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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI

BIOGEOGRAFIA

GUARULHOS – SP

1
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 3

2 BIOGEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS ............................................................. 4

2.1 Evolução da ciência biogeográfica ........................................................................ 6

2.2 Fitogeografia brasileira.......................................................................................... 7

3 COMUNIDADES E ECOSSISTEMAS: CONVIVÊNCIA .......................................... 8

3.1 Estrutura e funcionamento dos ecossistemas....................................................... 9

3.2 Fatores de distribuição dos seres vivos .............................................................. 13

3.3 Processos de cooperação e competição ............................................................ 18

4 ECOSSISTEMAS E BIOMAS................................................................................ 20

4.1 Os biomas brasileiros e a necessidade de protegê-los ....................................... 21

4.2 Biomas e ecossistemas brasileiros ..................................................................... 23

4.3 SNUC e a proteção dos ecossistemas e biomas brasileiros ............................... 26

4.4 Problemas encontrados nas UCs ....................................................................... 28

4.5 Comunidades tradicionais brasileiras ................................................................. 29

4.6 Conflitos e impactos ambientais: os riscos para as unidades de conservação ... 31

5 BIOGEOGRAFIA BRASILEIRA............................................................................. 34

5.1 Natureza da biogeografia .................................................................................... 35

5.2 Propósitos da biogeografia ................................................................................. 37

5.3 Tendências biogeográficas ................................................................................. 41

6 BIOGEOGRAFIA: ALGUMAS CARACTERÍSTICAS ............................................. 42

6.1 Efeito de borda .................................................................................................... 43

6.2 Os efeitos de borda podem ser de primeira, segunda ou terceira ordem ........... 44

6.3 A UC vista pelo estudo da biogeografia de ilhas ................................................. 45

6.4 Princípios da biogeografia de ilhas e espécies a serem protegidas .................... 48

6.5 Caracterização dos mosaicos de UCs ................................................................ 48

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6.6 Mosaicos, corredores ecológicos e reservas da biosfera ................................... 50

7 DIREITO E LEGISLAÇÃO AMBIENTAL ............................................................... 51

7.1 Principais leis ambientais e sua relevância ......................................................... 51

7.2 Constituição Federal de 1988 ............................................................................. 52

7.3 Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 ............................................................... 52

7.4 Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 ............................................................ 53

7.5 Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012 ................................................................ 54

7.6 Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007 ............................................................... 54

7.7 Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010 ............................................................... 55

8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ...................................................................... 56

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1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as
perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão
respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da
nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à
execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da
semana e a hora que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 BIOGEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS

A biogeografia é a ciência que tem como preocupação documentar e


compreender modelos espaciais de biodiversidade, bem como estudar a distribuição
dos organismos tanto no passado quanto no presente, verificando as variações
ocorridas na Terra, relacionadas à quantidade e aos seres vivos (BROWN;
LOMOLINO, 2006).
Como ciência, a biogeografia apresenta correlações multidisciplinares com
outras ciências, sobretudo com a biologia (paleontologia, evolução) e com a
geografia (climatologia), mas também com a geologia e a ecologia. Por sua vez, são
subáreas da biogeografia a zoogeografia, que estuda os animais e seres vivos
complexos e desenvolvidos; a fitogeografia, que estuda as plantas vegetais; a
biogeografia microbial, que estuda os microrganismos; a biogeografia ecológica, que
estuda a distribuição atual das espécies; e a biogeografia histórica, que, a partir do
passado geológico, procura reconstruir origem, dispersão e extinção de espécies.
Na biogeografia, a organização e distribuição espacial das espécies da fauna
(animais) e da flora (vegetais) se distinguem e evoluem de formas diferentes, devido
às suas características e interações com as condições físicas dos ambientes, além
de fatores abióticos e bióticos. Os fatores abióticos, são aqueles ausentes de vida e
derivados de aspectos físicos e químicos advindos do meio ambiente, como a luz
solar e o clima (temperatura, pluviometria, ventos), dentre outros, que exercem
influência sobre os seres vivos e suas formas de organização, interação e
reprodução. Já os fatores bióticos, são todos os fatores causados a partir da atuação
de seres vivos e organismos em um sistema ecológico, a exemplos das intra e inter-
relações ecológicas entre os seres vivos, como predação, parasitismo e competição
de espécies.
Assim, são temas fundamentais para a biogeografia a consideração de
mudanças geográficas (ou obstáculos) que ocorrem em determinada região do
mundo, tais como o avanço do mar, o surgimento de ilhas, especificidades sobre os
continentes e montanhas, pois, nesse contexto, podem ocorrer os processos
descritos a seguir (PETRIM, 2014).

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 Extinção: os seres vivos se dividem e desaparecem devido a um evento
de extinção que mantém isoladas as populações restantes, de forma que
acabam sofrendo especiação (surge novas espécies).
 Dispersão: a partir de um conjunto de processos, os seres vivos se fixam
em um local diferente daquele em que viviam os seus progenitores. Com
isso, pode ocorrer, por meio da colonização de áreas afastadas, uma
especiação por quebra genética.
 Vicariância: os seres vivos sofrem um processo de evolução
desencadeado por um ou mais eventos geológicos em uma área que é
habitada por um determinado grupo. O grupo pode sofrer especiação caso
seja dividido e perca totalmente o contato genético.

Para Petrim (2014), um exemplo de fenômenos biogeográficos é a


distribuição geográfica da espécie dos camelídeos, que surgiram há cerca de 35
milhões de anos na região da América do Norte, mas que, por um motivo geográfico
— fechamento do istmo do Panamá e o caminho criado na última glaciação, no
estreito de Bering —, se distribuiu por diversos continentes e acabou dando origem a
outras espécies, como os camelos (Ásia), dromedários (África), lhamas, alpacas e
vicunhas (Américas).

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2.1 Evolução da ciência biogeográfica

A evolução da ciência biogeográfica no mundo se deu a partir de explorações


e investigações de cientistas e viajantes a partir do século XVIII. Um dos principais
cientistas da biogeografia foi Alfred Russel Wallace, que, ao descrever espécies no
arquipélago Malaio, desenvolveu a teoria na qual relacionava espécies do Norte a
espécies do continente asiático, que, por sua vez, tinha ligações com espécies do
continente oceânico. A partir de sua descoberta, foi designada as fronteiras
zoogeógrafas que separam a Ásia da Oceania, chamada Linha de Wallace, em sua
homenagem (SANTIAGO, [20--?]).
Outros cientistas que trouxeram avanços à ciência biogeográfica foram
Joseph Cook, que por meio de viagens marítimas pelo mundo, coletou e catalogou
cerca de 3.600 espécies de plantas (sendo a maioria até então desconhecidas);
Johann Foster, que apresentou um dos primeiros zoneamentos sistemáticos globais
de regiões bióticas definidas a partir da flora (plantas), também conhecido como
zoneamento latitudinal (distribuição das espécies a partir das latitudes e climas); Karl
Wildenow, que elaborou estudos de fitogeografia (geografia das plantas); Alexander
Von Humboldt, o geógrafo que deixou as principais contribuições à fitogeografia a
partir de seus estudos com a flora; Augustin Candolle, que constatou que os
organismos dependem de fatores como luz, calor e água, competindo entre si por
esses recursos, deixando contribuições para a ecologia analisando a competição
ecológica entre espécies e a luta por sobrevivência.
No entanto, avanços de biogeografia em questões evolucionista se deram a
partir dos estudos de Charles Darwin sobre a evolução das espécies e da sua teoria
da seleção natural. Colaboraram, também, Joseph Hooker, com seu estudo sobre a
biogeografia histórica causal; Philip Sclater, com a teoria que indicava que limites de
latitude e longitude para a fauna e a flora, a partir do estudo de distribuição de aves;
e o já mencionado Alfred Wallace, com os conceitos e princípios da zoogeografia.
Além desses, outros cientistas foram importantes para a biogeografia e
desenvolveram teorias e regras, como a regra de Gloger, que indicava que
indivíduos de habitat mais úmidos tendem a ter cor mais escura do que aqueles de
habitat mais secos; regra de Bergmann, que indicava que invertebrados
endotérmicos se apresentam em áreas de clima frio com um tamanho corporal
maior; regra de Allen, que indica que espécies endotérmicas apresentam membros e
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outras extremidades do corpo menores e mais compactadas em climas frios; regra
de Cope, que indica que a evolução de um grupo apresenta tendência em direção
ao aumento do tamanho corporal (BROWN; LOMOLINO, 2006).
Por fim, vale destacar que os avanços nas disciplinas de biologia, ecologia e
paleontologia cooperam com a área de biogeografia e com as constatações sobre a
importância de fatores geográficos e ecológicos do meio ambiente, condicionando os
padrões de distribuição das espécies da fauna e da flora, suas características
morfológicas e padrões evolutivos pelos continentes.

2.2 Fitogeografia brasileira

A fitogeografia, também conhecida como “geografia das plantas”, é


considerada um ramo da ciência biogeográfica que tem como objetivo estudar as
plantas em seus aspectos de origem, distribuição, adaptação e associação, de
acordo com a localização geográfica e com a sua evolução. A fitogeografia teve
como precursor os estudos do geógrafo naturalista Alexander Von Humboldt, que,
por meio de sua publicação sobre as plantas e sua relação com a localização
geográfica, foi consagrado o “pai da fitogeografia”.
A partir de estudos de fitogeografia é possível identificar e analisar a
influência de fatores como os climáticos (ventos, umidade e temperatura),
fisiográficos (altitude, exposição e declividade), de iluminação, para o crescimento e
desenvolvimento das plantas e seus diferentes padrões distributivos.
No Brasil, devido à sua extensão territorial e diversidade climática (região
equatorial, tropical e subtropical), há uma diversidade fitogeográfica, no que se
refere a tipos de vegetação e especificidades de fauna e flora. O geógrafo e
professor universitário brasileiro, Aziz Ab'Saber, considerado um dos principais
cientistas e pesquisadores de geomorfologia do País, elaborou e definiu, na década
de 1970, um estudo fitogeográfico, que seria uma forma de regionalização do Brasil,
levando em consideração características de vegetação, relevo, clima, solo,
paisagem, biologia e ecologia, denominado “Classificação dos seis domínios
fitogeográficos”, sendo eles: amazônico, cerrado, mares de morros, caatingas,
araucárias e pradarias (Figura 2).

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Essa definição se deu a partir de dados de clima e de geologia que foram
fundamentais para traçar a regionalização e, a partir dela, pôde-se contatar que: a)
cada domínio morfoclimático corresponde a uma ampla área própria com padrões
característicos e específicos de clima, topografia e vegetação; b) as faixas que
separam os domínios apresentam vegetação de tipo intermediário (transição); c)
dentro de cada domínio pode haver intromissões de vegetação característica de
outros domínios (AB'SÁBER, 1977).
Portanto, os estudos fitogeográficos no Brasil, sobretudo os desenvolvidos
pelo geografo brasileiro Aziz Ab'Saber, foram fundamentais pois sua classificação
auxiliou a identificar e análise dos padrões de distribuição de espécies da fauna e da
flora pelas diferentes regiões, além de contribuir para os estudos e catalogações
sobre a diversa biogeografia do país.

3 COMUNIDADES E ECOSSISTEMAS: CONVIVÊNCIA

Os organismos vivos não se distribuem no planeta de maneira uniforme.


Desde o surgimento do planeta Terra, muitas modificações já aconteceram.
Espécies que viviam aqui antes agora estão extintas, novas espécies surgiram e
seus ambientes se modificaram ao longo do tempo. Isso porque, de forma resumida,

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para que uma espécie exista em algum lugar, alguns aspectos devem ser
considerados: inicialmente, a sua ocorrência se dará somente onde ela for capaz de
chegar; depois, ela necessitará de condições e recursos apropriados para a sua
sobrevivência; e, por fim, a ocorrência dessa espécie não poderá ser impedida por
um competidor ou um predador. Se esses três aspectos estiverem presentes no
processo de colonização, a espécie terá chances reais de sobreviver e de se
estabelecer em uma determinada área.

