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s í s i f o / r e v i s t a d e c i ê n c i a s d a e d u c a ç ã o · n .

º   8 · j a n / a b r 0 9 issn 1646‑4990

Desenvolvimento profissional e carreira docente —


Fases da carreira, currículo e supervisão

José Alberto Gonçalves


jagoncal@ualg.pt
Universidade do Algarve

Resumo:
O presente artigo toma como ideia central e ponto de partida o conceito de que a carreira
profissional docente é um percurso relacional e contextualmente vivenciado e construído,
em que a pessoa­‑professor se vai diacronicamente desenvolvendo, segundo um conjunto
de etapas ou fases com características próprias, em espaços e tempos diferenciados e com
necessidades específicas de formação.
No processo contínuo de “tornar­‑se professor”, cada docente, face aos desafios e exi‑
gências da sociedade, da escola, dos alunos, das famílias e das comunidades, assume múl‑
tiplas funções. Entre estas estão as de construtor e de gestor do currículo e as de formador,
designadamente como supervisor das práticas pedagógicas dos cursos de formação ini‑
cial, cujo desempenho depende e traduz a pessoa e o professor que cada docente é, pelo
que, para as investigarmos e melhor compreender, não podemos deixar de as situar no
momento da carreira em que o mesmo se encontra, com as suas características e necessi‑
dades específicas.

Palavras­‑chave:
Etapas da carreira, Formação de Professores, Currículo, Supervisão.

Gonçalves, José Alberto (2009). Desenvolvimento profissional e carreira docente — Fases da carreira,
currículo e supervisão. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 08, pp. 23-36
Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

23
INTRODUÇÃO A CARREIRA DOCENTE COMO
PERCURSO DE DESENVOLVIMENTO
É hoje inquestionável que a formação ao longo da E FORMAÇÃO
vida é uma resposta necessária aos permanentes
desafios da inovação e da mudança e, simultanea‑ A carreira docente configura­‑se como um processo
mente, condição de promoção do desenvolvimento de formação permanente e de desenvolvimento pes‑
pessoal e profissional dos professores. soal e profissional do adulto­‑professor, que compre‑
Importa, assim, que nos preocupemos em compre‑ ende não apenas os conhecimentos e competências
ender como os docentes se vão “tornando professores” que o mesmo constrói na formação, mas também a
ao longo da sua carreira, para, deste modo, se encontra‑ pessoa que ele é, com todas as suas crenças, idiossin‑
rem as respostas formativas mais adequadas às caracte‑ crasias e história de vida, e o contexto em que exerce
rísticas específicas de cada momento da sua condição a actividade docente (Hargreaves & Fullan, 1992).
de pessoas­‑profissionais, tendo presentes, ao mesmo Assim sendo, necessário se torna compatibilizar o
tempo, as diferentes conjunturas sócio­‑educativas. desenvolvimento do professor com o desenvolvimen‑
Esta foi uma preocupação que sempre marcou a to organizacional da escola, processo que, segundo
minha actividade tanto na formação de professores Day (1999), deve atender a seis princípios: i) o desen‑
como na investigação, designadamente nos estudos volvimento do docente é contínuo, realizando­‑se ao
que constituíram a minha dissertação de Mestrado longo de toda a vida; ii) deve ser auto­‑gerido, sendo
(Gonçalves, 1990) e a minha tese de Doutoramento contudo da responsabilidade conjunta do professor e
(Gonçalves, 2000) e ainda em dissertações e teses da escola; iii) deve ser apoiado e dispor dos recursos
que tenho vindo a orientar, cujas linhas de investiga‑ materiais e humanos necessários à sua concretização;
ção se têm centrado quer em dimensões específicas iv) deve responder aos interesses do professor e da
da acção docente quer em campos da formação ini‑ escola, embora nem sempre em simultâneo; v) deve
cial de educadores e professores. configurar­‑se como um processo credível; e vi) deve
No presente artigo, tomando como ponto de ser diferenciado, de acordo com as necessidades dos
partida o “itinerário­‑tipo” da carreira que delineei professores, designadamente as específicas da sua
e considerando dois campos correlativos da forma‑ etapa de desenvolvimento profissional.
ção — o currículo e a supervisão —, integrarei numa A maneira de ser professor varia, pois, ao longo
reflexão mais global alguns dos resultados obtidos da carreira, configurando um processo evolutivo
em duas dissertações de Mestrado que orientei em que é possível identificar momentos específicos,
(Gaspar, 2003; Severino, 20041), após o respectivo marcados por diferenças de atitude, de sentimentos
enquadramento conceptual. e de empenhamento na prática educativa, resultantes

