos outros
átomos. É uma ligação típica de gases.

» Ligação Metálica: pode ser vista com uma extensão da ligação


covalente em que os elétrons são compartilhados por todos os átomos,
uma vez que nos metais não há formação de íons opostos e nem há
número suficiente de elétrons para formar uma ligação covalente real.
Deste modo, é formada uma nuvem eletrônica em que os elétrons são
compartilhados por todos os átomos, sendo que os átomos são mantidos
juntos por conta da atração mútua exercida na nuvem eletrônica.
É típico dos metais.

» Forças de Van der Waals: são forças que surgem em átomos e


moléculas neutras, tais como os gases nobres. Quando os átomos ficam
suficientemente próximos, há uma separação dos centros de carga
negativa e positiva e uma fraca força de ligação se forma. Esse efeito
aparece quando a temperatura é suficientemente baixa para superar a
agitação térmica dos átomos.

Estrutura cristalina

Os átomos das estruturas cristalinas são posicionados de forma organizada e


repetitiva, ao contrário de sólidos amorfos e materiais não cristalinos. Esse padrão de
repetição é a chamada célula unitária, que é a unidade básica da estrutura cristalina
e são caracterizadas por sua geometria e arranjo interno de átomos (Figura 2). Se
representarmos os átomos como esferas sólidas, a rede cristalina é um arranjo dessas
esferas. Esses arranjos podem ser classificados em sete tipos de cristais, segundo o
Quadro 2, sendo o mais simples o cúbico. Esses sistemas incluem todas as possíveis
combinações de divisão do espaço por superfícies planas. Se considerarmos também
o arranjo dos átomos dentro desses sistemas espaciais, teremos as divisões dos 14
reticulados de Bravais que são todas as possíveis formas de células unitárias cristalinas,
de acordo com a Figura 3. A maior parte dos cristais se incluem na estrutura cúbica,

12
ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS │ UNIDADE I

tais como os metais comuns, incluindo o ferro, e algumas cerâmicas como MgO, TiC e
BaTiO3. O magnésio e o zinco apresentam estruturas hexagonais.

Figura 2. Representação da célula unitária de cristal de estrutura cúbica de face centrada (a) modelo de esferas

sólidas, (b) modelo de esferas reduzidas, (c) no retículo cristalino.

Fonte: Callister, 2000.

Quadro 2. Geometria dos Sistemas Cristalinos.

Sistema Eixos Ângulos Axiais


Cúbico a=b=c α = β = γ = 90°
Tetragonal a=b≠c α = β = γ = 90°
Ortorrômbico a≠b≠c α = β = γ = 90°
Monoclínico a≠b≠c α = γ = 90° ≠ β
Triclínico a≠b≠c α ≠ β ≠ γ ≠ 90°
Hexagonal a=b≠c α = β = 90°, γ = 120°
Romboédrico (Trigonal) a=b=c α = β = γ ≠ 90°

Fonte: Van Vlack,1970.

13
UNIDADE I │ ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS

Figura 3. Reticulados de Bravais.

Monoclínico Monoclínico de Hexagonal


faces centradas Triclínico Romboédrico
Simples

Ortorrômbico Ortorrômbico de Ortorrômbico de Ortorrômbico de


Simples corpo centrado bases centradas faces centradas

Cúbico Cúbico de Cúbico de Faces Tetragonal Tetragonal de


Simples Corpo Centrado Centradas Simples Corpo Centrado

Fonte: Van Vlack, 1970.

Pontos, direções e planos cristalográficos

Para o estudo dos materiais, às vezes é necessário localizar pontos, direções e planos
dentro da célula unitária de cristal. A base para essa localização é a utilização das
arestas da célula unitária como eixos coordenados. A base para localizar o ponto é
utilizando coordenadas que são frações múltiplas do comprimento das arestas da
célula. Para direções, o vetor que indica essa direção é definido por suas projeções nas
arestas, ou seja, suas coordenadas. Por fim, os planos são indicados pelos pontos em
que interceptam as arestas. Para a célula hexagonal, um esquema de quatro índices
é mais conveniente para indicar direções e planos. Nos aprofundaremos mais nessas
localizações dentro da rede cristalina nos exercícios.

Figura 4. Como são determinados os (a) pontos, (b) direções e (c) planos.

Fonte: Callister, 2000.

14
ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS │ UNIDADE I

Cristais simples, policristais, polimorfismo (ou


alotropia) e anisotropia

Cristais simples (monocristal) são aqueles que o ordenamento atômico se extende


por todo o corpo, em alguns casos, formando arestas e formatos geométricos
regulares a nível macroscópico, por exemplo, o cristais de quartzo que são vendidos
como decoração. Outro exemplo de um monocristal é na fabricação das placas de
energia fotovoltaica, cuja base são cristais simples de silício. Entretanto, a grande
maioria dos sólidos cristalinos são policristalinos, isto é, ou seja, sendo um agregado
de vários pequenos cristais com orientações cristalográficas diferentes. São os casos
dos metais utilizados na engenharia. Os cristais polimórficos são aqueles em que uma
substância pode apresentar mais de uma estrutura cristalina. Por fim, anisotropia
é a característica dos cristais que apresentam propriedades diferentes conforme a
direção.

Defeitos no sólido cristalino

Os cristais não apresentam uma ordem perfeita de distribuição dos átomos, sendo
aproximadamente conseguidos em crescimento de cristais com condições altamente
equilibradas. Assim, na grande maioria dos sólidos há imperfeições (ou defeitos). Esses
defeitos alteram, além da estrutura, as propriedades do material, e algumas vezes
esses defeitos são até desejáveis. Um defeito cristalino é uma irregularidade na rede
cristalina com dimensões da ordem de um ou dois átomos. Podemos ter um defeito
pontual que é restrito a um ou dois átomos, defeitos lineares, assim como defeitos
superficiais e volumétricos.

Defeitos pontuais

O mais simples defeito pontual é o vazio, que é simplesmente a falta de um átomo


aonde deveria haver um de acordo com a distribuição do sistema cristalino. Por outro
lado, o defeito intersticial é um átomo a mais na rede cristalina. Ambos defeitos são
mostrados na Figura 5.

15
UNIDADE I │ ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS

Figura 5. Vazio e defeito intersticial.

Fonte: Callister, 2000.

Outros dois defeitos pontuais, associados com a formação de uma solução sólida,
isto é, quando átomos diferentes dos do sólido cristalino se imbrincam na estrutura
cristalina, sem, no entanto, formar uma fase separada: são os defeito pontual
substitucional e intersticional. Estes dois defeitos são mostrados na estrutura do
sólido cristalino da Figura 6.

Figura 6. Átomos de impureza na rede cristalina.

Fonte: Callister, 2000.

16
ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS │ UNIDADE I

Defeitos lineares

O tipo mais comum de defeito em linha nos cristais são as discordâncias, como podem
ser vistas na figura 7. A discordância em cunha é uma aresta a mais que se insere na
estrutura cristalina. Zonas de compressão e tração surgem no entorno da discordância,
incrementando a energia ao longo da discordância, favorecendo o deslocamento
de planos atômicos. A medida do deslocamento atômico ao redor da discordância é
indicada pelo vetor de Burgers, que é perpendicular à linha de discordância em cunha.
Outro tipo é a discordância helicoidal, na qual o vetor de Burgers é paralelo à linha
de discordância, tendo tensões cisalhantes associadas com esse tipo de imperfeição,
gerando aumento de energia.

Figura 7. Defeito de linha (ou discordância): (a) em cunha e (b) helicoidal.

Fonte: Callister, 2000.

Defeitos superficiais

São defeitos que formam fronteiras de duas dimensões e, em geral, separam


regiões do material com estruturas e/ou orientações cristalográficas diferentes.
A primeira fronteira é a superfície externa, apesar de ser óbvio isso, a estrutura
cristalina da superfície tem uma disposição diferente do que no interior do cristal,
apresentando átomos apenas dos lados, logo, uma energia mais alta. Outro defeito é
o contorno de grão que surge em um material policristalino, claramente, por conta
de ser um agregado de vários pequenos cristais, estes contornos são percebidos
pelo desalinhamento das estruturas dos cristais entre os grãos, como mostrado na
Figura 8. Outros dois defeitos que podem existir são o contorno de fase, existente
em materiais multifásicos em que em cada lado do contorno há uma fase diferente
com propriedades físico-químicas diferentes. Por fim, há o contorno de macla, que
é um tipo de contorno de grão em que os átomos estão dispostos como se fossem um
espelho em relação à linha de contorno, esquematizado na figura 8.

17
UNIDADE I │ ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS

Defeitos volumétricos

Existem defeitos que são muito maiores do que os que foram discutidos aqui e que
são incluídos por meio do processamento e fabricação dos materiais, tais defeitos da
fronteira tridimensional incluem poros, trincas, inclusões, outras fases.

Figura 8. Contornos de grão e contorno de macla.

Fonte: Callister, 2000.

18
CAPÍTULO 2
Difusão nos sólidos, discordâncias e
mecanismos de aumento de resistência

Difusão atômica
Por que estudar a difusão? Porque muitos materiais são tratados termicamente para
atingirem certas propriedades físico-químicas e um amplo número de fenômenos
que ocorrem durante esse tratamento podem ser explicados, em última análise, pelo
mecanismo da difusão atômica. Uma aplicação, por exemplo, é no endurecimento da
superfície de engrenagens pela difusão de carbono ou nitrogênio, de modo a aumentar
a resistência à fratura e fadiga da peça.

Os átomos apresentam um movimento intrínseco de agitação, sendo que esse


movimento é dependente da temperatura. Assim, de acordo com a Terceira Lei
da Termodinâmica, um átomo só estará totalmente estático no zero absoluto de
temperatura, acima dessa temperatura, existe energia associada ao movimento. Logo,
existe o fenômeno de transporte de massa devido ao movimento atômico, conhecida
como difusão. Existem dois tipos de difusão, a difusão de impureza ou interdifusão
que é quando há a difusão de um tipo de átomo de metal em outro tipo de metal, por
exemplo, um acoplamento de Cobre-Níquel. A difusão também pode acontecer em
substâncias puras, chamada autodifusão, em que acontece uma difusão onde todos os
átomos são da mesma espécie, logo, é imperceptível essa difusão, porém ela ocorre.

Agora vamos tratar dos mecanismos de difusão. O primeiro deles é o mecanismo de


vazios em que há uma troca de posição entre um átomo e um vazio na rede cristalina,
representado na figura 9a, o qual é um mecanismo que necessita de vazios, assim,
quanto mais vazios presentes, mais esse mecanismo acontece. Uma vez que os átomos
trocam de lugar com os vazios, a difusão de átomos em uma direção corresponde
a um movimento de vazios na outra direção. A interdifusão e a autodifusão podem
ocorrer por esse mecanismo. Segundo é o mecanismo de difusão intersticial em
que os átomos caminham de um interstício ao outro interstício vazio vizinho. Esse
mecanismo acontece na interdifusão de impurezas de pequenos átomos tais como
C, N e O que têm mais facilidade de se alojarem nos interstícios das redes cristalinas
metálicas. Raramente átomos substitucionais de impureza se movem por esse
mecanismo, já que estão bem firmes na rede. Na maioria dos metais e suas ligas, a
difusão intersticial acontece com mais probabilidade do que o mecanismo de vazios,
pois os átomos intersticiais são menores e mais móveis, além disso, é muito maior a
quantidade de interstícios do que de vazios.

19
UNIDADE I │ ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS

Figura 9. Os mecanismos de difusão (a) de vazios e (b) intersticial.

E E
n n
e e
r r
g g
i i
a a

Percurso Percurso
de difusão de difusão

Fonte: Van Vlack, 1970.

Matematicamente, os mecanismos de difusão podem ser expressos pelas Leis de Fick


da difusão. A primeira lei de Fick estabelece que o fluxo de átomos J (número de átomos
que passam por uma área pelo tempo) é proporcional ao gradiente de concentração
dC/dx (isto é, como está distribuído o número de átomos no espaço) e ainda há um
coeficiente de difusão D que informa a dificuldade que os átomos encontram para
difundir. Assim sendo:
dC
J = −D
dx

onde J está em kg/m2.s, D em m2/s, C em kg/m3 e x em m. Atentar que a primeira lei de


Fick se aplica a um fluxo constante no tempo. A segunda lei de Fick relaciona a variação
de concentração da espécie química com o tempo e pode ser expressa como:

dC  d 2C 
= D 2 
dt  dx 

onde percebemos que os estágios finais de homogeneização são mais lentos, ou ainda,
a velocidade diminui com a diminuição do gradiente de concentração.

Para fechar nossa discussão, vamos trazer dois fatores que afetam sumamente na
difussão: temperatura e espécies de átomos. Como podemos notar na Figura 10, o
coeficiente de difusão D varia conforme a espécie de átomo que difunde e a espécie de
átomo que forma a base. Por exemplo, podemos ver a diferença de D em um caso de
interdifusão (Cu no Cu) em relação a uma interdifusão (Zn no Cu). Ademais, podemos
perceber pelo gráfico como a temperatura influencia no coeficiente de difusão, ficando
claro que o aumento de temperatura facilita na taxa de difusão.

20
ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS │ UNIDADE I

Figura 10. Gráfico do logaritmo do coeficiente de difusão log (D) pela temperatura recíproca (1/T) de vários

metais.

Fonte: Van Vlack, 1970.

Deslocamento e deformação plástica

Na aurora dos estudos dos materiais, foram realizados cálculos teóricos para
determinar a resistência mecânica dos cristais perfeitos (da ordem de E/20, aonde E
é o módulo de elasticidade) e foi observado que a resistência experimental era muito
menor do que a teórica, por isso, nos anos 1930 foi teorizado que tal discrepância era
devido a defeitos lineares cristalinos que diminuíam a resistência, sendo que nos anos
1950 foi comprovado pela observação feita por microscopia eletrônica. Desde lá, a
teoria dos deslocamento tem explicado muitos fenômenos físicos nos materiais.

A um nível microscópico, a deformação plástica corresponde a um movimento de


discordâncias causadas por uma tensão de cisalhamento externa, processo chamado
de escorregamento. Na Figura 11 podemos acompanhar esse processo de movimento
da discordância ao longo dos planos da rede cristalina. Por ser um deslocamento não
reversível, essa deformação continua após a retirada da tensão, caracterizando uma
deformação plástica permanente. Os deslocamentos não se movem com a mesma
facilidade em todos planos ou direções cristalográficas, isto é, existem planos e direções
em que há mais facilidade (entenda-se menos energia) para o movimento, assim, são
chamados de plano de escorregamento e direção de escorregamento, sendo o conjunto

21
UNIDADE I │ ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS

dos dois chamados de sistema de escorregamento. Para um sistema cristalino cúbico,


os planos de escorregamento são mostrados na Figura 12.

Para materiais policristalinos, a deformação e escorregamento são um pouco mais


complexos porque existem numerosos grãos de cristais com diversas direções
cristalográficas, logo, os planos de escorregamento variam de um grão para o outro.
Assim, o escorregamento acontece dentro de cada grão de cristal ao longo dos planos
e direções mais favoráveis em relação à direção da tensão de cisalhamento. Então,
a deformação plástica total corresponde a uma considerável deformação em cada
grão, porém, os contornos de grãos se mantêm, assim, o grão tem sua deformação
restringida pelos outros grãos, mesmo que esse grão tenha orientação favorável
ao escorregamento. Por essa razão, os materiais policristalinos apresentam uma
resistência mecânica maior que seus respectivos monocristais.

Figura 11. Rearranjo atômico que acompanha o movimento de uma discordância em cunha em resposta a

uma tensão cisalhante: (a) o plano extra é indicado por A; (b) o plano extra de A desloca para B; (c) finalmente, é

formado um degrau na superfície externa do cristal.


Tensão Tensão Tensão
Cisalhante Cisalhante Cisalhante

Plano de
Escorregamento
Degrau
resultando do
Discordância escorregame
nto

Fonte: Callister, 2000.

Figura 12. Planos de escorregamento em cristal cúbico.

Fonte: Van Vlack, 1970.

22
ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS │ UNIDADE I

Por fim, outro mecanismo de deformação é a deformação por maclagem,


esquematizado na Figura 13. Nesse mecanismo, a tensão cisalhante provoca um
rearranjo da rede cristalina de modo que o posicionamento dos átomos fique uma
imagem de espelho em relação ao plano de macla. Além do mais, esse tipo de
deformação acontece em uma direção e plano específicos que dependem da estrutura
cristalina, tipicamente, cúbico de corpo centrado (CCC) e hexagonal compacta (HC).
As condições que favorecem a deformação plástica por maclagem em detrimento
do processo de escorregamento são os metais CCC e HC sob baixas temperaturas
e altas taxas de carregamento (impacto). A deformação plástica por maclagem são
menores que as deformações por deslizamento, porém, a reorientação dos planos
cristalográficos geradas na deformação por maclagem podem favorecer depois o
movimento de discordâncias.

Figura 13. Esquema do mecanismo de deformação por maclagem sob tensão cisalhante τ. Em (b) os círculos

brancos são átomos que não mudaram de posição, círcolo branco tracejado é a posição inicial e círculo

preenchido é posição final.


Superfície Polida

Plano de Plano de
Macla Macla

Fonte: Callister, 2000.

