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Módulo 2

SISTEMÁTICA DOS SERES VIVOS


Ambiente e Desenvolvimento Rural

Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

Curso Profissional: Técnico de Turismo Ambiental e Rural


Disciplina: Ambiente e Desenvolvimento Rural

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Ambiente e Desenvolvimento Rural

Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

Índice

Apresentação ............................................................................................................. 3
Objetivos ................................................................................................................... 4
1. Diversidade da Vida - uma perspetiva evolutiva ........................................................ 5
2. Sistemática – ciência da classificação ....................................................................... 8
2.1 Classificações biológicas e sua evolução (breve referência) ................................... 8
3. Critérios de classificação ........................................................................................ 13
4. Categorias taxonómicas ......................................................................................... 21
4.1. Regras básicas de nomenclatura ....................................................................... 28
5. Sistemas de classificação dos seres vivos em Reinos ................................................ 31
5.1.Procariontes - Reino Monera ............................................................................. 35
5.1.1. Organização dos procariontes ..................................................................... 36
5.1.2. Importância biológica dos procariontes ....................................................... 40
5.2. Eucariontes - Reino Protista ............................................................................. 41
5.2.1. Divisão dos protozoários ............................................................................ 43
5.2.2. Divisão das algas....................................................................................... 46
5.3. Eucariontes - Reino Fungi ................................................................................ 49
5.3.1. Diversidade e classificação dos fungos ........................................................ 53
5.3.2. Fungos – importância ecológica e económica ............................................... 57
Anexo 1 – Guia de atividades de campo ...................................................................... 58
Bibliografia/Outros recursos ....................................................................................... 60

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Apresentação

Ao longo dos tempos têm surgido diferentes propostas para explicar a diversidade
biológica. A seleção natural dos organismos mais adaptados permite compreender que as
populações se possam modificar e, nesse sentido, possam ser consideradas unidades
evolutivas.

A fim de tornar mais acessível o estudo da enorme diversidade do mundo vivo foram
também surgindo, ao longo dos tempos, diferentes propostas de classificação taxonómica
dos organismos.

A modificação dos sistemas de classificação estará sempre dependente do aparecimento


de novos dados científico-tecnológicos que exijam a sua revisão. Tendo em conta níveis de
organização, modos de nutrição e interações nos ecossistemas, Wittaker propôs um
sistema de classificação em cinco Reinos, que ainda hoje reúne alargado consenso na
comunidade científica.

Para não tornar este módulo muito extenso, serão apenas abordados os Reinos Monera,
Protista e Fungi, ficando a sistemática do Reino das Plantas e Animais para o módulo
seguinte.

Recomenda-se a realização de trabalhos práticos de classificação de alguns seres vivos,


tendo por base a utilização de chaves dicotómicas simplificadas e bibliografia adequada.

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Objetivos

• Relacionar a necessidade de classificações em Biologia com a grande diversidade


de formas vivas;
• Tomar conhecimento dos fundamentos da sistemática;
• Distinguir os diferentes sistemas de classificação;
• Identificar critérios subjacentes a diferentes sistemas de classificação e discutir
respetivas vantagens e limitações;
• Aplicar regras básicas de nomenclatura;
• Caracterizar os organismos em função dos diferentes reinos;
• Reconhecer a importância ecológica e económica dos procariontes e dos fungos;
• Observar, distinguir e identificar seres vivos recorrendo à utilização de chaves
dicotómicas simples e bibliografia adequada;
• Utilizar fontes diversificadas para pesquisar, organizar e sintetizar informação.

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1. Diversidade da Vida - uma perspetiva evolutiva

A existência de vida na Terra é uma singularidade que distingue o nosso planeta do resto
do Universo conhecido. Há evidências de que a Terra é habitada por seres vivos desde há
3800 M.a. aproximadamente. A história da vida é uma história de mudança. As teorias
evolucionistas procuram explicar como se desenvolveram as diversas formas de vida, com
as semelhanças e diferenças que apresentam.

Considera-se, hoje, que o número de espécies de seres vivos que existem na Terra pode
estar compreendido entre 5 e 100 milhões, e a diversidade da vida atual representa
apenas uma pequena parte da biodiversidade que existiu no passado.

As espécies não se formam nem se extinguem a um ritmo fixo. Pelo contrário, devem ter
existido períodos na história da Terra em que a vida floresceu e, noutras ocasiões, ocorreu
uma extinção em massa, com desaparecimento de muitas espécies ou mesmo de grupos
completos de organismos.