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do modo como ele percepciona as relações com os permitissem caracterizar cada um dos respectivos
seus pares e com os alunos, a sua prática e o sistema “momentos”, “fases” ou “etapas”. Este conjunto de
educativo em geral (Gonçalves, 1990; Gonçalves & procedimentos permitiu­‑me, assim, elaborar um pri‑
Simões, 1991). meiro “itinerário­‑tipo” de carreira.
Em síntese, podemos afirmar que cada docen‑ Seis anos depois, levando em linha de conta que,
te se torna no professor que é como resultado de ao longo do seu percurso profissional, o professor
um processo idiossincrático e auto­‑biográfico de acumula e reinterpreta a experiência que vai adqui‑
desenvolvimento pessoal e profissional que, tendo rindo (Ball & Goodson, 1985), processo que o leva,
por base as suas características pessoais e a sua per‑ em função dos contextos envolventes, a (re)definir e a
sonalidade, se realiza através de transições de vida, modificar as suas atitudes e valores acerca do ensino,
para que concorrem factores de natureza pessoal e dos alunos e da educação em geral, reelaborando e
sócio­‑profissional que compreendem o ambiente de redimensionando as suas perspectivas profissionais,
trabalho na escola, as características específicas da voltei a entrevistar as mesmas docentes, recorrendo a
profissão (Glickman, 1985), os contextos históricos idênticos procedimentos metodológicos.
e organizacionais e as culturas em que os professo‑ Analisados os dados obtidos, foi­‑me possível
res desenvolvem o seu trabalho, bem como as res‑ (re)delinear, no plano diacrónico, as respectivas tra‑
pectivas fases de desenvolvimento cognitivo e emo‑ jectórias profissionais e, ainda, através de sucessivos
cional (Day, 1999; Hargreaves, 1998). processos de comparação e triangulação, reconcep‑
São muito diversificados, porém, os pressupostos tualizar o “itinerário­‑tipo” que havia construído (Fi‑
teóricos e metodológicos e as formas que podem re‑ gura 1), composto por cinco fases ou etapas, a saber:
vestir e configurar os estudos sobre a vida profissional
ou a carreira dos professores, tal como se torna evi‑ figura 1 — etapas da carreira
dente na sistematização que deles faz Nóvoa (1992).
anos de etapas/traços
Deste modo, e considerando que “o comporta‑ experiência dominantes
mento profissional dos professores, e o seu desen‑
o “início”
volvimento, só pode ser convenientemente com‑ 1-4
choque do real, descoberta
preendido quando situado no contexto mais lato
de uma carreira e de uma história de vida pessoal” 5-7
estabilidade
segurança, entusiasmo, maturidade
(Kelchtermans & Vandenberghe, 1994, p. 45), optei,
nos processos investigativos que desenvolvi e que, divergência (+) divergência (-)
no seu conjunto, assumem uma perspectiva de in‑ 8-14 empenhamento, descrença, rotina
vestigação longitudinal, por considerar o conceito entusiasmo
de carreira como uma sucessão de ciclos de vida serenidade
profissional, no quadro teórico­‑metodológico da 15-22 reflexão, satisfação pessoal
abordagem biográfica, e tomando por referente os
renovação desencanto
trabalhos de Huberman (1989, entre outros). do “interesse” desinvestimento
≥ 23
Em concreto, procedi à análise dos percursos renovação do e saturação
profissionais de 42 professoras do 1º. Ciclo do En‑ entusiasmo
sino Básico do concelho de Olhão, obtidos por re‑ Fonte: Gonçalves, 2000, p. 438.
memorização retrospectiva, através de entrevistas
semi­‑estruturadas de cariz auto­‑biográfico, com o fim
de i) identificar os aspectos temáticos e/ou “traços” Fase 1: O “início”
caraterizadores da carreira, genericamente entendi‑ Esta primeira fase, cuja designação se ficou a dever ao
da, e ii) encontrar as “regularidades” dos respectivos modo como as entrevistadas se referiam à sua entrada
vividos profissionais que me pudessem facultar o es‑ na profissão, prolonga­‑se até cerca dos 4 anos de ser‑
tabelecimento de um “modelo” de desenvolvimento viço e é caracterizada por uma “variação” entre a luta
dessa mesma carreira, bem como os “traços” que me pela “sobrevivência”, determinada pelo “choque do

