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666/1993
Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter
competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem
decorrente da adjudicação do objeto da licitação:
Aspectos Gerais
1. Doutrina:
Direito penal econômico - Luciano Anderson de Souza e Marina Pinhão Coelho Araújo 3:
1 BITENCOURT, Cezar Roberto. Direito Penal das Licitações. São Paulo: Saraiva, 2012. E-Book. p. 217/218.
2 FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei 8.666/1993. 17ª ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais. p. 1.407.
3 BITENCOURT, Cezar Roberto. Direito Penal das Licitações. São Paulo: Saraiva, 2012. E-Book. p.191/192.
A doutrina costuma afirmar que os bens jurídicos a serem
resguardados pelo tipo são a moralidade administrativa e a regularidade do
procedimento licita tório, além de particular atenção do legislador para a
proteção do princípio da competitividade ínsito à licitação, em razão do
emprego da expressão caráter competitivo do procedimento licitatório.
Tutela-se, pois, o caráter competitivo do procedimento licitatório, que, por
expressa disposição constitucional, deve ser amplo de modo a permitir a
participação no certame licitatório daquele que satisfaça os requisitos
legais. O legislador, por isso, optou por criminalizar o comportamento
daquele que, por qualquer meio de ajuste, combinação, ou qualquer outro
expediente, frustre ou fraude o caráter competitivo do procedimento
licitatório.
4 BITENCOURT, Cezar Roberto. Direito Penal das Licitações. São Paulo: Saraiva, 2012. E-Book. p. 196/205.
proteção penal, por isso, a nossa afirmação de que a violação de qualquer dos dois
é suficiente para tipificar a primeira conduta do tipo sub examen.
(b) Fraudar, por outro lado, é usar ou utilizar manobra ardilosa, astuciosa, isto é,
realizada com emprego de artifício. Fraude, em outros termos, é a utilização de
artifício, de estratagema, de engodo ou ardil para vencer a vigilância da vítima ou
responsável pela vigilância. Não vemos, a rigor, nenhuma restrição quanto à
forma, meio ou espécie de fraude, bastando que seja idônea para desviar a atenção
ou simplesmente enganar o administrador público ou os concorrentes do
procedimento licitatório. Assim, caracteriza meio fraudulento qualquer artimanha
utilizada para enganar, mascarar ou alterar a forma procedimental ou o caráter
competitivo da licitação. (...)
Pois, curiosamente, a fraude no crime descrito no art. 90 da Lei n. 8.666/93 –
a despeito da unilateralidade característica do furto e da bilateralidade existente no
estelionato –, acreditamos que reúne um misto dessas duas modalidades de fraude:
assemelha-se à fraude do furto quando burla a vigilância do administrador público
ou dos demais concorrentes, visando desviar a atenção destes, mas também se
identifica com a do estelionato quando objetiva induzi-los a erro. A fraude neste
crime licitatório pode, na verdade, assumir ora uma, ora outra característica, ou,
inclusive, ambas ao mesmo tempo.
Enfim, a fraude e a frustração implicam, necessariamente, o engano e/ou o
erro do administrador público e dos demais concorrentes, visando, evidentemente,
a obtenção de alguma vantagem, normalmente econômica. (...)
“Fazer ajustes” ou “combinação”, venia concessa , não é a conduta
incriminada no dispositivo que ora examinamos, mas tão somente meios
declinados no tipo penal através dos quais o agente pode executar qualquer
das duas condutas antes referidas, além, como demonstraremos adiante, da
possibilidade de utilizar-se de qualquer outro expediente. Esses aspectos serão
objeto de análise no tópico seguinte. A ação tipificada não é, tampouco, obter
vantagem ilícita (para si ou para outrem), ao contrário da finalidade, de um
modo geral, dos crimes contra o patrimônio tipificados no Código Penal,
embora, não se possa negar, que o fim especial das condutas tipificadas seja,
de um modo geral, obter vantagem decorrente da adjudicação do objeto da
licitação. Na verdade, essa vantagem integra o elemento subjetivo especial do
injusto que, como tal, não precisa concretizar-se para a consumação do crime,
sendo suficiente que tenha sido o móvel da ação criminosa. Mas as ações
tipificadas são, repetindo, frustrar ou fraudar o caráter competitivo do
procedimento licitatório, claro, tendo como finalidade subjetiva a obtenção de
vantagem.