Mecanismos de aumento de resistência

Na engenharia metalúrgica é muito buscado o aumento da resistência dos metais,


mas mantendo algum grau de ductilidade de tenacidade, sendo que o aumento de
resistência sacrifica ductilidade, sendo essas duas propriedades relacionadas com
a capacidade de deformação plástica, uma vez que quanto maior a facilidade de
deformar plasticamente, mais fraco e macio será o material; ao contrário, quanto
mais energia for necessária para iniciar a deformação plástica, mais resistente e
duro será o material. Para ter ciência de como atuam os mecanismos de aumento
de resistêcia do materia é fundamental saber a relação entre o movimento
das discordâncias e o comportamento mecânico do material. Por quê? Porque
macroscopicamente a deformação plástica corresponde ao movimento de várias
23
UNIDADE I │ ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS

discordâncias, logo, a habilidade de deformar plasticamente é relacionada com


a habilidade das discordâncias se moverem. O princípio básico das técnicas de
endurecimento se resumem a impedir ou dificultar o movimento das discordâncias.
A seguir, discutiremos os principais mecanismos.

O Endurecimento por Diminuição do Tamanho de Grão é um mecanismo relacionado


com as fronteiras dos grãos. Em geral, os grãos adjacentes apresentam uma orientação
cristalográfica diferente e, obviamente, uma fronteira em comum, como indicado
na Figura 14. Assim, para ocorrer a deformação plástica, as discordâncias devem se
movimentar através das fronteiras e então há dois fatores que elevam a energia (ou
seja, dificultam) esse movimento:

1. Como as orientações cristalográficas são diferentes, há uma energia a


mais para que a discordância mude de direção o seu movimento. Quanto
maior o desalinhamento, maior a energia requerida.

2. A desordem atômica existente na região do contorno de grão é uma


descontinuidade do plano de escorregamento.

Deste modo, um material com grãos mais finos é mais duro e resistente, porque
apresenta uma maior área de contornos de grãos que dificultam o movimento das
discordâncias. Para muitos materiais, o limite de elasticidade σe segue a equação de
Hall-Petch:
1

σe =σ0 + ke d 2

onde σ0 e ke são constantes específicas do material e d é o diâmetro médio dos grãos.


Além da resistência, o refino de grão também incrementa a tenacidade. Por fim,
assinalamos que as fronteiras entre duas fases diferentes no material também são
impedimentos para o movimento das discordâncias.

Figura 14. A fronteira de grão dificultando o movimento de discordâncias.

Fonte: Callister, 2000.

24
ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS │ UNIDADE I

O Endurecimento por Solução Sólida é a técnica que inclui átomos de impureza


(elementos de liga) para formar soluções sólidas intersticionais ou por
substituição. Metais de alta pureza são quase sempre mais macios e frágeis do
que suas ligas, um exemplo clássico é do ouro puro, que é extremamente macio,
e de sua liga com cobre, que aumenta sua resistência, sendo mais habilitado para
ser moldado em brincos, colares, alianças. As ligas são mais resistentes que seus
metais puros porque os átomos inseridos na solução sólida impõem tensões de
tração e compressão na rede cristalina, o que aumenta a energia necessária para a
quebra das ligações entre os átomos, logo, a discordância, para se mover, precisa
de mais energia para ligar e desligar os átomos. Essas tensões são mostradas na
Figura 15.

Figura 15. Tensões impostas pelos átomos de impureza na rede cristalina.

Fonte: Van Vlack, 1970.

O Endurecimento por Encruamento ou por Trabalho a Frio é um mecanismo que


decorre do próprio processo de deformação plástica, uma vez que esta altera a
estrutura interna do material, logo, é plausível que sejam modificadas as propriedades
do material. O movimento das discordâncias ao longo dos planos de escorregamento
e a distorção dos grãos vizinhos tornam a estrutura cristalina mais ordenada de
início em mais desordenada. Isso acarreta um aumento de dificuldade ulterior
para o movimento das discordâncias, então temos o aumento da dureza. Ensaios
laboratoriais mostram que junto com o aumento da dureza há o aumento do limite
de escoamento e de resistência. Por outro lado, o encruamento reduz a ductilidade
porque parte da capacidade de elongação (deformação plástica) é consumida no
processo.
25
UNIDADE I │ ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS

Recuperação, recristalização e crescimento de


grãos

Como foi dito no tópico anterior, a deformação plástica sob temperaturas muito
abaixo de seu ponto de fundição em metais policristalinos alteram suas propriedades
mecânicas (resistência, dureza), física (condutividade) e química (corrosão) por causa
da alteração microestrutural e da energia que foi imposta na deformação parcialmente
armazenada em tensões da rede cristalina. As condições de pré-deformação podem
ser restauradas por meio de tratamentos térmicos que serão discutidos a seguir.

A Recuperação é o alívio das deformações impostas por meio do aumento da


mobilidade atômica por causa do aumento da temperatura. Assim, com uma
temperatura maior, os átomos conseguem se rearranjar em certo grau, liberando
a energia associada a deformações leves. Consequentemente, propriedades físicas
são recuperadas a nível de pré-trabalho a frio.

A Recristalização acontece depois da etapa de recuperação, em que os grãos ainda


apresentam uma relativa energia associada a deformações. Nessa etapa acontece a
formação de um novo conjunto de grãos de cristais livres de deformações e equiaxiais
(isto é, próximo do formato de uma esfera) que apresentam poucas discordâncias,
próximo das situações prévias. A energia que gera os novos grãos vem da do
gradiente de energia entre o material deformado e não-deformado. Assim, os novos
grãos crescem de pequenos núcleos que consomem o material parental, processo
que envolve uma difusão de pequena distância. A temperatura de cristalização é
aquela em que o processo de recristalização se completa em 1 hora; para metais
puros, ela gira em torno de 0,3Tm enquanto para ligas metálicas temos 0,7Tm,
sendo Tm a temperatura de fundição do metal. Às vezes, é interessante trabalhar a
quente os metais, isto é, provocar conformações um pouco acima da temperatura de
recristalização, de modo que a peça final apresenta-se relativamente macia e dúctil,
podendo sofrer deformações maiores depois.

Por fim, o Crescimento de Grão é o processo de contínuo crescimento do tamanho


do grão, ocorre a partir da recristalização (porém não é imprescindível haver
recuperação e recristalização previamente) se mantida a temperatura elevada. Esse
fenômeno é muito semelhante ao que acontece com as bolhas da espuma, no início
ela é formada por um conjunto de pequenas bolhas que vão se fundindo, em que as
bolhas maiores vão crescendo consumindo as bolhas menores, até que no final temos
um conjunto de grandes bolhas. Ou seja, a tendência é dos contornos de grão irem se
fundindo, de modo a diminuir a energia total.

26
ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS │ UNIDADE I

Figura 16. O efeito da temperatura de tratamento térmico (de 1 hora) microestrutural do material.

Temperatura de Tratamento (°F)

Resistência à Tração

Resistência à Tração (MPa)

Ductilidade (%Elongação)
Ductilidade

Recuperação Recristalização Crescimento


de Grão
Grãos
trabalhados
a frio e
recuperados
Tamanho de Grão (mm)

Novos
Grãos

Temperatura de Tratamento (°C)

Fonte: Callister, 2000.

27
CAPÍTULO 3
Princípios de termodinâmica
metalúrgica

Introdução e termoquímica metalúrgica


Esse capítulo irá dar a base termodinâmica para todo o restante do texto,
e é interessante que o aluno já tenha uma base nessa ciência, a qual, nesse
capítulo, daremos uma rápida oxigenada. Todos os fenômenos de solidifiação,
formação das fases, mudanças de fases, entre outros, são explicados pelas leis da
termodinâmica. A Termodinâmica Metalúrgica lida com os estados de equilíbrio
possíveis de existir para um sistema e quais fatores afetam esse equilíbrio. Esses
estados são descritos por propriedadades de estados, que podem ser intensivas
(independentes do tamanho do sistema) tais como temperatura T e pressão P,
ou extensivas (dependentes do tamanho do sistema) como energia interna U e
volume V. O comportamento da substância é descrito por uma função de estado
tal como T=f(P,V) das quais a mais simples é a do gás ideal PV=nRT onde n é
o número de mols do gás e R é a constante universal dos gases. Desta equação,
podemos ver que bastam duas propriedades independentes para determinar o
estado da substância. Caso a substância mude reversivelmente, essa substância
passa por vários estados em equilíbrio, isto é, sem acrescentar desordem no
universo. Caso mude irreversivelmente, a substância muda fora do equilíbrio.
Para o caso do trabalho w entre um ponto inicial e final, o valor de w vai depender
do caminho tomado:
Vf

w = ∫ PdV
Vi

A Primeira Lei da Termodinâmica estabelece que a energia se conserva em um


sistema, mesmo com alterações, isto é, para um sistema com energia interna U, o
trabalho aplicado w aumenta a energia interna e o calor perdido q diminui a mesma,
sendo que não se perde energia, apenas se transforma:

∆U =U 2 − U1 = q − w

ou, para uma modificação incremental,


dU
= dq − dw

28
ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS │ UNIDADE I

A Segunda Lei da Termodinâmica dita que em um processo termodinâmico


reversível a integral dq/T é independente do caminho, de onde se define a
propriedade entropia S que seria uma medida de desordem do sistema. Assim:
δqrev
dS =
T

No caso de ser um processo irreversível, dS é maior que dq/T, e podemos escrever:

δq
dS
= + δS ger
T

Ou seja, é gerada uma entropia extra além daquela associada ao calor. Essa entropia Sger

está relacionada com processos irreversíveis tais como atrito. É possível mostrar, a
partir da combinação da Primeira com a Segunda Lei da Termodinâmica que:

dU = TdS + PdV

Dessa equação temos dois critérios para o equilíbrio termodinâmico de um sistema


de uma única substância: (a) S é máximo para quando U e V são constantes; (b) U
é mínimo quando S e V são constantes. Além dessa relação U=U(S,V), temos outras
relações auxiliares interessantes derivadas das Transformações de Legendre, tais como
a entalpia:
H=
U + PV ; dH =dU + PdV + VdP =
TdS + VdP

Uma propriedade importantíssima é a energia livre de Gibbs G que é a propriedade


termodinâmica mais útil que fornece um critério prático para um sistema em
equilíbrio termodinâmico, porque é dependente apenas de T e P. Quando a função G é
minimizada, o sistema termodinâmico está em equilíbrio, definida por:
G=
H − TS ; dG =−
dH TdS − SdT =
− SdT + VdP

Outra propriedade é a energia livre de Helmholtz definida como A=U-TS. No


caso de um sistema com vários componentes sendo ni o número de mols desse
componente e o índice i indicando a espécie, teremos que a energia livre de Gibbs
será G=G(T,P,n1,...,ni), em que diferenciando teremos:

 ∂G   ∂G   ∂G   ∂G 
dG =   dT +   dP +   dn1 +…+   dni
 ∂T   ∂P   ∂n1   ∂ni 

Onde a derivada marcada em negrito tem um significado físico muito importante


chamado de potencial químico μi ou ainda chamado de energia livre de Gibbs parcial
molar do componente i, Gi . Assim, podemos reescrever a equação prévia como:

dG = − SdT + VdP + ∑ Gi dni

29
UNIDADE I │ ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS

Agora, vamos lidar um pouco com a termoquímica metalúrgica, em que para medir
as mudanças química é importante saber a variação de energia livre de Gibbs, ∆G que,
por sua vez, será função da variação de entalpia ∆H e da variação de entropia ∆S, então
devemos ter algum meio de medir essas variações das substâncias químicas. Por meio
da grandeza calor específico molar, a pressão constante cp=f(T), podemos calcular a
variação de entalpia para uma substância específica i, como segue:
T
∆H T =
∆H 298 K + ∫ ∆c
298 K
p ,i dT

Onde essa variação indica a quantidade de energia necessária para elevar a temperatura
de 298K para T de 1 mol de substância i, por exemplo, prata Ag. De modo parecido, a
variação de entropia de uma substância para temperatura constante é dada por:
T
 ∆c p ,i 
∆ST =∆S 298 K + ∫  T  dT
298 K 

em que há uma parcela de variação à temperatura constante de 298 K e outra parcela de


298 K até T. Por fim, a variação em uma reação da energia livre de Gibbs à temperatura
constante será:

∆GT =∆H T + T ∆ST

Equilíbrio de fases em um sistema de um


componente
O estado de equilíbrio para uma situação em que T e P são constantes é aquele que
a energia livre de Gibbs tem o menor valor. Para um sistema de um só componente,
os estados de existência são gasoso, líquido e sólido (com todas suas variações
polimórficas). Para uma transformação de fusão (por exemplo, do ferro), a passagem é
do estado sólido para líquido:
∆G fus =G(liq ) ( P, T ) − G( sol ) ( P, T ) =∆H fus ( P, T ) + T ∆S fus ( P, T )

Se ∆G fus é negativo, quer dizer que esse processo de fusão diminui a energia livre de
Gibbs, logo, o líquido é um estado mais estável que o sólido, ou ainda, esse é o processo
espontâneo, por exemplo, no caso da fusão do gelo em água líquida. Caso fosse positivo,
o processo espontâneo é do líquido para o sólido, ou seja, o estado de maior estabilidade
é o sólido, por exemplo, no caso do ferro fundido que se solidifica. Para duas fases
existirem em equilíbrio, ∆G fus = 0 , ou seja, G(liq ) = G( sol ) . Para que esse equilíbrio se
mantenha mesmo com variação de T e P, temos que essa variação deve ser tal que:

dG(liq ) = dG( sol )

30
ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS │ UNIDADE I

ou,

− S(liq ) dT + V(liq ) dP =
− S( sol ) dT + V( sol ) dP

De onde deriva a Equação de Clapeyron que, integrada, mostra a variação de T e P para


que se mantenha o equilíbrio:

 dP  ∆H fus
  =
 dT eq T ∆V fus

Equilíbrio em reações químicas

Como visto anteriormente, um sistema com várias substâncias que podem reagir
quimicamente a T e P constante variam segundo a expressão:

dG = ∑ Gi dni

em que a reação prossegue espontaneamente até que seja minimizada a energia


livre de Gibbs total, ou seja, dG = 0. Por exemplo, a temperatura constante:

H 2O( g ) + CO( g ) =H 2( g ) + CO2( g )

No equilíbrio:

dG = GH 2 dnH 2 + GCO2 dnCO2 − GH 2O dnH 2O − GCO dnCO = 0

De um ponto de vista estequiométrico:

dnH 2 =
dnCO2 =
−dnH 2O =
−dnCO ∴

(
dG = GH 2 + GCO2 − GH 2O − GCO dnH 2 = 0 )
Logo, no equilíbrio (dG = 0):

(G H2 ) (
+ GCO2 = GH 2O + GCO )
0
Para um gás ideal a temperatura T, aonde Gi indica a energia livre de Gibbs do gás em
condições padrões:

G
=i Gi 0 + RT ln pi

Então, enfim, teremos:

p H 2 p CO 2
GH0 2 + GCO
0
− GH0 2O − GCO
0
− RT ln
=
2
p H 2 O p CO

31
UNIDADE I │ ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS

Onde o valor marcado em negrito é conhecido como constante de equilíbrio Kp,


enquanto o valor esquerdo é a energia livre padrão de Gibbs para essa reação ∆GT0 em
específico e para T, escrita como:

∆GT0 =− RT ln K p =∆H T0 − T ∆ST0

Para uma reação genérica:


aA + bB =cC + dD
pCc pDd
Kp =
p Aa pBb

Onde pi é a pressão parcial da substância na mistura.

Propriedades termodinâmicas de soluções

Suponha duas substâncias puras A e B, em que estão no estado 1 separadas e no estado 2


misturadas. É possível demonstrar que a variação de energia livre de Gibbs no processo
de misturação, considerando sem variação de entalpia, é:

∆G M =−T ∆S M =− RT ( X A ln X A + X B ln X B )

Onde Xi é a fração molar (mols de substância sobre o total de mols da solução) da


substância i. Podemos escrever também em função das pressões parciais p para a
i
subistância i na solução (inclusive sólida) e as pressões de vapor saturado pi0 para a
substância pura i à temperatura T:

 p p 
∆G M =
− RT  X A ln A0 + X B ln B0 
 pA pB 

Caso a mistura não envolva mudanças de entalpia, dizemos que é uma Mistura Ideal
de Raoult em que vale:

pi = X i pi0

Agora vamos tratar dos casos em que nas soluções a misturação envolve uma
mudança de entalpia, ou seja, há uma alteração no nível de energia quântica dos
elétrons dos átomos dessa mistura. Para lidar com essas misturas que não seguem
o comportamento ideal do modelo de Raoult, teremos que introduzir uma grandeza
chamada atividade ai, definida como:

pi0
ai =
pi

32
ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS │ UNIDADE I

Assim, podemos ver que a energia livre de formação molar de uma solução binária A-B
é dada por:

− RT ( X A ln a A + X B ln aB ) =
∆G M = X A ∆GAM + X B ∆GBM

Assim, podemos generalizar que a energia livre parcial molar de uma substância
i no processo de misturação, ∆GiM =Gi − Gi0 , que é a diferença de energia livre na
mistura e antes da mistura, considerando substância pura, é para uma solução ideal
de Raoult:
M
∆G=
i RT ln=
X i RT ln ai

O comportamento da energia livre molar da mistura ∆G M com a composição é


mostrada na Figura 17. Nessa figura, vemos uma reta que é o lugar geométrico
da tangente à curva da função da energia livre de Gibbs da mistura para todas as
composições. Ou seja, essa curva indica os pontos mínimos de energia livre, logo, o
estado mais estável da mistura, sendo que nas extremidades, quando a composição é
pura, a energia livre de Gibbs da mistura coincide com a da substância pura. A relação
matemática que descreve essa curva tangente é dada pela Equação de Gibbs-Duhem:

X A d ln a A + X B d ln aB =
0

O coeficiente de atividade é definido como γ i =ai / X i , e assim podemos escrever a


variação de energia livre molar de formação da mistura com uma parcela ideal de
M
Raoult ∆Gideal e outra parcela chamada de excesso de energia livre de misturação
M
∆Gexcesso :

∆G M =∆Gideal
M M
+ ∆Gexcesso = RT ( X A ln X A + X B ln X B ) + RT ( X A ln γ A + X B ln γ B )

Por outro lado, para a energia livre parcial molar de misturação da substância i,
teremos:

∆GiM =∆GiM, ideal + ∆GiM,excesso = RT ( ln X i ) + RT ( ln γ i )

No caso de ser um solução regular, a misturação tem uma entropia ideal associada
com uma variação de entalpia não nula, assim, para uma substância i nesse caso:

∆GiM = ∆GiM, ideal + ∆GiM,excesso = ∆H iM − T ∆SiM = RT ( ln X i ) + RT ( ln γ i )

em que a parcela de excesso é,

∆GiM,excesso = RT ( ln γ i )
∆H iM =

33
UNIDADE I │ ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS

Aqui temos mais um modelo, a solução de Henry, que é aquela em que yi → y0


quando xi → 0, onde y0 é um valor constante conhecido como estado padrão de
Henry. Assim sendo, podemos escrever que:

ai = γ i0 X i

Figura 17. Variação da energia livre de misturação para uma mistura ideal binária A-B a 1000K.