O estudo dos fósseis revela que a vida mudou ao longo do tempo, sugerindo
reconstituições que, embora por vezes fantasistas, permitem representar a história
geológica da vida (Figura 1).

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Figura 1 – Espiral da História Geológica da Vida.

Os fósseis são geralmente poucos e pouco completos. De um modo geral, ficaram


preservadas peças mais ou menos mineralizadas, como conchas, dentes, ossos, etc. dos
seres primitivos mais simples, poucos vestígios se encontram e as partes moles dos seres
mais complexos dificilmente deixam as suas impressões. Por isso se admite que a vida no
passado foi bem mais exuberante do que aquela que a Paleontologia revela.

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Felizmente sabe-se que cada organismo vivo transporta vestígios da sua história evolutiva,
na anatomia, nas suas moléculas e no metabolismo. Esses vestígios são como uma
passagem para o passado completando os dados fósseis.

A história da vida é demasiado complexa, feita de avanços e recuos, para poder ser
representada de um modo tão simplista. De qualquer forma, podemos aperceber-nos de
que houve uma diversificação e um aumento progressivo de complexidade ao longo do
tempo.

Uma das hipóteses sobre a origem da vida admite que ela se iniciou na água, talvez há
3800 M.a. Julga-se que os primeiros organismos eram unicelulares, procariontes e
heterotróficos, talvez do tipo de bactérias muito primitivas. Bastante mais tarde
apareceram as células eucarióticas e, a partir destas, ter-se-ão originado os organismos
multicelulares.

Os animais com concha e os primeiros Vertebrados apareceram talvez há 550 M.a. A


conquista do meio terreste começou há 400 M.a. quando a camada de ozono já era
suficiente para filtrar as radiações nocivas. Primeiro foram as plantas que começaram a
colonizar o meio terrestre, acabando por originar extensas florestas que cobriram os
continentes. Só depois (-370 M.a.) animais como Artrópodes e Vertebrados começaram
também a conquistar ambientes fora da água.

A conquista dos ambientes terrestres foi acompanhada por uma explosão de diversidade,
dada a variedade de nichos ecológicos diferentes que estavam disponíveis e que foram
ocupados pelos seres vivos terrestres. Há 120 M.a. deve ter ocorrido uma radiação
adaptativa nas plantas, tendo evoluído todos os ancestrais das plantas atuais com flor. A
radiação adaptativa dos Mamíferos ocorreu há 65 M.a., ao mesmo tempo que se dava a
extinção dos dinossauros.

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2. Sistemática – ciência da classificação

Do esforço de encontrar ordem na imensa diversidade da vida nasceu a Sistemática,


ciência que faz o estudo científico dos seres vivos, das suas relações evolutivas e
desenvolve sistemas de classificação que refletem essas relações.

O ramo da Sistemática que se ocupa da classificação dos seres vivos e da nomenclatura


(dar nome aos grupos formados) designa-se por Taxonomia.

A Sistemática inclui, então, a taxonomia e a biologia evolutiva. Agrupar os seres vivos em


conjuntos coerentes e estabelecer relações entre os grupos é normalmente complexo e
controverso. Os sistematas estão em permanente avaliação do trabalho que realizam e,
quando novos dados são descobertos, os anteriores são reinterpretados.

2.1 Classificações biológicas e sua evolução (breve referência)

Os sistemas da classificação começaram por se basear nas características dos organismos


em função do seu interesse para o Homem – eram sistemas de classificação práticos
(ex.: venenosos/não venenosos; comestíveis/não comestíveis, …).

Com Aristóteles (384-322 a.C.) estabeleceram-se sistemas de classificação racionais,


isto é, sistemas de classificação que têm por base um número restrito de características
(por vezes só uma) dos organismos (Figura 2).

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Figura 2 – Distribuição dos seres vivos de acordo com Aristóteles.

No entanto, a diversidade destes sistemas de classificação era enorme pois a escolha da


característica utilizada na base de classificação era pessoal e arbitrária.

Em meados do século XVIII, Carl Von Linné (Lineu), naturalista sueco, apresentou um
sistema de classificação baseado em várias características morfológicas e fisiológicas,
tendo constituído o primeiro sistema de classificação natural proposto.

As classificações naturais têm por base uma organização dos grupos segundo o maior
número de caracteres possível. Os grupos assim formados conseguem reunir organismos
com maior grau de semelhança.

