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C
om o advento da poderosa indústria química no século 19, foi inevitável que na Primeira
Guerra Mundial, de 1914 a 1918, se usasse o gás venenoso como uma arma de combate.
Depois de duas experiências sem resultados feitas no front ocidental, ainda em 1915, o
exército alemão, seguido dos franceses e ingleses, fez largo uso do gás de cloro e de mostarda a partir
de 1916. Assim, os soldados conheceram mais um abominável instrumento de morte. O pavor dos
atingidos pela nuvem mortífera foi total. Desde então, nada provocou no homem contemporâneo
tamanha fobia do que vir a morrer inalando gás venenoso. Tanto assim que, depois da Grande
Guerra, assinou-se um acordo em Genebra, em 1925, no qual a maioria dos países assumiu o
compromisso de não usá-lo.
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Primeira Guerra Mundial, 1915: soldados alemães se aproveitam da direção do vento para
lançar gás mortal sobre os inimigos
Foto: Getty Images
Quando os soldados viram aquele vapor tóxico vindo na direção deles, envolvendo tudo, adentrando
por todo os lados, provocando-lhes uma violenta náusea, foi um salve-se quem puder. Era o sopro do
dragão. O pânico fez com que eles, deixando as armas e as mochilas, corressem como loucos para as
linhas da retaguarda em busca da salvação. Tiveram que improvisar algumas máscaras na hora, mas
sem grandes resultados.
Nas trincheiras e nos campos, jogados ao léu, encolhidos, espumando, ficaram os que não
conseguiram escapar. Psicologicamente foi um sucesso. O inimigo desertara em massa. A notícia logo
se espalhou de boca em boca pelos corredores das trincheiras e dos valos onde milhares de homens
se encontravam - um diabo em forma de nuvem fétida estava solto pelos campos de batalha.
A partir do ano de 1916, especialmente durante a longa batalha de Verdun, travada entre alemães e
franceses, o gás entrou em cena de vez. E desta feita foi a estreia de novo gás muito mais mortífero
em seus efeitos do que o cloro - o chamado gás de mostarda (dichlorethylsulphide). De cor amarelada
forte, ele mostrou ser capaz de devastar as linhas adversárias mesmo em meio às tropas equipadas
com máscaras antigas. Em contato direto com qualquer parte da pele da vítima, de imediato, ele
levantava bolhas amareladas, atacando em seguida os olhos e as vias respiratórias. Além disso, tinha
a capacidade de permanecer fazendo efeito durante um tempo bem superior do que os outros, como
o gás lacrimogêneo (lachrymator), não mortal, e o de cloro, seja ele fosfogênico ou difosgênico.
Deste então, pelos dois anos seguintes, até 1918, a paisagem da guerra das trincheiras foi toldada
pela presença sistemática dos vapores do gás de mostarda que, utilizado por ambos os lados, passou
a ser o manto sombrio e enfumaçado da morte asfixiante que cobria os soldados em seus últimos
momentos de vida. Tamanha foi a presença nas batalhas que no ano final da guerra, em 1918, ¼ dos
obuses lançados pela artilharia eram de gás venenoso.
O testemunho de um poeta
Vários escritores testemunharam ou eles mesmo passaram pela terrível experiência do
envenenamento por gás durante a Grande Guerra de 1914-1918. Uma das descrições mais
impressionantes de um ataque por gás contra uma patrulha foi deixada em versos pelo poeta
britânico Wilfred Owen, antes de ser abatido pela metralha alemã uma semana antes do final da
guerra, no dia 4 de novembro de 1918. Owen deixou seu testemunho no célebre poema Dulce et
decorum est:
Totalmente encurvados como se fossem velhos mendigos em fila, joelhos dobrados, tossindo como bruxas, andávamos sobre a maldita lama / Até o
momento em que os insistentes sinalizadores nos fizessem voltar / Então, na distância que nos restava percorrer, começamos a nos arrastar /
Alguns marchavam tontos de sono. Muitos deles haviam perdido suas botas, mancando, com os sapatos ensanguentados / Todos estavam
estropiados, todos cegos: bêbados de fadiga, surdos mesmo aos alarmes de que um cartucho de gás havia estourado ali perto /
Gás! Gás! Rápido rapazes! Num êxtase mal ajeitado, todos tentam colocar a máscara ainda a tempo. Mas alguém continuava gritando alto e
tropeçando, como um homem em meio ao fogo ou a lama / Confuso, como se estive metido numa densa e enevoada vidraça de luz verde, como se
estivesse num mar verde, eu o vi se afogando /
Em todos os sonhos que tive depois dessa desamparada cena, ele aparecia precipitando-se sobre mim, derretendo-se, sufocado, afogado /
Não sei se com esses enfumaçados sonhos você também conseguirá ter paz /
Atrás do vagão em que o jogamos, atentei para o branco dos olhos dele convulsionando-se no seu rosto / A sua cara de enforcado, como se fosse um
diabo vomitado pelo pecado / Você podia escutar, a cada solavanco, o sangue saindo, gorgulhante, dos seus pulmões corrompidos /
Obsceno como um câncer, amargo como fel. Quão vil e incuravelmente inflamado em línguas inocentes / Meu amigo você não vai querer este tipo de
prazer elevado / Tão ardentemente infantil em querer alcançar tal glória desesperada /
É uma velha mentira: Dulce et decorum este Pro patria mori (Quão doce e honrado é morrer pela pátria!) /
A marcha dos
gaseados
Foto: Tela de John
Singer Sargent /
Wikimedia
É significativo de que a cena de sofrimento que mais comoveu aquela geração de combatentes não
tenha sido o padecimento e as doenças nas trincheiras, nem a morte estraçalhada pelos obuses da
artilharia, nem os ventres abertos pela metralha e pela baioneta, ou os corpos horrivelmente
carbonizados pelo lança-chamas, mas sim a consternação provocada em todos pelos soldados
gaseados.