3.1 Estrutura e funcionamento dos ecossistemas

A evolução de uma comunidade vegetal acarreta diferentes sucessões, que


correspondem, por sua vez, à estrutura biótica derivada da ocupação do espaço por
um conjunto de espécies vinculadas às condições ambientais reinantes no momento.
Como, por exemplo, as diferentes fases pelas quais passa um ecossistema desde a
ocupação da rocha até o desenvolvimento de um sistema mais maduro. A sucessão
vegetal começa como uma vegetação pioneira, heliófila, e pouco exigente quanto ao
substrato, especialmente liquens e outros organismos resistentes. A atividade
metabólica dos liquens modifica lentamente as condições iniciais da região devido à
produção de ácidos orgânicos que auxiliam na intemperização da rocha, formando
as primeiras camadas de solo. Com a morte dos primeiros indivíduos, desenvolve-se
uma produção inicial de matérias orgânicas e novas espécies mais exigentes
começam a se instalar, surgindo sucessivos estágios intermediários ou seres
(FIGUEIRÓ, 2015).
Uma comunidade vegetal tende sempre a evoluir em direção a uma situação
de equilíbrio com as condições locais da fauna, do solo e do clima, o que é chamado
de clímax. O clímax de uma formação vegetal corresponde à condição estrutural
máxima de desenvolvimento a que ela consegue chegar dentro do potencial
ecológico que o geossistema possui, desde que não sofra interferência externa, que
pode decorrer tanto de fontes antropogênicas, como desmatamento, efeito de borda,
introdução de espécies exóticas e cortes seletivos, quanto de fontes naturais, como
queimadas, furacões e ataques de pragas.
A manutenção do clímax pode ser garantida pelas condições de solos ou por
determinadas condições de clima. No primeiro exemplo, pode-se considerar os

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refúgios atuais de vegetação como aspectos xerofíticos que ocorrem na área do
bioma pampa. Um grande número de cactáceas chegou a esse local há cerca de 18
mil anos, durante o pico do último período glacial, quando um enorme corredor
semiárido passou a interligar o nordeste brasileiro ao norte da Argentina.
Com o retorno do período úmido e a consequente expansão dos biomas
adaptados às condições de maior umidade, esse corredor foi interrompido. No
entanto, em diferentes porções do bioma pampa, espécies relictuais desse passado
semiárido se mantêm ainda hoje graças a existência de um solo pobre em
nutrientes, que, ao mesmo tempo em que garante as condições mínimas para a
sobrevivência desses organismos, também dificulta a instalação de outras espécies
mais exigentes e com maior estrutura (MARCHIORI, 2004).
O mesmo pode-se dizer da manutenção de grandes manchas do cerrado em
plena Amazônia, onde as condições de grande umidade seriam incompatíveis com a
existência de uma formação savânica, a qual só é protegida da competição pelas
espécies florestais adaptadas ao clima úmido atual em razão do solo pobre em
nutrientes, que colmatou as áreas de paleocanais onde se instalaram essas
manchas de cerrado há pouco mais de 7 mil anos.
Em relação ao clímax climático, as áreas de floresta ombrófila densa que
ocorrem no Brasil são a melhor expressão da dinâmica de uma estrutura controlada
pelas condições climáticas. A vegetação de grande porte que se desenvolve ali
necessita de um grande aporte de nutrientes para se manter, o que é incompatível
com o reduzido estoque natural de minerais que existem nos solos pobres em que
esse ecossistema ocorre. Apesar disso, a alta temperatura e a grande concentração
de umidade existente nesse ambiente permitem que praticamente toda a matéria
orgânica morta depositada no solo seja reciclada em no máximo 15 meses. Percebe-
se, assim, que a condição climática de temperatura e umidade representa um
potencial para que a floresta possa produzir grande parte dos próprios nutrientes de
que necessita, os quais são recoletados pelas endomicorrizas antes mesmo que
entrem em contato com o solo, que é utilizado apenas como fonte suplementar de
abastecimento (FIGUEIRÓ, 2015).
As endomicorrizas correspondem ao tapete de raízes mais finas, localizadas
entre a superfície do solo e a base da serapilheira, que ocorrem em praticamente
todas as áreas de florestas tropicais do planeta e auxiliam na absorção de macro e

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micronutrientes pelas plantas. São, na verdade, uma simbiose entre determinados
tipos de fungo e as raízes das plantas. Os fungos auxiliam as raízes na função de
absorver água e sais minerais do solo, já que aumentam a superfície de absorção e,
em troca, a planta transfere aos fungos os carboidratos de que necessitam para a
sua sobrevivência e que não conseguem sintetizar.
Deve-se salientar que o clima não significa necessariamente uma vegetação
de grande porte, mas o máximo desenvolvimento possível atingido por uma
fitocenose nas condições ambientais em que se encontra. Da mesma forma, é
importante considerar o clímax como um conceito que auxilia a compreender as
possibilidades de desenvolvimento de uma formação vegetal em determinadas
condições, e não o estágio final e acabado que uma formação chega na sua vida
adulta. É preciso lembrar que as etapas de sucessão vegetal se reiniciam, em uma
microescala de análise, cada vez que uma clareira se abre na floresta devido à
morte de indivíduos senis, ou, em uma escala mais ampla, cada vez que o
ecossistema sofre algum grau de perturbação mais intensa, como uma catástrofe
natural ou um impacto antropogênico concentrado (FIGUEIRÓ, 2015).
Em determinada perspectiva, o ecossistema florestal pode ser visto como um
mosaico sucessional de diferentes idades e estruturas. Cada uma dessas fases é
composta por organismos que trocam matéria e energia entre si e com o exterior,
contribuindo para uma evolução fora do equilíbrio no sistema como um todo, o que
não impede que se compreenda como se comporta essa evolução estrutural
espacialmente fragmentada ao longo do tempo. Cada fase da sucessão vegetal é
acompanhada por uma determinada zoocenose a ela relacionada e apresenta
características diferenciadas quanto à produtividade primária, à biomassa e à
diversidade de espécies.
As sucessões podem ser classificadas como primárias quando se trata de
colonização de áreas anteriormente sem vida, e secundárias quando a comunidade
primária é destruída e dá origem a uma sucessão posterior. O clímax a ser atingido
na sucessão secundária não precisa necessariamente ser igual ao da sucessão
primária, tendo em vista a possibilidade de mudança do substrato entre uma e outra.
Quando o novo clímax difere do anterior é chamado disclímax.
As sucessões primárias podem se dividir em xéricas, quando ocorrem em
ambiente eco, em mésicas, com certo grau de umidade, e em hídricas quando

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ocorrem em ambiente com muita umidade, como é o caso de pântanos e lagoas
soterradas por sedimentação (FIGUEIRÓ, 2015).
Enquanto o mosaico de estágios sucessionais corresponde às variações
espaciais que ocorrem no interior do ecossistema, os diferentes estratos ou sinúsias
correspondem às variações verticais que se observa dentro do ecossistema, que
definem a distribuição dos nichos e as relações interespecíficas que deles decorrem
e que ajudam no controle populacional.
O nicho ecológico não pode ser confundido com o habitat em que a espécie
vive, já que ele corresponde ao conjunto dos elementos abióticos do ecossistema,
ao passo que o nicho corresponde à localização exata onde a espécie ocupa dentro
do ecossistema em termos físicos ou funcionais. Como corresponde a um conceito
n-dimensional, pode-se afirmar que o nicho envolve pelo menos três grandes
definições para a vida da espécie no ecossistema: os recursos que a espécie utiliza,
a sua resposta as condições do meio e as interações que estabelece com as demais
espécies (FIGUEIRÓ, 2015).
Esse conjunto de questões define a localização exata da espécie dentro do
ecossistema. É como se o habitat dissesse em que hotel é feita a hospedagem,
enquanto o nicho define as condições do quarto utilizado nesse hotel. Obviamente
que dois clientes que não se conhecem não podem ser enviados ao mesmo quarto.
Desse modo, há que se ter sempre um equilíbrio entre o número de quartos
disponíveis e o número de hóspedes a fim de evitar que a disputa pelo quarto
(disputa) prejudique ambos. Da mesma forma, sempre que um hóspede abandona o
hotel (extinção local da espécie) o seu quarto (nicho vago) passa a ser ocupado por
um novo hóspede (recolonização do nicho).
Quanto mais uma formação vegetal avança em direção a uma nova condição
de clímax, mais diversificada vai ficando sua estrutura, já que os novos nichos vão
sendo criados, impulsionando o aumento da biodiversidade. Em alguns casos,
impactos de pequena magnitude que estejam já de certa forma ligados à dinâmica
natural do ecossistema também contribuem para aumentar a sua complexidade,
uma vez que abrem nichos temporários para espécies colonizadoras que ali não
poderiam sobreviver se não fossem esses impactos, que alteram a estrutura
ecossistêmica de forma pontual no espaço e no tempo.

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Já os impactos de maior magnitude ou sistemáticos que levam a uma
degradação estrutural do sistema, produzem empobrecimento da biodiversidade,
pois eliminam as espécies adaptadas às condições climáxicas mais restritas, além
de abrir espaço para a instalação de espécies generalistas, com mais rusticidade,
que tendem a tomar conta do ambiente e eliminar as demais.
O comportamento dos organismos no espaço e no tempo dentro de uma
sucessão depende da sua capacidade de se adaptar a uma série de fatores
ambientais, como temperatura, luz, umidade, vento, salinidade, e essa capacidade
varia substancialmente de uma espécie para outra. O intervalo de tolerância entre os
parâmetros máximo e mínimo admitidos por cada espécie para cada um dos fatores
ambientais é chamado de amplitude ecológica (FIGUEIRÓ, 2015).

3.2 Fatores de distribuição dos seres vivos

A distribuição dos organismos no tempo e no espaço é produto da influência


passada e presente em fatores internos, próprios dos organismos, que favorecem o
processo de disseminação das espécies e de fatores externos próprios do meio em
que essas espécies vivem e que atuam no sentido de limitar ou ampliar a expansão
das áreas de sua ocorrência. Em relação aos fatores internos, a distribuição dos
organismos na superfície da Terra depende de três fatores principais: capacidade de
propagação, amplitude ecológica e possibilidades evolutivas.
A capacidade de propagação representa o potencial da espécie de ampliar a
sua área de ocorrência e, com isso, incorporar novas fontes de alimento para a
manutenção da sua população. Essa capacidade envolve tanto a sua capacidade
reprodutiva, quanto a sua capacidade de disseminação, estando a disseminação
ligada às estratégias adaptativas desenvolvidas para potencializar a propagação dos
indivíduos para novos territórios (FIGUEIRÓ, 2015).
Em relação à capacidade reprodutiva, observa-se uma enorme diversidade de
comportamento entre as espécies. Por exemplo, enquanto o caranguejo verde
(carcinus maenas) põe mais de 100 mil ovos por ano, alguns caranguejos da terra
põem cerca de 250. Já os peixes que vivem em ambientes marinhos tendem a
possuir capacidade reprodutiva muito maior do que aqueles de água doce. O

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bacalhau, por exemplo, produz mais de 4 milhões de ovos por ano, ao passo que os
peixes de água doce geralmente não produzem mais do que alguns milhares.
No reino vegetal, as plantas se reproduzem por esporos, gerando milhões de
esporos por ano, enquanto as frutíferas produzem menos sementes. Apesar dessas
diferenças, não é possível estabelecer uma relação tão direta entre a capacidade
reprodutiva e a abundância de espécies na biosfera, pois geralmente aquelas mais
fecundas apresentam maior índice de mortalidade. Por sua vez, as espécies menos
fecundas acabam apresentando menor taxa de mortalidade e maior longevidade do
que as mais fecundas, o que de certa maneira equipara a luta das espécies pela
sobrevivência em termos de capacidade reprodutiva (FIGUEIRÓ, 2015).
A capacidade de disseminação de uma espécie pode ser ativa, quando a
propagação dos novos indivíduos ou de suas diásporas é promovida pela própria
espécie, graças a mecanismos de adaptação estrutural, ou passiva, quando a
propagação é realizada por elementos externos às espécies, que podem ser do
meio, como vento, água, outras espécies, ou mesmo o homem. Vale dizer que é
chamada de diáspora uma parte do corpo do organismo capaz de ser propagada
para novas áreas e dar origem a novos indivíduos daquela espécie, como galhos,
frutos, raízes e sementes (FIGUEIRÓ, 2015).
A disseminação ativa é uma forma de disseminação que ocorre
principalmente entre os animais devido à sua capacidade de locomoção. Seja nas
incursões diárias atrás de alimentos, seja nas migrações sazonais em busca de um
clima mais favorável. Todavia, não se pode confundir disseminação ativa com o
movimento natural de transumância que algumas espécies fazem dentro da sua
própria área de ocorrência, já que a disseminação pressupõe a ocupação de novas
áreas.
A disseminação passiva ocorre quando um agente externo dissemina os
indivíduos ou suas diásporas para novas áreas e a proporção do número de
indivíduos ou diásporas disseminadas é diretamente proporcional à distância
percorrida pelos agentes disseminadores. A eficácia da disseminação passiva
depende fundamentalmente da natureza dos agentes de transporte e da capacidade
de adaptação dos organismos disseminados às novas condições ambientais. Os
principais agentes de disseminação correspondem ao vento, à água e aos animais,
embora algumas espécies possam se disseminar por mais de um agente, como é o