Quer as classificações artificiais quer as naturais surgiram numa época na qual dominavam
as ideias fixistas e, por isso, partem do princípio da imutabilidade das espécies,
privilegiando as características estruturais dos organismos e não entrando em linha de
conta com o fator tempo. Por esse motivo, são frequentemente designadas
classificações horizontais.

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O posterior desenvolvimento das ideias evolucionistas veio também afetar os sistemas de


classificação. Como as espécies se foram diversificando ao longo do tempo, as
classificações deviam refletir as relações filogenéticas entre os organismos.

As semelhanças entre os organismos surgem como consequência da existência de um


ancestral comum, a partir do qual os vários grupos foram divergindo ao longo do tempo.
O grau de semelhança entre eles está relacionado com o tempo em que ocorreu a
divergência.

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Atualmente, pode considerar-se a existência de dois tipos principais de classificação


biológica: a fenética e a filogenética (evolutiva, filética ou cladística).

Os sistemas de classificação fenéticos:


− Têm como principal objetivo permitir a identificação rápida de um ser vivo sem ter
em atenção as relações evolutivas desse organismo com os outros;
− Baseiam-se no grau áximo de semelhança entre organismos tendo em conta a
presença ou ausência de uma série de carateres fenotípicos (Figura 4);
− Têm como desvantagem o facto de nem todas as características fenotípicas
semelhantes corresponderem a uma proximidade evolutiva (ex.: a semelhança
pode dever-se a uma evolução convergente que originou estruturas análogas).

Os sistemas de classificação filogenéticos:


− procuram traduzir com rigor as relações entre os organismos, tendo em conta a
história evolutiva dos seres (Figura 5);

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− consideram dois tipos de características para fazer a classificação dos organismos


numa perspetiva filogenética: (i) características primitivas, ancestrais ou
plesiomórficas, presentes em todos os organismos de um grupo como resultado
de terem descendido de um ancestral comum em que essas características
estavam presentes; (ii) características evoluídas, derivadas ou apomórficas,
presentes nos indivíduos de um grupo e que não estão presentes no ancestral
desse grupo, o que indica que houve separação de um novo ramo.
− seres (Figura 5);

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3. Critérios de classificação

As primeiras classificações biológicas eram baseadas na morfologia externa, utilizando


características facilmente observáveis. Mais tarde seguiram-se critérios relativos à
morfologia interna e critérios fisiológicos. A par destes utilizam-se, atualmente, novos
dados para o estabelecimento das relações taxonómicas.

✓ Critérios morfológicos
Os critérios morfológicos são importantes mas têm de ser utilizados com prudência. Nem
todas as semelhanças morfológicas devem ser consideradas como tradutoras de um
passado evolutivo com origem idêntica. Há seres com aspeto morfológico semelhante que
se incluem em grupo taxonómicos diferentes e há seres com aspeto morfológico diferente
incluídos no mesmo grupo taxonómico (Figura 6).

Quando se classifica é necessário ter em conta fenómenos de convergência e divergência


evolutiva. Há também animais que passam por metamorfoses, apresentando formas
diferentes durante o seu desenvolvimento. Noutros casos, os indivíduos no estado adulto
têm polimorfismo, ou seja, apresentam várias formas (ex.: abelhas).

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É necessário realizar um estudo comparativo da morfologia, da fisiologia e da distribuição


geográfica, para compreender os fenómenos de adaptação evolutiva das espécies no
sentido de conduzir a uma classificação que expresse as verdadeiras relações
filogenéticas. O grau de divergência acentua-se à medida que se consideram
agrupamentos de hierarquia mais elevada.

✓ Simetria corporal
O termo simetria refere-se à distribuição das partes de um todo em relação a planos. A
maioria dos seres vivos tem simetria bilateral (quando possuem um único plano de
simetria) ou simetria radiada (simetria em relação a vários planos que se intercetam
num eixo), podendo alguns apresentar outros tipos de simetria, ou mesmo serem
assimétricos (Figura 7).

✓ Paleontologia

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A Paleontologia permite conhecer grupos de seres vivos hoje extintos e estabelecer


relações de parentesco entre diversos grupos de organismos. Os fósseis, ao revelarem
espécies inexistentes atualmente, contrariam a ideia da sua imutabilidade e apoiam o
evolucionismo. As formas fósseis de transição apresentam características intermédias
de grupos diferentes de organismos atuais, revelando a sua interdependência evolutiva. A
descoberta de séries completas de fósseis ilustram modificações graduais sofridas ao
longo do tempo (amonites, cavalos…) e ajudam a construir árvores filogenéticas.

✓ Tipos de nutrição
O Sol é a fonte primária de energia para a vida e o carbono é um elemento químico básico
da matéria orgânica.

