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Educação Unisinos 2177-6210: E-Issn: Revistaeduc@
Educação Unisinos 2177-6210: E-Issn: Revistaeduc@
E-ISSN: 2177-6210
revistaeduc@unisinos.br
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Brasil
Streck, Danilo
Pedagogia crítica revisitada. McLAREN, P. e JARAMILLO, N. 2007. Pedagogy and Praxis
in the Age of Empire: Towards a New Humanism. Roterdam, Taipei, Sense Publishers,
206 p.
Educação Unisinos, vol. 12, núm. 1, enero-abril, 2008, pp. 62-64
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
São Leopoldo, Brasil
McLAREN, P. e JARAMILLO, N. 2007. Pedagogy and Praxis in the Age of Empire: Towards a New
Humanism. Roterdam, Taipei, Sense Publishers, 206 p.
O punho cerrado que segura o lápis sai do meio de um Os autores fazem uma leitura do contexto histórico atual
livro aberto, com as folhas em branco. A ilustração do tendo como parâmetro fatos que indicam que a hegemonia
“punho do conhecimento”, de Marcelo Layera, antepos- norte-americana se transformou num novo imperialismo que
ta a cada um dos quatro capítulos indica o sentido que não tem escrúpulos em usar a violência da força de seu
os autores atribuem ao conhecimento: em suas palavras, poderio bélico ou as mentiras de suas poderosas máquinas
“a teoria conhecida como pedagogia crítica revolucioná- de inventar notícias quando se trata de garantir a
ria é ao mesmo tempo partidária e objetiva” (p. 97, tradu- lucratividade dos negócios ao redor do mundo. Nesse sen-
ção nossa). Ela é partidária, porque prefigura a supera- tido, um personagem central do livro é George Bush hijo,
ção das relações sociais de exploração capitalista. Ela é no qual se concentra e revela todo o cinismo da política
objetiva, porque está enraizada na materialidade da vida externa norte-americana. O fato mais marcante é a invasão
produzida pelo trabalho humano. A ilustração simboliza do Iraque, hoje escancarada como um pretexto para garantir
também a força das palavras que denunciam o império de o fluxo do petróleo do Oriente Médio durante as próximas
dentro de suas entranhas. décadas a um custo humano e cultural incalculável.
Peter McLaren, professor da Universidade da Califórnia, A introdução traz o título “A crescente onda de
em Los Angeles, é bem conhecido de outros trabalhos, beligerância” e propõe o argumento de que os fatos da
muitos deles publicados no Brasil. Dentre os diversos títu- política interna e externa se encontram sob a mão, nem
los podemos citar Rituais na escola: em direção a uma sempre tão invisível, do capital. Assim, por exemplo, quan-
economia política de símbolos e gestos na educação (1992), do o Furacão Katrina atingiu a costa da Louisiana e de-
Multiculturalismo crítico (1997a), A vida nas escolas: uma vastou a cidade de New Orleans, percebeu-se em seus
introdução à pedagogia crítica nos fundamentos da edu- rastros a crise de classe e de raça nos Estados Unidos.
cação (1997b), Multiculturalismo revolucionário: peda- Foram os pobres que ficaram sem transporte e sem mora-
gogia do dissenso para o novo milênio (2000). Sua compa- dia, e também foram eles que mais uma vez levaram a
nheira neste trabalho é Nathalia Jaramillo, professora da fama de baderneiros e saqueadores. “Aqueles africano-
Universidade de Purdue. O livro faz parte da série “Trans- americanos que em vão imploraram para ser salvos do
gressões: estudos culturais e educação”, editada sob a res- topo de seus telhados, aqueles que afogaram nos seus
ponsabilidade de Shirley Steinberg e Joe Kinchenloe, am- sótãos, aqueles que foram abandonados e morreram nos
bos da McGill University, em Montreal. hospitais e lares de idosos, aqueles cujos corpos incha-
dos flutuavam pelas avenidas – todos eles eram teste- recuperam o conceito de negatividade absoluta ou se-
munhas da imagem, como que vista através do espelho gunda negação, que consiste em extrair a positividade da
retrovisor, da violência dirigida contra seus ancestrais, negatividade. O desejo de libertação dos oprimidos esta-
mas desta vez vestida como uma ‘resposta ineficaz’ a ria expresso na própria negação de sua humanidade. Ain-
uma ação de Deus” (p. 13, tradução nossa). da, baseados em Robinson, Mclaren e Jaramillo destacam
O primeiro capítulo analisa a crise da esquerda educa- quatro princípios para um efetivo movimento contra-
cional nos Estados Unidos. O grande desafio dos educa- hegemônico: primeiro, a necessidade de construir uma
dores críticos hoje estaria em lutar pela não integração força política baseada numa visão ampliada de transfor-
da esfera pública nas práticas neoliberais e imperialistas mação social; segundo, construir uma alternativa econô-
do Estado e do capitalismo globalizado. A pedagogia crí- mica para o capitalismo global; terceiro, a necessidade de
tica não ficou imune à proclamada vitória do pensamento as classes populares transnacionalizarem as suas lutas;
de que o mundo encontrou definitivamente a sua melhor quarto, um incansável compromisso com o Outro. Os au-
forma de funcionar, bastando pequenos ajustes para tores ressalvam que, ao proporem o retorno a Marx, não
aperfeiçoá-lo. No entanto, defendem os autores, a justi- estão se referindo a uma volta ao passado, numa compre-
ça social não será alcançada através da simples ensão linear da história. Trata-se mais propriamente de
redistribuição da riqueza, mas da mudança nas estrutu- avançar no sentido de tomar consciência da história viva,
ras que definem as relações da produção e a propriedade que é tanto a fonte quanto o destino do sujeito humano.
