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ARTIGO Recebido: 18/07/2020

ORIGINAL Aceito: 18/12/2020

Mortalidade precoce de médicos no


Espírito Santo: tendência de uma década
Early physicians’ mortality in Espírito Santo: a decade trend
Maria das Graças Caus de Souza1 , Fernanda Dornelas Nogueira dos Santos1 ,
Larissa Firme Rodrigues1 , Ícaro Pratti Sarmenghi1 , Diana Oliveira Frauches1

RESUMO | Introdução: Dados de mortalidade possibilitam elaborar indicadores para planejamento de ações de promoção e
prevenção em saúde, visando à redução da mortalidade por causas evitáveis. Não existem publicações sobre mortalidade de médicos
no estado do Espírito Santo. Objetivos: Descrever a distribuição da mortalidade e os anos potenciais de vida perdidos de 2006 a
2015 entre médicos que residiam no Espírito Santo. Métodos: Estudo descritivo de dados secundários do Sistema de Informações
de Mortalidade do Ministério da Saúde. A distribuição das variáveis sociodemográficas e da causa básica de óbito foi estudada por
frequências absoluta e relativa. Nos anos potenciais de vida perdidos em cada óbito, foram considerados os anos remanescentes de
vida da idade ao óbito até a idade limite de 70 anos. Resultados: Foram observados 20 óbitos de médicas (14,5%) e 118 (85,5%) de
médicos, com predomínio de brancos (87,9%) e casados (56%). As principais causas de morte foram neoplasias (39,1%), doenças
do aparelho circulatório (19,6%) e causas externas (19,6%). A maior concentração de óbitos femininos e masculinos ocorreu de 60
a 69 anos, porém com idade média ao óbito significativamente menor entre as mulheres (respectivamente 58,3 e 67,0 anos). Os anos
potenciais de vida perdidos totalizaram 1.226 anos, com média de 14,6, maior nas mulheres (20,4) em relação aos homens (13,4).
Conclusões: Tendências na mortalidade da população geral também aparecem entre os médicos no Espírito Santo. Entretanto, ao
contrário do padrão populacional, a idade média ao óbito mostrou-se menor no sexo feminino. A mortalidade foi precoce e causou
grande perda de anos de vida, maior entre mulheres.
Palavras-chave | mortalidade; anos potenciais de vida perdidos; saúde do trabalhador; médicos.

ABSTRACT | Introduction: Mortality data make it possible to develop indicators to guide the planning of health promotion and
prevention actions in order to reduce mortality from preventable causes. However, there are no publications on physicians’ mortality
in the state of Espírito Santo, Brazil. Objectives: To describe mortality distribution and potential years of life lost from 2006 to 2015
among physicians who lived in Espírito Santo. Methods: This is a descriptive study of secondary data from the Mortality Information
System of the Brazilian Ministry of Health. The distribution of socio-demographic variables and of basic cause of death was studied
by absolute and relative frequencies. Potential years of life lost in each death were considered the years remaining from age at death
up to the age limit of 70 years. Results: There were 20 deaths of female physicians (14.5%) and 118 (85.5%) of male physicians, with
predominance of whites (87.9%) and married (56%) individuals. The main causes of death were neoplasms (39.1%), diseases of
the circulatory system (19.6%), and external causes (19.6%). The majority of female and male deaths occurred from 60 to 69 years,
but average death was significantly lower among women compared to men (respectively 58.3 and 67.0 years). Potential years of life
lost totaled 1,226 years, with a mean of 14.6, which was greater in women (20.4) compared to men (13.4). Conclusions: Mortality
trends observed in the general population were also present among physicians in Espírito Santo. However, contrary to the general
population pattern, average death age was lower in women. Early mortality caused many lost years of life, especially among women.
Keywords | mortality; potential years of life lost; occupational health; physicians.

