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Esse movimento intelectual, que consistiu numa busca de referências teóricas e históricas para
orientar proposições políticas na direção de uma escola democrática, passou a exigir maior
empenho numa nova pesquisa: compreender os fundamentos históricos e filosóficos da própria
escola capitalista. Estabeleceu-se, assim, um estreito vínculo entre a investigação do conceito
socialista da educação, o estudo das origens da escola capitalista e a formulação de propostas
para democratizar o acesso à educação no Brasil.
Nas campanhas em defesa da escola pública dos anos trinta, cinqüenta e sessenta, os setores
progressistas empunharam a bandeira da "escola nova", surgida na Europa e nos Estados
Unidos, no início do século XIX, como projeto hegemônico da burguesia imperialista (Soares,
1992). O apoio a uma proposta burguesa se deveu, entre outros fatores, à ausência de um
projeto escolar próprio ao campo das forças populares e democráticas, claramente conectado
aos interesses das maiorias sociais. Nos anos setenta, o processo de redemocratização do país
propiciou o acesso a uma leitura da escola que, haurindo-se em idéias de Althusser (1974),
sustentou que o sistema escolar não teria outro papel senão o de reproduzir a sociedade
capitalista. A partir dos anos oitenta - já sob a influência do pensamento gramsciano -
procurou-se romper com a visão de que a escola está a reboque das grandes transformações
sociais, atribuindo-lhe grande importância no plano da luta ideológica que se realiza na
sociedade civil.
Algumas das pesquisas surgidas sob a inspiração de categorias formuladas por Gramsci
contribuíram para a difusão de um tipo de leitura do seu pensamento pedagógico que
influenciou e continua influenciando as linhas teóricas de reação às diretivas governamentais,
iniciadas já nos anos oitenta, destinadas a reformar a escola média e a educação profissional.
Mas esse tipo de influência, em lugar de levar ao desenvolvimento do conceito gramsciano de
escola unitária, tem, ao contrário, dificultado a sua compreensão bem como as possibilidades
de apresentar, hoje, conteúdos e métodos para construí-lo.
Uma das explicações para compreender as dificuldades que cercam o debate sobre o
pensamento pedagógico de Gramsci relaciona-se ao fato de que grande parte das propostas
elaboradas no campo democrático e popular fundamentam-se na expectativa de uma
revolução social, derrubando todas as instituições do capitalismo. Sob a expectativa de uma
tal revolução, as aspirações populares de acesso à escola são tratadas de modo instrumental,
como tática de "enfrentamento" do Estado, já que, estrategicamente, seria impossível começar
a construir uma escola democrática no contexto do capitalismo. Ouvimos falar de uma "escola
possível", de uma "escola tradicional" com tintas revolucionárias modernas, de uma "escola
politécnica", de uma "escola nova" dos trabalhadores... São modelos educacionais que,
inspirados no movimento operário do século XIX e/ou prendendo-se a relações históricas e
políticas superadas, apontam, na prática, para a negação da escola existente (Saviani, 1983;
Machado, 1989: 11; Nosella, 1986: 121; Arroyo, 1986).
Essas limitações reaparecem nas lutas dos movimentos sociais contra as reformas
educacionais do governo dos anos noventa. Trata-se de reformas que, no seu conjunto,
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articulavam-se às políticas governamentais voltadas para modernizar o país, inserindo-o na
dinâmica do mercado mundial, de forma subordinada e dependente. Nesse sentido, foram
definidas várias políticas para a sociedade brasileira, abrangendo, entre outras, a reforma do
Estado, segundo a ideologia do Estado mínimo, a privatização de empresas públicas, a
abertura da economia ao mercado externo, a desregulamentação das relações de trabalho.
Essas mudanças foram introduzidas num quadro político no qual o Executivo desconsiderou a
ampla participação das maiorias sociais, privilegiando outros grupos de interesses que
representavam o projeto governamental para "modernizar" o país. A vinculação do Brasil à
dinâmica da mundialização do capital se realizou também pela intermediação de organismos
internacionais, como o Banco Mundial, entre outros, que orientaram a definição de políticas
públicas em todas as instâncias da sociedade, particularmente na área de educação, gerando
uma profunda exclusão social. Esse foi o rumo seguido pelas políticas educacionais da década
de noventa, indo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) e suas
múltiplas regulamentações, particularmente aquelas que atingem a educação profissional e o
ensino técnico, até as iniciativas sobre a autonomia da universidade.
No que diz respeito à organização da escola média, essas reformas contribuíram para
aprofundar a dualidade escolar, generalizando a formação geral na escola média e criando, de
forma paralela, um completo sistema de formação profissional. A luta contra a dicotomia da
escola, desde a fase inicial de apresentação de projetos para a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, após a Constituição de 1988, e, agora, com o seu agravamento, estimulou
a discussão sobre propostas de unidade da formação geral e profissional, retomando-se a polí-
tica em favor do princípio unitário da formação geral, técnica e tecnológica. Mas o conceito de
escola unitária, em lugar de basear-se nos desenvolvimentos teóricos realizados por Gramsci,
foi confundido com o de escola politécnica, como se ambos expressassem o princípio unitário
de forma equivalente e idêntica (Saviani, 1989; Machado, 1989; Frigotto, 1992, 1993; Paiva,
1990).
Uma diferença básica entre os dois conceitos refere-se ao fato de que a idéia de politecnia foi
elaborada quando a sociedade civil era praticamente inexistente e a escola era compreendida
como uma "escola de classe", num plano mais corporativo, como de resto se caracterizam as
lutas dos trabalhadores no contexto do "Estado restrito" (Coutinho, 1981, 1985). Já a noção
de escola unitária, pressupondo o desenvolvimento da sociedade civil, confere à escola uma
dimensão estratégica na disputa pela hegemonia, no âmbito do "Estado ampliado". Desse
modo, a confusão entre escola politécnica e escola unitária mostra que não foram
aprofundadas as categorias elaboradas por Gramsci, seja sobre as novas relações entre Estado
e sociedade, seja para estabelecer estratégias de luta pela hegemonia, estruturadas na virada
do século XIX para o século XX.