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real”, e o entusiasmo da “descoberta” de um mundo expressa, por uma “acalmia” distendida, fruto não
profissional ainda algo idealizado, que se abre às pro‑ propriamente de uma quebra no entusiasmo profis‑
fessoras que estão a iniciar a sua carreira. sional da etapa anterior, mas, sobretudo, por um “dis‑
Aquelas para quem o primeiro aspecto se consti‑ tanciamento afectivo” e por uma capacidade de refle‑
tui como determinante, o início do percurso profis‑ xão e ponderação, determinadas tanto por um proces‑
sional pauta­‑se por uma luta pessoal entre a vontade so de “reinteriorização” como pela experiência.
de se afirmar e o desejo de abandonar a profissão, O sentimento dominante é, nesta altura, a satis‑
onde pesam, de acordo com as suas palavras, a “fal‑ fação pessoal por saber “o que se está a fazer”, na
ta de preparação”, real ou suposta, para o exercício convicção de que “se faz bem”, o que, por vezes, já
da docência, as “condições difíceis de trabalho” e o não será alheio a um certo “conservadorismo”.
“não saber como fazer­‑se aceitar como professora”,
fruto da inexperiência. Fase 5: Renovação do “interesse”
Quando o “traço” determinante é o entusiasmo e desencanto
da “descoberta”, a entrada na carreira é vivida “sem Em “fim de carreira”, isto é, entre aproximadamente
dificuldades”, dada a convicção ou o sentimento de os 23 e os cerca de 31 anos de serviço, os percursos
se “sentirem preparadas”, ainda que essa “facilida‑ profissionais podem voltar a divergir em sentidos
de” inicial — tal como algumas rememoraram — opostos. A maior parte das entrevistadas demons‑
não seja mais que aparente ou ilusória. trou, então, cansaço, saturação e impaciência na es‑
pera pela aposentação, enquanto algumas, segundo
Fase 2: Estabilidade as suas próprias palavras, já não se sentiam mesmo
A segunda etapa, que oscilará entre os 5 e os 7 anos “capazes de ouvir e aguentar as crianças”. Outras,
do percurso profissional, podendo prolongar­‑se, por seu lado, em número bem menos significativo,
em alguns casos, até cerca dos 10 anos, caracteriza­ pareciam ter “reinvestido” na profissão, revelando
‑se por um assumir de confiança, a que não são um interesse renovado, mostrando­‑se “entusiasma‑
alheios a tomada de consciência de que se “é capaz” das” e desejando “continuar a aprender coisas no‑
de gerir o processo de ensino­‑aprendizagem, a sa‑ vas”. Refira­‑se, ainda, que algumas destas últimas
tisfação pelo trabalho desenvolvido e um gosto pelo acabaram por “derivar” para o desencanto, mas que
ensino, por vezes até então não pressentido. tal nunca se verificou em sentido contrário.
É uma fase de “acalmia”, relativamente uniforme
para todas as professoras, quer o “início” tenha sido Resta­‑me acrescentar que, sendo os percursos pro‑
“fácil” ou problemático. fissionais pessoalmente vivenciados e socialmente
construídos, neles pesando, por vezes, de modo de‑
Fase 3: Divergência terminante, factores de natureza aleatória, o desen‑
De cerca dos 8 aos 14 anos de serviço, o “desequilí‑ volvimento da carreira docente não deve ser tomado
brio” torna­‑se dominante, divergindo a carreira das num sentido determinístico, dada até a sua possibi‑
entrevistadas, por referência à fase anterior, pela po‑ lidade de alteração configuracional, designadamen‑
sitiva ou pela negativa, independentemente do sen‑ te em termos de “limites” temporais das etapas ou
tido do início do seu percurso profissional. fases, sempre que a estrutura da carreira e/ou algu‑
É esta “divergência” que leva umas a continua‑ mas das suas condicionantes se modificam.
rem a investir, de forma empenhada e entusiástica,
na carreira, procurando uma cada vez maior valo‑
rização profissional, enquanto outras, pelo contrá‑ PERSPECTIVAS CURRICULARES
rio, se alheiam, alegando “cansaço” e “saturação”, AO LONGO DA CARREIRA
deixando­‑se, mesmo, cair na rotina.
Mudando, como referi, em diversos aspectos, o
Fase 4: Serenidade pensamento e a acção dos professores, ao longo das
A quarta fase situa­‑se entre os 15 e os 22 anos da car‑ diferentes fases ou etapas da sua carreira, para isso
reira, caracterizando­‑se, tal como a sua designação concorrendo também a “formação contínua” e o