Medicina, Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Vitória, ES, Brasil.
Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflitos de interesse: Nenhum
Como citar: de Souza MGC, dos Santos FDN, Rodrigues LF, Sarmenghi IP, Frauches DO. Early physicians’ mortality in Espírito Santo: a decade trend. Rev Bras Med Trab.
2022;20(2):169-177. http://dx.doi.org/10.47626/1679-4435-2022-637

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INTRODUÇÃO Em seguida, foram selecionados os registros com


ocupação correspondente a médico, conforme a
Os dados de mortalidade possibilitam construir Classificação Brasileira de Ocupações 2002 (CBO-2002).
indicadores que permitem elencar prioridades na área Foram utilizadas frequências absoluta e relativa para estudar
da saúde, tornando-se de grande valia para auxiliar o a distribuição segundo variáveis sociodemográficas e causa
planejamento de ações de promoção e prevenção em básica de óbito, categorizados segundo a Classificação
saúde1 direcionadas para a busca de uma efetiva redução Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à
de perdas por causas evitáveis2. Saúde - 10ª Revisão (CID-10). Para a investigação de
A mortalidade entre os médicos é estudada há mais diferenças na distribuição das variáveis sociodemográficas
de um século2. Evidências internacionais indicam que é segundo sexo, utilizou-se o teste qui-quadrado de Pearson
alta e precoce a mortalidade dos médicos em relação à ou exato de Fisher para variáveis qualitativas e o teste não
população de mesmo nível socioeconômico2. Estudos paramétrico de Mann-Whitney para a variável idade ao
nacionais chamam atenção para o fato de a média de óbito, observado o nível de significância de 5%.
idade de morte das mulheres médicas ser bem inferior Também foi calculada a idade média ao óbito, em anos
à dos homens3,4. Entretanto, ainda não há publicações completos. Para cálculo dos APVP em cada óbito, foram
sobre a mortalidade entre médicos do estado do considerados os anos remanescentes de vida desde a idade
Espírito Santo. ao óbito até a idade limite estipulada de 70 anos5. O total
O objetivo desta pesquisa é descrever a distribuição de APVP foi obtido pela somatória dos APVP por óbito,
dos óbitos de médicos que residiam no Espírito Santo, enquanto a média de APVP por óbito foi calculada como
ocorridos entre 2006 e 2015, investigando as diferenças resultado da divisão do total de APVP pelo número de
entre os sexos e estimando o impacto da mortalidade óbitos considerados. A idade média ao óbito e os APVP
precoce por meio do estudo da idade média ao óbito e dos foram analisados por sexo e por causa básica de óbito.
anos potenciais de vida perdidos (APVP).

RESULTADOS
MÉTODOS
Do total de 210.386 óbitos de pessoas que residiam
Foi realizado estudo descritivo com utilização de fonte no Espírito Santo ocorridos entre 2006 e 2015, quando
de dados secundária. Por se tratar de pesquisa com coleta categorizados por ocupação, encontrou-se 138 óbitos de
de informações em banco de dados de domínio público, o médicos, descritos na Tabela 1.
projeto foi dispensado de apreciação ética pelo Comitê de Somente um registro estava com data de nascimento
Ética em Pesquisa da Escola Superior de Ciências da Santa sem preenchimento; 14 (10,1%) não continham
Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM) (CAAE informações sobre etnia; e quatro (2,9%) não informavam
84837318.1.0000.5065). sobre estado civil. A causa básica de óbito estava preenchida
As informações foram coletadas do Sistema de em todos, sendo mal definida (códigos R01-R99 da CID-
Informações de Mortalidade (SIM), nos bancos com dados 10) em dois (1,4%).
individualizados sobre todas as declarações de óbito (DO) Foram registrados 20 óbitos de médicas (14,5%) e 118
referentes aos anos de 2006 a 2015, disponibilizados na de médicos (85,5%). Predominaram brancos (87,9%) e
internet pelo Departamento de Informações e Informática casados (56%). A idade ao óbito variou de 27 a 103 anos,
do Sistema Único de Saúde (DATASUS) do Ministério da com 71,5% das mortes ocorrendo a partir dos 60 anos.
Saúde. Os bancos de dados obtidos foram convertidos para O maior percentual dos médicos (67,4%) era residente
formato .dbf, com o aplicativo TabWin, e agregados em um na Grande Vitória, região metropolitana do estado, onde
único banco de dados, o qual foi codificado, processado e também ocorreu a maior parte dos óbitos (63%).
analisado com o aplicativo Statistical Package for the Social Tanto a concentração de óbitos femininos quanto a de
Sciences (SPSS), versão 23. óbitos masculinos se deu na faixa etária de 60 a 69 anos.