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caso do junquinho da água (Phragmites communis), que se dissemina tanto pelo
vento quanto pela água (FIGUEIRÓ, 2015).
É chamada de anemocória a disseminação pelo vento de pequenos
indivíduos (insetos, aranhas, bactérias ou algas), diásporas pequenas ou diásporas
providas de dispositivos particulares. Essa forma de disseminação é rápida e de
grande alcance.
Para que diásporas possam ser disseminadas pelo vento é fundamental a
existência de algumas características morfológicas especiais como esporos ou
sementes pequenas, em que o transporte é bastante rápido e percorre grandes
distâncias. Algumas plantas chegam a ser carregadas inteiras pelo vento, como é o
caso da rosa de jericó (Anastatica hierochuntica), cujos frutos amadurecem durante
a estação seca, perdendo as folhas, enrolando os galhos e formando, assim, uma
bola espinhenta que protege os botões e é rolada pelo vento a grandes distâncias,
como geralmente vemos em filmes de cowboys no oeste americano. Quando retorna
o período úmido, a planta se desenrola, fixa raízes no solo e solta sementes (Figura
1).

A hidrocória corresponde à disseminação pela água de diásporas ou


organismos capazes de flutuar. A zoocória corresponde à disseminação dos
organismos tendo por agente os animais. Os seres humanos correspondem a um
vetor especial de disseminação de organismos e, por isso mesmo, esse meio de

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disseminação é chamado de antropocória. Assim, as espécies diretamente ligadas
ao homem ou às suas atividades podem ser introduzidas em novas áreas de forma
intencional ou espontânea (FIGUEIRÓ, 2015).
Em relação à amplitude ecológica, deve-se considerar que vários fatores
podem representar um obstáculo para a disseminação de espécies para novos
territórios. A capacidade que uma espécie tem de suportar variações de clima,
umidade, pH, temperatura e outros fatores é o que se chama de amplitude
ecológica. Para cada característica do meio, a espécie vai apresentar um ponto
ótimo, que demarca o grau daquela variável em que as condições para a
sobrevivência são ideais. Graus superiores ou inferiores a esse ponto ótimo
demarcam territórios em que as condições de sobrevivência da espécie são apenas
toleráveis, com menor densidade de indivíduos. Deve-se considerar que a amplitude
ecológica possui um papel decisivo na disputa entre espécies para a conquista de
um território. Dessa forma, as espécies que suportam uma grande amplitude
ecológica tendem a levar grande vantagem competitiva sobre aquelas intolerantes a
grandes variações ecológicas (FIGUEIRÓ, 2015).
Sobre o potencial evolutivo, pode-se destacar três processos distintos de
adaptação que derivam do potencial evolutivo de uma espécie: os ecótipos, as
mutações e as hibridações. O primeiro se caracteriza como a possibilidade de
indivíduos da mesma espécie se adaptar a condições ecológicas diferentes,
apresentando modificações na sua estrutura física e/ou fisiológica — conhecidas
como plasticidade fenotípica, um exemplo bastante conhecido é a mudança da
coloração do pelo de animais árticos.
As mutações representam alterações aleatórias no código genético de uma
espécie, podendo levar ao aparecimento de mecanismos adaptativos que favoreçam
a sobrevivência e a disseminação de novos indivíduos da espécie para novos
territórios. As hibridações referem-se à capacidade de compatibilização por meio de
cruzamentos sucessivos de informações genéticas de duas espécies distintas, com
vistas a melhoria da capacidade adaptativa e/ ou produtiva do híbrido a ser gerado,
que é, na maioria das vezes, infértil.
Os fatores externos correspondem a um obstáculo à dispersão da espécie, o
qual precisa ser vencido pelo jogo dos mecanismos internos vistos na seção
anterior. Entre os principais agentes externos que interferem na dispersão de

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organismos destacam-se: geológico-geomorfológicos, temperatura, luminosidade,
umidade e fatores biológicos.
Os fatores geológico-geomorfológicos referem-se à ocorrência de áreas
montanhosas que atuam tanto de forma direta, constituindo uma barreira à
expansão, quanto indireta, por meio da modificação das condições de solo,
temperatura, pressão e umidade à medida que uma espécie tenta ultrapassar essa
barreira. Também inclui os mecanismos referentes às dinâmicas fluviais, que podem
separar duas populações distintas da mesma espécie (FIGUEIRÓ, 2015).
A atuação da temperatura se dá principalmente pela regulação dos principais
processos fisiológicos dos organismos. As espécies adaptadas a climas mais
quentes apresentam um crescimento mais rápido e um metabolismo bem mais
acelerado do que as espécies de clima frio. Assim, a absorção de nutrientes, o
metabolismo e a produção de fitomassa decrescem proporcionalmente com a
diminuição da temperatura.
A luminosidade é uma das principais variáveis de regulação da estrutura e da
composição da vegetação, já que a quantidade e a qualidade da radiação
condicionam grande parte dos processos fisiológicos das plantas. Assim, a
quantidade de energia recebida por um solo coberto por floresta varia entre 2% e
30% da radiação incidente na base da troposfera, dependendo da densidade das
copas e da estrutura da vegetação. A disponibilidade de energia luminosa é um fator
limitante para a fotossíntese e, consequentemente, para a regeneração e o
crescimento das espécies de sub-bosque. Considerando a grande interação
existente entre a disponibilidade de energia luminosa e a estrutura da vegetação, é
possível estabelecer uma relação de interdependência entre a estrutura biótica e a
presença de luz, em que os níveis de luminosidade medidos possam ser
considerados descritores do grau de degradação/regeneração do ecossistema
florestal estudado.
A água desempenha um papel fundamental na vida das plantas: para cada
grama de matéria orgânica produzida e incorporada pela planta, são necessárias
500g de água, que é absorvida pelas raízes e transportada pelo corpo da planta,
sendo usada nas diferentes reações celulares de fotossíntese e, posteriormente,
perdida para a atmosfera por meio da evapotranspiração. Assim, um pequeno
desequilíbrio no fluxo da água pode causar déficit hídrico e mau funcionamento de

17
muitos processos celulares, comprometendo a sobrevivência dos organismos.
Diante disso, mais importante do que o total local de precipitação é a sua distribuição
ao longo do ano, que vai definir um balanço entre a entrada (precipitação) e a perda
(evapotranspiração) de água pelo sistema ao longo do tempo.
Em relação aos fatores biológicos, considera-se um obstáculo à expansão de
uma espécie o aparecimento de outras espécies prejudiciais, que podem ser
parasitas, predadores ou mesmo rivais, competindo por água, luz ou nutrientes.
Nesse grupo ainda pode ser incluída a ação antrópica, seja na ação direta sobre a
redução do número de indivíduos, ou indiretamente, no empobrecimento da
biodiversidade, alterando os limites ambientais toleráveis pelas espécies devido a
impactos ambientais de diferentes intensidades (FIGUEIRÓ, 2015).

3.3 Processos de cooperação e competição

A dinâmica populacional de uma espécie dentro do ecossistema obedece aos


limites que o sistema oferece para a sua sobrevivência em termos de oferta de
recursos e de potencial ecológico. Em condições ideais de recursos e potencial
ecológico, os indivíduos da espécie apresentam maior vigor e taxas de crescimento
e fecundidade, sendo capazes de fornecer novos indivíduos para ocupar os nichos
vagos na periferia da área de ocorrência da espécie, onde a menor oferta de
alimentos e o maior rigor de condições ecológicas tendem a estabelecer uma
dinâmica de déficit populacional, em que a mortalidade supera as taxas de
natalidade.
A depender do potencial evolutivo da espécie, permitindo o aparecimento de
especiações simpátricas que garantam a diminuição da pressão sobre os mesmos
recursos, ou da sua capacidade de dispersão, deslocando-se para novas áreas em
busca de novas fontes de alimentos, as novas gerações sempre poderão ter a
possibilidade de estabelecer mecanismos de redução da pressão competitiva. No
entanto, quando o potencial evolutivo é baixo e a capacidade de dispersão é
pequena, as novas gerações estarão sujeitas a grandes flutuações populacionais
para se manterem dentro do território (FIGUEIRÓ, 2015).
Em um cenário de recursos finitos, à medida que novas gerações vão
nascendo e a densidade de ocupação do território pelos indivíduos daquela espécie

18
vai aumentando, fatalmente a ocorrência intraespecífica (entre indivíduos da mesma
espécie) tende a levar a uma condição máxima de crise de recursos, a partir da qual
as taxas de mortalidade vão se ampliar, fazendo a população flutuar negativamente
até que se alcance um novo patamar de estabilidade dinâmica entre os recursos e o
tamanho da população. Isso ocorre especialmente quando, na ausência de
predadores (ou quando seus predadores forem extintos), ou de competição
interespecífica (entre indivíduos de espécies distintas), a população daquela espécie
é controlada exclusivamente pela oferta de recursos, o que se chama de curva de
crescimento em J. Em alguns casos, a explosão populacional chega mesmo a ser
estimulada pelo aumento excessivo de oferta de recursos no meio, como ocorre em
ambientes com interferência antrópica.
Já quando os predadores estão presentes, o controle populacional se dá não
só pela competição intraespecífica, mas também pelos mecanismos de predação, o
que confere uma flutuação mais suave para as taxas de crescimento populacional,
dentro daquilo que se chama de curva de crescimento em S. A curva de crescimento
real de uma população é, portanto, resultado da interação entre seu potencial biótico
e a resistência imposta pelo habitat em que ela vive. Em uma representação gráfica,
o crescimento de uma curva em forma de S, que ascende até o limite máximo de
indivíduos que o ambiente consegue suportar, é denominado carga biótica máxima
do ambiente (Figura 2) (FIGUEIRÓ, 2015).

19
Diante disso, observa-se que a predação representa um mecanismo
extremamente importante dentro do ecossistema. Embora possa parecer prejudicial
às presas ela é, na verdade, um benefício para a sua população uma vez que
constitui um fator seletivo, diminuindo a competição intraespecífica e contribuindo
para o aparecimento de processos evolutivos da espécie.
Por meio de mecanismos de adaptação, algumas espécies de predadores são
dotadas de características anatômicas e funcionais bastante desenvolvidas para
capturar suas presas. Mas, da mesma forma que os predadores desenvolveram
evolutivamente atitudes comportamentais e estruturas destinadas à predação, as
presas também desenvolveram mecanismos para evitá-la, dos quais se destacam o
padrão críptico, a coloração de advertência e o mimetismo.
O padrão críptico corresponde a uma estratégia desenvolvida por espécies
palatáveis para criar uma estrutura de camuflagem que permita ao indivíduo se
misturar com as cores e os padrões do fundo e assim diminuir as chances de ser
identificado pelo predador. A coloração de advertência é uma estratégia
desenvolvida por espécies não palatáveis tóxicas ou venenosas para advertir a sua
natureza aos predadores por meio de colorações muito fortes. Isso permite aos
predadores reconhecê-las com mais facilidade e evitá-las. O mimetismo corresponde
a uma estratégia geralmente desenvolvida por espécies palatáveis, mimetizando
espécies não palatáveis e, com isso, reduzindo a pressão predatória sobre os
indivíduos dessas espécies (FIGUEIRÓ, 2015).