Os seres vivos que sintetizam matéria orgânica utilizando a energia radiante dizem-se
seres fototróficos e os que utilizam a energia química proveniente de compostos
químicos são seres quimiotróficos. Quanto à fonte de carbono, consideram-se os seres
autotróficos os que usam como fonte de carbono um composto inorgânico (CO2 ou CO)
e heterotróficos os que usam a matéria orgânica como fonte de carbono (Quadro 1).

Quadro 1 – Fontes de energia e fontes de carbono para os seres vivos.

Os seres fotoautotróficos ocupam um lugar primário na maioria dos ecossistemas. No


entanto, os seres quimioautotróficos também são produtores e desempenham um
importante papel na produção de matéria orgânica em locais onde a luz não chega. Os

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consumidores do ecossistema, seres heterotróficos, utilizam matéria orgânica elaborada


pelos produtores. De notar ainda que existem algumas bactérias que, apesar de utilizarem
a energia radiante, não são capazes de produzir matéria orgânica a partir da matéria
mineral, sendo pois foto-heterotróficos.

O consumo da matéria orgânica pelos seres heterotróficos pode efetuar-se por ingestão
e absorção. No processo de ingestão, o alimento é digerido no interior do organismo
(digestão intracorporal), podendo ocorrer dentro de células (digestão intracelular)
ou no interior de cavidades especializadas (digestão extracelular). Na digestão
extracorporal, através de enzimas digestivas que lança para o exterior, o organismo
efetua a decomposição das macromoléculas fora do seu corpo. As moléculas simples,
provenientes da digestão, são depois absorvidas.

✓ Organização estrutural
Existe um aumento de complexidade evidente desde os seres procariontes aos seres
eucariontes unicelulares e aos multicelulares mais complexos, o que se traduz por uma
elevada especialização celular, morfológica, estrutural e fisiológica. Surgem assim os
tecidos e, em organismos mais complexos, órgãos e sistemas de órgãos.

✓ Embriologia
A Embriologia consiste no estudo do desenvolvimento embrionário dos organismos e tem-
se revelado um critério muito útil na classificação dos seres vivos, especialmente nos
animais. O estudo comparativo dos embriões revela semelhanças nas primeiras fases de
desenvolvimento embrionário e estruturas comuns aos embriões de diferentes grupos, em
particular entre vertebrados (Figura 8).

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✓ Cariologia
Há identidade entre os conjuntos cromossómicos de todas as células dos indivíduos que
pertencem à mesma espécie, existindo mesmo numerosas analogias entre cariótipos de
indivíduos incluídos em espécies diferentes. Métodos de análise modernos têm permitido
comparar cariótipos como, por exemplo, o cariótipo humano com os cariótipos de alguns
símios superiores e estabelecer possíveis relações entre os respetivos grupos. (Figura 9).

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✓ Comportamento
As diferenças observadas nos padrões de comportamento dos indivíduos constituem
também um critério válido na classificação dos seres vivos. É também frequente a
utilização de dados relativos à parada nupcial.

A Figura 10 apresenta padrões de som gravados de três espécies de grilos comuns. Os


grilos emitem sons para atrair as fêmeas e estas respondem só a determinado tipo desses
sons sendo, desta forma, capazes de identificar os machos da sua espécie.

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✓ Dados bioquímicos
Estes critérios permitem comparar biomoléculas. Todos os organismos são constituídos
pelos mesmos compostos orgânicos mas pode dizer-se que cada espécie tem as suas
próprias proteínas. Quanto maior for o número de aminoácidos diferentes entre cadeias
polipeptídicas de uma dada molécula proteica em dois indivíduos diferentes, menor é o
grau de parentesco entre esses dois indivíduos.

Também a comparação de sequências de bases e a hibridação de DNA permitem


estabelecer relações evolutivas, sendo a taxa de hibridação proporcional ao grau de
parentesco evolutivo (Figura 11).

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As técnicas bioquímicas são ainda especialmente úteis quando se trabalha com


microrganismos, uma vez que há bactérias que têm aspeto morfológico e estrutural muito
idêntico mas mostram diferenças bioquímicas suficientemente grandes para permitir a sua
classificação em espécies diferentes.

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4. Categorias taxonómicas

Lineu é considerado o pai da Taxonomia. No sistema de classificação que desenvolveu, os


seres vivos são agrupados em dois grandes reinos, Plantas e Animais, que se subdividem
em categorias progressivamente de menor amplitude: classes, ordens, géneros e espécies.