O problema é que o governo sustentou que as reformas educacionais dos anos noventa
promoveram a unificação da escola média. Entretanto, a conversão de toda a escola média
em ensino de formação geral e a transformação do ensino técnico numa suposta opção para
quem queria se inserir no mercado de trabalho não resolveu o problema da dualidade, mesmo
porque não poderia. Ao contrário, contribuiu para manter a separação entre a formação geral
e a formação técnica e tecnológica, ao admitir que a juventude podia concluir o nível médio
com uma formação apenas "geral", uma formação "capenga", porque prescinde da dimensão
do trabalho, essencial à cidadania. Para consolidar essa organização dualista, que implicou
extinguir o ensino técnico nas escolas estaduais e o ensino de formação geral nas escolas
técnicas federais (Decreto 2.208/97), o governo apoiou-se no pressuposto de que a função
das escolas técnicas e profissionais, regulares, das redes municipais, estaduais e federais,
públicas e privadas, é a de "preparar para o mercado de trabalho". Se não fizessem isso,
estariam se "desviando" do seu propósito, isto é, do seu caráter técnico e profissionalizante.
Se na formação dos trabalhadores, hoje, não se deve perder de vista o avanço científico e
tecnológico que é incorporado às mudanças no mundo do trabalho, isso implica também, por
outro lado, manter a autonomia da escola em relação a demandas pontuais do setor
produtivo, pois o seu papel não é o de estar dependente, atrelada e subordinada aos ditames
do mundo empresarial. É certo que vivemos numa sociedade capitalista e as atividades de
trabalho nas quais precisamos nos engajar, como cidadãos e cidadãs, estão relacionadas a
esse modo de produção. Assim, não há como nos furtarmos ao debate sobre a formação
demandada pelas empresas, a formação profissional. Entretanto, quais são, teórica e
praticamente, as diferenças entre formação para o mundo do trabalho e formação profissio-
nal? Como esta última poderia ser organizada, no sentido de incorporar avanços científicos e
tecnológicos e, conseqüentemente, responder a demandas do setor produtivo, empresarial
(mercado de trabalho)?
A busca de respostas a essas questões contribuiria para o esclarecimento do que poderia ser
entendido, hoje, como "escola unitária". Mas é preciso considerar que, para além de uma
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unidade das formações geral e profissional, a idéia de escola unitária, apresentada por
Gramsci, tem como horizonte a luta pela igualdade social: daí a idéia de "unitária", que
significa superar as divisões classistas que separam a sociedade em governantes e
governados. Essa luta não é proposta como uma revolução imediata, que desmonte toda a
estrutura social capitalista de um só golpe. Ela requer um trabalho paciente de identificação
de espaços para ampliar conquistas democráticas, particularmente no campo cultural. Envolve,
sim, uma elevação cultural dos trabalhadores, preocupando-se com os métodos para que
estes sejam capazes de formular conceitos, de compreender o mundo em que vivem, de saber
se orientar, elaborar críticas e participar do governo da sociedade.
Sem dúvida, esse tipo de formação não minimiza a importância da aquisição de habilidades
técnicas para a inserção no mundo produtivo. Mas há uma dimensão importante, relegada
pelo discurso confuso que não diferencia politecnia e escola unitária. Trata-se da exigência de
converter essa perspectiva de formação, a escola unitária, numa diretiva para a organização
da escola na sociedade capitalista, sob a hegemonia das classes subalternas. Na medida em
que não conseguimos compreender a escola unitária, mais enfraquecida se torna a
possibilidade de que essa diretiva ganhe força e se realize sob a hegemonia das classes subal-
ternas. O que estamos percebendo é a defesa de um conceito - a politecnia - historicamente
superado e descontextualizado; por isso, ele perde sua força histórica de realização.
A confusão que reina no terreno da busca de unidade para a escola denota que não é
suficiente afirmar que politecnia e escola unitária propõem a unidade da formação geral e
técnica - ou da formação dos seres humanos em suas múltiplas dimensões -, visando à sua
emancipação social e política dos condicionantes escravizadores da sociedade do capital.
Genericamente afirmada, essa tese ganha os contornos de um discurso panfletário, que não
leva a nenhum lugar. É fundamental historicizar o conceito de educação, na perspectiva socia-
lista, de modo a descortinar dimensões novas que ele ganhou - e pode ganhar - no embate
social e político, com vistas à construção da hegemonia das classes subalternas.
A incompreensão teórica sobre o nexo entre a sociedade civil e a sociedade política, isto é,
sobre o Estado, contribuiu para difundir uma leitura enviesada da escola, favorecendo certas
atitudes que refletem um verdadeiro "descaso" em relação à escola, a única existente. Os
problemas políticos postos por essa perspectiva manifestaram uma determinada busca de
elementos teóricos e práticos para a ruptura com a sociedade capitalista, que não se
completou. Desse modo, refletem um pensamento não dialético, ligando-se a um certo estágio
do debate educacional no Brasil.
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Nota
[1] Segundo Gramsci, não é "a aquisição de capacidades diretivas, não é a tendência a formar
homens superiores que dá a marca social da escola. A marca social é dada pelo fato de que
cada grupo social tem um tipo de escola próprio, destinado a perpetuar nesses grupos uma
determinada função tradicional, diretiva ou instrumental" (1978: 136. Cf., também, Cadernos
do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, v. 2, p. 49).
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