Fonte: Cahn et. Haasen, 1996.

A origem termodinâmica do diagrama de fases

Consideremos uma solução bifásica A-B e suas energias livres molares representadas na
Figura 18a. Por simplicidade, consideraremos uma solução ideal de Raoult. Na Figura
18b são mostradas as energias livres em temperatura T. O líquido puro de A e o sólido
puro B são tomados como referências localizados nos pontos a e b, respectivamente. O
0 0 0 0
GA0( s ) é localizado no ponto c, onde GA( s ) − GA( l ) = − ∆Gm , A e GB ( l ) é localizado no ponto d,
0 0
onde GB(l ) − GB( s ) = ∆Gm0 , B a temperatura T. Usando como estado de referência as linhas
de líquido puro A e a linha de sólido puro B, a energia livre molar para os líquidos
puros será dada por ad, X B ∆Gm0 , B , enquanto a energia correspondente aos sólidos puros
dado pela linha cb, − X A ∆Gm0 , A . Uma vez que ao formar a mistura, a energia livre molar

34
ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS │ UNIDADE I

decresce de um módulo de RT ( X A ln X A + X B ln X B ) e, dessa forma, em relação aos


estados de referência, teremos:
∆G M ( soluções sólidas ) =
− X A ∆Gm0 , A + RT ( X A ln X A + X B ln X B )

e,
∆G M ( soluções líquidas ) =X B ∆Gm0 , B + RT ( X A ln X A + X B ln X B )

A tangente às duas curvas de energia livre molar toca a curva de soluções sólidas em
g e a curva de soluções líquidas em f, que intercepta os pontos de= X A 1e
= X B 1 nos
pontos e e h, respectivamente. Como no estado equilíbrio a energia livre é minimizada,
os pontos f e g dividem a composição em três regiões. Na região entre os pontos a e f
a solução líquida homogênea é o estado que apresenta a mínima energia livre possível,
enquanto na região entre g e b é a solução sólida homogênea o estado que apresenta
a menor energia livre possível. Entretanto, na composição entre os pontos f e g, uma
mistura bifásica de solução líquida com composição f e composição de solução sólida g
(energia livre que está na linha fg) tem uma energia livre menor que ambas as soluções
homogêneas líquida e sólida. Logo, o ponto f é o limite de solução de B no líquido A e g
é o limite de solubilidade de A no sólido B, assim, os pontos f e g são, respectivamente, a
composição do líquido e do sólido na temperatura T. Para o equilíbrio de fase teremos:
∆GAM ( no líquido f ) =
∆GAM ( no sólido g )

e,
∆GBM ( no líquido f ) =
∆GBM ( no sólido g )

Essas condições de equilíbrio exigem que a tangente à curva da energia livre molar
para a solução líquida na composição líquida f é também tangente à curva de energia
livre molar para as soluções sólidas no sólido de composição g. Geometricamente tal
condição é ca + ae = ce e db + bh = dh. Podemos reescrever as equações anteriores
como:
∆Gm0 , A + RT ln X A ( líquido ) =
RT ln X A ( sólido )

e,

−∆Gm0 , B + RT ln X B ( sólido ) = RT ln X B ( líquido )

Uma vez que X A ( líquido ) + X B ( líquido ) =


1 e X A ( sólido ) + X B ( sólido ) =
1 , teremos
então que a fração molar da substância A no líquido e no sólido como:

1 − exp ( −∆Gm0 , B / RT )
X A ( líquido ) =
1 − exp ( −∆Gm0 , B / RT )  exp ( −∆Gm0 , A / RT ) 

35
UNIDADE I │ ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS

e,

exp ( −∆Gm0 , A / RT ) 1 − exp ( −∆Gm0 , B / RT ) 


X A ( sólido ) =
1 − exp ( −∆Gm0 , B / RT )  exp ( −∆Gm0 , A / RT ) 

Figura 18. (a) Diagrama de Fases da solução A-B; (b) Curvas das energias livres de mistura do sistema A-B na

temperatura T.

soluções
líquidas
Temperatura
T

Soluções
sólidas


lid
oA
eB

o-m
ist
ura
d o
o
rad
stu
−∆GA0 -mi
B não
Ae ∆GB0
ido
líqu

líquido A e sólido B não-misturado

∆G M
s
da
óli
ss
so
luç

õe
luç
õe
sl

so
íqu
ida
s

Fração molar de B

Fonte: Cahn et. Haasen, 1996.

Reações em Equilíbrio envolvendo Soluções e a Lei de Fases de Gibbs

A reação de equilíbrio depende da atividade dos reagentes, assim sendo, suponha uma
reação:
aA +bB = cC + dD
em termos de energia livre de Gibbs:
aG A +bGB = cGC + dGD

36
ESTRUTURA E FENÔMENOS FÍSICOS │ UNIDADE I

Cujos valores de energia livre molar parcial:

G=
i Gi0 + RT ln ai

E assim, para o equilíbrio podemos escrever:

aCc aDd
∆GT0 =
− RT ln − RT ln KT
=
a Aa aBb

Onde o coeficiente dentro do logaritmo é a constante de equilíbrio para a reação.

Por fim, vamos falar sobre a Regra das Fases de Gibbs. A completa descrição de um
sistema termodinâmico contendo C componentes que existem em P fases requer
os valores de temperatura, pressão e composição de cada uma das fases P. Como a
composição de cada fase é conhecida quando conhecemos C-1 de seus componentes é
conhecido, o número total de variáveis para sua descrição é P pressões + P temperaturas
+ P(C-1) concentrações = P(C+1). Para o equilíbrio termodinâmico no sistema, cada
uma das P fases tem que estar na mesma pressão, temperatura e atividade (ou energia
livre parcial molar) de cada um dos componentes individuais em cada umas das P fases.
Assim, para o equilíbrio, há (P-1) igualdades de temperatura, (P-1) igualdades de pressão
e (P-1)C igualdades de atividade, totalizando um sistema de (P-1)(C+2) equações. O
número dos graus de liberdade F, que o sistema deve ter, é definido como o máximo
número de variáveis que podem variar sem alterar o equilíbrio termodinâmico. Esse
número é obtido pelo número de variáveis totais no sistema menos o número mínimo
de equações necessário para manter o equilíbrio, assim:

F = P ( C + 1) − ( P − 1)( C + 2 ) = C + 2 − P

Essa é a Regra das Fases de Gibbs, uma importante ferramenta para descobrir os
possíveis estados de equilíbrio para um sistema multifásico. Por exemplo, para um
sistema monocomponente que nem a água H2O, teremos C = 1, logo, F = 1 + 2 + P, se
tivermos uma única fase, por exemplo, líquido, P = 1, e então os graus de liberdade serão
F = 2. Isso quer dizer que a pressão e a temperatura poderão variar independentemente
e mesmo assim ser mantido o equilíbrio. Quando temos duas fases, F=1, logo, no
equilíbrio de duas fases só uma variável pode mudar independentemente. No caso de
três fases, ou seja, o ponto triplo de uma substância pura, F = 0, não há variáveis, por
isso é um ponto fixo definido por pressão e temperatura únicas.

37
DIAGRAMA DE FASES UNIDADE II

Os diagramas de fase são um importante instrumento para o planejamento e controle


de tratamentos térmicos dos materiais porque algumas propriedades dos materiais
são dependentes de sua microestrutura e, logo, de sua história térmica. Apesar destes
diagramas descreverem estados em equilíbrio das microestruturas, eles também
podem ser úteis na previsão de estados de não-equilíbrio que apresentam propriedades
de interesse, tal é o endurecimento por precipitação. Por fim, dedicaremos um capítulo
a um importante diagrama de fases do sistema Fe-C, que inclui aços e ferro fundidos,
materiais fundamentais na engenharia moderna.

CAPÍTULO 1
Conceitos básicos e definições

Introdução
Os diagramas de fase de metais e suas ligas são de suma importância porque as
propriedades são determinadas pela microestrutura e o desenvolvimento destas, por
sua vez, estão relacionadas às características de seu diagrama de fases. Ademais, estes
diagramas fornecem informações preciosas sobre fusão, fundição e cristalização, entre
outros. Alguns conceitos básicos utilizados são soluto e solvente, já definidos, e também
componente, que são os metais puros e/ou os compostos que formam a liga. Sistema
pode ser entendido como toda a gama de possíveis ligas formadas pelos mesmos
componentes, por exemplo, o Sistema Fe-C como toda sua gama de aços e ferros.

Limites de solubilidade

É a quantidade máxima que um soluto pode ser dissolvido em um solvente para


formar uma solução sólida para uma certa temperatura, caso seja adicionada uma

38
DIAGRAMA DE FASES │ UNIDADE II

quantidade além deste limite, resulta na formação de uma outra solução sólida ou
outro composto de composição destacadamente diferente. Como exemplo temos o
sistema água-sal; conforme vai sendo adicionado gradualmente sal, este vai sendo
dissolvido em uma solução de salmora, porém chega um ponto que a solução se satura
e ela não consegue mais dissolver sal, de modo que este se sedimenta no fundo. Assim
é formado um sistema com duas substâncias separadas, solução de salmora e cristais
de sal ao fundo que não foram dissolvidos.

Fases

Outro conceito básico para entender os diagramas de fases são as próprias fases:
porção homogênea de um sistema com características físico-químicas uniformes. Toda
substância pura é uma fase, assim como uma solução sólida, líquida ou gasosa. O ar,
por exemplo, é uma fase de uma solução gasosa de oxigênio, nitrogênio, gás carbônico,
entre outros. No exemplo anterior, do sistema água-sal, temos duas fases fisicamente
diferentes (uma líquida e outra sólida) e também quimicamente diferentes (uma
sal puro e outra uma solução de sal em água). Quando há mais de uma fase, existirá
uma fronteira separando-as em que há mudanças abruptas das propriedades físico
e/ou química. Assim, para existir duas fases separadas, elas devem diferir fisicamente
(gelo e água líquida ou ferro CCC e CFC) e/ou quimicamente (água e sal). Podemos
classificar os sistemas em homogêneos, quando há uma fase, ou heterogêneos (duas
ou mais fases). A maioria das ligas metálicas são sistemas heterogêneos. Muitas vezes,
a interação entre as fases produz uma combinação de propriedades mais interessantes
do que as fases isoladas.

Microestrutura

Geralmente as propriedades físicas, em particular as propriedades mecânicas,


dependem da microestrutura que pode ser observada por microscópios, lupas ou
microscópios eletrônicos. Nos metais e suas ligas, a microestrutura se caracteriza pelo
número de fases, sua quantidade e seu arranjo espacial, sendo que a microestrutura
depende de variáveis como elementos de liga, sua concentração e tratamento térmico.
As fases podem ser observadas após um tratamento de amostras, tais como polimento e
ataque químico para revelar as fase que, por exemplo, numa liga bifásica cada uma das
fases pode aparecer de cores diferentes, enquanto se for um metal puro, a aparência é
homogênea, exceto pelos contornos de grãos revelados no tratamento.

39
UNIDADE II │ DIAGRAMA DE FASES

Equilíbrio de fase
Equilíbrio, como visto no capítulo de Termodinâmica, é macroscopicamente um
estado em que o sistema permanece no tempo sem modificação, caso não seja
perturbado, em termos de energia livre, é quando esta é minimizada para uma
certa condição de temperatura, pressão e composição. Caso haja perturbação, por
exemplo, uma mudança de temperatura, o sistema se modificará para minimizar
a energia livre, ou seja, alcançar um novo estado de equilíbrio. O termo equilíbrio
de fases significa para sistemas heterogêneos a constância nas características
das fases ao longo do tempo. Vamos voltar ao exemplo da água com sal: a 0°C o
limite de solubilidade de sal na água é de 35,7g de sal por 100g de água, mantidas
as condições, a solução se mantém assim indefinidamente, caso aumentemos a
temperatura para 70°C, o limite de solubilidade aumenta para 37,8g de sal por
100g de água, assim, caso houvesse sal no fundo do frasco, esse seria dissolvido em
partes para atingir um novo equilíbrio de fases. Em muitas ligas metálicas ocorre
o mesmo, porém com soluções sólidas, logo, a mudança do equilíbrio refletirá em
uma mudança de microestrutura, com mudança de quantidade de fases e nova
distribuição ou arranjo.

Os diagramas de fases indicam os estados de equilíbrio, mas não o tempo que demora
para se chegar a tal estado. Existem casos, principalmente de soluções sólidas, que
para atingir um novo estado de equilíbrio demora tanto que praticamente não se
modificia, logo, está em um estado metaestável. Na metalurgia, alguns estados
metaestáveis apresentam propriedades mais interessantes que estados em equilíbrio,
tais como em ligas de aço e alumínio. Concluindo, é importante saber como são os
estados de equilíbrio mas também a velocidade com que tais equilíbrios são atingidos
e os fatores que afetam tais velocidades. Nesta unidade, trataremos dos estados de
equilíbrio, enquanto na próxima unidade trataremos das taxas de modificação e os
estados metaestáveis.

Diagrama de fase monocomponente


Várias informações para o controle da estrutura das fases são informadas de forma
conveniente e prática pelo diagrama de fases, também conhecidos como diagrama de
equilíbrio. Os diagramas de fases são construídos sobre três variáveis: temperatura,
pressão e composição e suas linhas são traçadas conforme se variam esses parâmetros
uns em relação aos outros. Para introduzir os diagramas de fases, o mais simples
é aquele com um único componente, conhecido também como diagrama de fase
unário, ou seja, a composição é constante e as variáveis são pressão e temperatura
(Diagrama P-T), sendo o eixo vertical a pressão, geralmente em escala logarítmica, e
na horizontal a temperatura.

Aqui iremos destrinchar o diagrama P-T da H2O, conforme a Figura 19. No gráfico
podemos perceber três áreas que correspondem às fases diferentes – sólido, líquido

40
DIAGRAMA DE FASES │ UNIDADE II

e gás – separadas por três curvas aO, bO e cO que correspondem ao equilíbrio, ou


seja, em qualquer ponto dessas linhas, as fases estarão em equilíbrio e coexistirão.
Por exemplo, o equilíbrio entre sólido e gás acontece na linha aO, analogamente, o
equilíbrio sólido e líquido acontece em bO e o líquido e gás na linha cO. Conforme
se atravessa uma fronteira por meio da mudança de temperatura e/ou pressão, há
uma alteração da fase. Por exemplo, sob 1 atm, ao se aquecer o sólido se transforma
em líquido (ponto 2 no gráfico), isto é, na intersecção da linha horizontal tracejada
com a linha de fronteira sólido-líquido; tal ponto corresponde a T = 0 °C. Claramente
o contrário da fusão, ou seja, solidificação, acontece no mesmo ponto quando do
resfriamento. Analogamente, no ponto 3, onde a linha tracejada horizontal cruza
com a curva de equilíbrio líquido-vapor, a 100 °C, acontece a vaporização quando do
aquecimento, e a condensação, quando do resfriamento. Por fim, o sólido sublima ao
passar pela linha aO.

No gráfico, podemos perceber que todas as curvas se encontram em um único ponto


O, que no caso da H2O, é na temperatura de 273,16 K e pressão de 6,04 × 10-3 atm.
Esse é o ponto triplo, também conhecido como ponto invariante porque é único para
cada substância pura; nesse ponto temos a condição em que as três fases estão em
equilíbrio termodinâmico, logo, coexistem simultaneamente. Qualquer variação de
temperatura e/ou pressão faz a substância sair do estado do ponto triplo, e uma das
fases desaparece.

Os diagramas de fases de pressão-temperatura de várias substâncias foram


determinados experimentalmente, apresentando áreas de sólido, líquido e gás. No
caso de substância que apresenta mais de uma fase sólida (alotropia), o diagrama tem
uma área para cada fase sólida e mais de um ponto triplo.

Figura 19. Diagrama de fase da água em coordenadas de temperatura e pressão. O ponto 2, onde passa a

linha tracejada, é o ponto de derretimento à pressão de 1 atm, isto é, em T=0°C, enquanto o ponto 3 é o ponto

de evaporação T=100°C.

Líquido
Sólido (Água)
Pressão (atm)

(Gelo)

Gás
(Vapor)

Temperatura (°C)

Fonte: Callister, 2000.

41
CAPÍTULO 2
Diagramas de fase binários

Introdução

Um tipo muito comum de diagrama de fases é aquele em que temperatura e


composição são variáveis e a pressão é mantida constante, comumente a 1
atm. Apesar de a maioria das ligas apresentarem mais de dois componentes,
vamos começar estudando a interpretação de ligas binárias – aquelas com dois
componentes – porque o princípio é o mesmo para ligas mais complexas. Os
diagramas de fase binários são úteis para prever transformações de fases e suas
microestruturas correspondentes quando há mudança de fase, em geral, originada
pela variação de temperatura, seja no equilíbrio ou fora dele.