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Porém, a mortalidade foi mais alta nas faixas mais jovens morreram, em média, cerca de 9 anos mais jovens do
entre as mulheres, com 45% dos óbitos em idade inferior a que os homens médicos, pois a idade média ao óbito
60 anos contra 25,7% nos homens. foi, respectivamente, 58,3 e 67,0 anos, com diferença
A distribuição por faixa etária dos óbitos segundo estatisticamente significativa (teste U de Mann-Whitney,
sexo é compatível com a observação de que as médicas p = 0,040).

Tabela 1. Dados sociodemográficos de médicos que residiam no Espírito Santo falecidos no período de 2006 a 2015, segundo sexo

Masculino Feminino Total

Variáveis n % n % n %
Raça/cor*, †

Branca 90 86,5 19 95,0 109 87,9


Preta 0 0,0 0 0,0 0 0,0
Amarela 0 0,0 0 0,0 0 0,0
Parda 14 13,5 1 5,0 15 12,1
Indígena 0 0,0 0 0,0 0 0,0
Faixa etária*,†
20 a 29 4 3,4 1 5,0 5 3,7
30 a 39 7 6,0 3 15,0 10 7,3
40 a 49 7 6,0 2 10,0 9 6,6
50 a 59 12 10,3 3 15,0 15 10,9
60 a 69 39 33,3 5 25,0 44 32,1
70 ou mais 48 41,0 6 30,0 54 39,4
Estado civil*,†
Solteiro 10 9,3 5 27,8 15 12,0
Casado 68 63,6 7 38,9 75 60,0
Viúvo 9 8,4 3 16,7 12 9,6
Separado 17 15,9 2 11,1 19 15,2
Outro 3 2,8 1 5,5 4 3,2
Município de residência†
Cariacica 0 0,0 0 0,0 0 0,0
Fundão 0 0,0 0 0,0 0 0,0
Guarapari 3 2,5 2 10,0 5 3,6
Serra 3 2,5 0 0,0 3 2,2
Viana 1 0,8 0 0,0 1 0,7
Vila Velha 25 21,2 4 20,0 29 21,0
Vitória 47 39,9 8 40,0 55 39,9
Outro 39 33,1 6 30,0 45 32,6
Município de ocorrência†,‡
Cariacica 5 4,3 0 0,0 5 3,6
Fundão 1 0,8 0 0,0 1 0,7
Guarapari 1 0,8 1 5,0 2 1,5
Serra 24 20,4 1 5,0 25 18,1
Viana 1 0,8 0 0,0 1 0,7
Vila Velha 14 11,9 5 25,0 19 13,8
Vitória 26 22,0 8 40,0 34 24,6
Outro 46 39,0 5 25,0 51 37,0
Total 118 100,00 20 100,00 138 100,00
* Catorze registros (10,1%) sem informação sobre etnia, um (0,7%) sem informação sobre faixa etária e quatro (2,9%) sem informação sobre estado civil.

Sem diferença estatisticamente significativa, p > 0,05.

11 óbitos ocorreram em municípios de outros estados.

