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A Velha Política dos Régulos

Helio Duque

Relembrando Joaquim Nabuco, os régulos provinciais e


nacionais estão de volta na política brasileira. No
dicionário, régulo é um chefe de Estado bárbaro, um indivíduo
tirânico. Os régulos desse início de século XXI pululam pelo
País afora. São mentalidades arrogantes, dotadas de um
autoritarismo primário e supostamente intimidador. Alguns tem
mandatos em executivos estaduais outros na administração
federal e até em importantes municípios, são execráveis e
nocivas figuras.

Tenho por elas notório desapreço. Não obstante, por origem


genética carregar traços sanguíneos de um velho régulo. Por
formação e convicção tenho horror e nunca deixei de me
insurgir contra todo tipo de ação tirânica. Combater tiranias
não é virtude, mas elementar dever de todo ser consciente. As
circunstâncias e a vida tornaram-me um rebelde constante e
permanente contra todas as manifestações, do privado ao
público, que traduzam uma roupagem autoritária.

O grande reitor da Universidade de Salamanca, Miguel de


Unamuño, dizia que “há momentos em que silenciar, é uma forma
de mentir.” Daí a necessidade de extravasar com objetiva
contundência a importância de não de curvar aos sinais de
intolerância que começam a aflorar na vida política nacional,
nos seus diferentes níveis de poder. Silenciar diante dessa
grave conjuntura é omitir-se na mentira.

Sou de uma geração que, a partir dos 22 anos, teve de


conviver com um Estado ditatorial, onde os fundamentos de
liberdade eram definidos pelos usurpadores de plantão. Em
livros, em artigos ou na cátedra universitária, travava no
cotidiano ativo combate em favor da redemocratização
brasileira. Como Jean Paul Sartre, fiz da palavra a estratégia
do pensamento e da ação no enfrentamento aos donatários
usurpadores. Mas era preciso instrumentalizar aquela luta em
outros cenários. No auge do autoritarismo, quando se cassava,
torturava, exilava e se perseguiam os resistentes, optei pela
tribuna parlamentar. Fiz-me Deputado Federal, por vários
mandatos, não por vaidade, mas por ter a consciência de ser um
instrumento valioso na luta para recolocar o Brasil na senda
do Estado de Direito. Luta que pela ação do povo brasileiro
culminou com a derrubada do Estado autoritário.
Passados tantos anos, com tristeza, agora em um tempo
democrático, assiste-se a nebulosa ação de novos régulos a
querer o enquadramento da sociedade brasileira à vontade
desses incivilizados. São figuras liliputianas deslumbradas
com as delícias do poder. Despreparadas e primitivas não
entendem que na democracia, todo poder é transitório. E a
arrogância não é conselheira que deva nortear às razões de
Estado. Ao contrário da vassalagem, a concepção da
administração pública moderna exige competência e espírito
aberto para introduzir avanços e conquistas que reflitam em
melhoria para a sociedade. Através de políticas sérias e
geradoras de um maior bem estar coletivo. Gerindo e
respeitando, ao nível de sacralidade, os recursos públicos
disponíveis.

A velha política dos régulos tem profundo desprezo por


esses fundamentos, defendendo com ardor postura contrária. A
máquina pública deve ser colocada a favor da estrutura
dominante, discriminando e partidarizando as prioridades de
investimento. Definidos em círculos restritos, onde supostos
homens fortes investidos de funções de confiança definem as
prioridades. É o golpeamento da essência republicana, fazendo
valer o privilégio odioso.

Infelizmente isso ocorre porque no Brasil os partidos


políticos inexistem como representantes de princípios e
ideários. Os eleitos não têm compromisso com fidelidade
partidária, que inexiste. Os partidos servem para registro de
candidaturas, unicamente. No processo eleitoral quem dá o
conteúdo é o marqueteiro que vende o candidato como um produto
qualquer. Tudo isso contribui para a frustração da sociedade.
É nesse contexto que emergem os régulos.

É um filme triste, repetitivo e frustrante. E rodado em


preto e branco. Mas que também terá o seu “the end”.

Hélio Duque é ex-Deputado Federal.

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