Sistemas isomorfos binários

Um diagrama de fases binário mais fácil de ser entendido é o representado


pelo sistema cobre-níquel (Figura 20). Neste diagrama temos três regiões: um
campo alfa (α), um campo líquido (L) e um campo bifásico α + L. O líquido L
é uma solução líquida homogênea composta de cobre e níquel. A fase α é uma
solução sólida substitucional de átomos de Cu e Ni de estrutura cúbica de face
centrada (CFC). O cobre e o níquel são mutuamente solúveis entre si abaixo de
1080°C devido sua afinidade química, tamanhos semelhantes e mesma estrutura
cristalina; por causa dessa completa solubilidade mútua, o sistema Cu-Ni é
chamado de isomorfo.

42
DIAGRAMA DE FASES │ UNIDADE II

Figura 20. Diagrama de fase binário do cobre e níquel em uma visão geral (a) e em detalhe (b) para determinar

composição e quantidade de fase no ponto B.


Composição (% em peso de Ni)

Líquido
Temperatura (°C)

Linha liquidus
Linha solidus

Sólido (fase α)

(Cu) Composição (% em peso de Ni) (Ni)

Líquido
Temperatura (°C)

Linha de Amarração
α+L

α+L

Composição (% em peso de Ni)

Fonte: Callister, 2000.

Alguns detalhes sobre nomenclatura. Para ligas metálicas as soluções sólidas são
designadas por letras minúsculas gregas (α, β, γ..); as curvas que separam as fases L e
α + L é chamada de linha liquidus, em que a fase líquida está acima dessa curva, como
pode ser acompanhado pelo diagrama. Analogamente, a linha solidus separa as fases α
e α + L. Onde as linhas solidus e liquidus se interceptam no diagrama e correspondem

43
UNIDADE II │ DIAGRAMA DE FASES

às temperaturas de fusão dos metais puros, isto é, cobre a 1085°C e o níquel a 1453°C.
Em qualquer outro caso em que não há metal puro, a fusão ocorrerá ao longo de uma
faixa de temperatura entre as linhas liquidus e solidus. Por exemplo, para 50%p de Ni
e 50%p de Cu, a fusão se inicia em 1280°C e a quantidade de líquido vai aumentado até
1320°C quando a liga é completamente líquida.

Interpretando o diagrama de fases

Três informações muito importantes podem ser tiradas do diagrama de fases binário
em equilíbrio: as fases presentes, a composição dessas fases e a fração das fases:

»» Fases presentes: muito simples, basta ver em que região se encontra


o ponto em questão, por exemplo, na Figura 20 o ponto A corresponde a
1100°C e 60%p de Ni e 40%p de Cu está em uma região de fase alfa, logo,
apenas a fase alfa está presente. No caso do ponto B, é uma região α+L,
logo, estarão presentes as fases sólida e líquida.

»» Determinação da Composição da Fase: para uma região


monofásica, a composição é indicada pelo próprio ponto onde está. No
caso de regiões bifásicas, é necessário fazer uma linha de amarração,
também conhecida como isoterma, conforme Figura 20. Essa linha tem
os extremos nas curvas que separam as regiões das fases, e suas projeções
no eixo horizontal dão as concentrações das respectivas fases. Vamos
a um exemplo para facilitar, o ponto B tem uma liga com 35%p de Ni
e 65%p de Cu a 1250°C, em uma região bifásica α+L com sua linha de
amarração. Temos que CL=31,5%p Ni – 68,5%p Cu será a composição do
líquido enquanto o sólido terá Cα=42,5%p Ni – 57,5%p Cu.

»» Determinação da Fração ou quantidade das Fases: na região


monofásica é trivial, caso esteja na região de fase α, 100% da composição
é α, como no exemplo do ponto A. Na região bifásica temos de usar a
regra da alavanca: (1) é traçada uma linha de amarração no nível do
ponto em questão; (2) a composição global da solução está na linha de
amarração; (3) a fração de uma fase é dada pelo comprimento da linha de
amarração do ponto de composição global até a fronteira de fases para a
outra fase, dividindo tudo pelo comprimento total da linha de amarração;
(4) a outra fração da outra fase é obtida analogamente; (5) as frações são
valores entre 0 e 1, se o aluno desejar a porcentagens das fases, basta
multiplicar por 100. Para exemplificar, voltemos a Figura 20b em que
as duas fases estão presentes à temperatura 1250°C e uma composição

44
DIAGRAMA DE FASES │ UNIDADE II

global C0 de 35%p Ni-65%p Cu enquanto as frações mássicas da fase L e


α são respectivamente WL e Wα. A partir da regra da alavanca teremos:
S Cα − C0 42,5 − 35
WL
= = = = 0,=
68 68%
R + S Cα − CL 42,5 − 31,5

Desenvolvimento de microestrutura em ligas


isomorfas
Teremos dois modos de solidificação que geram microestruturas diferentes conforme
o caso: um resfriamento bem lento em que há condições de equilíbrio e outro um
resfriamento fora do equilíbrio. Na Figura 21 temos uma liga de Ni-Cu resfriada a partir
de 1300°C, em que a microestrutura é mostrada nos detalhes dentro dos círculos que
acompanham a linha de resfriamento de a até e. No ponto a a liga é totalmente líquida
até que no ponto b começa a solidificação de núcleos que vão crescendo conforme se vai
até o ponto d. Do ponto d até e não há alteração microestrutural, apesar de diminuir a
temperatura. Por ser um resfriamento feito muito lentamente, há tempo de acontecer a
difusão dos átomos de Ni e Cu, assim, a composição da fase α é a mesma do líquido que
lhe deu origem, e uma microestrutural sólida policristalina.

Figura 21. Representação esquemática do desenvolvimento de uma microestrutura em equilíbrio da liga 35%p

Ni – 65%p Cu.
Temperatura (°C)

Composição (% em peso de Ni)

Fonte: Callister, 2000.

45
UNIDADE II │ DIAGRAMA DE FASES

Já no caso de um resfriamento em não-equilíbrio, o processo de difusão não tem


tempo hábil para fazer a redistribuição da composição, logo, a microestrutura será
diferenciada, conforme a Figura 22. Os primeiros núcleos da fase sólida vão se iniciar
no ponto b’ porém a fase sólida terá a composição correspondente à linha solidus
enquanto a fase líquida terá a composição da linha liquidus, assim sucessivamente
pelos pontos c’ e d’, isto é, o núcleo vai crescendo por camadas com composições
diferentes. No ponto d’ era para ter sido finalizada a solidificação, porém, fora do
equilíbrio, ainda há considerável quantidade de líquido com fase α sendo formada
na composição de 35%p Ni. A solidificação acaba no ponto e’ com composição de fase
α em 31%p Ni. No detalhe do ponto f’ podemos ver a microestrutura zonada em que
houve segregação ao longo dos grãos, ou seja, há um gradiente de composição. Tal
microestrutura apresenta qualidades mecânicas inferiores daquelas desenvolvidas
por um processo de resfriamento em equilíbrio.

Figura 22. Representação esquemática do desenvolvimento de uma microestrutura em não-equilíbrio da liga

35%p Ni – 65%p Cu.


Temperatura (°C)

Composição (% em peso de Ni)

Fonte: Callister, 2000.

46
DIAGRAMA DE FASES │ UNIDADE II

Sistemas eutéticos binários

Outro tipo de diagrama de fases simples e bem comum para ligas binárias é
apresentado na Figura 23 para Ag-Cu, conhecido como diagrama de fases eutético
binário. Podemos observar que há três regiões monofásicas: α, β e L (líquido). A
fase α é uma solução rica em Cu com Ag dissolvido, a fase β é rica em Ag com Cu
dissolvido, ambas apresentam estrutura CFC. O cobre e prata pura também são
consideradas fases α e β, respectivamente. Temos assim que a solubilidade de
cada uma dessas fases sólidas é limitada, porque abaixo da linha BEG apenas uma
concentração limitação de prata irá dissolver no cobre (fase α), e vice-versa. A linha
BEG é uma linha solidus porque é a temperatura mais baixa para a qual pode existir
uma fase L para qualquer composição de Ag-Cu que esteja em equilíbrio. O limite
de solubilidade para a fase α corresponde à linha de fronteira CBA que aumenta
com o crescimento da temperatura a partir de C até um valor máximo no ponto B
(8,0%p Ag a 779°C) e diminui até o ponto A que corresponde ao ponto de fusão do
cobre puro. A linha AB é chamada linha solidus e a linha BC é linha solvus que é
a linha do limite de solubilidade do sólido separando as regiões de fases α e α+β.
Analogamente, temos linhas solidus e liquidus no extremo direito.

O diagrama eutético bifásico apresenta três regiões bifásicas: α+L, β+L e α+β, onde as
fases coexistem em equilíbrios e suas frações e composição podem ser determinadas
por linhas de amarração e regras da alavanca como descrevemos anteriormente.

Conforme a prata é adicionada ao cobre, a temperatura de fusão da liga diminui,


ao longo da linha liquidus AE, igualmente podemos falar da prata que tem sua
temperatura de fusão diminuída com a adição de cobre pela linha FE. Essas duas
linhas se encontram no ponto E, conhecido como ponto eutético, que é um ponto
invariante de composição CE e TE que para liga em questão é 71,9%p Ag e 779°C. A
palavra eutético significa “facilmente fundível” e a solidificação nesse ponto acontece
de uma forma diferenciada, chamada de reação eutética em que uma fase líquida
forma diretamente duas fases sólidas α e β aonde CαE e CβE representam a composição
dos sólidos α e β formados:
L ( CE ) ↔ α ( CαE ) + β ( CβE )

No caso da liga Ag-Cu:


L ( 71, 9%p Ag ) ↔ α ( 8, 0%p Ag ) + β ( 91, 2%p Ag )

A reação eutética é semelhante ao comportamento da solidificação de metais puros


no sentido em que a reação se processa na mesma temperatura até a conclusão da
transformação, entretanto a reação eutética sempre formará duas fases sólidas,
enquanto o metal puro forma uma única fase.

47
UNIDADE II │ DIAGRAMA DE FASES

Figura 23. Diagrama de fase eutético binário da liga Prata-Cobre.

Líquido
Temperatura (°C)

(Cu) Composição (p% Ag) (Ag)

Fonte: Callister, 2000.

Desenvolvimento de microestrutura em ligas


eutéticas

Vamos apresentar quatro tipos de microestruturas que podem ser desenvolvidas


no diagrama de fases eutéticos binários. Usaremos como exemplo a liga de St-Pb.
O primeiro caso é representado pela Figura 24 e se aplica às composições entre o
componente puro e a solubilidade sólida máxima para aquele componente à temperatura
ambiente [20°C]. Considerando uma liga com composição C1 conforme ela é resfriada
lentamente a partir de 350°C, visto na linha ww’, a solução permanece totalmente
líquida e com a composição C1 até atravessar a linha liquidus aproximadamente a
330°C, quando a fase α inicia sua formação. Ao passar pela região bifásica α+L a
solidificação procede como descrito para a liga Cu-Ni na região anterior.

48
DIAGRAMA DE FASES │ UNIDADE II

Figura 24. Representação do desenvolvimento da microestrutura da composição C1.

Temperatura (°C)

Composição (p% Sn)

Fonte: Callister, 2000.

O segundo caso é demonstrado na Figura 25 e corresponde a uma composição


entre o limite de solubilidade à temperatura ambiente e a solubilidade máxima na
temperatura do ponto eutético, isto é, C2 que tem uma transformação ao longo da
linha xx’. Do ponto d até f temos o desenvolvimento semelhante ao primeiro caso,
formando uma estrutura monofásica policristalina α. Logo abaixo da linha solvus,
a solubilidade máxima da fase α é excedida e então acontece a precipitação de
pequenas partículas de fase β, mostradas no detalhe do ponto g. Conforme se diminui
a temperatura, diminui-se a solubilidade e essas partículas tendem a crescem.

49
UNIDADE II │ DIAGRAMA DE FASES

Figura 25. Representação do desenvolvimento da microestrutura da composição C2.

Temperatura (°C)

Composição (p% Sn)

Fonte: Callister, 2000.

O terceiro caso é a solidificação no ponto eutético (Figura 26), desenvolvendo-se


ao longo da linha yy’. Conforme saímos do ponto h até a temperatura eutética não
acontece nada, se mantém a fase L. Ao se atingir a temperatura eutética, o líquido
se converte nas duas fases α e β em que a composição dessas fases é ditada pela
linha isotérmica eutética. Durante essa transformação há uma distribuição dos
átomos de chumbo e estanho por meio de difusão atômica porque as fases α e β
têm composições diferentes entre si e também diferentes da fase líquida originária.
Como vemos no detalhe do ponto h, forma-se uma microestrutura característica –
estrutura eutético – formada de lamelas alternadas de fases α e β. Essa estrutura é
formada porque nesse arranjo a difusão atômica do chumbo e estanho acontecem
apenas em pequenas distâncias.

50
DIAGRAMA DE FASES │ UNIDADE II

Figura 26. Representação do desenvolvimento da microestrutura da composição C3.


Temperatura (°C)

(Sn)
Composição (p% Sn)

Fonte: Callister, 2000.

O quarto e último caso é representado na Figura 27 por todas as composições que


quando resfriadas cruzam a linha isotérmica eutética, como exceção daquela que
cruza exatamente no ponto eutético. O desenvolvimento é mostrado pela linha zz’,
sendo que dos pontos de j até l o desenvolvimento microestrutural é semelhante ao
caso segundo, sendo presentes as fase α e L. Assim que a temperatura é abaixo do nível
eutético, a fase líquida, a qual possui a composição eutética, se transformará em uma
estrutura eutética, enquato a microestrutura prévia continuará a mesma, conforme
o detalhe do ponto m. A fase α está presente tanto na primeira microestrutura
quanto na formada na reação eutética, para diferenciar uma da outra, chamamos
aquela formada após a temperatura eutética de α eutética, enquanto a outra
chamamos de α primária. Por fim, é importante definir microconstituinte, um
elemento da microestrutura com estrutura característica e identificável. No caso
do ponto m, temos uma microestrutura com dois microconstituintes: α primária e
a estrutura eutética, que é um microconstituinte, apesar de ser formada por duas
fases, pois apresenta uma estrutura lamelar fixa e constante.

51
UNIDADE II │ DIAGRAMA DE FASES

Figura 27. Representação do desenvolvimento da microestrutura da composição C4.


Temperatura (°C)

Composição (p% Sn)

Fonte: Callister, 2000.

Diagrama de fases contendo compostos


intermediários

Os diagramas que discutimos anteriormente, com apenas duas fases α e β são às


vezes chamados de soluções sólidas terminais porque existem em composições
próximas às extremidades de concentração do diagrama de fases. Em outros casos,
como o apresentado no formidável diagrama de fases do Cobre-Zinco (Figura
28), temos soluções sólidas intermediárias, ou fases intermediárias, em outras
composições que não nos dois extremos. Esse diagrama apresenta seis soluções
sólidas, duas terminais (α e η) e quatro intermediárias (β, γ, δ e ε). Temos apenas
regiões monofásicas e bifásicas, às quais se aplicam as regras apresentadas
anteriormente para determinar composição e fração. Como exemplo, os latões
são ligas de Cu-Zn ricas em cobre, sendo a composição da liga para cartuchos de
70%p Cu-30%p Zn com microestrutura monofásica α. Neste diagrama também
são apresentados mais pontos invariantes, além do eutético, que discutiremos nos
próximos tópicos.

52
DIAGRAMA DE FASES │ UNIDADE II

Figura 28. Diagrama de Fases do sistema Cu-Zn.

Composição (p% Zn)

Temperatura (°C)

Composição (p% Zn)

Fonte: Callister, 2000.

Reação eutetoide e peritética

É uma reação que acontece na composição de 74%p Zn-26%p Cu a 560°C, em que uma
fase sólida δ se transforma em outras duas fases ε e γ segundo a reação:
δ ↔ γ+ε

Reação eutetoide significa “semelhante à eutética”, e seu ponto invariante é o eutetoide


enquanto a linha de amarração na sua temperatura é isoterma eutetoide. O que
diferencia a reação eutetoide da eutética é o simples fato de que naquela a fase sólida
gera duas fases sólidas, enquanto nesta é uma fase líquida que gera duas fases sólidas.
Há um ponto eutetoide no diagrama de ferro-carbono e tem aplicações importantes no
tratamento do aço.

Outro ponto invariante é aonde acontece a reação peritética, quando do


aquecimento, uma fase sólida se transforma em uma fase líquida e outra fase sólida.
No sistema Zn-Cu esse ponto acontece em 598°C com 78,6%p Zn-21,4%p Cu e é a
seguinte:
δ+ L ↔ ε

Além dessa, no diagrama Zn-Cu há outros três pontos peritéticos.

53
CAPÍTULO 3
O sistema ferro-carbono

Diagrama de Fases Ferro-Carberto de Ferro


(Fe-Fe3C)

O mais importante sistema de ligas binárias é, sem sombra de dúvidas, formado


pelo ferro e carbono, pois essa é a liga básica da nossa cultura tecnológica
que utiliza extensivamente o aço e o ferro fundido. Por isso estudaremos
esse diagrama, depois iremos observar o desenvolvimento de suas principais
microestruturas, e por fim a influência de outros elementos de liga.