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conhecimento experiencial construído ao longo do e fundamentar propostas, tomar decisões, avaliar re‑
tempo como resultado da prática educativa desen‑ sultados, refazer e adequar processos — ao nível da
volvida e do trabalho com os pares, lógico é admitir escola e dos professores”.
que também se alterará diacronicamente o modo Os professores assumem­‑se, então, neste contex‑
como os mesmos perspectivam e gerem o currículo. to, como construtores e gestores do currículo, papel
Foi este o “tema” central do estudo, que orien‑ não alheio, por certo, ao seu processo de desen‑
tei, realizado por Gaspar (2003), cujos objectivos volvimento profissional, na medida em que as suas
principais visavam a identificação e caracterização concepções pessoais sobre o mesmo dependem dos
das perspectivas curriculares de 15 professoras do valores que defendem e do seu conhecimento práti‑
1º Ciclo do Ensino Básico do concelho de Mértola co, de acordo com a sua maturidade e as suas expe‑
e a compreensão da influência do seu percurso pro‑ riências profissionais (Brazão, 1996).
fissional na construção dessas perspectivas, pela lei‑ Em termos de resultados, o estudou permitiu
tura triangulada destas com as características do seu não só caracterizar, na generalidade, as perspecti‑
percurso profissional, tomando como referencial de vas curriculares das 15 professoras (3 por cada uma
análise o “itinerário­‑tipo” de carreira descrito no das cinco etapas do “itinerário­‑tipo”), mas também
ponto anterior. a “evolução” destas ao longo da carreira, dimensão
Em termos conceptuais, o currículo é entendido, que, de modo específico, agora nos interessa.
neste estudo, como “um campo crítico de aquisição Numa análise interpretativa global e transver‑
de saberes de referência e de competências para sal dos dados, obtidos através de entrevistas semi­
aprender (...) que viabilizem processos realistas de ‑estruturadas de natureza retrospectiva, passarei, de
formação ao longo da vida” (Roldão, 1999a, p. 17) e, imediato, a referir apenas os aspectos mais signifi‑
ao mesmo tempo, como um projecto integrado de cativos da “evolução” das perspectivas curriculares
cultura e de formação, que “fundamenta, articula e das protagonistas do estudo ao longo da sua carrei‑
orienta todas as actividades e experiências educa‑ ra, tomando por referência as quatro categorias que
tivas realizadas na escola, dando­‑lhes um sentido e emergiram no processo de análise de conteúdo das
intencionalidade e integrando todo um conjunto de entrevistas: “início da carreira”, “momento actual”,
intervenções diferenciadas num projecto unitário” “momentos considerados de mudança na sua práti‑
(Alonso, 1996, p. 11). ca” e “expectativas profissionais futuras”.
Tomado como projecto, o currículo implica Quanto à primeira, todas as entrevistadas se pro‑
tomadas de decisão, a diversos níveis, contextos e nunciaram, sobretudo as da quarta e quinta etapas
práticas, que supõem diferentes momentos (con‑ da carreira (serenidade e renovação do “interesse” e
cepção, desenvolvimento e avaliação), no âmbito de desencanto), como resultado, porventura, do maior
um tempo e espaço próprios, e opções, de acordo distanciamento em termos temporais relativamente
com três aspectos essenciais: modelo curricular a ao início do seu percurso profissional. Relevam das
adoptar, organização interna que o currículo pode afirmações proferidas, em termos de valores percen‑
assumir e papel a desempenhar pelos professores tuais, os seguintes indicadores: “utilizava muito os
(Pacheco & Paraskeva, 2000). manuais escolares”, numa nítida e tradicional “co‑
Assim sendo, compete à escola o reajustamen‑ lagem” do conceito de currículo a manual, e “era
to e a definição dos instrumentos curriculares que menos criativa”, querendo por certo significar uma
consubstanciam a concretização das orientações de‑ ainda menor competência na gestão e operacionali‑
finidas a nível nacional, delineadas no âmbito da po‑ zação dos princípios e conteúdos curriculares. Me‑
lítica educativa adoptada, competindo ao professor recem ainda referência os indicadores “só pensava
a sua adequação à realidade singular de cada turma no que tinha que ensinar”, que traduz uma centra‑
e de cada aluno. ção na tarefa, fruto da inexperiência e de um ainda
Estamos, assim, no campo do desenvolvimento pouco elaborado conhecimento experiencial, e “tra‑
curricular, dizendo Roldão (1999b, p. 38), a propó‑ balhava mais de modo individual”, significando um
sito, que o mesmo corresponde a um “processo de fechar­‑se em si próprias fruto da insegurança e do
decisão e gestão curricular, o que implica construir individualismo docente ainda não vencido.