O modelo lineano de ordenação dos seres vivos numa série ascendente de grupos de
complexidade crescente é um sistema hierárquico de classificação. Esta hierarquia
taxonómica ampliou-se consideravelmente desde o tempo de Lineu e cada uma das
categorias taxonómicas é também designada por taxon (plural taxa).

Os principais taxa utilizados nas classificações atuais são:

Reino – Filo – Classe – Ordem – Família – Género – Espécie. Em Botânica utiliza-se


o termo Divisão em vez de Filo (Figura 12).

Figura 12 – Categorias taxonómicas.

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Por vezes é necessário considerar categorias intermédias e, para as distinguir, usam-se


prefixos como super, infra e sub.

À medida que se estudam as hierarquias e se observam os organismos dentro de cada


grupo, tornam-se mais claras as semelhanças em cada nível mais baixo. Quanto mais
semelhantes forem os organismos, maior é o número de taxa comuns a que pertencem.

A espécie é a unidade básica da classificação e representa um grupo natural, constituída


por um grupo de indivíduos que partilham o mesmo fundo genético, e que lhes permite
cruzarem-se entre si e originar descendência fértil.

A utilização de chaves dicotómicas permite classificar cada um dos seres vivos através de
um conjunto de características que eles possuem.

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TRABALHO PRÁTICO
Diversidade de animais

Procure identificar o filo e a classe a que pertencem os animais representados,


utilizando chaves dicotómicas.

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TRABALHO PRÁTICO
Diversidade de animais (cont.)

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TRABALHO PRÁTICO
Diversidade de animais (cont.)

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A história da taxonomia ao nível dos reinos é um bom exemplo do caráter dinâmico e


provisório da Ciência. Desde o tempo de Aristóteles até meados do século XIX, os biólogos
dividiram os seres vivos em dois reinos: Plantae e Animalia.

O reino Plantae abrange uma grande diversidade de organismos: seres vivos


fotossintéticos, sem locomoção e sem ingestão, bactérias e fungos. O reino Animalia
abrange seres não fotossintéticos que têm locomoção e obtêm os alimentos por ingestão.
Incluem seres unicelulares (protozoários) e seres multicelulares (metazoários).

O reino Protista foi proposto por vários autores, entre os quais Ernest Haeckel (1834-
1919). Este reino incluía formas mais primitivas e ambíguas, como bactérias, protozoários
e fungos, cujas características não são claramente de animais nem de vegetais.

Herbert Copeland (1902-1968) introduziu o reino Monera, surgindo assim o sistema de


classificação em quatro reinos: Monera – seres procariontes; Protista – seres eucariontes
unicelulares e fungos; Plantae e Animalia.
Whittaker (1924-1980), em 1969, propôs um sistema de classificação em cinco reinos,
no qual os fungos passaram a constituir um reino independente.

Este sistema era coerente, quer com o registo fóssil quer com os dados moleculares mais
recentes. Numa versão modificada, em 1979, Whittaker passou a incluir no reino Protista
seres eucariontes unicelulares e alguns multicelulares de reduzida diferenciação (Figura
13).

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Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

A recolha de novos dados tem conduzido os sistematas a propor novos sistemas de


classificação. Em 1970 Carl Woese e seus colaboradores propuseram a existência de dois
grupos distintos de seres vivos, pertencentes ao Reino Archaebacteria e ao Reino
Eubacteria, admitindo a existência de seis reinos na classificação dos seres vivos.

No presente a maioria dos sistematas usa um nível de classificação superior ao reino,


designado domínio. Alguns biólogos usam nas suas classificações domínios e reinos,
como a evidenciada na Figura 14, na qual o Domínio Bacteria corresponde ao Reino
Eubacteria, o Domínio Archaea corresponde ao Reino Archaebacteria e ao Domínio
Eukarya correspondem os Reinos Protista, Fungi, Plantae e Animalia.

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Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

Apesar de tudo, mesmo as classificações mais modernas ainda se mantêm parcialmente


artificiais pois ainda não se descobriu um critério que reunisse os organismos de acordo
com as suas afinidades naturais. Nenhuma classificação é definitiva e perfeita.