4 ECOSSISTEMAS E BIOMAS

O Brasil, apesar de possuir uma das maiores biodiversidades do planeta, vem


sofrendo uma perda progressiva de sua diversidade biológica. Muitos são os
motivos, mas podemos apontar como principal causador o crescimento populacional
e a pobreza generalizada. Uma das alternativas para tentar minimizar tais impactos
diz respeito à criação de unidades de conservação (UCs), que devem contar com a
participação de toda a sociedade e fundamentar-se em sólidas bases científicas. O
Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) estabeleceu critérios e
normas para a criação, implantação e gestão das UCs.

20
4.1 Os biomas brasileiros e a necessidade de protegê-los

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade é responsável


pela gestão de 324 UCs federais. Essas UCs estão espalhadas em todos os biomas
brasileiros, incluindo Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa Pantanal
e Marinho Costeiro. A seguir, faremos uma breve descrição de cada bioma brasileiro
e suas situações.
O bioma Marinho Costeiro é uma transição entre os ecossistemas
continentais e marinhos. Possui uma área de 4,5 milhões de km² e trata-se de um
ecossistema litorâneo, que apresenta uma intensa variação geológica e uma rica
biodiversidade, com a ocorrência de manguezais, falésias, ilhas, recifes de corais,
dunas, costões rochosos, praias, lagoas, restingas, brejos e estuários. São cerca de
1,3 mil espécies de peixes, 19 ameaçadas de extinção e 32 em situação de declínio.
Existem, no Brasil, 60 UCs no bioma Marinho Costeiro (ALGER; LIMA, 2003).
A Mata Atlântica é um bioma de clima tropical úmido, presente em 17 Estados
do país. Possui formações florestais, restingas, manguezais e campos de altitude,
que fazem da Mata Atlântica um patrimônio nacional. Com uma área de
aproximadamente 1,3 milhão de km², a principal parte dos remanescentes da
vegetação nativa ainda se mostra vulnerável às ações humanas. Isso porque é o
bioma que, historicamente, mais sofre com impacto antrópico, desde a chegada dos
colonizadores com a extração de plantas e madeiras e, mais recentemente, com a
degradação para ocupação humana. Vivem no ecossistema cerca de 20 mil
espécies vegetais, 261 espécies de mamíferos, 200 de répteis, 370 de anfíbios, 350
de peixes e 849 espécies de aves.
A Amazônia abocanha 49,29% do território brasileiro e é o maior bioma do
mundo — abrange nove países. São cerca de 40 mil espécies de plantas, 300
espécies de mamíferos, 1,3 mil espécies de aves, habitando em exatos 4.196.943
km² de florestas densas e abertas. Apesar de ampla e rica em biodiversidade,
mostra-se frágil e sensível às ações antrópicas, cujas pequenas interferências
podem causar danos de proporções irreversíveis. O ecossistema amazônico
também sofre com a instabilidade climática e os baixos índices socioeconômicos da
região.
O bioma brasileiro que mais sofreu alterações com a ação humana, o Cerrado
conta com 6 mil espécies de plantas nativas e uma notável diversidade de espécies
21
animais endêmicos. Ocupa 23,9% do território brasileiro, cerca de 2,03 milhões km².
O bioma abriga cerca de 200 espécies de mamíferos, 800 espécies de aves, 180 de
répteis, 150 de anfíbios e 1,2 mil espécies de peixes. O Cerrado é o segundo maior
bioma da América do Sul, mas é o com a menor porcentagem de áreas sobre a
proteção integral — menos de 9% da área total do território é legalmente protegida
com UCs. Esse bioma conta com inúmeros animais e plantas correndo risco de
extinção e estima-se que 20% das espécies nativas e endêmicas da região já não
ocorram em UCs.
A Caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro, abrangendo 11% do
território nacional. Tem rico patrimônio biológico, alguns exclusivos do Brasil, o que
torna esse bioma tão importante para o país. Apesar disso, 46% de seu território
está hoje desmatado e explorado de forma ilegal. Apesar do clima semiárido e do
baixo teor de matéria orgânica no solo, o ecossistema abriga a maior diversidade de
plantas conhecida no Brasil (ALGER; LIMA, 2003).
O Pantanal tem uma das maiores extensões úmidas contínuas do mundo
(Figura 1), com grande potencial cênico e rica biodiversidade. É o menor bioma do
Brasil, cerca de 210 mil km². São cerca de 3,5 mil espécies de plantas, 124 espécies
de mamíferos, 463 espécies de aves e 325 espécies de peixes. O pantanal se
destaca pela forte presença de comunidades tradicionais, como os povos indígenas
e quilombolas. As UCs abrangem apenas 4,4% de seu território. O Pantanal também
sofre com as ações antrópicas, sobretudo com a as atividades de agropecuária.
Além da inadequada ocupação irregular do solo, o extrativismo, a caça e a pesca
predatória são encorajados pelo contrabando de peles e espécies raras. A fronteira
com outros países sul-americanos aumenta os riscos no ecossistema.
O bioma Pampa, presente apenas no Estado do Rio Grande do Sul, ocupa
uma área de 178 mil km². Embora pouco representativo no SNUC, é uma das áreas
de campos temperados mais importantes do mundo. O bioma conta
predominantemente com campos, capões de mata, matas ciliares e banhados.
Possui cerca de 3 mil espécies de plantas, 102 espécies de mamíferos, 476 de aves
e 50 espécies de peixes.

22
4.2 Biomas e ecossistemas brasileiros

Bioma pode ser definido como um conjunto de espécies de animais e plantas


que vivem em determinada região. Cada bioma tem uma flora e fauna específicas,
que são definidas pelas condições físicas, climáticas, geográficas e litológicas (das
rochas). É importante ressaltar que cada bioma possui uma diversidade biológica
única e própria. Cada um é conhecido por um tipo principal de vegetação (embora
num mesmo bioma possam existir diversos tipos de vegetação) e também por
animais típicos, embora estes não influam tanto na definição.
No Brasil, temos os biomas Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica,
Pampa Pantanal e Marinho Costeiro. Cada um desses ambientes abriga diferentes
tipos de vegetação e de fauna (MORAES, 2012).
É comum a utilização do termo “bioma” como um sinônimo de “ecossistema”,
mas, diferente de ecossistema, bioma tem uma referência maior ao meio físico (a
fisionomia da área, principalmente da vegetação) do que às interações que nele
ocorrem. O perfil do ambiente e sua dimensão também importam na classificação:
um ecossistema só será classificado como bioma se suas dimensões forem de
grande escala.

23
Dessa forma, existe o bioma da Mata Atlântica e, no interior dele,
ecossistemas como a floresta ombrófila mista ou densa, os campos de altitude, a
mata de araucária, a restinga e os manguezais (Figura 2).
Ecossistema pode ser definido como um conjunto formado pelas interações
entre componentes bióticos, como micróbios, plantas e animais e, os componentes
abióticos, elementos químicos e físicos como o ar, a água, o solo e minerais. Esses
componentes se relacionam por meio da transferência de energia dos organismos
vivos entre si e entre estes e os demais elementos de seu ambiente (MORAES,
2012). A rede de interações entre organismos, e entre os organismos e seu
ambiente pode ser de qualquer tamanho, assim, não há limites máximos definidos
para um ecossistema, mas há algumas convenções para distinguir a compreensão e
possibilidades na pesquisa científica. Assim, temos, inicialmente, uma separação
entre os meios aquáticos e terrestres. Os ecossistemas aquáticos são os lagos,
naturais ou artificiais (represas), os mangues, os rios, mares e oceanos. Os
ecossistemas terrestres são as florestas, as dunas, os desertos, as tundras, as
montanhas, as pradarias e pastagens. Entre os ecossistemas brasileiros, existem
alguns de alta relevância:
 Mata de Araucárias: ocorre no sul do Brasil, principalmente Santa Catarina
e Paraná e estendendo-se até São Paulo ao norte e até o Rio Grande do
Sul ao sul. A Mata de Araucárias é um ecossistema pertencente ao bioma
Mata Atlântica. Neste ambiente as chuvas são distribuídas ao longo do
ano e duas estações são bem definidas: o inverno, com temperaturas
baixas, e o verão, com temperaturas moderadas. O nome desse
ecossistema se deve à predominância de uma planta chamada araucária
(Araucária angustifólia). Há também a presença marcante de imbuia,
pinheiro-bravo e erva-mate, além de diversas outras espécies vegetais.
São observadas nesse ecossistema várias espécies de aves como
macuco, inhambus, gralha-azul, jacus, gralha-picaça, jacutinga, tucanos,
beija-flores, papagaios, periquitos, maitacas, entre outras. A araucária e,
por consequência, as aves associadas a ela estão aos poucos
desaparecendo, sendo que, atualmente, restam menos de 2% desse
ecossistema.

24
 Mata das Cocais: esse ecossistema ocorre na transição entre os biomas
Floresta Amazônica, Caatinga e Cerrado. Nesse ambiente há
predominância de coqueiros, ou palmeiras, na vegetação. São espécies
muito comuns o buriti, a carnaúba, o babaçu e o açaí, entre outras
vegetações. Já a fauna é diversificada e os frutos das palmeiras são a
base das diversas teias alimentares desse ecossistema. A carnaúba é de
extrema importância para os moradores das áreas em que ela ocorre;
seus frutos são comestíveis, a madeira é usada na fabricação de casas e
as folhas são fonte de fibras para a produção de cordas, chapéus, cestos.
Mas, o produto mais conhecido da carnaúba é a cera, que já esteve na
lista dos principais produtos exportados pelo Brasil.
 Manguezais: no país, eles distribuem-se pela região litorânea, desde o
Amapá até Santa Catarina, constituindo uma das maiores extensões de
manguezais do mundo. Eles ocorrem em estuários, que são regiões onde
os rios se encontram com o mar. Assim, sofrem a influência das marés e
suas águas apresentam salinidade mais baixa que a do mar. Na maré alta,
a água invade os manguezais; na maré baixa, recua para o mar, expondo
o solo lamacento. As plantas dos manguezais apresentam raízes com
adaptações ao solo lodoso e com baixo teor de gás oxigênio. Possuem,
ainda, ramos que partem do caule em direção ao solo, onde penetram,
auxiliando, assim, a fixação da planta. A principal função desse
ecossistema é abrigar um grande número de animais marinhos para a
reprodução, principalmente espécies de peixes, camarões e caranguejos.
Os manguezais também são a fonte de sustento para muitas famílias que
vivem da coleta de caranguejos entre as raízes do mangue. Essa coleta
deve respeitar os períodos de reprodução dos caranguejos, para não
prejudicar a sobrevivência da espécie (MORAES, 2012).
 Ecossistemas de restinga: constituído por vegetações que vivem sob a
influência direta do mar, exposta aos respingos da água salgada e à
elevada salinidade do solo. O sistema se inicia da areia da praia, com
plantas rasteiras que se fixam no solo arenoso e suportam os respingos do
mar, a vegetação rasteira ajuda a proteger e conservar o solo. As
restingas sofrem grande devastação no litoral brasileiro por causa da

25
exploração imobiliária, gerando desequilíbrios em outros ecossistemas
que interagem com a restinga, como os manguezais. As dunas de areia
fazem parte desse ecossistema e podem se desestabilizar com a retirada
da vegetação e o nível de umidade na região se altera. Apesar de
existirem leis brasileiras visando proteger as áreas de restinga, esse
ecossistema é um dos mais ameaçados.