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A Tabela 2 permite observar a distribuição por faixa configuraram como a causa principal entre as causas externas
etária das causas de morte enquadradas nos três capítulos em ambos os sexos. Chama atenção o alto percentual de
da CID-10, que corresponderam a 77,3% do total de óbitos por agressão entre as mulheres. Também cabe
óbitos (78,8% entre os homens e 75% entre as mulheres), ressaltar os óbitos por acidentes aeronáuticos: 18,5% do
sendo elas neoplasias, doenças do aparelho circulatório e total de óbitos por causas externas, concentrando-se entre
causas externas. Nesses capítulos, enquanto a mortalidade os homens.
até 39 anos decorreu especialmente das causas externas No que se refere ao capítulo das doenças endócrinas,
em ambos os sexos, a mortalidade a partir dos 60 anos cujos dados por causas específicas não estão apresentados
concentrou-se principalmente nas neoplasias e nas doenças neste artigo, constituiu a quarta causa mais frequente de
do aparelho circulatório, persistindo causas externas, em mortalidade na população estudada, com 10 óbitos (7,3%
menor percentual, apenas entre os homens. do total), todos causados por diabetes melito, responsável
Dados sobre as principais causas específicas de morte por oito óbitos (6,8%) entre os homens e por dois (10%)
dos médicos estão descritos na Tabela 3, que representa entre as mulheres.
108 óbitos deste estudo (78,3%). Com relação aos APVP, a Tabela 4 mostra o total
Entre os médicos homens, as neoplasias apareceram de 1.226 APVP. No cálculo desse indicador, foram
em primeiro lugar, sendo que as mais frequentes foram as contabilizados apenas os óbitos até 70 anos de idade5, que
malignas da próstata, seguidas das malignas dos brônquios totalizaram 84 dos 138 óbitos de médicos incluídos no
e dos pulmões. Este capítulo também foi o maior destaque estudo. A média de APVP foi de 14,6 anos, 34,31% maior
entre as mulheres, principalmente nas neoplasias malignas em mulheres (20,4 anos) em relação aos homens (13,4
da mama, seguidas das malignas dos brônquios e dos anos). Além disso, verifica-se que a menor idade média
pulmões. e maior média de APVP, respectivamente 42 e 28 anos,
Das doenças do aparelho circulatório, a causa mais estiveram relacionadas às causas externas, responsáveis por
frequente de óbito foi infarto agudo do miocárdio (IAM), 23 óbitos (27,4%). Quando comparados esses óbitos às
maior entre as mulheres do que entre os homens (40%). demais causas, notadamente crônicas, observa-se diferença
Destaca-se o importante papel das mortes por causas expressiva na idade média e, consequentemente, na média
externas registradas entre os médicos. Os acidentes de APVP, refletindo no total. Dessa forma, excetuando
automobilísticos, incluindo os atropelamentos, se capítulos em que houve somente uma ocorrência, as

Tabela 2. Causa básica de óbito nos principais capítulos da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à
Saúde - 10ª Revisão em médicos do Espírito Santo, no período de 2006 a 2015, segundo sexo e faixa etária

Masculino Feminino

Doenças do Doenças do
Neoplasias aparelho Neoplasias aparelho
(tumores) circulatório Causas externas (tumores) circulatório Causas externas
Faixa etária* (C00-D48) (I00-I99) (V01-Y98) (C00-D48) (I00-I99) (V01-Y98)

20 a 29 0 0 4 0 0 1
30 a 39 0 1 6 0 0 3
40 a 49 2 0 3 0 0 1
50 a 59 6 4 1 2 0 0
60 a 69 16 9 4 3 1 0
70 ou mais 21 12 3 3 1 0
Total 45 26 21 8 2 5
* Um registro (0,7% do total) sem informação sobre faixa etária.

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neoplasias, as doenças do aparelho circulatório, as corresponderam à maior idade média (acima de 60 anos) e
doenças do aparelho digestivo e as doenças endócrinas à menor média de APVP (8 anos).

Tabela 3. Causa específica de óbito por capítulos mais frequentes da Classificação Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde - 10ª Revisão em médicos do Espírito Santo, no período de 2006 a 2015, e segundo sexo