4.1. Regras básicas de nomenclatura

O desenvolvimento de um sistema para dar nome às categorias taxonómicas foi outra


contribuição importante de Lineu. Em Ciência, o uso do nome vulgar dos organismos
dificulta a comunicação, pois ele é variável de região para região.
No sistema proposto por Lineu, e ainda hoje utilizado, existem regras básicas:
✓ a designação dos taxa é feita em latim (sendo uma língua morta, não está sujeita
a evolução);
✓ o nome da espécie consta sempre de duas palavras: a primeira é um substantivo
escrito com inicial maiúscula e corresponde ao género a que a espécie pertente; a
segunda palavra, escrita com inicial minúscula, designa-se por epíteto específico

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Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

ou restritivo específico, sendo geralmente um adjetivo – nomenclatura


binominal;
✓ a designação dos grupos superiores à espécie é uninominal, ou seja, é
constituída por uma só palavra, um substantivo, escrita com inicial maiúscula;
✓ o nome da Família, nos animais, obtém-se acrescentando a terminação –idae à raiz
do nome de um dos géneros; nas plantas o sufixo normalmente utilizado é –aceae;
✓ quando uma espécie tem subespécies, utiliza-se uma nomenclatura trinominal:
escreve-se o nome da espécie seguido de um terceiro termo designado por
restritivo ou epítoto subespecífico (Figura 15);

Figura 15 – Rana esculenta marmorata.

✓ os nomes genéricos, específicos e subespecíficos, devem ser escritos num tipo de


letra diferente da do texto corrente; normalmente utiliza-se o itálico e, em
manuscritos, essas designações devem ser sublinhadas;
✓ à frente da designação científica deve escrever-se, em letra do texto, o nome, ou a
sua abreviatura, do taxonomista que atribuiu aquele nome à espécie considerada;
por vezes coloca-se também a data dessa atribuição (Figura 16).

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Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

Figura 16 – Designação científica da rã ibérica.

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Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

5. Sistemas de classificação dos seres vivos em Reinos

A Taxonomia é uma ciência em permanente desenvolvimento e, apesar de todas as


propostas apresentadas posteriormente, o sistema de classificação em cinco reinos de
Whittaker ainda se considera um dos mais consensuais.

O Quadro 2 sintetiza os principais critérios subjacentes ao sistema de classificação de


Whittaker (1979).

Quadro 2 – Sistema de classificação de Whittaker – versão modificada de 1979.

São três os critérios básicos em que se fundamenta a classificação em cinco reinos:

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Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

1. Níveis de organização celular


Considera essencialmente o tipo de estrutura celular, procariótica (Reino Monera) ou
eucariótica (restantes reinos), e se há unicelularidade ou multicelularidade.

2. Tipos de nutrição
Tem por base o processo de obtenção do alimento: autotrofismo e heterotrofismo (por
absorção e ingestão).

3. Interações nos ecossistemas


Segundo as interações alimentares, os seres vivos podem classificar-se em produtores
(seres autotróficos); macroconsumidores (seres heterotróficos que ingerem os
alimentos) e microconsumidores, decompositores ou saprófitos (seres heterotróficos
que decompõem a matéria orgânica, absorvem alguns produtos resultantes da
decomposição e libertam substâncias inorgânicas para o meio).

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Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

TRABALHO PRÁTICO
Observação de seres vivos representantes de diversos reinos.

MATERIAL:

▪ Iogurte
▪ Amostra de bolor (por ex., de tomate ou de citrinos)
▪ Lactuca sativa (alface)
▪ MOC
▪ Lâminas e lamelas
▪ Azul-de-metileno
▪ Lamparina
▪ Ansa de inoculação
▪ Agulha de dissecção
▪ Água destilada
▪ Fósforos

PROCEDIMENTO:

A – Observação de bactérias de iogurte (Lactobacillus bulgaricus e Streptococcus


termophilus)

1 – Coloque uma gota de água numa lâmina.

2 – Com a ajuda de uma ansa de inoculação, retire uma pequena porção de iogurte e esfregue-a
sobre a lâmina.

3 – Seque a lâmina passando-a ligeiramente pela chama de uma lamparina.

4 – Cubra o esfregaço obtido com azul-de-metileno e deixe atuar durante dois minutos.

5 – Lave a preparação, inclinando-a e fazendo passar água destilada, suavemente, sobre a mesma.
Seque-a ao ar.

6 – Observe ao MOC e registe as observações.

B – Observação de bolor

1 – Coloque uma gota de água numa lâmina.

2 – Com a ajuda de uma agulha de dissecção, coloque uma porção de bolor na lâmina.

3 – Coloque a lamela e pressione ligeiramente.

4 – Observe ao MOC e registe as observações.

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Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

C – Observação de um corte de alface

1 – Faça um corte transversal, o mais fino possível, de uma folha de alface.

2 – Observe ao MOC e registe as observações.