(...) as duas condutas incriminadas – frustrar e fraudar o caráter competitivo
do procedimento licitatório – podem ser praticadas por outros meios, tais como
artifício, ardil ou algum outro meio similar, onde a astúcia e a dissimulação do
agente possa se fazer presente para fraudar o caráter competitivo do procedimento
licitatório, pois o texto legal admite, como meio fraudatório, “qualquer outro
expediente”, logicamente, similar ao ajuste ou à combinação.
Por fim, é indispensável que resultem descritas na denúncia a existência e a
caracterização do meio fraudulento, qual seja, ajuste, combinação ou qualquer
outro expediente com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem
decorrente da adjudicação do objeto da licitação. Além de descrever na denúncia
em que consiste a fraude ou frustração do caráter competitivo do objeto da
licitação, o Parquet deve demonstrar como e por que a frustração do caráter
competitivo da licitação pode verificar-se.
Embora seja desnecessária a efetiva obtenção da vantagem decorrente da
adjudicação do objeto da licitação, é necessário que se comprove,
materialmente, a ocorrência da frustração ou da fraude decorrente do meio
utilizado pelo agente. Em outros termos, é indispensável uma conexão causal,
isto é, uma relação de causa e efeito, entre a fraude praticada pelo agente e a
inviabilidade do certame licitatório.
Direito penal econômico - Luciano Anderson de Souza e Marina Pinhão Coelho Araújo 6:
5 BITENCOURT, Cezar Roberto. Direito Penal das Licitações. São Paulo: Saraiva, 2012. E-Book. p.210/212.
6 PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico. 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2019. p. 410.
genérica a qualquer outro tipo de expediente que possa comprometer a
transparência do certame (como exemplo, a criação de pessoa jurídica com o fim
exclusivo de manipular o caráter competitivo do procedimento).
A conduta do agente pode resultar em vantagem decorrente da adjudicação
do objeto da licitação para si ou para outrem. Quer dizer, não é necessário que o
dolo seja dirigido à obtenção de vantagem própria na adjudicação.
(...)
A fraude à licitação depende da manipulação que impeça a participação de
outros concorrentes, em condição de igualdade, beneficiando o agente. Se a
manobra atribuída ao agente não for obstáculo à participação de outros
interessados, não se configura o crime. As condições exigidas no instrumento
convocatório devem ser restringidas a ponto de afastar outros interessados que
poderiam se habilitar caso a licitação não fosse direcionada. Se a falta de outros
concorrentes não ocorrer por direcionamento do edital ou por qualquer manobra
fraudulenta comprovada, não há crime.
7 PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico. 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2019. p. 412.
especial, na mente do sujeito ativo (...). Na verdade, como temos sustentado, “o
especial fim ou motivo de agir, embora amplie o aspecto subjetivo do tipo, não
integra o dolo nem com ele se confunde, uma vez que, como vimos, o dolo esgota-
se com a consciência e a vontade de realizar a ação com a finalidade de obter o
resultado delituoso, ou na assunção do risco de produzi-lo. O especial fim de agir
que integra determinadas definições de delitos condiciona ou fundamenta a
ilicitude do fato, constituindo, assim, elemento subjetivo do tipo de ilícito, de
forma autônoma e independente do dolo. A denominação correta, por isso, é
elemento subjetivo especial do tipo ou elemento subjetivo especial do injusto, que
se equivalem, porque pertencem, ao mesmo tempo, à ilicitude e ao tipo que a ela
corresponde.
A ausência desses elementos subjetivos especiais descaracteriza o tipo
subjetivo, independentemente da presença do dolo. Enquanto o dolo deve
materializar-se no fato típico, os elementos subjetivos especiais do tipo
especificam o dolo, sem necessidade de se concretizarem, sendo suficiente que
existam no psiquismo do autor, isto é, desde que a conduta tenha sido orientada
por essa finalidade específica”.
Enfim, as condutas de frustrar ou fraudar constantes do art. 90, sem o fim
especial, poderão, eventualmente, adequar-se à proibição inserta ou no art. 93 ou
no art. 95, dependendo das demais circunstâncias.
8 PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico. 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2019. p. 411/412.
9 PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico. 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2019. p. 411.