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A categoria “momento actual”, compreende “vi‑ nos discursos das professoras das três últimas fases
vências” positivas e negativas. As primeiras, com da carreira) e, ainda, “valorização da participação
muito maior peso relativo, ficaram a dever­‑se, prin‑ dos alunos no processo de aprendizagem”, de acor‑
cipalmente, às entrevistadas que se situavam nas do com as afirmações das protagonistas das etapas
fases da divergência e da renovação do “interesse” da estabilidade, da divergência e da renovação do
e desencanto, talvez como resultado de alguns tra‑ “interesse” e desencanto. Todos estes indicadores
ços caracterizadores que as “aproximam”. Curiosa‑ indiciam uma descentração de si e da tarefa, uma
mente, as professoras que se encontravam na fase da maior abertura ao trabalho cooperativo e uma aten‑
serenidade não se pronunciaram sobre o aspecto. ção redobrada às condições de aprendizagem e aos
Os indicadores mais expressivos desta subcategoria problemas dos alunos, resultantes não só de uma
são: “gosto daquilo que faço”, “tenho muito entu‑ maior mestria educativa, para que concorre, por
siasmo” e “tenho mais experiência”, significando certo, uma leitura compreensiva mais aprofundada
um assumir­‑se definitivo como profissional e uma dos princípios, conceitos e orientações curriculares
competência construída de gestão do processo edu‑ e uma acrescida capacidade de os operacionalizar
cativo, nas suas diferentes dimensões. e implementar, construídas diacronicamente, mas
No que às “vivências” negativas se refere, devem­ também da “descoberta” do significado e importân‑
‑se as mesmas, quase exclusivamente, às entrevista‑ cia formativa do trabalho inter­‑pares.
das da primeira fase da carreira, expressando­‑se, so‑ Centremo­‑nos, por último, na categoria “ex‑
bretudo, em referências a “ansiedade”, “indecisão”, pectativas profissionais futuras”, cujos indicadores
“cansaço” e “pouca experiência”, sentimentos e/ou mais significativos são: “quero aprender mais” e
atitudes perfeitamente compreensíveis para quem “gostava de continuar entusiasmada”, que expres‑
está a iniciar o seu múnus profissional. sam, respectivamente, um sentido de construção
Passando à referida terceira categoria de análi‑ permanente do ser professor e um sentimento de
se — “momentos considerados de mudança na sua satisfação e/ou realização profissional.
prática” — nela se destaca, por presente no discurso Uma análise de conjunto dos dados, feita em
de todas as entrevistadas, o indicador “tenho vindo função das etapas da carreira, permite­‑nos, então,
a mudar”, que traduz a sua tomada de consciência evidenciar os seguintes aspectos, em termos de
quanto à “evolução” na sua actividade docente. “evolução” das perspectivas curriculares das entre‑
Mais especificamente, identificam como momentos vistadas:
de mudança no plano curricular: o aparecimento da
Área­‑Escola, as alterações dos programas e a intro‑ ­∙ a primeira fase da carreira caracteriza­‑se,
dução/alteração do “modelo de gestão das escolas”. principalmente, pelo reconhecimento de uma
Sem negar a importância efectiva destes aspectos, a menor participação no desenvolvimento do
sua prevalência em termos de referências, traduz, na currículo, a que não é alheio o relevo dado aos
verdade, que os professores mudam as suas práticas manuais escolares, e por uma menor “preocu-
curriculares mais por “imposição” externa do que pação” com os alunos, congruentes, aliás, com
por um processo natural de desenvolvimento in‑ as características desta etapa do seu percurso
trínseco ao funcionamento pedagógico da escola e profissional, marcada por uma centração nas
a uma auto­‑reflexão sobre a sua prática. suas pessoas e/ou nos conteúdos; é nesta etapa
Quanto a esta categoria, detenhamo­‑nos, ainda, também que o trabalho conjunto com as enti-
na identificação dos “aspectos mudados na sua prá‑ dades locais é menos valorizado;
tica”, que constitui uma das respectivas subcatego‑ ∙ nas três primeiras etapas da carreira (“início”,
rias. Deles relevam, como mais indicados e pelo seu estabilidade e divergência) é mais valorizado o
significado curricular: “diminuição da importância trabalho realizado em grupo pelos alunos, in-
do manual escolar” (devido a entrevistadas de to‑ fluência, porventura, das alterações sobrevin-
das as fases da carreira, excepto, como é natural, da das, desde 1974, na formação dos professores;
primeira), “valorização com colegas/comunidade” ∙ as três últimas fases do percurso profissional
e “valorização das vivências dos alunos” (presentes são aquelas em que o “trabalho com os colegas”