DISCUSSÃO:

1 – Com base nos dados recolhidos durante a atividade laboratorial, justifique a colocação:

a) das bactérias no Reino Monera;


b) do bolor no Reino Fungi;
c) da alface no Reino Plantae.
2 – A partir dos dados recolhidos durante a observação experimental, caracterize o bolor e a alface,
quanto ao tipo de nutrição.

3 – Dos critérios utilizados por Whittaker no seu sistema de classificação, identifique os que foram
evidenciados durante esta atividade experimental.

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Ambiente e Desenvolvimento Rural

Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

5.1.Procariontes - Reino Monera

Todos os seres vivos que estão incluídos no Reino Monera são procariontes, ou seja, são
desprovidos de membrana nuclear. Estes seres dominam a Biosfera, superando em
número todos os outros organismos. Representados pelas bactérias, estes seres podem
viver em habitats demasiados frios ou quentes, demasiado salgados ou alcalinos.

Os seres procariontes são todos unicelulares e falta-lhes um núcleo organizado, com


membrana nuclear. Não possuem cromossomas complexos como os dos organismos
eucariontes, nem organelos membranares. Quase todos possuem parede celular rígida,
constituída por polissacarídeos com aminoácidos incorporados.

Alguns procariontes têm a capacidade de formar esporos, estruturas reprodutoras que


lhes permitem sobreviver em condições desfavoráveis. Quando as condições se tornam
propícias os esporos germinam e originam novas células. Não se reproduzem
sexuadamente, embora algumas formas possuam mecanismos que conduzem à
recombinação genética.

Na sua maioria as bactérias reproduzem-se por bipartição ou divisão binária, após a


duplicação do DNA. A velocidade de crescimento e divisão da célula é tão rápida que, em
condições ideais, populações de algumas bactérias podem duplicar em alguns minutos.

Os seres vivos do Reino Monera estão distribuídos por dois grupos fundamentais:
Eubacteria (verdadeiras bactérias) e Archaebacteria (primeiras bactérias). Estas são
bactérias que têm uma grande capacidade de resistência e, portanto, são capazes de se
desenvolver em ambientes muito rigorosos, provavelmente semelhantes àqueles em que
se formaram. As eubactérias são designadas simplesmente por bactérias.

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Ambiente e Desenvolvimento Rural

Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

5.1.1. Organização dos procariontes

Os procariontes apresentam vários tipos morfológicos, sendo os mais vulgares cocos


(forma esférica), bacilos (forma de bastonete), espirilos (forma espiralada) e vibriões
(forma de vírgula), Figura 17.

Figura 17- Representação esquemática de tipos morfológicos de bactérias.

á bactérias que vivem isoladas mas muitas vezes mostram-se em agrupamentos de duas
células ou agregados filamentosos em forma de cacho ou outras formas de agregação.
Estes seres multiplicam-se rapidamente constituindo colónias, cuja cor e propriedades
químicas ajudam à sua classificação.

No Quadro 3 e Figura 18 são apresentados componentes da célula procariótica e algumas


das suas características.

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Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

Quadro 3 – Componentes da célula procariótica.

Figura 18 – Plano de organização generalizado de uma bactéria.

Apresentam todos os tipos de nutrição – heterotrófica e/ou autotrófica. As bactérias


autotróficas podem utilizar como fonte de energia o Sol (fotoautotróficas) ou a energia
resultante da oxidação de compostos orgânicos (quimioautotróficas).

A maioria das bactérias encontradas nos diferentes meios é quimio-heterotrófica. Os


membros deste grupo incluem bactérias:
• saprófitas – obtêm o alimento degradando matéria orgânica morta, sendo
decompositores essenciais na reciclagem de nutrientes nos ecossistemas;

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Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

• simbiontes – formas de relação entre bactérias e outros organismos, havendo


proveito entre os seres associados;
• parasitas – vivem como hóspedes dentro ou fora dos organismos, funcionando
estes como hospedeiros.

Entre as bactérias fotoautotróficas, constituem um grupo importante as cianobactérias.

As cianobactérias possuem, além da clorofila a, outros pigmentos fotossintéticos


globalmente designados por ficobilinas, localizadas em lamelas fotossintéticas uma vez
que, tal como todas as outras bactérias, não possuem cloroplastos. Apresentam muitas
vezes um invólucro mucilaginoso fortemente pigmentado, podendo apresentar cores
distintas, como o azul e o vermelho.