dos meios de produção. O que houve, dizem os autores, Este parágrafo, que encontramos quase ao fim do ter-
foi uma “domesticação da teoria crítica”, adaptando-a ceiro capítulo, contém uma visão bastante precisa da
aos protocolos da classe financeira dominante. A recu- compreensão de pedagogia crítica expressa no livro:
peração da teoria crítica passa tanto pela releitura de Marx
quanto pela observação de movimentos sociais que en- Pedagogia crítica, como nós a concebemos, evita as más
cerram a possibilidade de transformação social. infinitudes da pedagogia hegemônica na qual verdade e justiça
O segundo capítulo tem como tema central a análise são buscadas fora da história viva nos espaços de uma
outredade mística. Em contraposição, nós reafirmamos nos-
da política do governo norte-americano conhecida por
sa convicção de que o mundo subjuntivo do que “deveria ser”
“No child left behind” (Nenhuma criança deixada para precisa ser forjado dentro do mundo imperfeito, parcial, de-
trás). Neste programa, os exames de competência anuais feituoso e finito daquilo “que é”, através do ato dialético da
são acompanhados de um complexo sistema de sanções negação absoluta. É a procura e luta por uma utopia na qual o
para fracassos e mecanismos de compensação. Um deles futuro está inerente nas forças materiais do presente. Ele
é o recurso a atividades extracurriculares providas por nasce das contradições existentes no momento presente. A
instituições que oferecem serviços educacionais, abrin- pedagogia crítica, por cuja construção estamos lutando, está
do espaço tanto para corporações no ramo educacional direcionada para a transformação do estabelecido modo de
reprodução metabólica da sociedade [...], oposta à
quanto para agências de caráter religioso, o que na atual
transcendência metafísica, através do ingresso no mundo sub-
conjuntura norte-americana significa a ampliação da in- juntivo do que “poderia ser” (p. 116, tradução nossa).
fluência de setores fundamentalistas. Os autores advo-
gam uma educação popular para além das fronteiras na- O quarto e último capítulo traz o sugestivo título “O guer-
cionais, baseada nos movimentos sociais que desafiam a reiro cowboy de Deus: cristianismo, globalização e falsos
ordem capitalista globalizada. Isso significa, entre outras profetas do imperialismo”. Trata-se de uma vigorosa denún-
tarefas, denunciar a parceria que se estabeleceu entre a cia do uso da religião como instrumento de legitimação das
escola e o mundo dos negócios, contentando-se esta em atrocidades cometidas pelo governo norte-americano em
adaptar-se aos atuais arranjos de reprodução social. A décadas de invasões e ocupações. George Bush, um cristão
pedagogia crítica revolucionária não se baseia em uma renascido, faz sua autoridade basear-se na autoridade abso-
única narrativa mestra de libertação, mas numa luta e literal da Bíblia. Daí seu zelo na luta contra o “mal” e sua
“metanarrativa de esperança e solidariedade” que busca falta de dúvidas sobre o acerto de suas políticas e ações. Há
“desnaturalizar” as relações sociais capitalistas a partir inúmeros detalhes e informações que revelam a apropriação
de diferentes lugares e perspectivas. da religião para a guerra santa que não acidentalmente coin-
O terceiro capítulo é dedicado à educação do/a latino/a cide com a guerra pela manutenção e expansão do império.