4.3 SNUC e a proteção dos ecossistemas e biomas brasileiros

O estabelecimento de UCs no Brasil pode ser considerado um fenômeno


ainda recente, sendo que a maioria foi criada há menos de 30 anos. No entanto,
oportunidades para a expansão do SNUC nos próximos 20 anos estão restritas. São
necessários esforços para a criação de um maior número possível de UCs em todos
os biomas brasileiros, valendo-se, principalmente, de critérios técnicos (MILARÉ,
2001).
O país possui um sistema de UCs extenso, mais de 1,6 mil unidades,
totalizando cerca de 115 milhões de hectares. Porém, se considerarmos somente as

26
UCs de proteção integral, que possuem maior relevância para a preservação da
biodiversidade, menos de 3% da superfície do território brasileiro encontra-se
dedicado oficialmente a esse objetivo.
Para piorar o cenário, essa porcentagem não está distribuída segundo
critérios de representatividade ao longo dos diferentes ecossistemas, reduzindo
drasticamente a efetividade do sistema que deveria proteger a biodiversidade do
país. Isso se deve ao histórico de uso e ocupação territorial e, por consequência, às
pressões antrópicas internas e externas diferenciadas ao longo da rede de UCs em
cada bioma. O bioma Mata Atlântica, por exemplo, não possui nem 2% do seu
território protegido por UCs; assim, 98% do espaço apresenta outras formas de uso,
como agricultura, cidades, estradas, hidrelétricas, remanescentes florestais, etc.
(Figura 3).
As distorções na representatividade dos ecossistemas são encontradas
inclusive dentro do mesmo bioma. Nas regiões mais ao sul, são encontrados centros
de endemismo da Mata Atlântica protegidos por um bom número de UCs. Ao mesmo
tempo, no Nordeste os centros de endemismo regionais estão sub-representados.
Conforme a ONG Conservação Internacional, uma organização que visa a
proteção de hotspots de biodiversidade da Terra, áreas selvagens ou regiões
marinhas de alta biodiversidade ao redor do globo, em estudo focado na Mata
Atlântica, indica que o atual sistema de UCs não protege adequadamente as
espécies ameaçadas. A extensão de área é insuficiente para garantir as metas de
proteção para as espécies, é preciso dar maior ênfase aos grupos mais ameaçados.
Várias das populações demograficamente estáveis das espécies que figuram nas
chamadas listas vermelhas estão restritas a UCs e suas probabilidades de
persistência, ligadas, em grande parte, ao futuro dessas áreas (MILARÉ, 2001).
A identificação dessas lacunas no SNUC é de extrema importância. Iniciativas
existem, e um bom exemplo é a revisão das áreas e ações prioritárias para
conservação por intermédio de workshops regionais de biodiversidade, que ocorrem
pelo Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica
Brasileira, conhecido também apenas como Probio, desenvolvido no âmbito do
Ministério do Meio Ambiente. Assim, as áreas prioritárias para a conservação são
apontadas, iniciativas que são importantes para a produção de um diagnóstico da

27
situação e do conhecimento científico da biodiversidade em escala regional e para
indicar as potenciais áreas para criação de UCs.
A fragilidade do SNUC no país não se resume a aspectos de natureza
técnico-científica ligados à sua extensão e distribuição. Também são associados à
falta de capacidade gerencial dos órgãos governamentais, que oferecem
instrumentos inadequados ao manejo e proteção das UCs.

4.4 Problemas encontrados nas UCs

Entre os principais problemas encontrados nas UCs estão caça e queimadas


predatórias, presença de humanos em UC de proteção integral, invasões,
indefinições fundiárias de diversas unidades, falta de pessoal técnico e de recursos
financeiros e instabilidade política dos órgãos fiscalizadores. Uma questão que
divide os defensores de UCs é a discussão sobre qual deve ser a prioridade do
SNUC, criar novas UCs ou implementar as já criadas. Se houver a espera pela
implementação eficiente das UCs existentes para depois serem criadas novas, o
risco de perder áreas de extrema importância para a biodiversidade é significativo.
Deve haver um equilíbrio entre as estratégias (MILARÉ, 2001).
O SNUC ainda é frágil para suportar as pressões sobre a biodiversidade e a
sua eficiência está intimamente ligada a investimentos significativos por parte do
governo. Por outro lado, a rede de UCs cumpre papel fundamental nas estratégias
de conservação da natureza, servindo como foco para projetos de educação
ambiental e para laboratórios de pesquisa científica e bioprospecção. Cabe aos
governos e à sociedade assegurarem a viabilidade do SNUC para manter a
sustentação da diversidade biológica do Brasil.

28
4.5 Comunidades tradicionais brasileiras

O mundo globalizado em que vivemos atualmente pode nos dar uma ideia
errônea de homogeneidade cultural, étnica e racial, de modo que podemos nos
esquecer dos povos e comunidades que tradicionalmente ocuparam nosso território
e fizeram dele um espaço culturalmente diverso e miscigenado (MILARÉ, 2001).
Preocupado com a proteção desses povos e comunidades tão importantes
para a história de ocupação do território brasileiro, o Ministério do Desenvolvimento
Social (MDS) tem presidido, desde 2007, a Comissão Nacional de Desenvolvimento
Sustentável das Comunidades Tradicionais (CNPCT), que instituiu um importante
marco legal para essas comunidades em 2017, por meio do Decreto Federal nº
6.040, de 7 de fevereiro. Esse Decreto instituiu, no mesmo ano, a Política Nacional
de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT),
a qual busca garantir e valorizar a diversidade socioambiental e cultural dos povos e
comunidades tradicionais, dando-os maior visibilidade e direitos, como o direito à
terra e o acesso aos recursos naturais indispensáveis para sua subsistência.

29
No entanto, para garantir esses direitos, é importante que definir as principais
características que permitem adjetivar determinada população como tradicional. Por
isso, o Decreto nº 6.040/2007, no inciso I do art. 3º, define povos e comunidades
tradicionais como (BRASIL, 2007, documento on-line):

[...] grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que


possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam
territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural,
social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos,
inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.

Essa definição engloba, então, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos,


caboclos, pescadores artesanais e caiçaras, comunidades de matrizes africanas,
povos ciganos, entre outros.
Em razão dos processos complexos que envolveram a formação territorial do
Brasil, esses povos e comunidades tradicionais tiveram seu direito à terra indefinido
durante muitos anos. São populações que ocupam, há séculos, grandes extensões
territoriais e possuem organização social particular, tendo desenvolvido uma relação
própria com a natureza e, portanto, dependendo do contato direto com ela para
sobreviverem. Desse modo, seus territórios não possuem o registro cartorário ao
qual estamos acostumados para certificar sua posse.
Nesse sentido, o Decreto nº 6.040/2007 (inciso II, art. 3º) reconheceu os
territórios tradicionais como “[...] os espaços necessários a reprodução cultural,
social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de
forma permanente ou temporária” (BRASIL, 2007, documento on-line). Assim,
percebe-se como esses povos e comunidade tradicionais dependem das políticas
públicas para terem reconhecimento e a proteção de seus direitos assegurada. No
Brasil, importantes instituições públicas são responsáveis por prestar assistência a
essas populações, como a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Fundação Cultural Palmares (FCP).
Vale destacar, ainda, o protagonismo que essas populações tradicionais têm
desempenhado na conservação da natureza e no desenvolvimento sustentável,
contribuindo para a efetiva manutenção da biodiversidade e os processos ecológicos
em unidades de conservação de uso sustentável. Nessas unidades, onde sua
presença está prevista, elas acabam se tornando verdadeiras parceiras dos órgãos
gestores no manejo do espaço.
30
Não é surpresa, portanto, que as populações tradicionais estejam
concentradas justamente nas regiões com quantidade mais expressivas de unidades
de conservação e áreas preservadas. Compare o mapa da Figura 2 com o da Figura
1 para perceber a concentração de terras indígenas na região Norte, onde se situam
as maiores reservas florestais do País.

4.6 Conflitos e impactos ambientais: os riscos para as unidades de


conservação

Compatibilizar o desenvolvimento econômico e a conservação da natureza é


um dos objetivos fundamentais do desenvolvimento sustentável. Trata-se, porém, de
um objetivo de difícil alcance, porque ambos possuem interesses que, na maior
parte das vezes, expressam-se de forma antagônica, originando conflitos de
complexa resolução. Assim, nas unidades de conservação, a ocorrência desses
conflitos é um dos principais obstáculos para a implementação e o manejo desses
espaços protegidos. Na zona rural, os conflitos mais comuns são entre as áreas de
expansão agrícola e as unidades de conservação e sua zona de amortecimento. Já
nas áreas urbanas, a expansão urbana é a principal fonte de conflito com as
unidades de conservação (TONHASCA, 2005).
31
Muitas vezes, as unidades de conservação são criadas como “ilhas” de
vegetação nativa, sem reconhecimento de seus limites físicos e da finalidade por
parte da comunidade no entorno. Por isso, é comum que impactos ambientais
passem a acometer as zonas de amortecimento da unidade, progredindo para
dentro da área protegida, o que coloca em risco sua integridade e sua função
ecológica.
As diversas formas de ocupação humana e do uso do solo possuem potencial
para desencadear uma série de impactos ambientais negativos nas unidades de
conservação e em seu entorno, como poluição do ar, das águas e do solo pelo uso
excessivo de agrotóxicos e fertilizantes ou destinação não adequada de efluentes
industriais. Esses impactos podem, facilmente, adentrar o interior das unidades de
conservação e afetar sua qualidade ambiental, trazendo desequilíbrio aos processos
ecológicos e ameaçando as espécies mais frágeis da fauna e da flora nativas.
Além disso, é comum, nas atividades humanas, o uso de espécies vegetais e
animais exóticos (não nativos), como, por exemplo, o pinus, para a produção de
madeira. Ocorre que o manejo incorreto e a expansão desenfreada dessas espécies
pelo território podem causar desequilíbrios imprevistos nos ecossistemas. Por isso,
frequentemente as unidades de conservação são ameaçadas pela presença de
espécies exóticas, que acabam “roubando” espaço das espécies nativas.
Embora os fatores externos sejam as principais fontes de impactos
ambientais negativos nas unidades de conservação, devemos destacar, também, a
falta de fiscalização e as dificuldades financeiras e políticas para a efetiva
implementação da unidade e das ações e diretrizes definidas no plano de manejo
das unidades.
O ICMBio, por exemplo, órgão federal responsável pela gestão das unidades
de conservação federais brasileiras, só foi instituído em 2007. Entretanto, a criação
do Parque Nacional do Itatiaia, no Rio de Janeiro, data de 1937, sendo a primeira
unidade de conservação criada em território brasileiro. Ainda, em 1939, foram
criados o Parque Nacional do Iguaçu e o Parque Nacional Serra dos Órgãos
(TOZZO; MARCHI, 2014).
Percebe-se, assim, que o Poder Público tem criado unidades de conservação
desde o final da década de 1930, mas, segundo Brito (2008), esse processo foi
executado, em grande parte, com pouca ou nenhuma participação popular,

32
desconsiderando as populações que viviam ou utilizavam os recursos naturais
daquelas áreas para subsistência. Isso deu origem, então, aos atuais conflitos na
administração e no manejo das unidades de conservação.
Diante disso, desde a publicação da Lei Federal nº 9.985/2000 e do Decreto
nº 6.040/2007, os processos de constituição das unidades de conservação
passaram a ser mais participativos e democráticos, estudando as características
econômicas, sociais e ambientais da área e ouvindo a população local nas consultas
públicas (BRASIL, 2000; 2007). Além disso, as unidades de conservação de uso
sustentável viabilizaram a permanência das populações tradicionais no interior das
unidades, tornando-as agentes diretos na conservação da natureza.
Com base em informações do próprio ICMBio das 334 unidades de
conservação geridas pelo órgão, 87 delas acomodam aproximadamente 60 mil
famílias de população tradicionais, que vivem dentro dos limites das unidades
(INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE, 2019).
Essas unidades são as Resexs, as RDSs e as Florestas Nacionais (Flona). Veja
mais detalhes na Figura 3.

São muitos os conflitos e impactos que colocam em risco as unidades de


conservação brasileiras. Boa parte dessa problemática advém da falta de
reconhecimento da importância e da função da unidade de conservação pela
população local. O Poder Público, muitas vezes, tem falhado na conciliação desses
conflitos, o que acarreta muitos impactos negativos para a unidade de conservação.
33
Um deles são os incêndios florestais. O Instituto Estadual de Florestas (IEF) de
Minas Gerais informou que, em 2019, 27 mil hectares de vegetação foram atingidos
pelo fogo no interior das unidades de conservação do estado. Embora tenha havido
uma queda no número desses incêndios em relação aos anos anteriores, registrou-
se um aumento de 50% nos incêndios criminosos em unidades de conservação no
mesmo período (LACERDA, 2020).
O Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais, é um dos que
mais têm sido atingidos por esses eventos. Magalhães, Lima e Ribeiro (2012)
investigaram as causas dos incêndios nessa unidade de conservação, que
acumulou 219 ocorrências entre os anos de 1988 e 2008, totalizando 415.572,50
hectares de área queimada. Os autores identificaram que mais de 70% da área
queimada foram provocados por incendiários (que ateiam fogo), seguidos por raio e
limpeza de pastagem. Os incêndios criminosos causam grandes degradações
ambientais, sobretudo na fauna e na flora do Parque. Os dados demonstraram,
ainda, que há maior número de focos de incêndio na área regularizada do parque do
que na área ainda não regularizada. Isso indica que boa parte deles são
premeditados e criminosos.
É difícil determinar as inúmeras razões que levam os indivíduos a atearem
fogo intencionalmente, mas a educação ambiental efetiva envolvendo a comunidade
local pode ajudar a diminuir esses episódios. O fato de ela representar a minoria dos
visitantes do parque demonstra a necessidade urgente de conscientização da
população do entorno da unidade de conservação.