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é mais considerado como importante em ter- que tem por finalidade explícita a iniciação dos fu‑
mos de aprendizagens e formação; turos educadores/professores no mundo da prática
∙ as etapas da divergência e da serenidade são docente e proporcionar­‑lhes o desenvolvimento de
aquelas em que mais se afirma o protagonismo competências necessárias a um desempenho ade‑
das entrevistadas quanto ao desenvolvimento quado e responsável (Formosinho, 2001). Entende
curricular, dada, porventura, a experiência a segunda como “supervisão sinérgica”, na concep‑
acumulada, o entusiasmo que caracteriza a tualização que dela fazem Janosik e Creamer (2003),
primeira, se vivida pela positiva, e o distan- quando a perspectivam como um processo que re‑
ciamento reflexivo que a segunda pressupõe; conhece as necessidades de desenvolvimento dos
∙ a valorização dos alunos aumenta ao longo da formandos e as metas das organizações educativas,
carreira, sendo, sobretudo, nas duas últimas numa relação dual em que supervisor e supervi‑
fases que as entrevistadas os consideram como sando têm que aprender a utilizar confluências de
“parceiros do processo educativo”; é igualmen- energias e de esforços e uma comunicação bi­‑lateral
te nestas duas últimas etapas que as protago- com enfoque nas competências e metas necessárias
nistas do estudo denotam maior tendência ao desenvolvimento interpessoal e construtivo de
para considerarem os pais como parceiros todos os sujeitos envolvidos.
educativos e em que assumem algum protago- Na formação inicial, o supervisor (tanto o da
nismo face a outros agentes educativos locais instituição de formação como o educador/profes‑
com que a escola desenvolve projectos; sor cooperante, isto é, aquele em cuja sala/turma o
∙ nas três últimas fases do percurso profissional, formando realiza a sua prática pedagógica) deverá
mas sobretudo nas da serenidade e na da reno- assumir­‑se como um mediador entre o supervisando
vação do “interesse” e desencanto, as entrevis- e o seu ambiente formativo, salientando dados po‑
tadas revelam uma maior capacidade de refle- tencialmente relevantes, a partir dos quais o forman‑
xão e de sentido de mudança, o que não deve do poderá construir novos significados (Garmston
ser alheio a um certo distanciamento afectivo et al., 2002). Para tal, e dando corpo substantivo ao
e sentido crítico acerca do vivido, facilitado processo supervisivo, deverá o supervisor criar situ‑
pelo fenómeno de (re)interiorização sócio­ ações geradoras de uma interacção verdadeiramente
‑psicológica que começa, então, a definir­‑se. educativa que favoreçam “a comunicação, a nego‑
ciação, a argumentação e a actuação estratégica dos
interlocutores” em presença (Vieira, 1995, p. 56).
SUPERVISÃO E FASES DA CARREIRA Assim sendo, e sem menosprezo pelas suas di‑
mensões científica e pedagógico­‑didáctica, a su‑
Reportando­‑nos, agora, à formação inicial e, mais pervisão deve configurar­‑se como um processo
exactamente, ao campo da supervisão das práticas humanista e desenvolvimentista, de natureza es‑
pedagógicas, Severino (2007) desenvolveu, sob mi‑ sencialmente relacional, cuja essência se traduz no
nha orientação, um estudo, cujos objectivos princi‑ estabelecimento de relações facilitadoras do desen‑
pais eram: i) identificar e caracterizar os estilos de volvimento dos futuros educadores/professores, ba‑
supervisão das educadoras cooperantes do Curso seadas em atitudes de ajuda, disponibilidade auten‑
de Formação de Educadores de Infância da Escola ticidade, encorajamento e empatia dos superviso‑
Superior de Educação da Universidade do Algarve res, as quais se constituem, afinal, como factores de
e ii) conhecer se e como os estilos de supervisão das promoção do crescimento e da aprendizagem dos
mesmas são influenciados pelo desenvolvimento formandos (Gonçalves, 1998).
das respectivas carreiras. Em congruência, para que se produza uma co‑
Este estudo parte do pressuposto de que a prá‑ municação autêntica, de colaboração, compreensão
tica pedagógica ou iniciação à prática profissional e e encorajamento, o supervisor deve ser detentor de
a respectiva supervisão são componentes essenciais uma vasta gama de competências, a que Glickman
do processo formativo docente. Toma a primeira (1985) chama skills interpessoais e que Acheson e
na acepção de componente curricular da formação Gall (1993) consideram que se expressam nos se‑

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guintes comportamentos comunicativos: i) escutar selhamento e os seus enfoques, o feedback, como
primeiro, falar depois, ii) aceitar e utilizar as ideias estratégia construtiva da comunicação, a comunica‑
dos formandos, iii) colocar questões de clarificação ção não­‑verbal, como factor de compreensão do for‑
e iv) felicitar os formandos pelos seus sucessos. mando e a metacomunicação e o seu papel no pro‑
São estes comportamentos que configuram a cesso de supervisão, na sistematização de Gonçal‑
consecução da interacção comunicativa, consubs‑ ves e Gonçalves (2002), que a Figura 2 representa.
tanciada em quatro processos: o diálogo de acon‑

figura 2
p ro c e s s o s co m u n i cat i vo s na s r e l açõ e s d e s u p e rv i são

p ro c es s o s co m u n i cat i vo s na s
r e l açõ e s d e s u p e rv i são

Os enfoques do diálogo de O feeddback como estratégia A comunicação não verbal A metacomunicação e o


aconselhamento construtiva da comunicação como factor de compreensão seu papel no processo de
do formando supervisão

d e s e n vo lv i m e n to p e s s oa l e p ro f i s s i o na l d o
s u p e rv i s o r e d o s u p e rv i sa d o

Fonte: Gonçalves e Gonçalves, 2002, p. 498.

De forma sintética, caracterizemos, então, cada um d) A metacomunicação significa a relação de