A parte mais importante do diagrama de fases do ferro-carbono é apresentado


na Figura 29. O ferro puro apresenta duas estruturas cristalinas antes de fundir,
conforme se aquece. Na temperatura ambiente, a forma estável é a ferrita ou ainda
ferro α com estrutura cristalina cúbica de corpo centrado (CCC). A 912°C a ferrita
passa por uma transformação polimórfica para austenita ou fase γ, cuja estrutura é
CFC. Após 1394°C, a estrutura CFC se reverte em uma estrutura CCC para a ferrita
δ, e, finalmente, na temperatura 1538°C há a fusão completa. O diagrama de fases
é representado até 6,70%p C porque até essa composição é formado o composto
intermediário de carbeto de ferro, conhecido como cementita (Fe3C). Até 6,70%p
C é a parte do diagrama rica em ferro, a segunda parte, de 6,70%p C a 100%p C é
uma segunda parte, não mostrada, é rica em carbono. Na prática, os aços e ferros
fundidos se encontram na primeira parte do diagrama, logo, é chamada de diagrama
de fases Fe- Fe3C.

54
DIAGRAMA DE FASES │ UNIDADE II

Figura 29. Diagrama de Ferro-Carbeto de Ferro.


Temperatura (°C)

γ, austenita

γ+Fe3C

α, ferrita α + Fe3C
Cementita (Fe3C)

Composição (%peso C)

Fonte: Callister, 2000.

O carbono é um elemento intersticional da ferrita α ferrita β e austenita. Na


ferrita α a solubilidade do carbono é relativamente baixa, de no máximo
0,022%p C por causa de sua estrutura CCC que acomoda menos átomos. Apesar
da baixa concentração de carbono, esse elemento de liga altera notavelmente
as propriedades mecâncias e físicas da liga, sendo a ferrita α relativamente
macia, magnética em temperatura ambiente, e de densidade de 7,88g/cm³, cuja
aparência é detalhada na Figura 30a. A austenita ou fase γ só é estável acima da
temperatura de 727°C e apresenta solubilidade ao carbono 100 vezes maior que
a ferrita α devido a sua estrutura CFC que acomoda mais átomos intersticiais,
provocando menores deformações circunvizinhas. Ela não é magnética e sua
estrutura pode ser apreciada na Figura 30b. A ferrita δ é essencialmente igual a
ferrita α, a exceção da faixa de temperatura em que existe.

55
UNIDADE II │ DIAGRAMA DE FASES

Figura 30. Microestrutura da (a) ferrita e (b) austenita.

Fonte: Callister, 2000.

Por fim, a cementita, ou carbeto de ferro Fe3C é formada quando se atinge o limite
de solubilidade do carbono na ferrita α em temperaturas abaixo de 727°C. Sob um
aspecto mecânico, a cementita é dura e frágil, sendo que a resistência de alguns aços é
aumentada com sua presença. Sob uma visão mais crítica, a cementita é uma fase fora
do equilíbrio, isto é, metaestável, pois a tendência da cementita é de se decompor em
grafita (carbono puro) e ferro α. Assim, o diagrama ferro-carbeto de ferro na realidade
não é um diagrama de equilíbrio de fases! Porém, como a taxa de decomposição é tão
extremamente lenta, podemos considerar como um diagrama de equilíbrio. Nem tudo
o que parece é....

O diagrama de fases de ferro-carbono apresenta dois pontos importantes, um ponto


eutético a 1147°C e 4,30%p C em que temos a seguinte reação:
L ↔ γ + Fe3C

O líquido se solidifica para formar as duas fases austenita e cementita. O


resfriamento subsequente trará algumas alterações adicionais na microestrutura.
Além desse ponto invariante importante, há também uma reação eutetoide que
acontece a 727°C e 0,76%p C em que a fase sólida austenita se transforma em duas
fases sólidas ferrita e cementita, como sintetizado na equação seguinte:
γ ( 0, 76%p C ) ↔ α ( 0, 022%p C ) + Fe3C ( 6, 7%p C )

As ligas ferrosas podem ser classificadas, segundo a sua composição:

»» Ferro (<0,008 %p C).

»» Aços (0,008 %p C a 2,14%p C).

»» Ferros fundidos (> 2,14%p C).

56
DIAGRAMA DE FASES │ UNIDADE II

Desenvolvimento de microestruturas em ligas de


ferro-carbono
A liga de ferro-carbono pode se desenvolver de várias formas a depender da
composição e tratamento térmico. Aqui, iremos lidar com aquelas transformações
que ocorrem a baixas taxas de resfriamento em que o equilíbrio é mantido na
prática. Transformações fora do equilíbrio serão discutidas no próximo capítulo.
As mudanças que ocorrem da passagem da fase γ para a fase α e Fe3C podem se
processar de diversas formas. Podemos classificar em três microestruturas: (1)
eutetoide, ou seja, com composição do ponto eutetoide; (2) hipoeutetoide, isto é,
com composição abaixo da eutetoide; (3) hipereutetoide, com composição acima do
nível eutetoide.

Liga eutetoide é aquela que se processa exatamente na composição do ponto


eutetoide, segundo a Figura 31 na linha xx’. Essa reação forma uma estrutura que
são lamelas alternadas de ferrita e cementita, com uma estrutura semelhante à
estrutura eutética vista anteriormente, porque o mecanismo de formação das
lamelas por redistribuição de átomos de carbono por difusão é semelhante. Essa
estrutura se chama perlita, por causa de sua aparência de pérola ao microscópio,
e ela se apresenta, em geral, em grãos, sendo que em cada grão ela apresenta uma
mesma orientação. A perlita apresenta propriedades mecânicas intermediárias
entre a ferrita, macia e dúctil, e a cementita, dura e frágil. A microestrutura da
perlita é apresentada na Figura 32.

Figura 31. Desenvolvimento da microestrutura eutetoide (0,76%p C).


Temperatura (°C)

Composição (%p C)

Fonte: Callister, 2000.

57
UNIDADE II │ DIAGRAMA DE FASES

Figura 32. Microestrutura eutética (0,76%p C), ou perlita, com lamelas escuras de Fe3C (liga de 6,7%p C) e a

parte clara é ferrita – (liga de 0,022%p C).

Fonte: Callister, 2000.

Liga Hipoeutetoide: são as ligas com concentração 0,022%p C até 0,76%p C e


que têm o desenvolvimento microestrutural análogo ao quarto caso do descrito
no capítulo sobre as ligas eutéticas binárias. Sua representação está na Figura 33,
ao longo da linha yy’. No ponto c a microestrutura é pura austenita, conforme se
entra na região bifásica abaixo da linha MO, começa a haver a precipitação da
ferrita α entre os grãos de austenita. Ao se ficar abaixo da temperatura eutetoide,
a austenita remanescente que existia e que estava na composição eutetoide se
transforma totalmente em perlita. A microestrutura da liga hipoeutetoide é
apresentada no detalhe do ponto f. A ferrita que faz parte do microconstituinte
perlita é chamada de ferrita eutetoide, enquanto a ferrita que se formou antes de
se alcançar a temperatura eutetoide é chamade de ferrita proeutetoide (“pro-“ no
sentido de primeiro). Sua aparência microestrutural é dada na Figura 34.

Figura 33. Desenvolvimento da microestrutura hipoeutetoide (0,022%p C até 0,76%p C).


Temperatura (°C)

Perlita

Eutetoide α Proeutetoide α

Composição (%p C)
Fonte: Callister, 2000.

58
DIAGRAMA DE FASES │ UNIDADE II

Figura 34. Microestrutura hipoeutetoide de uma liga de 0,38%p C.

Fonte: Callister, 2000.

Liga Hipereutetoide: transformações e microestruturas parecidas à anterior se


procedem nessa liga que apresenta composição de 0,76 - 2,14%p C quando resfriadas a
partir de temperaturas da região austenítica. O trajeto do desenvolvimento é mostrado
na linha zz’ da Figura 35. O desenvolvimento é paralelo ao de uma liga hipoeutetoide,
porém a fase que precipita na austenita é a cementita, ao invés da ferrita α. Nesse
caso, teremos a denominação de cementita eutetoide aquela que constitui a perlita, e a
cementita proeutetoide é aquela formada na região de austenita ou fase γ. A aparência
da microestrutura é mostrada na Figura 36.

Figura 35. Desenvolvimento da microestrutura hipereutetoide (de 0,76 - 2,14%p C).


Temperatura (°C)

Perlita

Proeutetoide
Fe3C Eutetoide
Fe3C

Composição (%p C)
Fonte: Callister, 2000.

59
UNIDADE II │ DIAGRAMA DE FASES

Figura 36. Microestrutura hipereutetoide de uma liga de 1,4%p C.

Fonte: Callister, 2000.

60
TRANSFORMAÇÕES DE
FASES, SOLIDIFICAÇÃO UNIDADE III
E PROCESSAMENTO DE
METAIS E SUAS LIGAS

Para conseguirmos um conjunto interessante de propriedade, pode ser necessário


realizar transformações nas fases de um metal e, em geral, essa transformação é
dependente da temperatura e tempo. Por isso, foram desenvolvidos diagramas de fase
modificados que incluem a variável tempo. Também iremos abordar o fenômeno da
solidificação, dando uma base para o estudante sobre o processo de fundição. Por fim,
para encerrar, abordaremos a fabricação e tratamento dos metais e suas ligas sob a luz
do que aprendemos durante o curso.

CAPÍTULO 1
Transformações de fases

Introdução

Os materiais metálicos são extensivamente usados por conta da versatilidade com


que se pode variar suas propriedades mecânicas. Discutimos três mecanismos
para variar a resistência: refino de grão, formação de solução sólida e encruamento
(trabalho a frio). Aqui serão apresentados outros meios de se alterar a microestrutura
e, consequentemente, as propriedades mecânicas. Na verdade, esses meios são por
transformação de fases, isto é, mudança da quantidade e/ou qualidade das fases
presentes em ligas metálicas. No capítulo anterior lidamos com mudanças de fases
no equilíbrio, agora, vamos lidar com mudanças de fase fora do equilíbrio, ou
seja, existe o fator tempo envolvido, por isso será de suma importância a taxa de
transformação, ou seja, o tempo com que ocorre a transformação.

61
UNIDADE III │ RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS

Transformações de fases

Podemos dividir as transformações de fases em três categorias:

» Transformações simples que ocorrem devido apenas à difusão atômica,


não havendo mudança na composição e no número de fases, tais
quais acontecem na solidificação de um metal puro, transformações
alotrópicas, recristalização e crescimento de grãos.

» Transformações que também são baseadas na difusão atômica, porém há


mudança na composição e/ou número de fases, em geral a microestrutura
final apresenta duas fases. Um exemplo emblemático é a reação eutetoide.

» É uma transformação que acontece sem a difusão, gerando-se uma


fase metaestável. Discutiremos a seguir um tipo importante dessa
transformação que acontece no sistema ferro-carbono, a transformação
martensítica.

A cinética de uma transformação de fases será discutida mais detalhadamente no


próximo capítulo sobre solidificação, porém, basicamente, a transformação de fase
envolve a formação de uma nova fase com características químicas e/ou estrutura
diferente da fase inicial e, além disso, geralmente a transformação não é instantânea, é
um processo que se divide em duas partes:

»» Nucleação: surgimento de pequenas partículas, ou núcleos, que são


aglomerados de umas poucas centenas de átomos da nova fase e alguns
têm tamanho grande o suficiente para poder seguir crescendo, enquanto
outros núcleos colapsam na fase originária. Pode ser uma nucleação
homogênea ou heterogênea, sendo a primeira aquela que acontece com
formação de núcleos uniformemente em toda a fase original, enquanto
a outra é uma nucleação que ocorre preferencialmente em alguma
estrutura heterogênea, tal como a superfície de um molde, ou sobre uma
impureza, em algum contorno de grão.

»» Crescimento: durante essa fase há o crescimento dos grãos que vão


consumindo a fase original, até seu desaparecimento parcial ou
completo. A transformação chega ao fim até que a fração da nova fase
chegue a um equilíbrio (minimização da energia livre de Gibbs).

62
RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS │ UNIDADE III

Por fim, vamos fazer uma pequena consideração sobre os estados de equilíbrio e os
estados metaestáveis. Para mudar uma fase podemos alterar temperatura, pressão
e composição, porém, na prática, alterar a temperatura por meio de tratamentos
térmicos é a via mais prática de se modificar as fases. Na prática, uma transformação
leva um tempo finito para se processar, e o diagrama de fases não mostra isso,
porque nele as fases são mostradas em seu estado final em equilíbrio. Quando as
transformações de fases são induzidas pela mudança na temperatura, as condições
de equilíbrio só são verificadas caso se realize resfriamento/aquecimento em taxas
extremamente baixas, inviáveis para a prática industrial. Para transformações com
taxas fora da faixa de equilíbrio, as temperaturas de transformação são diferentes
daquelas indicadas no diagrama de fases: no super-resfriamento, a temperatura
de transformação por resfriamento é abaixada em relação ao diagrama de fases; no
superaquecimento, o aquecimento às temperaturas se desloca acima. Quanto maior
a taxa de transformação, maior esse fenômeno de deslocamento da temperatura.
Por exemplo, em taxas de resfriamento comumente utilizadas na indústria, a reação
eutetoide do ferro-carbono é deslocada de 10-20 °C abaixo da temperatura do
diagrama. É muito importante estudar a influência do tempo nas transformações de
fases porque tecnologicamente algumas fases metaestáveis apresentam propriedades
mais interessantes do que no equilíbrio.

Transformações de fase em ligas ferro-carbono

Alguns princípios da cinética das transformações das soluções sólidas serão


aplicados às ligas de ferro-carbono, já que é a liga tecnologicamente mais
importante. Abarcaremos a relação entre tratamento térmico/microestrutura/
propriedades mecânicas.

Diagrama de transformações isotérmicas

Vamos inicialmente lidar com transformações isotérmicas e suas estruturas


resultantes, sendo que para isso vamos nos basear nos diagramas TTT
(transformação, tempo e temperatura) ou ainda diagramas de transformações
isotérmicas, que é um gráfico com composição fixa e nos eixos coordenados tempo
e temperatura, conforme a Figura 37, em que demonstra como é confeccionado um
diagrama TTT a partir de dados da cinética da transformação.

63
UNIDADE III │ RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS

Figura 37. Exemplo de como é formado um diagrama TTT a partir do conhecimento cinético da transformação.

transformada em perlita
Percentual de austenita

Temperatura de Fim da
Transformação de 675°C transformação

Início da
transformação

Tempo (s)

Austenita (estável) Temperatura eutetoide

Austenita
(instável)

Perlita
Temperatura (°C)

Curva de 50% de conclusão

Curva de conclusão
(~100% perlita)

Curva de início
(~0% perlita)

Tempo (s)

Fonte: Callister, 2000.

A primeira estrutura que vamos tratar é da perlita, que, como vimos, é resultante
de reação eutetoide do sistema Fe-Fe3C. A temperatura tem uma influência grande
nessa transformação porque é um processo de difusão atômica, logo, quanto
maior a temperatura e mais tempo for mantida, mais se processa essa difusão. A
dependência da transformação com o tempo e a temperatura é melhor sintetizada
no diagrama TTT abaixo na Figura 38. É indicado um resfriamento rápido dentro do
campo austenítico pela curva AB, enquanto o tratamento isotérmico é representado
por BCD, em que se inicia a transformação no ponto C (~3,5 s) e termina em D (15
s). A razão entre a espessura da camada ferrita para a cementita na perlita de 1:8,
entretanto, a espessura absoluta das camadas depende da temperatura em que ocorre

64
RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS │ UNIDADE III

a transformação isotérmica. Em temperaturas logo abaixo da eutetoide (727°C) há


desenvolvimento da perlita grosseira que apresenta camadas mais espessas devido
ao maior deslocamento por difusão atômica propiciado pela temperatura elevada. Já
em temperaturas de 540°C há o desenvolvimento de uma perlita fina. Podemos ver
as micrografias dessas variações na Figura 39.

Figura 38. Diagrama TTT para a liga de ferro-carbono com composição eutetoide sendo indicada a curva
de tratamento térmico isotérmico (ABCD). Em detalhe são mostradas as microestruturas antes e depois da
transformação.

Temperatura
Austenita (estável)
eutetoide

Perlita grossa
Temperatura (°C)

Perlita fina

Trasnformação
austenita→perlita Transformação que está
acontecendo

Tempo (s)

Fonte: Callister, 2000.

Figura 39. A (a) Perlita fina e (b) perlita grosseria.

Fonte: Callister, 2000.

65
UNIDADE III │ RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS

Além da perlita, um outro microconstituinte gerado pela austenita é a bainita que se


constitui de fases cementita e ferrita, logo, acontece a difusão atômica. Na Figura 40,
temos a estrutura em forma de agulhas ou placas dos grãos de bainita, que é composto
de uma matriz de ferrita com partículas alongadas de cementita, tudo isso envolvido
por uma fase de martensita, que falaremos a seguir. Nenhuma fase proeutetoide
se forma com a bainita. A transformação bainítica é concorrente da transformação
perlítica, sendo que elas se utilizam da mesma matéria-prima, digamos. No diagrama
TTT da Figura 41 podemos ver que a perlita tem preferência em se formar acima do
ponto de inflexão da curva, indicado pela linha tracejada, enquanto a bainita tem
preferência em se formar abaixo desse patamar.

Figura 40. Micrografia eletrônica de varredura de um grão de bainita.

Fonte: Callister, 2000.

Figura 41. Diagrama TTT do sistema ferro-carbono em composição eutetoide, sendo A-austenita, B-bainita e

P-perlita.

Temperatura eutetoide
Temperatura (°C)

Tempo (s)
Fonte: Callister, 2000.

66
RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS │ UNIDADE III

Cementita globularizada é formada quando um aço de estrutura perlítica ou


bainítica é aquecido e deixado em uma temperatura subeutetoide por um longo
tempo, por exemplo, 700°C e 20 horas; dessa forma, uma outra estrutura se
desenvolverá (Figura 42) em que as lamelas de Fe3C se transformarão em partículas
esferoides imersas em uma matriz de ferrita. Tal transformação ocorre por uma
difusão extra de carbono, mas sem mudança na composição das fases ferrita e
cementita. Sua transformação não é indicada no diagrama TTT.