5 BIOGEOGRAFIA BRASILEIRA

Compreender a complexidade e a biodiversidade de um país com um grande


território como o Brasil não é uma tarefa simples. A biogeografia, portanto, é a área
que estuda a distribuição geográfica dos seres vivos através do tempo, e que busca
compreender os padrões e os processos de sua organização espacial.

34
5.1 Natureza da biogeografia

A geografia é uma ciência que tem como principal objetivo o estudo da


organização dos processos espaciais que ocorrem na superfície terrestre,
considerando os fatores físicos, biológicos e humanos e a interação entre eles. A
biogeografia, como parte integrante da ciência geográfica, se ocupa com os mesmos
objetivos, porém com algumas características específicas, se concentrando na
tentativa de explicar a origem, a evolução, a dispersão e a distribuição da vida na
superfície da Terra. Em decorrência disso e diante das inúmeras definições, pode-se
afirmar que a biogeografia trata de uma área do conhecimento científico que se
fundamenta no estudo da distribuição, da adaptação e da explicação dos seres
vivos, sejam vegetais ou animais, e nos diversos lugares da superfície terrestre.
Deve-se destacar, no entanto, que a biogeografia assume uma conotação
espacial diferente de outros setores do conhecimento sistematizado próximos a ela,
como a biologia, a botânica, a zoologia, a agronomia, a ecologia. Conforme
Camargo (1998), o foco de um estudo biogeográfico será sempre voltado para a
abordagem espacial. Segundo essa ideia, compete ao biogeógrafo abordar a
manifestação vital (homens, animais e vegetais) por meio dos fatos distributivos que
contribuem para a interpretação da variação da biota nos mais diferentes lugares do
planeta (CAMARGO, 1998). Essa análise espacial associada à geografia permite
que o biogeógrafo dê as explicações necessárias e pretendidas no seu estudo com
originalidade.
A seguir, veja alguns conceitos elaborados por autores relacionados à
biogeografia e a seu objeto de estudo (VITTE; GUERRA, 2010).
 A biogeografia é o estudo da repartição dos seres vivos na superfície
terrestre e a análise de suas causas (MARTONNE, 1954).
 A biogeografia estuda a repartição dos seres vivos na superfície dos
continentes e as causas dessa repartição no espaço e no tempo (FURON,
1961)
 A biogeografia estuda os organismos vivos, as plantas e os animais na
superfície do globo, em sua repartição, em seu grupamento e em suas
relações com os outros elementos do mundo físico e humano (ELHAI,
1968).

35
 A biogeografia pesquisa as razões da distribuição dos organismos, das
comunidades vivas e dos ecossistemas nas paisagens, países e
continentes do mundo (MUELLER, 1976).
 A biogeografia estuda as interações, a organização e os processos
espaciais, dando ênfase aos seres vivos — vegetais e animais — que
habitam determinado local: o biótopo, onde constituem geobiocenoses
(TROPPMAIR, 2008).

O conceito trazido por Troppmair (2008) foca na discriminação entre a


subdivisão da ciência geográfica e o conjunto de disciplinas do conhecimento de
cunho ecológico — os propósitos e o campo de atuação do biogeógrafo. A análise
espacial como categoria de análise geográfica incide para a investigação das
interações e da organização das diferentes formas de vida em um ponto da
superfície terrestre. Esta unidade de interação e organização é denominada
geobiocenose, que consiste em um sistema inter-relacionado da flora e da fauna em
uma determinada extensão espacial (terrestre e aquática), onde se realizam as
necessidades vitais (VIADANA, 1992).
Conforme os conceitos apresentados, deve-se atentar para as ordens de
escala nos estudos biogeográficos, pois além da espacialidade (lugares, regiões,
continentes e o próprio planeta), considera-se também a escala do tempo, visto que,
por exemplo, nos estudos que se mostram revestidos da interpretação a considerar
origem, evolução e dispersão das espécies (vegetais e animais), também é
necessário considerar a sua localização temporal em termos geológicos.
Em relação à biogeografia brasileira, o trabalho do geógrafo Aziz Ab’Sáber se
destaca na tentativa de diferenciar áreas do território brasileiro que apresentam certa
similaridade em suas características ambientais. A partir disso, o geógrafo elaborou
o conceito de domínios morfoclimáticos e fitogeográficos, que são áreas com ordem
de grandeza territorial significativa, que recobrem boa parte do território brasileiro e
que apresentam similaridade nos aspectos relacionados a feições de relevo, tipos de
solos, formas de vegetação e condições climato-botânicas. No Brasil podem ser
identificados seis diferentes domínios paisagísticos, além de faixas de transição
localizadas, entre eles: domínio amazônico, domínio do cerrado, domínio da

36
caatinga, domínio dos mares de morros, domínio das araucárias e domínio das
pradarias (Figura 1).

5.2 Propósitos da biogeografia

Para atingir seus objetivos, a biogeografia se divide em fitogeografia e


zoogeografia. A fitogeografia trata da investigação distributiva dos vegetais,
enquanto a zoogeografia trata da investigação distributiva dos animais. Em uma
análise geral dos estudos biogeográficos, os estudos fitogeográficos encontram-se
mais desenvolvidos do que os zoogeográficos. Isto se deve à maior facilidade e
disponibilidade das técnicas e de recursos materiais exigidos em uma investigação
sistematizada centrada nas plantas.
Segundo Camargo (1998), é evidente que o estudo dos animais apresenta
maiores dificuldades em função de sua extrema mobilidade e de hábitos exclusivos
de vida. Também o pequeno porte e a pouca capacidade associativa dos nossos
animais, aliados ao hábito noturno de grande número de espécies, dificultam muito o
estudo de suas características e distribuição. Para o autor, o estudo da vegetação
37
realizado pelo geógrafo se reveste de valor em virtude da expressão que a cobertura
vegetal imprime à paisagem, pois constitui um componente de fácil observação na
superfície terrestre. Em função das conexões com o clima, relevo, solo e hidrografia,
a vegetação assume fisionomias únicas, que permitem interpretações bem
fundamentadas por parte dos fitogeógrafos.
Em razão de seus propósitos, a biogeografia possui diversos
desdobramentos; Vitte e Guerra (2010) descrevem alguns deles a seguir.
 Florística/faunística: área que estuda a distribuição geográfica e as causas
de ocorrência de determinada espécie vegetal ou animal em um dado
espaço. Por exemplo, a presença do Caryocar brasiliensis (Figura 2) nos
extensivos dos chapadões da área core no domínio dos Cerrados,
localizados na Região Central brasileira; ou ainda a presença do Astyanax
bimaculatus em hidrotopos represados das bacias hidrográficas do
Sudeste brasileiro. Nos dois exemplos, pode-se inclusive delimitar a
amplitude territorial de ocorrência das espécies, ou, ainda, os fatores
limitantes para as respectivas dispersões.

 Sociológica: também subdividida em fitossociológica e zoossociológica, diz


respeito ao estudo das espécies vegetais e animais que participam de
uma biocenose, como, por exemplo, a atual distribuição dos mangues com
a respectiva fauna, ao longo dos litorais da América do Sul, África e
Sudeste Asiático e seus táxons equivalentes. Na atualidade, com o
desenvolvimento de técnicas e métodos interpretativos fundamentados em
38
especial na palinologia dos manguezais, inúmeros cientistas elaboraram
fortes argumentos na identificação de espécies angiospermas que
pioneiramente desenvolveram tolerância à salinidade, evoluindo para
espécies que caracterizam o exotismo das formações vegetais que
constituem os mangues (VANNUCCI, 1999). Estudos neste nível procuram
explicar as questões de como espécies de plantas e animais ocorrem e
participam em determinada mata, lago ou, ainda, andares de vegetação
em áreas da superfície terrestre.
 Histórica: pesquisa as causas da atual distribuição, a diferença e a
extinção de espécies da flora e da fauna. A título de ilustração, pode-se
citar a distribuição dos fósseis da megafauna pleistocênica na Amazônia
Ocidental, nos terrenos quaternários dos estados do Acre e de Rondônia.
Uma excelente pesquisa a respeito da extinção da megafauna
pleistocênica foi desenvolvida por Ranzi (2000) e teve como propósito o
registro dos mamíferos que habitaram a Amazônia Ocidental durante o
Pleistoceno Superior, com a finalidade de contextualizar esse grupo
faunístico na história da biota amazônica. Troppmair (2008) afirma que
essa área específica da biogeografia abriga respostas às seguintes
questões: como se deu a evolução da espécie X na América do Sul? Por
que a espécie Y da África não ocorre no continente americano? Quais
foram as áreas de refúgio e as causas da extinção de determinadas
espécies da avifauna na Neutrópis?
 Fisionômica: trata especificamente das formas de vida, ou seja, da
expressão singular no mosaico da paisagem, e isso tanto em relação às
formações vegetais como também ao micromodelado do relevo terrestre,
por meio da ação de alguns grupos faunísticos, caso típico dos murundus,
ou termitários, que infestam enormes extensões do território brasileiro,
feitos pelas saúvas e termitas. As indagações que ocorrem para esta
modalidade de investigação biogeográfica podem ser: a vegetação é
aberta ou densa? Arbórea, arbustiva ou rasteira? Quais formações
vegetais resultam deste fato? Responder a questões como essas auxiliam
biogeógrafos a definir uma tipologia específica para a cobertura vegetal do
Brasil Central, como campo limpo, campo sujo, campo cerrado e cerradão,

39
e podem contribuir para a criação de unidades de preservação para este
sutil domínio paisagístico do território brasileiro.
 Econômica: investiga a apropriação, o valor e o aproveitamento de
diferentes espécies vegetais e animais, em benefício da sociedade, sem,
contudo, comprometer a fisiologia da paisagem. Atualmente, em virtude da
biopirataria — principalmente na Amazônia —, exige do biogeógrafo
condutas que passam necessariamente pela ética e moral e, na forma
evidente, por concepções filosóficas que alicercem novas posturas de
pensar e agir sobre a preservação dos mais diversificados biomas.
 Regional: trata do fator distributivo de plantas e animais em diferentes
regiões ou geossistemas que integram o mosaico da paisagem. Um
exemplo de estudo dessa área é o que resultou no modelo dos domínios
morfoclimato-botânicos em território brasileiro, com o estabelecimento de
suas respectivas áreas cores e seus corredores de transição (AB’SÁBER,
1977). O reconhecimento das potencialidades paisagísticas brasileiras
veio a corroborar o conceito de que as unidades de preservação devem
ser delimitadas, reunindo no mínimo dois ou três domínios.
 Médica: consiste na investigação sistematizada da distribuição e as
causas da ocorrência de pragas e moléstias que, neste caso em particular,
tem a contribuir no grave problema da proliferação da dengue e
Biogeografia brasileira 7 da febre amarela, cujos vetores se propagam nos
ambientes aquáticos, localizados no campo ou na cidade. Pesquisas bem
conduzidas aparecem em Lacaz, Baruzzi e Siqueira Júnior (1972), com
considerações a respeito dos fatos essenciais de geografia física do Brasil
e a relação com alguns problemas de patologia humana. Além de
movimentos migratórios, doenças infecciosas e parasitárias e outros
temas como zoonoses, protozooses, helmintíases, viroses, riquetsioses,
cabe lembrar que a biogeografia médica se estende aos estudos da
propagação de pragas que afetam a produção agrícola.
 Evolucionária: realiza o estudo dos seres vivos e as condições
geoecológicas que incidem para a evolução por meio da seleção natural.
Estudos recentes nesta área têm demonstrado casos de especiação em
tempo real. Como, por exemplo, o fato de que, em levantamentos

40
efetuados na América Central Continental e Insular e no Sudeste
brasileiro, o Lebiste reticulatus apresenta diferenciação na gama de cores
e quantidades de pintas sobre o corpo em função da maior ou menor
pressão de seus predadores e do ambiente aquático em que vive, que
pode ou não promover a sua proteção de ataques. Este processo traz,
como consequência, diversidade nos padrões de cores e pintas no corpo
do peixe, evidenciando diferenciações na mesma espécie ao longo de um
mesmo canal fluvial.