destes processos comunicativos: compreensão, a nível superior, entre o có‑
digo digital da comunicação (o “conteúdo”
a) O diálogo de aconselhamento deve ser colabo‑ ou mensagens verbais) e o respectivo códi‑
rativo, aberto, franco e empático e perspecti‑ go analógico (formas de comunicação não­
vado como uma forma de ajudar o formando ‑verbal).
a desenvolver o pensamento reflexivo sobre a
sua prática, a relacionar conhecimentos teó‑ Na realidade, o supervisor deve ser, antes de mais,
ricos com situações experienciadas e a cons‑ um perito em relações humanas, gerando uma co‑
truir um estilo pessoal de actuação. municação dialéctica, que passe pelo saber ouvir
b) O feedback, enquanto estratégia construtiva e pelo desejar compreender, com o intuito de pro‑
da comunicação, deve ser objectivo, descri‑ mover o desenvolvimento dos formandos. Segun‑
tivo, construtivo, formativo e não apenas crí‑ do Glickman (1985), são três os pré­‑requisitos que
tico, salientando os aspectos mais positivos devem estar presentes na acção do supervisor: o
da acção do formando, ajudando­‑o a tomar conhecimento, as competências interpessoais e as
decisões sobre a sua acção futura. competências técnicas, os quais configuram e se ex‑
c) A comunicação não­‑verbal, como factor de pressam no seu modo de actuação, dando corpo ao
compreensão do formando, possibilita ao respectivo estilo de supervisão.
supervisor interpretar as mensagens não­ Distintas são as conceptualizações acerca dos
‑verbais do supervisando, no sentido de o estilos de supervisão, tendo Severino (2007) adop‑
ajudar a superar as dúvidas, anseios e pre‑ tado a de Zahorik (1988), esquematicamente repre‑
ocupações que não manifesta verbalmente, sentada na Figura 3.
por inibição ou receio de ser mal compre‑
endido.

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figura 3
e st i l o s d e s u p e rv i são

e st i l o s d e ac t uação t i p o d e s u p e rv i são o q u e va l o r i z a t i p o s d e s u p e rv i s o r
d o s u p e rv i s o r p r at i ca da
Prescritivo Supervisão activa Os comportamentos ∙ académico
a desenvolver ­∙ mestre
∙ mentor
∙ crítico
Interpretativo Supervisão activa As ideias ∙ humanista
∙ reformulador
Apoiante Supervisão reactiva A pessoa ∙ terapeuta
∙ defensor
∙ investigador

Fonte: Severino, 2007, p. 58.

Sinteticamente, são três os estilos de supervisão: afectivo, empático e encorajador, centrando­


‑se na pessoa do formando e ajudando­‑o a
i. prescritivo: o supervisor realiza uma supervi‑ projectar o seu plano de acção (o terapeuta),
são activa, preocupando­‑se, fundamentalmen‑ serve de mediador e coopera com o supervi‑
te, com os comportamentos a desenvolver pe‑ sando, que impele a tomar decisões respon‑
los formandos, isto é, privilegia a competência sáveis, eliminando ou reduzindo as dificulda‑
técnica, traduzida, sobretudo, no desenvolvi‑ des com que este se depara na sala de aula
mento de skills instrucionais e de técnicas de ou na escola (o defensor) e assume­‑se como
gestão do grupo/turma. Está, assim, particu‑ questionador, visando conhecer em porme‑
larmente atento à quantidade e solidez dos nor as práticas de ensino do supervisando,
conhecimentos do formando (o académico), avaliando a eficiência destas e decidindo ca‑
prescreve comportamentos, apresentando­‑se minhos futuros para a acção (o investigador).
como especialista e modelo (o mestre), acon‑
selha como tutor, não abdicando, porém da Foi tomando este modelo como referente que a au‑
sua autoridade (o mentor) e elenca, analisa e tora do estudo, de acordo com o primeiro dos dois
interpreta os comportamentos dos supervi‑ objectivos atrás enunciados e recorrendo à técnica
sandos, sugerindo e apoiando acções que os do questionário, identificou e caracterizou os es‑
mesmo devem ter em conta (o crítico); tilos de supervisão do universo de 15 educadoras
ii. interpretativo: o supervisor desenvolve tam‑ de infância cooperantes do 4º. Ano do Curso de
bém uma supervisão activa e valoriza mais Formação Inicial de Educadores de Infância da
as próprias ideias, em que se centra, do que ESE da Universidade do Algarve. Feito isto, e pelo
os pontos de vista dos formandos, levando­ recurso a tabelas de configuração sucessivas, selec‑
‑os, no entanto, a tomar consciência do que cionou os quatro “casos” considerados como mais
ocorre na sala de aula, questionando a sua representativos dos estilos de supervisão identifi‑
prática e sugerindo processos que conduzam cados, com base no seu posicionamento nas etapas
à mudança (o humanista), e enfatizando as da carreira do “itinerário­‑tipo” por nós construí‑
acções que devem desenvolver, prescrevendo do, com vista à consecução do segundo objectivo
e exemplificando comportamentos (o refor‑ anteriormente referido (Ana, do estilo apoiante e
mulador); que se encontrava na fase da estabilidade, Joana e
iii. apoiante: o formador usa uma supervisão re‑ Inês, ambas na fase da divergência, mas a primeira
activa, valorizando a pessoa, o que o leva a do estilo prescritivo e a segunda do interpretativo
analisar e a aceitar os pensamentos e as ac‑ e, por último, Matilde, na fase de serenidade e do
ções dos supervisandos. Em conformidade, é estilo prescritivo).