Figura 42. Micrografia da cementita globularizada, onde a fase mais escura é cementita e a fase clara é ferrita.

Aumento de 1000X.

Fonte: Callister, 2000.

Um importantíssimo microconstituinte é a martensita, formada quando ligas de


ferro-carbono austenitizadas são resfriadas rapidamente, por meio da têmpera, até
uma baixa temperatura, formando uma microconstituinte de estrutura monofásica
metaestável, resultante de uma transformação sem difusão da austenita. Ela
compete com a transformação bainítica/perlítica e acontece quando o resfriamento
é rápido o suficiente para impedir a difusão que originam em ferrita e cementita.
Por não haver difusão, a martensita se forma muito rapidamente, nucleando e
crescendo na velocidade do som, de modo que, na prática, é tratada como uma
transformação independente do tempo. A transformação em detalhes não é
conhecida, porém o que se sabe é que há um rearranjo da estrutura cristalina
da austenita de CFC para a forma da martensita que é TCC (tetragonal de corpo
centrado) que é um cubo que foi alongado, de modo a acomodar os átomos de
carbono que não foram difusionados, formando uma solução sólida supersaturada
de carbono que facilmente se tranforma em ferrita e cementita caso aquecidos.

67
UNIDADE III │ RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS

Porém, sob temperatura ambiente, a metastável martensita pode se manter


indefinidamente. Os grãos de martensita assumem aparência de placas ou
agulhas, como indicado na fotomicrografia da Figura 43.

Figura 43. Microestrutura martensítica, aonde as agulhas escuras são martensita e a fase clara é austenita que

não se transformou no rápido resfriamento. Aumento de 1220X.

Fonte: Callister, 2000.

Por ser uma fase fora do equilíbrio, a transformação martensítica não está nos
diagramas de fases Fe-Fe3C, e é representada de forma diferente nos diagramas
TTT. O início da reação é representada por M na Figura 44, sendo que as outras
linhas, M(50%) e M(90%) representam o percentual de transformação da austenita
em martensita. As temperaturas dessas linhas são relativamente baixas para
impedir o fenômeno de difusão. Essas linhas têm característica horizontal porque
a transformação martensítica é independente do tempo (imediata), função apenas
da temperatura, por isso são chamadas transformação atérmica. Se, por exemplo,
uma liga de composição eutetoide for resfriada muito rapidamente, em menos de 1
segundo, da temperatura eutetoide de 727°C até 165°C, podemos observar que haverá
transformação de 50% de austenita em martensita, como podemos acompanhar na
Figura 44. Alguns elementos de liga tais como cromo, níquel, tungstênio e molibdênio
podem deslocar as curvas do diagrama TTT do sistema ferro-carbono, de modo que
aumentem, por exemplo, a temperabilidade do aço, isto é, sua capacidade de se
transformar em martensita.

68
RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS │ UNIDADE III

Figura 44. Diagrama de transformação isotérmica completo. A-austenita, B-bainita, M-martensita e P-perlita.

Temperatura eutetoide
Temperatura (°C)

Tempo (s)

Fonte: Callister, 2000.

Diagramas de transformação por resfriamento


contínuo

Na prática, são poucos os tratamentos realizados isotermicamente, em geral são


resfriamentos contínuos até a temperatura ambiente. Assim, os diagramas TTT são
modificados para os diagramas de transformação por resfriamento contínuo (TRC)
onde são apresentadas curvas com taxas de resfriamento (por exemplo, 140°C/s) e quais
microestruturas vão resultar. Na Figura 45 é mostrado o diagrama de transformação
por resfriamento contínuo para um sistema ferro-carbono com composição eutetoide
e duas curvas de resfriamento para exemplificar como as taxas de resfriamento
determinam a microestrutura final. A Figura 46 indica um diagrama TRC para um
aço-liga, mostrando que os elementos de liga deslocam as curvas de transformação
para direita, aumentando a faixa em que pode ser formada a martensita, por exemplo.
As diversas combinações de microestruturas finais também são mostradas.

69
UNIDADE III │ RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS

Figura 45. Diagrama TRC mostrando dependência da microestrutural final com a taxa de resfriamento.

Temperatura eutetoide

Temperatura (°C)

Taxa
crítica
de
resfriam
ento M (início)

Martensita
Martensita Perlita
+Perlita

Tempo (s)
Fonte: Callister, 2000.

Figura 46. Diagrama de TRC para aço liga 4340 com superposição de várias taxas de resfriamento e suas

microestruturas finais.

Temperatura eutetoide

Curva da
bainita
Temperatura (°C)

Taxa
crítica
de
resfriam
ento

Tempo (s)

Fonte: Callister, 2000.

70
RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS │ UNIDADE III

Comportamento mecânico de ligas ferro-carbono

Aqui, vamos discutir um pouco como a microestrutura desenvolvida no sistema


ferro-carbono se expressa em propriedades mecânicas:

»» Perlita: esse microconstituinte é formado de ferrita e cementita em


formato laminar que são extremamente aderidas entre si, sendo que
a cementita dá um caráter mais duro e resistente, enquanto a ferrita
proporciona maior ductilidade. Assim, a perlita tem propriedades
intermediárias entre ferrita e cementita. O reforço da cementita é maior
na perlita fina porque existe maior área de fronteira entre as duas fases,
deste modo, a perlita fina é mais dura e resistente que a perlita grossa.

»» Cementita globularizada: pelo fato da cementita está em forma


esferoide, ou seja, menos intrincada com a fase ferrita, ela restringe
menos o movimento de discordâncias do que na fase perlita, de modo
que essa microestrutura é muito mais dúctil e tenaz que a perlita
fina/grossa. De fato, os aços com menores durezas e resistência são
aqueles de estrutura de cementita globularizada.

»» Bainita: apresenta uma estrutura mais fina, ou em outras palavras,


menores partículas de ferrita e cementita, apresentando maior
resistência e dureza que os aços perlíticos, mas ainda com uma
excelente combinação de resistência e ductilidade.

»» Martensita: é a microestrutura mais dura que pode ser produzida nos


aços e também a mais frágil, na prática, ela tem ductilidade nula. Sua
dureza é diretamente proporcional ao teor de carbono até o nível de
0,6%p. Sua dureza é devida à capacidade dos átomos intersticiais de
carbono restringir o movimento de discordâncias, além disso, a estrutura
TCC tem um número menor de planos de escorregamento. A austenita é
mais densa que a martensita, logo, quando há transformações de fases
durante a têmpera, há mudanças de volumes que geram tensões internas
que podem trincar grandes peças.

Martensita revenida

A martensita é muito dura, é tão frágil que não pode ser utilizada na prática, além de
que o tratamento de têmpera induz tensões residenciais. A ductilidade e tenacidade
podem ser melhoradas por meio do tratamento térmico de revenido, além do que
as tensões residuais podem ser reduzidas também. Esse tratamento é realizado pelo

71
UNIDADE III │ RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS

aquecimento de um aço martensítico até uma temperatura subeutetoide por um certo


tempo, em geral entre 250-650°C, enquanto o alívio de tensões pode ser levado a
cabo com temperaturas tão baixas quanto 200°C. Esse tratamento térmico permite a
difusão atômica e a seguinte reação:
martensita (TCC , monofásica ) → martensita revenida ( fase α + Fe3C )
Em que a martensita TCC monofásica que é supersaturada de carbono, transforma
em martensita revenida, composta por fases estáveis de ferrita e cementita. A
microestrutura mostrada na Figura 47, que consiste em partículas de cementita
extremamente pequenas e distribuídas homogeneamente dispersas em uma matriz
de ferrita. É semelhante à cementita globularizada, porém com partículas muitíssimo
menores. A martensita revenida pode ser tão dura e resistente quanto à martensita
normal, porém com ductilidade e tenacidade aumentadas. As propriedades mecânicas
são dependentes do tamanho e número de partículas.

Figura 47. Martensita revenida realizada 594°C, as partículas são a fase cementita; a fase matriz escura é ferrita α.

Fonte: Callister, 2000.

72
CAPÍTULO 2
Princípios metalúrgicos de solidificação

Introdução
Neste capítulo, abarcaremos a formação do sólido metálico a partir do fundido. O
processo é governado pela extração de calor, por isso o próximo tópico será sobre o
processo de resfriamento na fundição tradicional. Após isso, trataremos o fenômeno
de resfriamento sob os aspectos de termodinâmica, nucleação, cinética nas superfícies,
distribuição do soluto conforme a solidificação, crescimento do sólido e aplicações.

Transferência de calor na solidificação

Quando o metal aquecido é derramado em um molde, a taxa com que o calor é perdido
depende das várias formas com que o calor é perdido, isto é, das resistências térmicas,
conforme esquematizado na Figura 19. No sistema molde-metal as transferências de
calor podem acontecer por condução, convecção e radiação, porém existem várias
complexidades que fogem ao objetivo desse texto porque envolvem a aplicação da
ciência da Transferência de Calor. Tais complexidades são geradas pela liberação
contínua de calor latente devido ao movimento da interface líquido-sólido (S-L), devido
à natureza dendrítica ou celular da interface S-L e a variação das propriedades físicas
do sistema molde-metal com a temperatura que também varia no tempo e espaço. Os
maiores impedimentos para a retirada de calor latente são a própria solidificação do
metal, a interface molde-metal e o molde.

»» Na parte líquida, há perda de calor por radiação para o ambiente (por


isso o metal líquido é avermelhado) assim como perda de calor para o
ambiente por convecção. Internamente, por ser líquido, há fenômeno de
convecção e também condução porque os metais, no geral, apresentam
alta condutividade. O fluxo condutivo é da temperatura mais alta (metal
fundido) para a temperatura mais baixa (molde).

»» Na interface S-L há transferência de calor do líquido para o sólido por


convecção e condução, enquanto na parte sólida há apenas transferência
de calor por condução.

»» Na interface molde-sólido há uma complicação, há transferência de calor


newtoniana interfacial N, em que há duas superfícies sólidas rugosas,

73
UNIDADE III │ RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS

porém com espaços entre elas com metal líquido, aonde acontece
convecção, e outros espaços vazios, aonde acontece radiação. Aonde há
contato entre as superfícies existe a condução. Assim, para quantificar
essa transferência de calor precisamos apelar para um coeficiente da lei
de resfriamento de newton que engloba todos esses efeitos citados.

»» No molde há condução internamente e, externamente, para o ambiente,


há perda de calor por radiação e convecção.

Figura 48. Esquema de uma geometria simples para a solidificação de um metal puro líquido superaquecido,
aonde K é a transferência de calor por condução, N é a transferência de calor newtoniana interfacial entre o
molde e o metal, C é calor transferido por convecção e R por radiação. V é o movimento da interface S-L e X é a

espessura do metal sólido.

Fonte: Cahn et. Haasen, 1996.

Termodinâmica da solidificação
O processo de solidificação não pode acontecer no equilíbrio, porém é claro que
existem vários níveis de equilíbrio, desde um global até um local. O que queremos
dizer, para se iniciar a solidificação deve existir algum local de menor equilíbrio para
poder originar o processo. Por exemplo, a água líquida pode ser resfriada até menos
que 0°C e se manter em equilíbrio, mas caso caia uma única gota, essa gota perturba o
equilíbrio global por meio de um local e gera o processo de solidificação. A hierarquia
de equilíbrio é a seguinte:

»» Equilíbrio Global: a temperatura e potenciais químicos são os mesmos


em toda a extensão do sistema e ao longo do tempo, ou seja, a composição
das fases é a mesma. É um estado que acontece após longo tempo sob
uma alta temperatura, tais como a solidificação sob tempos geológicos.

»» Equilíbrio Local Interfacial: o potencial químico de cada componente é


contínuo através da interface, e podemos usar o diagrama de equilíbrio
de fases para termos o valor de composição e temperatura nas linhas de
mudanças de fase, por exemplo, entre sólido e líquido.

74
RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS │ UNIDADE III

»» Equilíbrio Local Interfacial Metaestável: é importante quando a fase


estável não pode nuclear ou crescer rápido o suficiente, como é o caso
da água abaixo de 0°C previamente apresentado. Os diagramas de fase
metaestável dão as condições de interface.

»» Não-Equilíbrio Interfacial: é uma situação em que o potencial químico


entre as fases não é igual através da superfície de crescimento e essa
cresce muito rapidamente. A rápida solidificação faz com que mais
solutos fiquem presos na fase sólida, sendo que o líquido fica com menos
soluto, aumentando ainda mais o não equilíbrio.

Nucleação homogênea

A definição de nucleação na solidificação é o processo de formação de um pequeno


cristal a partir do fundido que é capaz de continuar crescendo. Vamos assumir que
temos um metal puro fundido. Existem duas contribuições para a mudança de energia
livre total de Gibbs que acompanha a solidificação: (1) é a diferença de energia livre
entre as fases líquida e sólida, logo, associada ao volume, cujo valor é negativo abaixo
da temperatura de solidificação e a magnitude é proporcional ao volume do núcleo;
(2) energia livre associada com a superfície S-L durante o processo de solidificação,
que é uma energia positiva cuja magnitude é proporcional à área do cristal nucleado.
O comportamento da variação da energia livre total é em função do raio do núcleo.
Inicialmente haverá um incremento de ∆G que corresponde à formação de um
pequeno cristal, que retira essa energia do meio. A partir do momento que se atinge
∆G* crítico com raio crítico correspondete r*, espontaneamente o cristal crescerá,
caso o raio do núcleo seja menor que o raio crítico r*, o pequeno cristal colapsará.

Figura 49. (a) Esquema mostrando a contribuição da energia livre volumétrica e da energia livre superficial na
total; (b) nesse gráfico é mostrada a variação da energia livre de Gibbs total e a variação de energia livre crítica

∆G* com seu respectivo raio crítico r*.

Energia Livre
Variação de Energia Livre ∆G

Variação de Energia Livre ∆G

Superficial

raio r raio r

Energia Livre
Volumétrica

Fonte: Callister, 2000.

75
UNIDADE III │ RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS

Crescimento da interface planar sólido-líquido (S-L)

Como mencionado anteriormente, o equilíbrio local é frequentemente uma boa


aproximação para as condições da interface S-L durante a solidificação de metais e
suas ligas nas condições de fundição. Primeiramente vamos considerar um metal
puro, em que o parâmetro que governa a cinética de agregação de átomos à interface
é a temperatura de super-resfriamento, definida como a diferença da temperatura na
interface e a temperatura de fundição do metal. A interface pode avançar segundo dois
mecanismos básicos:

»» Avanço não-uniforme (ou crescimento lateral) da interface acontece


pelo movimento lateral de degraus, como se fosse um muro sendo
levantado tijolo por tijolo, uma vez que os átomos só se agarram nos
vértices dos degraus. A relação entre a taxa de espalhamento lateral e o
efetivo crescimento na direção normal é muito sensível ao número e ao
mecanismo de formação de novos degraus.

»» Crescimento uniforme ou contínuo é aquele em que a interface avança


sem necessidade de degraus, ou seja, não há um local preferencial de
agarramento dos átomos do metal líquido.

Em geral, para ocorrer a solidificação na mesma velocidade, a temperatura de


super-resfriamento necessária no crescimento lateral é maior do que no
crescimento contínuo. Além do mais, a interface que avança por crescimento
contínuo se apresenta como uma superfície levemente curvada, enquanto no
crescimento lateral ela se apresenta facetada. A natureza da interface S-L dos
metais é objeto de vários modelos, mas fortes evidências mostram que a maioria
dos metais se solidifica pelo crescimento contínuo.

Uma análise do formato da interface S-L em uma escala superior à dimensão atômica
leva em consideração o crescimento planar, isto é, um crescimento em que há uma
interface plana entre o sólido e o líquido, sendo um ponto de início para entender
crescimentos mais complexos como o celular e o dendrítico, descrito a seguir.
Para se conseguir um crescimento planar, é necessário que seja planar micro e
macroscopicamente. O crescimento planar é muito importante no crescimento de
cristal monocristalino de silício para aplicações em eletrônica. A distribuição do
soluto na interface sólido-líquido (S-L) em crescimento planar unidimensional (de um
tarugo) pode ser de quatro tipos:

a. Resfriamento em equilíbrio: a interface S-L avança tão devagar que a


difusão em ambas as fases se mantém em equilíbrio o tempo todo, por
isso a composição é constante em todo o comprimento do tarugo.

76
RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS │ UNIDADE III

b. Misturação completa no líquido, sem difusão no sólido: as condições


nesse caso são: I) misturação completa do líquido, II) sem difusão no
sólido, III) constante e iguais densidades do líquido e do sólido, IV) local
equilíbrio na interface S-L. A consideração que há misturação completa
do soluto no líquido e nenhuma difusão no sólido se deve ao fato de que,
em geral, o soluto dissolve com muito mais rápido no líquido do que no
sólido.

c. Difusão no sólido durante solidificação: esse é um caso um pouco mais


complexo, que além de considerar a misturação completa no líquido,
considera a difusão de soluto no sólido.

d. Difusão constante com resfriamento controlado: um caso importante é


aquele que consideramos todas as considerações de b), exceto a I). Neste
caso, a misturação não é completa no líquido e é governada pelas leis da
difusão. São formadas três regiões: uma transiente inicial, uma região
constante e uma região transiente final.

Figura 50. Distribuição de soluto após a passagem da interface S-L em uma solidificação unidimensional: (a)

difusão completa no sólido e líquido, (b) mistura completa em líquido sem difusão em sólido, (c) difusão no líquido

apenas, (d) mistura parcial no líquido, incluindo convecção.

Fonte: Cahn et. Haasen, 1996.