5.3 Tendências biogeográficas

Os biogeógrafos foram os primeiros entre os geógrafos a perceber a dinâmica


integrada dos componentes paisagísticos, tais como estrutura geológica, clima, solo,
relevo, vegetação e hidrografia, e isso sem incidir para avaliação isolada e
individualizada do espaço geográfico. Dessa forma, os biogeógrafos deram início a
novas tendências no seu campo específico de estudo, fundamentados em uma visão
holística ou de conjunto, que proporcionou grande progresso na produção
biogeográfica e na própria geografia (MARTONNE, 1954).
Pode-se dizer que a gênese da biogeografia, estabelecida como um corpo de
ideias sistematizadas em tempos modernos, reside principalmente nos esforços de
pesquisadores que se dedicaram ao estudo distributivo dos seres vivos nos séculos
XVIII e XIX, quando surgiram figuras como Lamarck, Humboldt, Darwin, Wallace,
que firmaram princípios sobre o centro de origem, dispersão das espécies, formas
de vida e conexões com o mundo físico e biológico.
Posteriormente, pesquisadores postularam o princípio da vicariância, que
consiste na especificação e no fator distributivo dos seres vivos como resultado das
condições de excepcionalidade, advindas de mudanças ambientais globais,
principalmente aquelas que envolvem a tectônica de placas e que desencadeiam
novos desenhos a respeito da espacialidade vital na superfície terrestre.
Espacialidade está configurada nas quatro dimensões pertinentes ao espaço
geográfico, incluindo o tempo geológico e histórico. Ou seja, a vicariância constitui
um dos mecanismos evolutivos no qual a biogeografia ou a distribuição geográfica
de uma espécie ancestral é fragmentada em duas ou mais áreas, devido ao

41
aparecimento das barreiras naturais, sejam quais forem a sua gênese ou
configuração (MARTONNE, 1954)
Atualmente, a visão evolucionária assume grande prestígio e relevância para
os que se dedicam a esse complexo e interessante estudo sistematizado,
denominado biogeografia. Sendo assim, a biogeografia pode ser admitida,
futuramente, como a ponte unificadora entre a geografia física e a geografia
humana, a ter como maior preocupação o estudo do homem e seus diferentes
ambientes e o entendimento de como o mundo se humaniza, agindo e
transformando a natureza, sem, contudo, desprezar o espaço que a biota ocupa
neste planeta.

6 BIOGEOGRAFIA: ALGUMAS CARACTERÍSTICAS

Biogeografia é uma ciência multidisciplinar que relaciona informações de


diversas outras ciências como biologia, ecologia, geografia, geologia, climatologia e
evolução. Os métodos biogeográficos podem ser aplicados como ferramentas para a
escolha de áreas com o propósito da conservação. O estudo de biogeografia é
dividido em duas grandes subáreas:
 biogeografia histórica, que objetiva reconstruir a origem, a dispersão e as
extinções;
 biogeografia ecológica, que analisa a distribuição atual e a variação
geográfica da diversidade em função das interações entre organismos e o
meio físico e biótico.

A biogeografia ecológica estuda a distribuição dos seres vivos no espaço com


base em sua dinâmica em uma escala de espaço, ou seja, como eles se distribuem
no planeta. Assim, é descoberto o porquê de alguns organismos estarem localizados
onde estão (SCHIAVETT, 1996). A biogeografia ecológica também analisa a
distribuição dos seres vivos em função de suas adaptações às condições atuais do
meio Um dos principais conceitos que surge da biogeografia ecológica é o efeito de
borda. Seu entendimento é fundamental para áreas protegidas, principalmente
fragmentos florestais que se degradam e diminuem devido a esse efeito. O efeito de

42
borda é um dos motivos pelos quais é melhor criar grandes áreas de proteção do
que pequenos fragmentos. Vejamos sua definição a seguir.

6.1 Efeito de borda

O efeito de borda ocorre quando há o isolamento de uma área e ela passa a


ter, em suas bordas, espaços vazios (Figura 1). Um fragmento de floresta se difere
de uma amostra da floresta original, pois sofre muito mais o efeito de borda. As
bordas do fragmento florestal sofrem alterações microclimáticas. Quanto menor o
fragmento, mais suscetível ao efeito de borda ele está. As alterações causadas pelo
efeito de borda são:
 aumento na intensidade da luz solar sobre o solo, o que acarreta um
ambiente mais quente e seco;
 maior ação dos ventos, com maior chance de queda de árvores;
 maior exposição a pragas e agentes químicos, causando a morte lenta;
 alteração da estrutura e composição da mata;
 maior crescimento de espécies heliófilas, que preferem a luz solar,
desestabilizando as plantas adaptadas à sombra e à umidade;
 surgimento de uma vegetação mais densa e menor que impede a
reprodução e o crescimento das plantas maiores do interior do fragmento;
 dificuldade de adaptação das espécies;
 fuga de animais adaptados à sombra e à umidade;
 morte de espécies em decorrência da mudança de hábitat;
 diminuição do fragmento, até afetar a área inteira;
 invasão de plantas rasteiras, trepadeiras e capim que sufocam o
desenvolvimento de outras espécies.

Os efeitos de borda são tão prejudiciais que, além dos efeitos imediatos,
causam efeito de segunda e terceira ordem. Mas nem sempre ocorre esse efeito —
tudo depende de fatores como tipo de vizinhança, formato da área e grau de
isolamento (SCHIAVETT, 1996).

43
6.2 Os efeitos de borda podem ser de primeira, segunda ou terceira ordem

Os efeitos de segunda e terceira ordem são ocasionados pelos efeitos de


primeira ordem que ocorrem de forma imediata (MACIELA, 2007). As mudanças
iniciais são abióticas, causadas pela mudança na temperatura, umidade relativa,
penetração de luz e exposição ao vento. As mudanças que vêm a seguir são
biológicas. A seguir estão listados os diferentes tipos de efeitos de borda.

Biológico de primeira ordem:


 elevação de mortandade de árvores (árvores mortas ainda de pé);
 queda de árvores nas margens;
 queda excessiva de folhas;
 crescimento de plantas (arbustos) na margem;
 diminuição da população de pássaros perto da margem;
 efeitos de superpopulação de aves refugiadas.

Biológico de segunda ordem:


 crescimento da população de insetos.

44
Biológico de terceira ordem:
 distúrbios na população de borboletas no interior da floresta;
 crescimento de animais “que gostam da luz”;
 aprimoramento e crescimento demográfico das espécies insetívoras,
exceto as aves.

6.3 A UC vista pelo estudo da biogeografia de ilhas

A teoria da biogeografia de ilhas foi desenvolvida na década de 1960 por


Robert MacArthur e E.O. Wilson para explicar como o número de espécies em uma
ilha se mantém sem muitas variações enquanto que a composição dos grupos muda
ao longo do tempo. Essa teoria considera a taxa de colonização das ilhas e a
extinção das espécies que estão nela, relacionando o tamanho de ilha e a
proximidade da área-fonte onde estão as espécies que migrarão para colonizar a
ilha. Logo após o surgimento dessa teoria, ecólogos perceberam que ela poderia ser
aplicada na conservação. Por isso possui ligação com áreas protegidas e Unidades
de Conservação (UCs) (MACARTHUR; WILSON,1963;1967).
Para utilizar essa teoria em UCs, foi realizada uma analogia entre as áreas
que possuíam a fragmentação de hábitats e os fragmentos de ilhas, levando os
cientistas a se perguntarem se era melhor preservar um fragmento grande ou vários
fragmentos pequenos. Em resumo, essa é uma das teorias utilizadas para definição
do desenho de áreas a serem protegidas.
A teoria defende que preservar uma grande área única possui mais eficiência
do que vários fragmentos, pois essas áreas grandes possuem capacidade para
abrigar um maior número de espécies. Apesar disso, alguns estudos afirmam que há
perigos na criação de grandes áreas, pois estão mais suscetíveis a catástrofes e
extinção em massa, enquanto que em pequenos fragmentos protegidos a
probabilidade de algum deles se manter intacto é maior.
O formato da UC também é um fator importante na proteção. A forma circular
garante mais a preservação devido ao efeito península. Em penínsulas, extensões
de terra cercadas de água por todos os lados menos um, que a liga ao continente ou
a uma região maior de terra, existem menos espécies do que em áreas de igual

45
tamanho e sua riqueza diminui da base para o topo. Por isso a forma circular, que
não apresenta penínsulas, possuiria maior riqueza de espécies.
A partir da teoria de biogeografia de ilhas surgiram também os conceitos de
corredores naturais ou artificiais, que lembram os atuais corredores ecológicos.
Esses corredores são ligações entre áreas preservadas, principalmente pequenos
refúgios, que aumentam ou mantêm estável a riqueza específica, a diversidade das
espécies, o tamanho populacional e diminuem o cruzamento entre parentes, que
reduz a variabilidade genética (endocruzamento) (MACARTHUR;
WILSON,1963;1967).
O endocruzamento é um problema em áreas de preservação, pois a
diminuição da variabilidade genética pode levar à extinção de espécies. Assim surge
o conceito de população mínima viável, que é o número mínimo de espécies que
devem ocorrer em uma área para que não haja o endocruzamento e se mantenham
as diferentes características entre as mesmas espécies.
Ainda há o conceito de ilhas ambientais, que são áreas naturais isoladas por
um ambiente diferente. Como exemplo, podemos citar os fragmentos florestais em
meio a cidades (Figura 2). Essas ilhas possuem relação com as ilhas continentais e
oceânicas, pois têm dinâmicas parecidas. A partir do descobrimento dessa relação,
esses tipos de ilhas começaram a ser relacionados para o estudo de preservação
das áreas.
A premissa dessa teoria é que a redução da área de uma ilha (por
desmatamento, por exemplo) resultaria na redução da capacidade dessa ilha em
tolerar o mesmo número original de espécies. Ao contrário, ela toleraria apenas um
número de espécies correspondente àquele de uma ilha menor. Esse modelo tem
sido aplicado às UCs e prediz que quando 50% de uma ilha é destruída,
aproximadamente 10% das espécies que se encontram nessa ilha serão eliminadas.

46
Apesar de ainda prosseguirem os debates sobre as melhores formas de
conservação de áreas, acreditamos que a ênfase que a teoria de biogeografia de
ilhas dá à diversidade de espécies limita sua aplicação ao desenho de reservas. Isso
porque ele envolve muitas outras considerações importantes, como a raridade das
espécies e a representatividade dos hábitats.
Foram desenvolvidos diversos métodos para escolha e desenho de áreas
prioritárias para formação de UCs, mas, paralelamente, continuaram surgindo áreas
protegidas fruto de oportunismo. A representatividade que deve haver em um
conjunto de áreas protegidas, para assegurar a máxima proteção possível da
biodiversidade, é colocada em risco por esse oportunismo, pois há recursos
limitados para as reservas que acabam sendo usados em áreas menos importantes.
Os sistemas de UCs possuem, em geral, uma amostra rica em biodiversidade, dado
que muitas reservas foram alocadas em locais remotos ou simplesmente em áreas
que não apresentavam nenhum outro uso potencial (MACARTHUR;
WILSON,1963;1967).

47
6.4 Princípios da biogeografia de ilhas e espécies a serem protegidas

A biogeografia possui alguns princípios que, quando aplicados, ajudam na


diminuição da taxa de extinção. Esses princípios estão relacionados ao tamanho das
áreas protegidas e ao formato com que elas se estabelecem. Os princípios são:
 reservas grandes são preferíveis a reservas pequenas;
 uma reserva é melhor do que várias de tamanho cumulativo equivalente;
 reservas próximas são preferíveis a reservas mais espaçadas;
 reservas agrupadas em torno de um centro são melhores do que aquelas
dispostas em linha;
 reservas circulares são preferíveis a reservas alongadas;
 reservas conectadas por corredores são preferíveis a reservas não
conectadas.
Existem espécies fundamentais a serem protegidas, cuja extinção acarretaria
mudanças negativas em todo o ecossistema. Elas são consideradas espécies-
chave. As espécies-chave possuem uma função ecológica de grande influência na
sobrevivência das demais espécies, como, por exemplo, servindo de abrigo e
proteção ou alimento. Além delas, existem outros tipos de espécies importantes para
a criação de uma UC:
 Indicadoras: espécies sensíveis a mudanças no ecossistema.
 Guarda-chuvas: espécies que necessitam grandes áreas.
 Símbolos: espécies carismáticas que incentivam iniciativas de
conservação.
 Vulneráveis: espécies raras, sujeitas à extinção pelas atividades
humanas.