Masculino Feminino Total

Causa básica de óbito n % n % n %

Neoplasias 46 100,0 8 100,0 54 100,0


Neoplasia maligna da próstata 7 15,2 0 0,0 7 13,0
Neoplasia maligna dos brônquios e dos pulmões 6 13,0 3 37,5 9 16,7
Neoplasia maligna do cólon 4 8,7 0 0,0 4 7,4
Neoplasia maligna do rim, exceto pelve 4 8,7 0 0,0 4 7,4
Neoplasia maligna do estômago 3 6,5 0 0,0 3 5,6
Neoplasia maligna do fígado e das vias biliares intra-hepáticas 3 6,5 0 0,0 3 5,6
Neoplasia maligna do pâncreas 3 6,5 0 0,0 3 5,6
Neoplasia maligna do esôfago 2 4,3 0 0,0 2 3,7
Neoplasia maligna do encéfalo 2 4,3 0 0,0 2 3,7
Mieloma múltiplo e neoplasias malignas de plasmócitos 2 4,3 0 0,0 2 3,7
Neoplasia maligna da mama 0 0,0 2 25,0 2 3,7
Outras neoplasias* 10 21,7 3 37,5 13 24,1
Doenças do aparelho circulatório 25 100,0 2 100,0 27 100,0
Doença cardíaca hipertensiva 1 4,0 0 0,0 1 3,7
Infarto agudo do miocárdio 10 40,0 1 50,0 11 40,7
Doença isquêmica crônica do coração 3 12,0 0 0,0 3 11,1
Cardiomiopatias 1 4,0 0 0,0 1 3,7
Hemorragia intracerebral 4 16,0 0 0,0 4 14,8
Acidente vascular cerebral, não especificado hemorrágico ou 2 8,0 0 0,0 2 7,4
isquêmico
Outras doenças cerebrovasculares 0 0,0 1 50,0 1 3,7
Sequelas de doenças cerebrovasculares 2 8,0 0 0,0 2 7,4
Aneurisma e dissecção da aorta 2 8,0 0 0,0 2 7,4
Causas externas 22 100,0 5 100,0 27 100,0
Acidentes aeronáuticos 5 22,7 0 0,0 5 18,5
Acidentes automobilísticos 8 36,4 4 80,0 12 44,4
Queda 2 9,1 0 0,0 2 7,4
Suicídio 2 9,1 0 0,0 2 7,4
Agressão 1 4,5 1 20,0 2 7,4
Outros †
4 18,2 0 0,0 4 14,8
* Em médicos, um caso de cada tipo de neoplasia maligna: do intestino delgado; do reto; de outras partes e de partes não especificadas das vias biliares; do timo;
da bexiga; de outras localizações e de localizações mal definidas; linfoma não Hodgkin folicular (nodular); linfoma não Hodgkin difuso; leucemia mieloide; e outras
leucemias de células de tipo especificado. Em médicas, um caso de cada tipo de neoplasia maligna: de outros órgãos digestivos e de localização mal definidas no
aparelho digestivo; melanoma maligno da pele; e do ovário.

Três casos de riscos e exposição: um caso de envenenamento (intoxicação) por produtos químicos e substâncias nocivas e, aos não especificados, intenção não
determinada.

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Tabela 4. Óbitos, idade média ao óbito e média de anos potenciais de vida perdidos (APVP), segundo capítulos da Classificação
Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10ª Revisão (CID-10), de médicos do Espírito Santo, no período de
2006 a 2015

Óbitos* Idade† APVP‡


Capítulo da CID-10 n % %

Neoplasias (tumores) (C00-D48) 30 60,2 9,8


Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas (E00-E90) 7 66,4 3,6
Doenças do sistema nervoso (G00-G99) 1 63,0 7,0
Doenças do aparelho circulatório (I00-I99) 14 61,1 8,9
Doenças do aparelho respiratório (J00-J99) 1 54,0 16,0
Doenças do aparelho digestivo (K00-K93) 6 60,3 9,7
Doenças do aparelho geniturinário (N00-N99) 1 42,0 28,0
Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados (R00-R99) 1 41,0 29,0
Causas externas (V01-Y98) 23 42,0 28,0
Total 84 55,4 14,6
* n = 84, sendo 83 menores de 70 anos e um de 70 anos.

Idade média ao óbito.

Média de APVP.