A parábola dos
cegos
Foto: Tela de Pieter
Brueghel / Wikimedia
"Eu gostaria que uma dessas pessoas que dizem querer levar a guerra até suas consequências finais
que vissem os soldados envenenados pelo gás de mostarda. Grandes bolhas cor de mostarda, cegos,
todos eles agarrando-se uns aos outros, lutando desesperadamente para respirar, com vozes que são
um sussurro, dizendo que a garganta deles está se fechando e que logo eles vão sufocar-se".
Um testemunho literário
Num dos mais famosos romances da literatura francesa do século 20, Os Thibault, de Roger Martin du
Gard, nos capítulos derradeiros encontra-se uma detalha descrição do efeito que o envenenamento
faz sobre um dos personagens, o médico Antoine Thibault que, internado num sanatório, vai aos
poucos fenecendo até o desenlace fatal.
Tipos de gases
O gás de cloro (Cl2) foi o primeiro deles. Desde então, muitas outras substâncias já o suplantaram.
Podemos classificar as armas químicas de acordo com o modo como atuam.
Principais tipos:
AGENTES ASFIXIANTES AGENTES QUE ATUAM AGENTES CAUSADORES AGENTES AGENTES NERVOSOS
NO SANGUE DE FERIDAS LACRIMOGÊNEOS
Atuam nos pulmões, Também matam por Provocam irritações nos Provocam uma forte Das armas químicas são
causando-lhes sérias asfixia, mas por meio de olhos e na pele. irritação nos olhos. as mais perigosas.
lesões e dificultando a outro mecanismo. São Dependendo da Exemplos: Normalmente não têm cor
respiração. Podem substâncias que se quantidade, causam nem cheiro. Atuam sobre
provocar a morte por combinam com a feridas, náuseas e H3CCOCH2Cl (cloro- o sistema nervoso,
asfixia. hemoglobina, tornando-a vômitos. A irritação dos acetona) bloqueando a transmissão
Exemplos: incapaz de transportar o pulmões pode matar por dos impulsos nervosos de
O2 para as células do asfixia. H3CCOCH2Br (bromo- uma célula (neurônio)
Cl2 (gás cloro) organismo. Exemplos: acetona) para outra. Matam em
Exemplos: minutos por parada
COC2 (fosfogênico) Cl-CH2CH2-S-CH2CH2-Cl H2CCH-COH (acroleína) cardíaca ou respiratória.
HCN (gás cianídrico) (gás mostarda) Exemplos:
Cl3C-NO2 (cloropicrina)
ClCN (cloreto de Cl-CH2CH2-N(CH3)- (H3C)2NPO(CN)OCH
cianogênio) CH2CH2-Cl (mostarda de 2CH2 (tabun)
nitrogênio)
BrCN (brometo de H3CPOFOCHCH3CH3
cianogênio)* ClCLCHAsCl2 (Lewisita) (Sarin)
*usados nas câmaras de H3POFOCHCH3CCH3
gás e nas sentenças de CH3CH3 (agente VX)
morte ainda hoje nos
EUA
Baixas provocadas pelo gás na Primeira Guerra Mundial entre 1915 e 1918:
Nota: ainda que o percentual de mortos seja pequeno em relação aos que foram atingidos pelo efeito
do gás venenoso (7% do total), é de se observar que a intenção do seu uso era mais provocar o pavor
e o pânico coletivo das tropas do que realizar grandes baixas. O gás foi usado para dissolver as linhas
de frente da batalha, para provocar um corre-corre geral que permitiria o avanço daqueles que o
lançavam.
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