Crescimento celular e dendrítico

A instabilidade da forma planar na interface líquido-sólido descrita anteriormente


leva à solidificação por um mecanismo de crescimento celular e, em condições mais
afastadas ainda da estabilidade, sob um mecanismo de crescimento dendrítico. Após
a passagem da fronteira de solidificação, uma variação de composição se mantém no
sólido em uma escala característica dos crescimentos celular e dendrítico, chamado de
microsegregação. Em alguns casos a variação de composição é tão severa que a segunda

77
UNIDADE III │ RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS

fase solidifica entre as células ou entre as dendritas. O esquema do crescimento em


ambos os tipos é mostrado na Figura 51. A seguir são descritos os crescimentos:

»» Celular: é um crescimento originário do crescimento a partir da forma


plana, perturbações como vales e corrugados na face plana de crescimento
originam as células, em geral de formato hexagonal. Um metal de alta
pureza tende a crescer em forma plana, porém uma pequena adição de
soluto ou uma alta taxa de resfriamento podem trazer perturbações que
originem o crescimento celular.

»» Dendrítico: é um tipo de mecanismo muito comum no processamento


de metais e suas ligas. Foi o primeiro tipo de mecanismo identificado
e por muito tempo acreditado como o único. Estudos indicam que
esse crescimento emerge a partir do crescimento celular quando se
torna instável como, por exemplo, por um aumento da quantidade de
soluto ou da velocidade de extração de calor durante a solidificação. O
crescimento dendrítico é, em geral, o resultado da acomodação do cristal
em crescimento às instabilidades geradas por gradiente de concentração
do soluto, pelas condições do fluxo de calor latente e pela direção
preferencial de crescimento de diferentes, planos cristalinos.

Figura 51. Ilustração esquemática do ajustamento de espaçamento primário nos mecanismos de crescimento

celular e dendrítico.

Fonte: Cahn et. Haasen, 1996.

Aplicações: lingotamento contínuo

Dois processos de solidificação convencionais são a soldagem (tratado no próximo


capítulo) e o lingotamento contínuo, tratado aqui. O lingotamento contínuo foi

78
RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS │ UNIDADE III

um dos grandes desenvolvimentos tecnológicos do século passado, substituindo o


forjamento de lingotes para formar produtos semiacabados: placas, blocos e tarugos.
Mais recentemente até monocristais têm sido produzidos por essa tecnologia. Na
abaixo é mostrado o esquema de uma máquina de lingotamento contínuo. O metal
fundido é despejado de uma panela para o distribuidor. O fluxo é controlado por um
tampão que desemboca para uma válvula submersa. Para iniciar o lingotamento, um
lingote inicial é colocado dentro de molde e selado, então se abre o fluxo de metal
líquido para formar uma camada sólida dentro do molde, indicada pela cor vermelha
no desenho. Depois que o molde é preenchido, progressivamente o lingote inicial é
retirado conforme mais metal líquido é adicionado ao molde. A solidificação de uma
casca se inicia tão logo o metal líquido entre em contato com o molde, em geral de
cobre resfriado à água. O comprimento do molde e a velocidade do lingotamento
determinam a espessura da casca sólida e essa deve ser tal que aguente a pressão
hidrostática do metal líquido que escorre de cima.

Figura 52. Esquema do lingotamento contínuo: 1. Panela 2. Tampão 3. Distribuidor 4. Válvula Submersa 5. Molde

6. Seguimento 7. Desempeno 8. Válvula Submersa 9. Nível do Molde 10. Menisco 11. Extração 12. Material

Lingotado.

Fonte: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c0/Lingotamento_Continuo-Continuous_Casting.png>. Acesso em:


1/9/2018.

79
CAPÍTULO 3
Fabricação, processamento e
tratamentos termomecânicos

Introdução
Na seleção de materiais o objetivo primário é escolher o material certo para a
aplicação correspondente. Para o engenheiro fazer isso é necessário que ele conheça
suas opções. Assim, esse capítulo tem a intenção de apresentar uma breve visão geral
das ligas metálicas comerciais disponíveis, suas propriedades gerais e limitações.
Além do mais, o processo de fabricação e tratamentos térmicos e mecânicos também
alteram as propriedades dos materiais, logo, também serão tratados nesse capítulo.

Figura 53. Classificação das diversas ligas metálicas.

Fonte: Callister, 2000.

Ligas metálicas ferrosas

As ligas metálicas são divididas comumente em dois grupos, as ligas ferrosas,


que são aquelas em que o ferro é o principal constituinte; e as ligas não-ferrosas,
que são todas aquelas que não são baseadas no ferro. As ligas ferrosas são as mais
amplamente produzidas e utilizadas na engenharia devido a três características:
(1) o ferro é abundante na crosta terrestre; (2) sua extração, beneficiamente
e fabricação são relativamente econômicas; (3) apresentam ampla gama de

80
RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS │ UNIDADE III

propriedades físicas e mecânicas. A principal desvantagem desse tipo de ligas é


sua susceptibilidade à corrosão.

Aço

São ligas de Fe-C cujo percentual de carbono é inferior a 1,0% e podem apresentar
concentrações consideráveis de outros elementos de ligas; apresentam milhares de
composições e tratamentos termoquímicos. Os aços mais comuns são classificados
segundo seu teor de carbono, é baixo, médio e alto teor de carbono. Os aços-carbonos
comuns apresentam concentrações mínimas de resíduos, carbono e alguma quantidade
de manganês. Já os aços-ligas apresentam elementos de liga propositadamente
adicionados para obter certas propriedades físico-química.

»» Aços de Baixo Teor de Carbono: dentre as classificações dos aços, essa


é a categoria produzida em maior quantidade, apresentando teores de C
inferior a 0,25% e não respondendo ao tratamento térmico para formar
martensita; respondem melhor a tratamento mecânico de trabalho a frio.
Por isso apresentam baixa dureza e resistência, porém sua ductilidade
e tenacidade são extraordinárias, sendo facilmente usináveis e os mais
baratos de todos os aços. O famoso aço 1020 se encontra nessa categoria.
Aplicações típicas são carcaças de automóveis, formas estruturas e
chapas utilizadas em tubulações, pontes, latas. Em geral, tem limite de
escoamento de 275 MPa, limite de resistência à tração de 415-550 MPa
e ductilidade de 25% de alongamento. Outro tipo são os aços de alta
resistência e baixa liga (ARBL ou HSLA) que contém elementos de liga
como vanádio, níquel e molibdênio a apresentam resistência superior
(resistência à tração de 480MPa), mas mantendo certa ductilidade.
Apresentam melhor resistência à corrosão, por isso são usados em
estrutura crítica como pontes, torres, vasos de pressão.

»» Aços de Médio Teor de Carbono: com percentual de carbono entre


0,25-0,60% já respondem bem a tratamentos térmicos como
austenitização, têmpera e revenido. São utilizados em geral na condição
revenida em que a microestrutura é a martensita revenida. Responde
apenas superficialmente à têmpera, que pode ser melhorada com a
adição de elementos de liga tais como cromo, níquel e molibdênio,
ampliando a variedade de combinações de resistência e ductilidade. Se
tratadas termicamente, apresentam melhor resistência aços de baixo
teor de carbono, porém apresentam pioras na ductilidade e tenacidade.
Aplicações típicas são rodas e trilhos de trens, engrenagens, virabrequins

81
UNIDADE III │ RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS

e outros componentes que exigem combinação de alta resistência,


resistência à abrasão e tenacidade.

»» Aços de Alto Teor de Carbono: apresentam teores de 0,60-1,4% de


carbono, e são os mais duros e resistentes aços-carbonos, apesar
que os menos dúcteis. Majoritariamente utilizados na condição
endurecida e revenida, mantém arestas afiadas e sofrem pouco desgaste.
Aços-ferramentas e para matrizes são aços de alto teor de carbono
com algum elemento de liga tal como cromo, vanádio, tungstênio e
molibdênio que forma carbetos de alta dureza (Cr23C6, V4C3 e WC). Além
de ferramentas e matrizes, suas aplicações incluem facas, lâminas, molas
e arames de alta resistência.

»» Aços Inoxidáveis: são aços altamente resistentes à corrosão por


ferrugem em diversos ambientes. Apresentam no mínimo 10% de
cromo, com adição também de níquel e molibdênio. São classificados
segundo sua microestrutura predominantes em martensíticos,
ferríticos e austeníticos. Devido sua ampla gama de propriedades
mecânicas aliada com resistência à corrosão tornam esses aços muito
versáteis em termos de aplicação. Aços inoxidáveis martensíticos são
capazes de ser tratados termicamente. Aços austeníticos tem sua fase
austenita estendida até a temperatura ambiente. Os aços ferríticos são
compostos por fase ferrita α (CCC). Os aços ferríticos e austeníticos
não são tratados termicamente, assim, devem ser trabalhados a frio.
Os aços austeníticos são os mais produzidos porque apresentam a
melhor resistência à corrosão, porém não são magnético, enquanto
os outros dois o são. Alguns aços inoxidáveis são empregados com
frequência em ambientes de alta temperatura (na ordem de 1000°C)
por sua capacidade de resistir à oxidação e manter as propriedades
mecânicas tais como turbinas à gás, aeronaves, caldeira de vapor,
usinas termonucleares. Por fim, existe um aço inoxidável de resistência
ultra-alta, que tem suas resistências aumentadas por tratamento
térmico de endurecimento por precipitação.

Ferros fundidos

São ligas de Fe-C cujo percentual de carbono está acima de 2,14%, mas na prática
se encontra entre 3,0 - 4,5%, além de outros elementos de liga. Sua temperatura de
fundição está entre 1150-1300°C, consideravelmente abaixo dos aços, logo, se fundem
com mais facilidade, além de serem materiais frágeis, por isso a fundição é a técnica

82
RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS │ UNIDADE III

de fabricação mais conveniente. Para a maioria dos ferros fundidos, o carbono existe
na forma de grafita e tanto a microestrutura quanto as propriedades dependem da
composição e do tratamento térmico.

»» Ferro Fundido Cinzento: o teor de carbono está entre 2,5-4,0% enquanto


o silício está entre 1,0-3,0%. A grafita se apresenta na forma de flocos
envolvidos por uma matriz de ferrita α ou perlita e, por causa desses flocos,
que o ferro fundido cinzeto assume uma aparência acinzentada quando
fraturado. As propriedades mecânicas sob tração são pouco resistentes e
frágeis devido aos flocos de grafita que funcionam como concentradores
de tensão. A resistência e ductilidade são muito maiores sob compressão.
As propriedades desejáveis desse ferro é sua grande capacidade de
amortecimento de energia vibracional, sendo extensivamente usado
como base de máquinas rotativas. Apresentam elevada resistência ao
desgaste, grande fluidez quando fundido, se servindo para fabricação de
peças de geometria complexa. Por fim, é um dos materiais metálicos mais
baratos que existem.

»» Ferro Fundido Dúctil (ou Nodular): se na fundição do ferro cinzento


for adicionado uma pequena quantidade de magnésio e/ou cério, a fase
grafita assume a forma de nódulos esféricos que conferem propriedades
diferentes a esse ferro, isto é, aumentam a resistência e ductilidade em
relação a ferro fundido cinzento, se aproximando do aço, por exemplo, o
ferro dúctil ferrítico tem limite de resistência à tração entre 380-480 MPa
e ductilidade entre 10-20%. Aplicações típicas são corpos de bombas,
válvulas, virabrequins e outros componentes de máquinas e automotivos.

»» Ferro Fundido Branco e Ferro Maleável: para ferros fundidos com


teores de silício abaixo de 1,0% e taxas de resfriamento rápidas, o
carbono se estabelece na forma de cementita ao invés de grafita, assim,
quando fraturado, a superfície se apresenta clara. Por conta da grande
quantidade de fase cementida, este ferro é extremamente duro, mas
muito frágil, sendo quase impossível sua usinagem. Sua aplicação
se restringe a necessidade de superfícies pouco dúcteis, muito dura
e resistente à abrasão, tais como cilindros de laminação. A partir do
ferro fundido branco é possível obter o ferro maleável por meio de um
processo de decomposição da cementita em grafita em uma atmosfera de
800-900°C sob atmosfera neutra. A grafita forma rosetas ou
aglomerados que atenuam sua fragilidade, aumentando a ductilidade.
São utilizadas em engrenagens de transmissão e cárteres dos diferenciais
de transmissões automotivas, além de flanges, conexões e válvulas
marítimas.

83
UNIDADE III │ RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS

»» Ferro Fundido Vermicular: assim como no ferro fundido cinzento,


dúctil e maleável, o carbono existe na fase grafita que tem sua formação
promovida pelo silício. Nesse tipo de ferro, o percentual de carbono está
entre 3,1-4,0% e o de silício 1,7-3,0%. Microestruturalmente a grafita é
vermiforme, ou seja, um formato intermediário entre o ferro cinzento
e o ferro nodular, por sinal, até 20% da grafita pode estar em forma de
nódulos. Essa nodularidade melhora as propriedades de resistência e
ductilidade. Em relação aos outros ferros fundidos, esse ferro apresenta
características desejáveis tais como: maior condutividade térmica,
melhor resistência à choques térmicos, menor oxidação em altas
temperaturas. Algumas aplicações recentes para este material são em
blocos de motores diesel, distribuidores de exaustão, discos de freios
para trens de alta velocidade e volante de motores.

Ligas metálicas não-ferrosas

Apesar de serem as mais amplamente empregadas, as ligas ferrosas apresentam


algumas desvantagens: (1) densidade elevada; (2) condutividade elétrica relativamente
baixa; (3) corrosão inerente em ambientes comuns. Logo, em algumas aplicações
é desejável ou mesmo necessário utilizar outras ligas com uma configuração mais
apropriada de propriedades. As ligas são classificadas por seu metal base ou por suas
características. Também podem ser classificadas em ligas forjadas (susceptíveis de
deformação mecânica) ou ligas fundidas (frágeis de se modelar).

Cobre e suas ligas

O cobre em sua forma pura é tão macio e dúctil que não pode ser usinado e pode ser
trabalhado a frio ilimitadamente. Ele também é resistente à corrosão em diversos
ambientes como água do mar, atmosfera e alguns produtos químicos industriais.
As propriedades mecânicas e de resistência à corrosão podem ser melhoradas pela
adição de elementos de liga, porém não pode ser tratada termodinamicamente. Para
melhorar suas propriedades mecânicas podem ser realizados trabalhos a frio e/ou
formação de ligas por solução sólida.

Os latões são formados pela adição de elemento de liga zinco na forma de impureza
substitucional apresentando melhor resistência mecânica e uma bela cor dourada.
Existem latões do tipo amarelo, naval, para cartucho, metal mutz e metal de douradura.
Alguma das aplicações mais comuns incluem bijuterias, cartuchos de munição,
instrumentos musicais, moedas, radiadores automotivos.

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RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS │ UNIDADE III

Os bronzes são ligas de cobre com vários outros elementos (Al, Si, Ni, Estanho). Essas
ligas são mais resistentes que os latões aliados com alta resistência à corrosão. São
utilizados em aplicações que necessitem de resistência mecânica e corrosiva, tais como
mancais, buchas, conexões para vapor, anéis de pistões.

Existe uma liga de cobre tratável termicamente com berílio de endurecimento por
precipitação, apresentando excelentes propriedades mecânicas (limite de resistência à
tração 1400 MPa), elétricas, resistência à corrosão e à abrasão, podendo ser fundidas,
trabalhadas a quente e a frio. São ligas caras devido ao belírio, aplicações são mancais e
buchas de trens de pouso de aviões, molas e instrumentos cirúrgicos.

Alumínio e suas ligas

Se caracterizam pela baixa densidade, alta condutividade térmica e elétrica e


resistência à corrosão em ambientes comuns, como a atmosfera terrestre. Podem
ser conformadas de diversas maneiras devido sua alta ductilidade, exemplificada
nas finas folhas de papel alumínio. Apresenta limitação na temperatura de fusão
baixa de 660°C. A resistência mecânica pode ser majorada por meio de trabalho a
frio e por adição de elementos de liga, entretanto isso acarreta uma diminuição na
resistência à corrosão. Os principais elementos de liga utilizados são cobre, silício,
manganês, magnésio e zinco. Alguns desses elementos permitem que as respectivas
ligas sejam tratadas termicamente. Algumas das aplicações mais importantes
são peças estruturais para aeronaves (baixa densidade aliada a alta resistência
mecânica), latinhas de bebida e peças automotivas (blocos de motores, pistões,
distribuidores). Atualmente, uma tendência é desenvolver ligas de alumínio de alta
resistência específica (limite de resistência dividido por massa específica) para a área
de transporte, de modo a diminuir o peso do veículo e economizar combustível. Um
exemplo são as ligas de alumínio e lítio desenvolvidas pela indústria aeroespacial
com ótimas qualidades de resistência mecânica, de fadiga e tenacidade a baixas
temperaturas. Entretanto, são de fabricação muito mais cara que as ligas de alumínio
mais comuns.

Magnésio e suas ligas

A característica mais extraordinária do magnésio é sua massa específica


(1,7 g/cm3), que é a mais baixa dentre todos os metais estruturais, assim, sua
utilização é interessante em aplicações em que o baixo peso seja importante.
É relativamente macio, baixo módulo de elasticidade (45 GPa) e difíceis de ser
deformados a frio, por isso a maior parte do trabalho é feito a quente ou por

85
UNIDADE III │ RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS

fundição, que ocorre à temperatura de 651°C. Sofre corrosão em ambiente marinho


mas é relativamente resistente em atmosfera normal. Podem ser fundidas, forjadas
e algumas podem ser tratadas termicamente. Os principais elementos de liga são
alumínio, zinco, manganês e algumas terras raras. Além da indústria aeroespacial, o
magnésio vem substituindo os plásticos de engenharia porque apresentam densidade
semelhante porém são mais rígidos, baratos e recicláveis, sendo aplicados em
ferramentas elétricas, motosserras, volantes e colunas de direção de carro e ainda em
equipamentos de áudio-vídeo-computação.