DISCUSSÃO malignas de pulmão, seguidas do câncer de próstata entre


médicos homens e, entre as médicas, as neoplasias de
A menor idade média ao óbito encontrada entre as mama, seguidas das de cólon e reto3.
mulheres médicas no Espírito Santo tem concordância com Em comparativo acerca do capítulo das neoplasias,
estudos semelhantes realizados nos estados de São Paulo3 o câncer de próstata foi o segundo tipo de câncer mais
e Santa Catarina4, nos quais a média de idade ao óbito das incidente entre brasileiros e, em 2010, ocupou o segundo
mulheres foi, respectivamente, de 59,2 anos contra 69,1 lugar entre as causas de morte por câncer entre homens no
anos entre os homens e 46,5 anos contra 59,8 anos entre os país7. Ressalta-se, porém, que a detecção precoce é uma
homens. Em contrapartida, segundo o Instituto Brasileiro estratégia para encontrar o tumor em fase inicial e, assim,
de Geografia e Estatística (IBGE), em 2015, a expectativa possibilitar melhor chance de tratamento, indicando a
de vida entre os brasileiros foi de 71,6 anos para população importância para o homem de acompanhamento médico
masculina e 78,8 anos para a feminina6. periódico, no qual o rastreamento seja uma estratégia a
Já em relação às causas de morte, o perfil de predomínio ser realizada quando presentes mais benefícios que riscos,
das neoplasias, das doenças do aparelho circulatório e das como ansiedade, excesso de exames, sobrediagnósticos e
causas externas mostrou-se semelhante ao encontrado sobretratamentos8.
no estudo de Santa Catarina e diferente, na ordem das Quanto às neoplasias da mama, estas foram a primeira
causas, em relação ao observado no estudo de São Paulo, causa de mortalidade entre as neoplasias em mulheres
em que as principais causas de mortalidade foram, no Brasil no período 2013 a 2017, representando 15,9%
respectivamente, doenças do aparelho circulatório, do total de óbitos, com a região Sudeste apresentando
neoplasias, doenças do aparelho respiratório e causas o maior percentual (16,7%)9, o que pode justificar a
externas, podendo indicar comportamento ou estilo de elevada frequência entre as médicas que residiam no
vida diferente dos médicos quanto à região ou ao estado Espírito Santo.
onde residem e/ou exercem sua profissão3. No que se refere ao câncer dos brônquios e
Também houve diferenças em termos de causas dos pulmões, esta foi a segunda causa de óbito por
específicas de óbitos entre os médicos do Espírito Santo neoplasias para ambos os sexos no Brasil em 2015,
e os de São Paulo, em que se destacaram as neoplasias exibindo mortalidade mais alta em homens do que em

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mulheres5. No entanto, entre 1990 e 2015, houve uma Ressalta-se a importância do risco ocupacional da
queda na mortalidade por essa neoplasia em homens profissão médica, na qual as condições de assistência
(-14,1%) e um aumento em mulheres (+20,7%)10 à saúde da população, dependentes do setor público,
no país. Essa tendência de inversão na razão de sexos são amplamente deficitárias, bem como o fato de que a
parece já ter se concretizado entre os médicos que atuação profissional se dá, em geral, em locais carentes de
residiam no Espírito Santo. recursos tecnológicos imprescindíveis, constituindo um
Ao mesmo tempo, no Brasil e no mundo, as doenças ambiente que coloca em risco a saúde desses profissionais,
cardíacas isquêmicas são a principal causa de óbito nesse influenciando nos AVPV da categoria profissional16.
grupo11,12. Em 2016, as doenças do aparelho circulatório No contexto da profissão, mesmo inseridas numa
destacaram-se em primeiro lugar, no Brasil e no mundo, estrutura pouco vantajosa, as mulheres estão, cada vez
como causa de óbito na população geral, e, nesse capítulo, mais, adquirindo espaço no meio médico17. Desde 2004,
as doenças isquêmicas do coração foram as principais as mulheres são maioria nas escolas médicas e, desde 2009,
responsáveis pela mortalidade, seguidas dos acidentes são a maioria em inscrições nos Conselhos Regionais de
cerebrovasculares. Essas duas causas possuem destaque Medicina (CRMs), com média de idade entre os homens
como as principais causas de morte global entre 2005 e de 47,6 anos e, entre as mulheres, de 42,8 anos18. Ainda
2016, porém apresentam-se decrescentes ao longo desse assim, o ingresso da mulher no mercado de trabalho não
período em ambos sexos13. equilibrou as funções atribuídas aos sexos. Pelo contrário,
Em relação às causas externas na mortalidade dos reforçou e perpetuou uma desigual e desfavorável divisão
médicos no Espírito Santo, especialmente aos acidentes sexual do trabalho19.
aeronáuticos, cabe comentar um acidente de monomotor A medicina do trabalho tem um importante papel a
decorrente de trabalho médico14 ocorrido em 2007, cumprir na busca da adequação do trabalho ao trabalhador,
vitimando cinco profissionais de uma equipe de transplante visando, quanto mais possível, torná-lo promotor de
de órgãos. Essa ocorrência gerou um alto impacto nos saúde. Cabe aqui ressaltar a importância do acesso
dados desta pesquisa, já que avalia um universo de óbitos aos equipamentos de proteção coletiva (EPCs) ou aos
relativamente pequeno. equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados,
Em concordância com a literatura, no estudo além do controle da imunização para doenças evitáveis
observado de São Paulo, foi constatado, em causas e para a prevenção do risco biológico e da garantia de
externas, que acidentes automobilísticos, incluindo os acesso rápido para as medidas de quimioprofilaxia em
atropelamentos, contribuíram com quase 40% das mortes casos de acidentes do tipo perfurocortante com material
em ambos os sexos3, e, em Santa Catarina4, foi observado potencialmente contaminado, que devem ser notificados
que eles representaram 43,8% dos óbitos em homens e devidamente registrados. Também é importante não
e 33,3% nas mulheres. Destaca-se que, na população negligenciar a realização de exames periódicos dessa
brasileira, em 2016, entre as causas externas, as agressões categoria profissional, com monitoramento dos riscos
aparecem como a causa específica responsável pela maior ocupacionais a que estão expostos e das principais causas
mortalidade, seguidas dos acidentes de trânsito, que determinantes de óbito20.
representavam cerca de 30% em ambos os sexos, com No cenário das doenças crônicas, deve-se buscar
evolução crescente a partir de 201015. instituir protocolos para prevenção de óbitos precoces,
Assim, a mortalidade entre os médicos decorreu tanto inserindo estratégias para controle de doenças crônicas
de doenças crônicas que acometem a população em geral, entre os profissionais médicos, como limitações de
caracterizando o atual padrão epidemiológico da transição jornadas contínuas e controle sobre a carga horária
demográfica, como de acidentes, eventos preveníveis excessiva de trabalho desse profissional, bem como
responsáveis pela maior carga de APVP observada neste periodização de atendimento com médicos do trabalho
estudo. Cabe destacar que as doenças isquêmicas do para acompanhamento e seguimento da saúde profissional.
coração foram as que mais contribuíram para os APVP, Em que pese ser pioneira no estudo desse tema no
tanto em nível mundial como no Brasil12. estado, esta pesquisa apresenta limitações inerentes aos