6.5 Caracterização dos mosaicos de UCs

O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) reconhece como


modelos de gestão territorial para conservação da natureza e ordenamento territorial
as reservas da biosfera, os corredores ecológicos e os mosaicos de áreas
protegidas como instrumentos de gestão e ordenamento territorial voltados à
conservação da natureza. (LINO; ALBUQUERQUE, 2007). O mosaico de UC é

48
caracterizado por um modelo de gestão que busca a integração dos gestores de UC
e da população local na sua gestão das mesmas. Esse mosaico nada mais é do que
o conjunto de UCs, de categorias diferentes ou não, próximas, justapostas ou
sobrepostas, e outras áreas protegidas públicas ou privadas que garantem a
presença da biodiversidade, a valorização da sociodiversidade e o desenvolvimento
sustentável.
Os mosaicos conseguem fazer com que haja maior interação entre a
população local, o governo local e os órgãos gestores de diferentes esferas de
atuação para promover ações de proteção das áreas ambientais. Os grandes
benefícios ultrapassam a conservação de pequenas áreas. Os mosaicos conseguem
melhorar as dinâmicas de grandes áreas, fazendo com que a sociodiversidade seja
respeitada, a fauna e a flora sejam protegidas e as atividades sejam desenvolvidas
de maneira sustentável. Um mosaico é composto por fragmentos naturais ou não
com diferentes formas, conteúdo e funções (LINO; ALBUQUERQUE, 2007)
O Ministério do Meio Ambiente (BRASIL, 2010) é responsável por reconhecer
mosaicos, conforme procedimentos instituídos na Portaria nº 482, de 7 de dezembro
de 2010. Alguns dos mosaicos de UCs presentes no Brasil são:
 Mosaico Capivara-Confusões
 Mosaico do Litoral de São Paulo e Paraná
 Mosaico Bocaina
 Mosaico Mata Atlântica Central Fluminense
 Mosaico Mantiqueira
 Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu
 Mosaico do Espinhaço Alto Jequitinhonha – Serra do Cabral
 Mosaico Mico-Leão-Dourado
 Mosaico do Baixo Rio Negro
 Mosaico da Foz do Rio Doce
 Mosaico do Extremo Sul da Bahia
 Mosaico Carioca
 Mosaico da Amazônia Meridional

No Brasil, há, atualmente, 20 mosaicos reconhecidos e, apesar desse número


significativo e da existência de aproximadamente outros 20 em processo de
49
discussão ou reconhecimento, não existem regras ou conteúdo formalmente
estabelecidos sobre eles.

6.6 Mosaicos, corredores ecológicos e reservas da biosfera

Os mosaicos são capazes de fortalecer os corredores ecológicos na medida


em que essas áreas passam a ter uma gestão integrada, pois garantem o seu
manejo sustentável sem ocorrer impacto em nenhuma área, seja um corredor
ecológico, uma zona de amortecimento ou a própria UC. Já com relação à reserva
da biosfera, o mosaico é um instrumento de gestão que abrange os três os tipos de
zonas territoriais — as zonas núcleo, de amortecimento e de transição. Para
diferenciar, ainda, esses três elementos de proteção podem ser comparados em
relação às UCs: na reserva da biosfera, elas são a zona núcleo; nos corredores
ecológicos, são ligações que possibilitam o fluxo gênico das espécies, e, por fim, nos
mosaicos, elas são a própria composição do território, que é definido a partir dos
limites delas mesmas (MACIEL, 2007).
Um exemplo é o Mosaico do Jalapão (Figura 3), que abrange uma área de
quase três milhões de hectares, incluindo UCs na Bahia e no Tocantins. Com o
Jalapão, o Brasil passou a ter 15 mosaicos reconhecidos oficialmente. Outro bom
exemplo é o Programa Mosaicos e Corredores Ecológicos da Mata Atlântica,
coordenado pela Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA), programa criado
em 2004 e que possui os seguintes objetivos básicos:
 promover a gestão integrada de UCs vizinhas, otimizando recursos
humanos, técnicos e materiais, bem como a integração de políticas entre
seus órgãos gestores e a sociedade local;
 utilizar a figura do mosaico como mecanismo de adequação de limites de
categorias de UCs para um melhor ordenamento territorial e harmonização
das necessidades de conservação e desenvolvimento sustentável na Mata
Atlântica;
 no âmbito desse Programa, a RBMA está desenvolvendo e apoiando a
elaboração e implementação de diversos projetos para reconhecimento,
fortalecimento e intercâmbio de mosaicos de UCs e áreas protegidas na
Mata Atlântica.

50
7 DIREITO E LEGISLAÇÃO AMBIENTAL

A legislação ambiental foi concebida ao longo das necessidades humanas


mais aparentes e das prioridades econômicas, principalmente no Brasil. Nas últimas
décadas, com muitos impactos ambientais sentidos pela sociedade, leis completas e
com foco no interesse da coletividade ganharam força e peso.

7.1 Principais leis ambientais e sua relevância

O Brasil possui uma forte legislação ambiental, considerada uma das mais
completas e complexas do mundo. O Direito Ambiental é uma especialização de
fundo teórico, área que tem crescido gradativamente, mas todos os profissionais que
lidam com questões ambientais precisam conhecer as principais leis da área. As
regulamentações sobre o meio ambiente estão disponíveis e podem ser consultadas
na Internet, pois seria maçante e improdutivo todas serem abordadas neste capítulo.
A melhor forma de estudo da legislação ambiental é consultar o próprio documento
on-line, visto que é atualizado com frequência. O país nasceu com uma legislação
vinda de Portugal.

51
A evolução da legislação foi lenta e atrelada, muitas vezes, aos interesses de
Portugal, que via o Brasil apenas como fonte de riquezas para exploração. Esse
modo de crescimento afetou a natureza nacional e ainda é presente no país. Com o
Brasil independente e republicano, inúmeras leis surgiram e alteraram, de forma
definitiva, a relação da sociedade com o meio ambiente.

7.2 Constituição Federal de 1988

A Constituição de 1988 foi um marco ambiental para o Brasil por considerar


que o ecossistema equilibrado é direito de todos. Grandes desastres ambientais sem
precedentes, como o de Chernobyl (1979), o da indústria química Seveso (1976) e
os graves problemas de saúde causados pelos poluentes em Cubatão (SP),
impulsionaram a consolidação de regulamentação federal para o monitoramento dos
impactos ambientais.
Entre os artigos que foram inovadores, destaca-se o Art. 225º. Confira alguns
trechos (BRASIL, 1988):
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse
direito, incumbe ao poder público: I - preservar e restaurar os processos
ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e
ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio
genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e
manipulação de material genético.

7.3 Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981

Essa lei estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, considerada a


mais relevante das leis ambientais. Criou e implementou os Estudos de Impacto
Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), documentos
necessários para analisar e aprovar a instalação de um empreendimento. Também
definiu, conceitualmente, vários termos e a obrigatoriedade da educação ambiental
em todos os níveis. Analise os incisos do Art. 2º a seguir, que descrevem os
princípios da Política Nacional do Meio Ambiente:

52
I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico,
considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser
necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;
II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;
Ill - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;
IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas
representativas;
V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente
poluidoras;
VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso
racional e a proteção dos recursos ambientais; 123Direito e legislação
ambiental;
VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental;
VIII - recuperação de áreas degradadas (Regulamento);
IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação;
X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação
da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa
do meio ambiente (BRASIL, 1981).

7.4 Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998

É conhecida como a Lei de Crimes Ambientais ou Lei da Vida. A lei tipifica os


crimes ambientais e as respectivas penas atribuídas. Muitas vezes classificada por
determinados peritos como contraditória, é a referência para identificar e punir o
delito ambiental. A lei é bastante discutida e há projetos no Senado para alterações
referentes às punições. Examine os trechos do Art. 29º:
Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna
silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou
autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas:
I - quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em
desacordo com a obtida;
II - quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural.
§ 2º No caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada
ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar
de aplicar a pena.
§ 3° São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às
espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres,
que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites
do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras.
§ 4º A pena é aumentada de metade, se o crime é praticado:
I - contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que
somente no local da infração;
II - em período proibido à caça.
§ 5º A pena é aumentada até o triplo, se o crime decorre do exercício de
caça profissional (BRASIL, 1998).

53
7.5 Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012

Conhecido como Código Florestal, regulamenta todas as medidas de


proteção que envolvem as áreas com cobertura vegetal ou que foram devastadas. A
lei define os parâmetros de classificação dos locais protegidos e os níveis de
exploração permitidos e também caracteriza as contravenções penais. O Código
Florestal teve sua última alteração no ano de 2012, com muitas polêmicas. Muitos
ambientalistas acreditam que houve retrocesso sob alguns aspectos, como no Art.
67º:
Nos imóveis rurais que detinham, em 22 de julho de 2008, área de até 4
(quatro) módulos fiscais e que possuam remanescente de vegetação nativa
em percentuais inferiores ao previsto no art. 12, a Reserva Legal será
constituída com a área ocupada com a vegetação nativa existente em 22 de
julho de 2008, vedadas novas conversões para uso alternativo do solo
(BRASIL, 2012).

Coincidentemente ou não, o Brasil aumentou o desmatamento nos anos


posteriores ao novo Código Florestal.

7.6 Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007

A Lei do Saneamento define os direitos da população e outras diretrizes


referentes ao saneamento básico. Como saneamento básico, a lei entende o acesso
ao abastecimento de água potável, o acesso à rede de esgoto, a limpeza urbana e o
adequado destino dos resíduos sólidos e também a drenagem das águas pluviais do
município. Leia um trecho do Art. 12º:
Nos serviços públicos de saneamento básico em que mais de um prestador
execute atividade interdependente com outra, a relação entre elas deverá
ser regulada por contrato e haverá entidade única encarregada das funções
de regulação e de fiscalização.
§ 1o A entidade de regulação definirá, pelo menos:
I - as normas técnicas relativas à qualidade, quantidade e regularidade dos
serviços prestados aos usuários e entre os diferentes prestadores
envolvidos;
II - as normas econômicas e financeiras relativas às tarifas, aos subsídios e
aos pagamentos por serviços prestados aos usuários e entre os diferentes
prestadores envolvidos;
III - a garantia de pagamento de serviços prestados entre os diferentes
prestadores dos serviços;
IV - os mecanismos de pagamento de diferenças relativas a inadimplemento
dos usuários, perdas comerciais e físicas e outros créditos devidos, quando
for o caso;
V - o sistema contábil específico para os prestadores que atuem em mais de
um Município (BRASIL, 2007).

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O direito do cidadão ao saneamento, conforme lido no Art. 12º, não necessita
ser realizado por um serviço público, ou seja, é de responsabilidade do governo
municipal ou de um consórcio entre as cidades, que pode terceirizar o serviço, desde
que mantenha o controle sobre o serviço ofertado e fiscalize.

7.7 Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010

A Política Nacional dos Resíduos Sólidos reúne diretrizes, objetivos, metas e


ações para o manejo e a gestão adequada desse tipo de resíduo, tanto para os
poderes públicos, como para os empreendimentos particulares. A intenção é cobrar
de todos os setores o planejamento responsável dos resíduos sólidos. Um dos
grandes avanços da lei é o fomento da logística reversa e a responsabilidade
compartilhada. No Art. 3º temos o entendimento dessas estratégias:
XII - logística reversa: instrumento de desenvolvimento econômico e social
caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados
a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor
empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos
produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada.
XVII - responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos:
conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes,
importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos
titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos
sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados,
bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à
qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos, nos termos
desta Lei (BRASIL, 2010).

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8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

Bibliografia Básica

Bibliografia Consultada

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