Titânio e suas ligas


São materiais relativamente novos com uma combinação de características
excepcionais tais como massa específica baixa (4,5 g/cm3), elevado ponto de fusão
(1668°C), e módulo de elasticidade de 107 GPa e um elevado limite de resistência
à tração de 1400 MPa, além de alta resistência à fluência, sendo utilizadas em
aplicações de alta temperatura, como pás de turbinas a gás. E ainda são muito
dúcteis, podendo ser forjadas ou fundidas e usinadas. Sua principal limitação é a
reatividade química em altas temperaturas, o que encarece seu processamento, que
deve ser feito em condições controladas. Sob temperaturas normais, sua resistência à
corrosão é elevadíssima mesmo na atmosfera, ambiente marinho e diversos ambientes
industriais, sendo aplicado na estrutura de aeronaves, veículos espaciais, implantes
cirúrgicos e indústria petroquímica.

Metais refratário
São metais com altíssimas temperaturas de fusão: o nióbio, molibdênio, tungstênio e
tântalo, variando de 2468-3410°C. Por terem ligações interatômicas extremamente
fortes, responsável pela alta temperatura de fusão, ainda tem alta resistência
mecânica, rigidez e dureza. Há várias aplicações, o tântalo e o molibdênio são
utilizados como elementos de liga em aços inoxidáveis, sendo o tântalo virtualmente
imune ao ataque químico em qualquer temperatura abaixo de 150°C. Ligas de
molibdênio são utilizadas em matrizes de extrusão e peças de naves espaciais. O
tungstênio está presente em filamentos de lâmpadas, de raio-X e eletrodos de solda.

Superligas
São ligas com combinações acentuadas de propriedades físico-química e mecânica.
São empregadas principalmente em turbinas de aeronaves, assim como em usinas
nucleares e indústria petroquímica, setores em que os componentes são expostos a altas
temperaturas, ambientes corrosivos e mesmo assim devem manter sua integridade
estrutural, porque uma falha é crítica e catastrófica. Os metais bases mais utilizados são

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RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS │ UNIDADE III

o ferro-níquel, níquel e cromo. Como elementos de ligas temos os metais refratários,


cromo e titânio. Podem ser forjadas ou fundidas.

Metais nobres

São metais caros, apresentam alguma propriedade superior ou notável e, em geral,


têm baixa dureza, são dúcteis e resistentes à oxidação. São eles o ouro, prata, platina,
paládio, ródio, rutênio, irídio e ósmio. As aplicações são as mais variadas: joalheria,
equipamentos de laboratório, componentes de termopares, implantes dentários,
indústria eletroeletrônica, espacial, entre outras.

Outras ligas não-ferrosas

Constantemente a engenharia vem desenvolvendo novos materiais, sendo que


apresentamos os mais comuns. O níquel e suas ligas é extremamente resistente à
corrosão, principalmente em ambientes alcalinos. Ele é frequentemente utilizado
como revestimento protetor de metais que sofrem corrosão. A liga monel, que tem
65% de Ni, 28% de Cu e o resto de ferro, é extremamente resistente à corrosão e é
utilizado em bombas e válvulas da indústria petroquímica.

Chumbo, estanho e suas ligas são bastante resistentes à corrosão e são utilizados como
solda de componentes eletrônicos, o chumbo é aplicado como barreira de raios-X e
para baterias elétricas, enquanto o estanho é usado de revestimento interno em latas de
conserva pois evita que o aço seja corroído.

O zinco puro é altamente atacado por corrosão e tem baixa dureza, mas por conta
dessa característica ele é utilizado no aço galvanizado como um metal de sacrifício,
ao invés de o aço ser corroído, o zinco que o é. As ligas de zinco são utilizadas em
cadeados, acessórios para encanamento, maçanetas.

Por fim, o zircônio é um metal abundante na crosta terrestre porém não havia
sido desenvolvidas técnicas de sua extração e refino comercial até recentemente.
Apresenta resistência mecânica semelhante às ligas de titânio mas, adicionalmente,
apresenta alta resistência à corrosão, inclusive em água super aquecida.

Processos de fabricação

As técnicas de fabricação dos metais são precedidas do processo de extração, refino,


formação de ligas e, às vezes, tratamento térmico. As técnicas escolhidas dependem do
tipo de material, tamanho, forma da peça e custo. As técnicas aqui apresentadas são
mostradas na classificação abaixo.

87
UNIDADE III │ RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS

Processo de conformação

São processos em que o metal adquire sua forma por meio da deformação plástica
induzida por uma força ou tensão externa cuja intensidade é maior do que o limite
de escoamento do metal. A maioria dos materiais metálicos podem ser trabalhados
dessa forma em algum grau. A deformação pode ser realizada acima ou abaixo da
temperatura de recristalização. Caso seja acima, é um trabalho a quente, que permite
grandes deformações utilizando menos força externa, porém o acabamento superficial
é ruim e há formação de óxidos por causa da temperatura elevada.

Figura 54. Classificação das técnicas metalúrgicas de fabricação.

Fonte: Callister, 2000.

No trabalho a frio, a temperatura está abaixo da temperatura de recristalização,


há uma diminuição da ductilidade devido ao encruamento do material, maior força
para a deformação plástica, porém o acabamento é melhor, com dimensões mais
controladas e maior variedade de propriedades possíveis de obter. Os principais
processos são representados na figura abaixo.

»» Forjamento: é o trabalho mecânico sobre uma única peça metálica, em


geral quente, obtida por golpes sucessivos ou compressão contínua.
Podem ser de matriz fechada ou aberta. Os materiais forjados apresentam
excepcionais estruturas de grão e a melhor combinação de propriedades

88
RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS │ UNIDADE III

mecânicas. Chaves, ferrament1as, virabrequins são exemplos típicos de


uso dessa técnica.

»» Laminação: é um processo amplamente usado em que a peça passa


por dois cilindros que aplicam tensão e reduzem a espessura da peça
e é aplicada na produção de chapas, tiras e folhas com alta qualidade
de acabamento superficial, assim como podem ser produzidas formas
circulares, vigas em “I” e trilhos de trem por meio de cilindros com
ranhuras.

»» Extrusão: uma barra metálica é forçada por um orifício de uma matriz


em virtude da compressão exercida por um êmbolo, produzindo uma
peça com um formato desejado e área de seção transversal reduzida.
São produtos fabricados por essa técnica barras e tubos, inclusive sem
costura.

»» Trefilação: é o inverso da extrusão, em que o material metálico é puxado


por uma força de tração através de um orifício cônico de uma ou uma
séria de matrizes, resultando em um aumento do comprimento. São
produtos típicos os arames, barras e produtos tubulares.

Figura 55. Classificação das técnicas metalúrgicas de fabricação.

Fonte: Callister, 2000.

89
UNIDADE III │ RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS

Figura 56. Técnicas de Conformação.

“Matriz”
Metal “Matriz” “Cilindro”
Bruto “Peça
Forjada”

Força

“Carcaça”
“Matriz”

Matriz
Força
Força de
“Tarugo” Tração
Embolo
e pistão
Suporte
da Matriz

Fonte: Callister, 2000.

Fundição

A fundição é um dos processos de fabricação mais antigos que existem e consiste em


derramar o metal fundido na cavidade de um molde, de modo que ele assuma essa
forma depois de solidificado, onde acontece uma certa contração. Essa técnica é
utilizada quando (1) a forma final é complexa demais para ser utilizada outra técnica;
(2) a liga apresenta ductilidade muito baixa para ser trabalhada a quente ou a frio; (3) é
um processo em geral mais econômico que outros. Ademais, na parte final do refino de
algumas ligas pode existir a fundição. A seguir, daremos um “overview” sobre os tipos
mais utilizados:

»» Fundição em Molde de Areia: é o método mais comum, em que o molde


em duas partes é formado pela compactação da areia em torno do modelo
da peça a ser fabricada. Além disso é incluído um sistema de canais de
alimentação para facilitar o escoamento do metal líquido e diminuir
defeitos internos. É muito utilizado para fabricar bloco de cilindros de
motores de automóveis, hidrantes de incêndio e conexões de grande
bitola.

»» Fundição com Matriz: o molde em duas partes é formado de aço, e o


metal líquido é injetado sob pressão dentro da cavidade, se solidificando
enquanto em pressão; após a solidificação, o molde se abre e libera

90
RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS │ UNIDADE III

as peças. É um processo mais rápido, um molde pode ser utilizado


para milhares de peças, porém é limitado a peças pequenas e feitas
de materiais de baixa temperatura de fusão quais o alumínio, zinco e
magnésio.

»» Fundição de Precisão (ou de Cera Perdida): nesta técnica o modelo é


feito de cera ou de plástico de baixo ponto de fusão, depois é despejado
um material líquido que se solidifica em torno do modelo, em geral é o
gesso. Esse molde-modelo é aquecido de modo que o modelo derreta e
deixe apenas a cavidade interna. É uma técnica que permite alta precisão
dimensional, detalhes e ótimo acabamento superficial, utilizado em
joalheria, obturações dentárias e em lâminas de turbina a gás de motores
a jato.

»» Fundição com Espuma Perdida: é uma variação da fundição de precisão


em que o modelo é feito de um material espumoso que se vaporiza em
alta temperatura, tal qual o poliestireno. A areia é então compactada
em volta do modelo para formar o molde. Conforme se derrama o metal
líquido, ele vaporiza o molde e assume seu lugar. Esse técnica permite
formatos complexos e bom acabamento superficial, sendo mais rápido e
barato que a fundição por areia normal. Materias típicos são o alumínio e
o ferro fundido para fabricação de blocos de motores de carros e navios e
estrutura de motores elétricos.

»» Fundição Contínua: o metal refinado e fundido é moldado diretamente


na forma de uma fita contínua com seção transversal retangular ou
circular e a solidificação ocorre em uma matriz resfriada à água com o
formato final desejado. Apresenta melhores propriedades mecânicas e
mais uniformes do que no processo de fundição em ligotes, além de ser
mais eficiente e automatizável.

Técnicas diversas

A Metalurgia do pó é uma técnica que envolve a compactação de um pó metálico


com posterior aquecimento que fundi parcialmente as partículas e produzem um
agregado denso que é praticamente igual ao material de origem completamente
denso. É especialmente útil para metais com baixa ductilidade, ou aqueles com alta
temperatura de fusão que são difíceis de serem derretidos e fundidos. Também é
interessante para peças que necessitem de uma restrita tolerância dimensional, tal
qual engrenagens e buchas.

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UNIDADE III │ RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS

Soldagem é um processo de “colar” peças metálicas para formar uma única peça por
meio da fusão no local de contato, ou seja, um processo metalúrgico, diferente de uma
união mecânica por meio de rebites ou parafusos, por exemplo. Podem ser soldados
metais do mesmo tipo ou diferentes, por métodos como soldagem por arco elétrico,
maçarico, brasagem. Durante a soldagem, o metal base e o material de enchimento
são fundidos por meio de uma alta temperatura (gerada por chama, arco elétrico,
laser), depois da solidificação é formada uma junta fundida entre as peças; devido
ao aquecimento, surge uma zona termicamente afetada (ZTA), conforme visto na
Figura 57, com as seguintes características:

1. Essa zona pode sofrer uma recristalização e crescimento de grão,


diminuindo resistência, dureza e tenacidade.

2. No resfriamento podem ser induzidas tensões residuais que


enfraquecem a junção.

3. Nos aços-liga, o aquecimento até a fase austenítica e o rápido


resfriamento podem gerar martensita que é, em geral, indesejada por
sua fragilidade.

4. Alguns aços inoxidáveis podem ser sensibilizados, sendo mais afetados


por corrosão intergranular.

Figura 57. Esquema da Zona Termicamente Afetada.


Porção de
Porção de metal
metal base
de enchimento

Solda

Metal base
Zona Termicamente
fundido
Afetada

Peça 1 Peça 2

Fonte: Callister, 2000.

Tratamento térmico

Em capítulos anteriores discutimos fenômenos físicos que ocorrem em altas


temperaturas na microestrutura dos metais e como tais fenômenos alteram

92
RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS │ UNIDADE III

as propriedades. Neste tópico iremos mostrar os processos de tratamento


mais utilizados para se obter propriedades desejadas no material, entre eles o
endurecimento por precipitação, recozimento e tratamentos térmicos em aços.

Recozimento
É um processo em que o metal é exposto a uma temperatura elevada e mantida por
um tempo longo, após é resfriado sob uma taxa relativamente baixa de resfriamento
até a temperatura ambiente. O recozimento tem quatro objetivos: aliviar tensões,
reduzir dureza e produzir uma microestrutura específica. No trabalho a frio o
recozimento intermediário propicia recristalização, tornando mais macia e dúctil.
Alguns processos de fabricação inserem tensões residuais que podem ser aliviadas
por um recozimento. Nos aços é utilizado um recozimento chamado normalização,
que refina o grão e torna seu tamanho mais uniforme ao longo da microestrutura.

Termotratamento de aços e suas ligas


Para aços de alta resistência, a melhor microestrutura a ser desenvolvida em toda a
seção transversal é a martensítica, essa microestrutura é convertida em martensita
revenida por meio do tratamento térmico de revenido. A temperabilidade é a
capacidade de uma liga de aço gerar estrutura martensítica por meio de um
tratamento térmico. O teor de martensita é medido pela dureza do material. O
meio de têmpera influencia no percentual de formação de martensita, sendo o meio
mais eficiente a água, seguido de polímeros aquosos, óleo e ar. A agitação também
aumenta a eficiência de têmpera.

Endurecimento por precipitação


É um processo de aumento de resistência pela formação de partículas muito pequenas
de uma segunda fase, ou seja, um precipitado. O tamanho da partícula é controlado
por dois tratamentos térmicos: (1) por meio da solubilização que é dissolver os
átomos do soluto para formar uma solução sólida monofásica em que a têmpera até
certa temperatura baixa preserva esse estado; (2) tratamento por precipitação sob
temperatura constante em que são formadas e crescem as partículas do precipitado,
ductilidade, dureza e resistência são dependentes do tempo de tratamento. A
resistência e dureza aumenta com o tempo até um limite máximo, sendo que a
maior temperatura aumenta a velocidade do processo. O fenômeno do aumento da
resistência por precipitação é explicado pelo aumento da dificuldade ao movimento
das discordâncias por causa de uma rede cristalina deformada ao entorno das
partículas precipitadas.

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UNIDADE III │ RANSFORMAÇÕES DE FASES, SOLIDIFICAÇÃO E PROCESSAMENTO DE METAIS E SUAS LIGAS

Resumo da tríade fabricação-estrutura-


propriedades

Nas figuras seguintes apresentamos um resumo concentual de como a fabricação


altera a estrutura do metal e, essa, por sua vez, determina as propriedades, tudo
segundo um ponto de vista da metalurgia. É um resumo bem interessante de se notar
e vale como uma visão geral de como os conceitos desta disciplina se interconectam.

Figura 58. Resumo da interligação processamento-estrutura-propriedade para aços segundo uma perspectiva de

ciência de materiais.
Recristalização
Recozimento subcrítico

Recozimento de Diagrama de
ligas ferrosas Fases Fe-Fe3C Normalização
PROCESSAMENTO
Conceito de
Recozimento pleno
Transformação
Reação Eutetoide de Fase

Diagrama de Diagrama de
Tratamento
Equilíbrio de Estados Diagrama de transformações transformações
térmico dos
Fase metaestáveis vs. Fases Fe-Fe3C isotérmicas por resfriamento
aços
de Equilíbrio contínuo

Conceito de Dependência da
Difusão Difusão com a Revenido
Martensita
Temperatura (martensita
(formação)
revenida)

ESTRUTURA Perlina, grosseira e


fina (mais uma fase
proeutetoide)

Diagrama de Desenvolvimento Bainita


Fases Fe-Fe3C microestrutura em
ligas de Fe-Fe3C Cementita globularizada
Martensita
Martensita Revenida
Estrutura Estrutura
cristalina para o cristalina para a
Fe (CCC) martensita

PROPRIEDADES

Definições de
propriedades
mecânicas

Perlita (grosseira e fina)


Mecanismos Propriedades Bainita
Conceito de Características das de aumento de mecânicas das
discordâncias discordâncias Cementita globularizada
resistência ligas de Fe-Fe3C
dos metais
Martensita

Martensita Revenida
Conceito de Aumento de
Solução resistência por
Sólida solução sólida

Sistema de
escorregamento

Fonte: Callister, 2000.

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Referências

AVNER, S. H. Introduction to Physical Metallurgy. McGraw-Hill, 1974.

CAHN, R.; HAASEN, P. Physical Metallurgy. Vol 1, 2 e 3. 4. ed. North Holland:


Cambridge University Press, 1996.

CALLISTER JR, W. D. Materials Science and Engineering: An Introduction. John


Wiley & Sons, 2000.

CHIAVERINI, V. Aços e Ferros Fundidos. ABM, 1988.

DIETER, G. E. Metalurgia Mecânica. Guanabara Koogan S. A., 1982.

KONDIC, V. Princípios Metalúrgicos de Fundição. 4. ed. São Paulo: Polígono,


1973. 340p.

VAN VLACK, L. H. Princípios de Ciências dos Materiais. Edgar Blucher Ltda.,


São Paulo, 1970. 427p.

VAN WYLEN, G. J.; SONNTAG, R. E.; BORGNAKKE, C. Fundamentos de


Termodinâmica Clássica. 4. ed. São Paulo: Edgard Blucher, 2004.

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