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de Souza MGC et al.

estudos em banco de dados. Pode-se destacar a possível da população geral terem se manifestado também entre
perda de casos por preenchimento inadequado do campo os médicos que residiam no Espírito Santo, no período de
“ocupação”, bem como incorreções no preenchimento 2006 a 2015, houve mortalidade precoce e grande perda
da DO. O Espírito Santo, entretanto, apresenta baixa de anos potenciais de vida dos médicos, destacando-se
ocorrência de óbitos por causas mal definidas, importante os APVP das mulheres em relação a homens médicos.
indicador de qualidade do SIM, tendo registrado entre Isso torna evidente a necessidade de intervenção sobre os
2006 e 2015 uma mortalidade proporcional média neste fatores que interferem no processo saúde-doença dessa
capítulo da CID-10 de 1,71%, a terceira menor no país, categoria profissional, especialmente sobre as médicas,
segundo calculado pelos pesquisadores a partir de dados que padecem com os efeitos de uma sociedade ainda
secundários do SIM para o período. A presente pesquisa tradicionalmente patriarcal, além de medidas profiláticas,
indicou apenas 1,45% de óbitos de médicos por causas sejam para as doenças crônicas, sejam para as relacionadas
mal definidas. Outra limitação constitui a não utilização ao risco ocupacional da profissão e/ou a como o trabalho
de indicadores adequados para melhor estimar o risco de é desenvolvido.
óbitos de médicos, pois não foi possível obter com precisão Por fim, é importante ressaltar que são necessários
a população de médicos residentes no estado devido às mais estudos para se entender um pouco mais sobre a
peculiaridades do registro profissional no sistema dos mortalidade dos médicos no Brasil.
CRMs.
Contribuições dos autores
MGCS foi responsável pela análise formal dos dados, redação –
revisão & edição, validação e administração do projeto. DOF foi
CONCLUSÕES responsável pela concepção do estudo, análise formal dos dados,
redação – revisão & edição, validação e administração do projeto.
FDNS, IPS e LFR foram responsáveis pela concepção do estudo,
Os resultados aqui demonstrados permitem entender aquisição de recursos, análise formal dos dados, redação – esboço
que, apesar de as tendências observadas na mortalidade original, validação e administração do projeto.

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