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Centro unitário de cultura e escola unitária

Gramsci defende a organização de um “centro unitário de cultura”, cujo objetivo é a “elaboração unitária
de uma consciência coletiva”. Sua reflexão envolve análises sobre diferentes possibilidades
metodológicas que poderiam propiciar a superação do “senso comum” e a formação do pensamento
filosófico. Envolve também a discussão das instituições que atuam na formação de intelectuais, tais
como a imprensa e, principalmente, a escola. E o mais importante é que um “centro cultural unitário”
precisaria ter uma referência filosófica para orientar o confronto ideológico, seja com o senso comum,
seja com as concepções de mundo dominantes. Defende, então, que a “filosofia da práxis” constitua a
referência crítica do “centro cultural unitário”.

O “princípio unitário” relaciona-se à luta para a igualdade social, para a superação das divisões de classe
que separam a sociedade entre governantes e governados. Ao delinear o “programa escolar” que
deveria servir de guia para a organização de um centro de cultura integrado à luta ideológica para a
conquista da hegemonia, Gramsci assinala que o princípio unitário ultrapassa a escola como instituição:
“O advento da escola unitária significa o início de novas relações entre trabalho intelectual e trabalho
industrial não apenas na escola, mas em toda a vida social. O princípio unitário se refletirá, por isso, em
todos os organismos de cultura, transformando-os e dando-lhes um novo conteúdo”.

A proposta educacional apresentada por Gramsci é a da “escola unitária”. Para esboçá-la, o autor dedica
grande atenção à escola clássica, humanista, existente antes da reforma de Giovanni Gentile, introduzida
na Itália no início dos anos 1920. Mesmo não sendo democrática, a “velha escola” tinha métodos de
ensino que propiciavam a aquisição de capacidades dirigentes e poderiam ser reorientados para as
exigências populares de acesso ao saber. O seu princípio poderia ser sintetizado “no conceito e no fato
do trabalho”. Estando em crise, ela não podia mais responder às exigências advindas com as mudanças
econômicas, sociais e políticas do mundo industrial e, por isso, era preciso encontrar um novo princípio
educativo. Frente a essa crise, Gramsci identifica pelo menos três tendências para a organização da
escola, com as quais polemiza: a “escola ativa”, a tendência à proliferação de escolas profissionais, a
escola única do trabalho.

A “escola ativa” correspondia à iniciativa de pedagogos idealistas, como Gentile, que queriam tomar esse
modelo como diretiva da reforma da escola e substituir a escola humanista. Gramsci critica a reforma de
Gentile e o fato de a escola ativa ainda estar numa “fase romântica”, na qual foram acirrados os
elementos de luta contra a escola jesuíta. Contudo, incorpora ao programa da escola unitária muitos
aspectos do princípio da atividade, como a relação ativa entre mestre e aluno. Aliás, é esse princípio que
Gramsci relaciona ao conceito de hegemonia, retirando-o do ambiente escolar e alargando-o para toda a
sociedade.

Quanto às escolas profissionalizantes, Gramsci considera que sua multiplicação se realizava sem um
princípio educativo claro. Ao oferecerem uma pluralidade de qualificações técnico-profissionais, elas
pretendiam dar aos trabalhadores a ilusão de que a formação profissional possibilitava o acesso a
posições de poder e prestígio na sociedade. No entanto, as escolas profissionais contribuíam para
garantir a divisão de classes, já que seu ensino não estava voltado para preparar dirigentes. Elas
contribuíam para manter as estratificações sociais em formas “chinesas”.

Para responder aos problemas gerados pela crise da escola humanista e face aos limites das tendências
então emergentes, que mantinham as divisões entre governantes e governados, Gramsci indica a escola
única, surgida no processo da Revolução Russa. Reforça seu princípio da unidade do trabalho intelectual
e manual, mas critica sua proposta de profissionalização precoce, o que a impossibilitava de formar um
homem completo. Busca, então, definir uma formação que propicie às classes subalternas não apenas
obter qualificações técnicas que lhes permitam se inserir no mundo produtivo como também adquirir
uma sólida formação geral que lhes possibilite ampliar sua esfera de participação no governo da
sociedade.

O princípio da escola unitária é o princípio do trabalho, formulado em estreita relação com a escola
humanista e com sua perspectiva de formar dirigentes. Mas a ideia de trabalho não significa cingir a
educação ao trabalho da fábrica, mas partir da “técnica-trabalho” para atingir a “técnica-ciência” e a
“concepção histórica e humanista”. Esse é o seu princípio para formar o “dirigente”, isto é, especialista +
político.

Para Gramsci, portanto, a formulação de uma proposta para a educação que integre um programa
político em direção à igualdade social é referência para a crítica às desigualdades produzidas pelo
sistema capitalista e que se exprimem nas diversas instâncias da sociedade e da cultura, como também
na escola. Refere-se à luta pela unificação do ser humano como possibilidade de realização, como devir.

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