Na modalidade de “frustrar”, à evidência, somente se consuma a infração com o
efetivo impedimento da realização do procedimento licitatório, pois o seu não
impedimento poderá, no máximo, configurar a figura tentada. Por outro lado, na
modalidade de “fraudar”, a situação não é muito diferente: a conduta fraudulenta
precisa resultar materializada em ato, fato ou documento que comprove sua
concretização. Não se pode confundir, para efeito de consumação, a materialização
da frustração ou da fraude com a efetiva obtenção da vantagem referida no
dispositivo legal, na medida que dita vantagem representa somente o fim especial
da ação, que, como tal, não precisa se concretizar, sendo suficiente que exista no
psiquismo do agente, isto é, que seja o móvel da ação. Na verdade, tampouco é
necessário à consumação que ocorra prejuízo econômico, o qual, se vier a existir,
representará somente o exaurimento do crime.
Direito penal econômico - Luciano Anderson de Souza e Marina Pinhão Coelho Araújo 11:
10 SOUZA, Luciano Anderson de; ARAÚJO, Marina Pinhão Coelho. Direito Penal Econômico: Leis Penais Especiais. Vol. 2.
São Paulo: Thomas Reuters Brasil, 2020. p. 167.
11 SOUZA, Luciano Anderson de; ARAÚJO, Marina Pinhão Coelho. Direito Penal Econômico: Leis Penais Especiais. Vol. 2.
São Paulo: Thomas Reuters Brasil, 2020. p. 163.
Comentários à Lei 8.666 - Marçal Justen Filho12:
Não é necessário que haja frustração ou fraude que comprometa a eficácia total da
licitação. É suficiente que alguns dos aspectos do certame sejam atingidos.
2. Jurisprudência
2.1. STF
Trecho do voto:
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trecho do voto:
A doutrina sustenta que sua consumação dá-se com o mero ajuste,
combinação ou adoção do expediente no procedimento da licitação,
“independentemente da efetiva adjudicação ou obtenção da vantagem
econômica, sendo o crime formal, como resulta claro da leitura do tipo, ao
afirmar a tipicidade da conduta praticada ‘com intuito de obter’ a vantagem”
(Baltazar Jr., José Paulo, Crimes Federais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010. p. 508).
[...]
Nessa conformidade, perfeitamente apta ao recebimento a exordial acusatória no
que toca a essa infração.
2.2. STJ:
Súmula 645 do STJ: O crime de fraude à licitação é formal, e sua consumação prescinde da
comprovação do prejuízo ou da obtenção de vantagem. (SÚMULA 645, TERCEIRA SEÇÃO, julgado
em 10/02/2021, DJe 17/02/2021)
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2.3. TRF-5:
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Voto vencido: “Em relação à (b) alegação de ausência de prejuízo, melhor sorte não socorre
ao apelante. Trata-se de crime formal,consoante se depreende da leitura do tipo, ao averbar
a tipicidade da conduta praticada com o intuito de obter a vantagem . Basta o ajuste, a
combinação ou a adoção do expediente no procedimento da licitação, independentemente
da efetiva adjudicação ou obtenção da vantagem econômica. Nesse sentido, precedente da
Egrégia 2ª Turma, in verbis: ‘25.Quanto ao prejuízo causado ao erário, o crime de fraude à
licitação é um crime de consumação antecipada, logo, não demanda a ocorrência de dano. O
crime do art. 90 da Lei n. 8.666/1993 é formal e prescinde da existência de prejuízo ao
erário, haja vista que o dano se revela pela simples quebra do caráter competitivo entre os
licitantes interessados em contratar, causada pela frustração ou pela fraude no
procedimento licitatório’ (TRF5, Segunda Turma, Relator Desembargador Leonardo
Carvalho, PJE 0000204-43.2008.4.05.8001, Data de julgamento: 22/06/2021)”.
Voto condutor: Sem maiores delongas, verificamos, de pronto, que, para a configuração da
materialidade delitiva, imperioso se faz restar comprovado que determinado agente, de
forma consciente e voluntária, efetivamente frustrou o caráter competitivo de licitação.
Ocorre que, no caso em tela, tal frustração não restou comprovada, seja porque não foi a
empresa do apelante que ganhou o certame, seja mesmo porque, mais adiante, a própria
licitação fora revogada. Dizendo de outro modo, não há provas efetivas de que o apelante,
com sua conduta, tenha coibido, impedido, enfim, frustrado o certame. No máximo,
estaríamos diante de uma tentativa a qual, todavia, esmaeceria diante da posterior
revogação da licitação, o que tornaria a tentativa, por assim dizer, inviável. Por fim, não
custa rememorar que não restou demonstrado dano e/ou prejuízo ao Erário, na medida em
que, como visto, a licitação fora revogada sem qualquer indicativo de pagamento indevido,
quiçá desvio de recursos.”