(latino/a education), mostrando que a luta de classes Rejeitar as ações das políticas dos Estados Unidos é enten-
está inscrita no cenário global. Interessam aos autores os dido por Bush e por aqueles que comungam com o seu
movimentos emancipatórios, em especial na América Lati- fundamentalismo evangélico como rejeitar a Deus. 63
na, capazes de assegurar um movimento contra- Na Conclusão, os autores retornam para os requisi-
hegemônico. Recorrendo à dialética marxista, os autores tos de uma teoria pedagógica crítica. Para transcender o
mundo dividido em que vivemos, é necessário mudar, algo nesse sentido poderá acontecer nos Estados Unidos,
argumentam eles, para outro registro formado em torno mas isso representa apenas um desafio a mais para quem acre-
dos eixos do compromisso, da solidariedade e da com- dita que a história não tem seu curso predeterminado.
preensão. Não se trata de identificar possibilidades além Podemos ver, como terceiro destaque, que o livro é
e fora das precondições existentes nem de identificar for- uma espécie de atualização da Pedagogia do oprimido
mas de reconhecer o Outro, mas antes de encontrar mei- de Paulo Freire (1983). O contexto é distinto, outros são
os de responder aos desafios que o Outro coloca como os atores, mas a questão de fundo persiste: continua
resposta às políticas que são propostas para o seu reco- havendo seres humanos oprimidos por forças que apa-
nhecimento. Por fim, trata-se de entender a pedagogia rentemente estão além de seu controle e que precisam
como parte da filosofia da vida cotidiana, inserida na ser nomeadas. Mesmo que Freire não esteja presente
história concreta onde se gera a opressão. nas referências, ele é, sem dúvida, o grande inspirador
Os parágrafos acima certamente não dão conta da ri- desta possibilidade de se pensar a pedagogia a partir do
queza do conteúdo do livro, muito menos do seu estilo Outro, aquele que está à margem, integrado de forma
vibrante no qual a força das palavras provém do fato de subalterna no sistema. Agora não se trataria mais de uma
estarem coladas à realidade. Ao longo da leitura, pergun- pedagogia do oprimido, mas de um conjunto de pedago-
tava-me sobre a pertinência do livro para quem não está gias de pessoas e grupos oprimidos em sua luta cotidia-
nas entranhas do monstro, como Peter McLaren e na pela criação de outras possibilidades de viver junto.
Nathalia Jaramillo. Eis algumas respostas que encontrei Por fim, o livro é um testemunho de intelectuais com-
para a minha ingadação. prometidos com a leitura do mundo em que vivem, pro-
Primeiro, o presidente George Bush ocupa um lugar curando identificar os processos, mas também os atores.
de destaque no livro como alvo das mais ácidas críticas, A história não é um amontoado de fatos produzidos por
junto com ministros e funcionários do alto escalão do conta de um destino, mas é produzida por interesses que,
governo norte-americano. O que nós, na outra extremi- por sua vez, são promovidos e reproduzidos por homens
dade do planeta, temos a ver com detalhes da atuação do e mulheres. Os educadores e as educadoras também con-
governo na seqüência do Furacão Katrina, do 11 de se- tam entre os agentes da história, como os autores escre-
tembro ou com a Guerra do Iraque? No livro, o Presidente vem no fim do livro, em espanhol: “Mereces lo que
Bush é tratado como uma figura emblemática, represen- sueñas. El maestro enseñando también está luchando.
tando o centro do império e, como tal, falando em nome Larga vida a la resistencia educativa! Que saquen fuerzas
do mundo corporativo e dos interesses de importantes para las luchas que se aproximan” (p. 201).
segmentos da população norte-americana e de outros
países centrais. Mesmo que na eleição de 2008 alguém Referências
de outro partido venha a ocupar o Oval Office da Casa
Branca, sabe-se que os interesses a serem defendidos FREIRE, P. 1983. Pedagogia do oprimido. 9ª ed., Rio de Janeiro,
não mudarão substancialmente. Poderão mudar os argu- Paz e Terra, 218 p.
mentos e a ferocidade da sanha imperialista, mas é muito MCLAREN, P. 1992. Rituais na escola: em direção a uma eco-
nomia política de símbolos e gestos na educação. Petrópolis,
pouco provável que nas próximas décadas seja permiti-
Vozes, 397 p.
do ao Iraque criar algo que se distancie dos padrões da
MCLAREN, P. 1997a. Multiculturalismo crítico. São Paulo, Cortez,
democracia lá imposta com a força das armas. Saber como 239 p.
se formam e se articulam os argumentos de conquista e MCLAREN, P. 1997b. A vida nas escolas: uma introdução à
dominação nas entranhas da besta é um exercício impor- pedagogia crítica nos fundamentos da educação. 2ª ed., Por-
tante para poder conectar os movimentos de resistênci- to Alegre, Artes Médicas, 353 p.
as espalhados por todos os continentes. MCLAREN, P. 2000. Multiculturalismo revolucionário: pedagogia
Em segundo lugar, destacaria o exercício de recuperar a do dissenso para o novo milênio. Porto Alegre, Artmed, 304 p.
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