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Ora, não havendo estilos “puros” de supervisão, mente, para o interpretativo. De acordo com os da‑
na medida em que todos os supervisores, indepen‑ dos, este “caso” poderá constituir­‑se como expres‑
dentemente da sua experiência pessoal, profissional são de um agudo sentido crítico, que leva simulta‑
e no campo da formação apresentam, transversal‑ neamente, mas de forma antitética, tanto a uma visão
mente, características de uns e outros estilos, em‑ humanista da supervisão como a um “desencanto”
bora havendo um que é sempre dominante, seria, profissional.
no entanto, de esperar que, acompanhando o fluir
natural da sua carreira, até pela sua crescente matu‑ Supervisora Matilde
ridade, segurança, mestria e saber experiencial dia‑ Posicionada na fase da serenidade (20 anos de servi‑
cronicamente construído, designadamente na prá‑ ço), deveria evidenciar, de acordo com a nossa hipó‑
tica da supervisão, se verificasse uma passagem do tese de estudo, o estilo apoiante, quando apresenta
estilo prescritivo para o interpretativo e deste para o o prescritivo, embora evidenciando algumas carac‑
apoiante. A ser assim, verificar­‑se­‑ia a existência de terísticas do apoiante.
um processo progressivo de descentração pessoal e
de sentido acrescido de ajuda, acompanhamento, Sumariamente, este estudo, ainda que de nature‑
encorajamento e relação empática das supervisoras za exploratória, leva­‑nos a afirmar que os estilos
com os formandos, ao longo das suas carreiras. de supervisão das suas protagonistas dependerão
Todavia, na análise interpretativa dos dados rela‑ mais das suas características pessoais do que pro‑
tivos aos quatro “casos” estudados, recolhidos com priamente das respectivas fase da carreira, embora,
recurso a entrevistas semi­‑directivas, tais expectati‑ numa leitura mais fina dos dados, se encontrem in‑
vas, não sendo negadas, também não se confirmam, dícios evidentes de uma interpenetração de factores
tal como, de seguida, se evidencia: e circunstâncias que apontam para uma certa ‘com‑
plementaridade’ entre os dois campos.
Supervisora Ana
Encontra­‑se na fase da estabilidade (6 anos de servi‑
ço). Tem, portanto, pouca experiência profissional e CONCLUSÃO
evidencia o estilo apoiante, que significará uma ca‑
pacidade de análise, de reflexão e de relacionamento O “itinerário­‑tipo” da carreira, que elaborei, não
aberto pouco comum numa fase ainda relativamente deve ser considerado como uma inevitabilidade,
inicial da carreira. mas, sim, como um “percurso tendencial”, que aju‑
da, não só a sistematizar os diferentes momentos e
Supervisora Joana circunstâncias que dão sentido e forma e ainda legi‑
Situa­‑se na etapa da divergência, pela positiva (9 bilidade investigativa e interpretativa à carreira dos
anos de percurso profissional), e apresenta caracte‑ professores, mas também a compreender melhor as
rísticas que a situam no estilo prescritivo, embora suas reais necessidades de formação, nos diversos
com um peso já sinificativo das que configuram o campos da sua acção educativa, designadamente na
apoiante e não o interpretativo, como seria “lógi‑ suas funções de gestores curriculares e de formado‑
co” esperar se o processo evolutivo fosse linear. Tal res (supervisores).
circunstância poder­‑se­‑á, porventura, ficar a dever Constituindo a pessoa e o profissional uma
a uma estabilização supostamente alcançada e que unidade intrínseca, natural se torna admitir que o
agora é posta em causa pela “divergência”, que abre professor que cada docente é, em cada momento
caminho à diversificação de pontos de vista, aspira‑ do seu vivido, contextualmente situado, seja o con‑
ções e actividades. junto idiossincrático da pessoa e do professor, com
a sua personalidade, conhecimentos, competências,
Supervisora Inês crenças, atitudes e experiências, que marcam, deci‑
Encontra­‑se na fase da divergência (14 anos de car‑ sivamente, a sua posição na sociedade, na docência
reira), agora pela negativa, evidenciando o estilo e nas relações com os outros, designadamente com
apoiante, embora tendendo, ainda que moderada‑ os alunos, com os pares e com a comunidade.

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Deste modo, tal como evidenciámos, através da um lado, e, por outro, ainda que de forma pouco
breve síntese de alguns resultados de dois estudos mais que indiciada, daquela com o exercício da fun‑
empíricos, embora de carácter exploratório, é possí‑ ção de supervisor da formação inicial de educado‑
vel estabelecer um certo paralelismo “evolutivo” en‑ res de infância, processo em que pesam, de maneira
tre as etapas da carreira genericamente entendida e a decisiva, as características pessoais, designadamen‑
perspectiva e a acção curricular dos professores, por te as competências relacionais.

sísifo 8 | josé alberto gonçalves | desenvolvimento profissional e carreira docente 33


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