De entre os seres quimioautotróficos podem citar-se as Nitrosomonas e as Nitrobacter


pelas atividades cruciais que desempenham na manutenção da fertilidade dos solos. O
azoto ocupa cerca de 79% do volume da atmosfera e a única via pela qual este elemento
químico pode ser utilizado pelos organismos – via de fixação do azoto – está confinada a
certos procariontes. As maiores fontes naturais de fixação do azoto são as leguminosas
(plantas como o feijoeiro e a ervilheira) e as suas raízes possuem nódulos que são
provocados por colónias de bactérias fixadoras de azoto, do género Rhizobium, que vivem
dentro das células.

Além do ciclo do azoto, as bactérias intervêm noutros ciclos de matéria.

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Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

TRABALHO PRÁTICO
Cultura de bactérias

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Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

5.1.2. Importância biológica dos procariontes

O desenvolvimento da vida depende, então, da reciclagem dos elementos químicos entre


os componentes bióticos e abióticos do ecossistema. Se não houvesse decompositores, os
elementos químicos essenciais à vida ficariam retidos nas moléculas orgânicas.

Mas há muitas outras situações em que a atividade dos decompositores é importante,


enumerando-se algumas de seguida.
• Há mamíferos e outros animais que, por não possuírem a enzima celulase, não podem
digerir a celulose. Os animais em que a celulose constitui grande parte do seu
alimento possuem associações simbióticas com bactérias que vivem no seu intestino.
• O Homem possui também a sua flora intestinal, havendo muitas bactérias que vivem
no nosso intestino e, algumas, sintetizam vitaminas do complexo B e vitamina K.
• A nível da produção e aproveitamento industrial, já há muito tempo que o Homem
utiliza as fermentações provocadas pelas bactérias para produzir substâncias como o
iogurte e o queijo.
• Numerosas substâncias farmacêuticas são produzidas graças à cultura de bactérias.
• Bactérias do género Streptomyces são utilizadas para produzir antibióticos tais como a
estreptomicina e a tetraciclina.
• A Engenharia Genética permite inserir no património genético de bactérias genes
variados, alguns dos quais humanos. As bactérias assim modificadas produzem
industrialmente compostos de interesse para o Homem como, por exemplo, a insulina
e a hormona do crescimento.
• No setor agrícola também se têm conseguido bons resultados na obtenção de plantas
mais resistentes através da Biotecnologia.
• A utilização de bactérias permite a valorização de detritos; por exemplo, a partir de
águas residuais obtém-se diariamente um volume considerável de lamas ricas em
substâncias orgânicas, a partir das quais é possível produzir biogás e adubos.

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Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

• Tendo por base a capacidade de decomposição das bactérias, é também possível


afirmar que, num ambiente cada vez mais poluído, estas contribuem para combater a
poluição.

No entanto, a atividade dos procariontes nem sempre se revela benéfica, podendo mesmo
tornar-se prejudicial ao Homem. A contaminação das águas produzida, por exemplo, por
excesso de matéria orgânica em decomposição, a alteração dos alimentos, ou mesmo
inúmeras doenças (meningite, pneumonia, tuberculose e tétano, entre outras) que podem
afetar o próprio Homem são exemplos de ações prejudiciais provocadas pelos
procariontes.

5.2. Eucariontes - Reino Protista

A diversidade de organismos pertencentes ao Reino Protista (Figura 19) torna-se


particularmente evidente uma vez que nele estão incluídas desde formas microscópicas
unicelulares (ex: amiba e paramécia) até algas castanhas gigantes, que chegam a ter 60m
de comprimento.

Não existe ainda grande consenso relativamente aos grupos de organismos a incluir no
Reino Protista. Segundo a classificação de Whittaker (1979), este reino inclui seres
eucariontes unicelulares e organismos que, pela simplicidade da sua multicelularidade,
mostram formas em que não existem tecidos especializados.

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Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

Os Protistas encontram-se em quase todos os lugares onde há água. São importantes


constituintes do plâncton mas encontram-se também em habitats terrestres
suficientemente húmidos e até em simbiose nos fluidos corporais ou parasitando células
de hospedeiros.

O Quadro 4 apresenta alguns exemplos de protistas, organizados em três grupos e


algumas das suas características.

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Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

Quadro 4 – Grupos de Protistas.

5.2.1. Divisão dos protozoários

Os protozoários são seres unicelulares desprovidos de clorofila e heterotróficos. Nas


classificações mais antigas eram considerados animais (Protozoa = primeiros animais).

Podem apresentar aspetos muito variados: uns podem mudar a sua forma, emitindo
pseudópodes, outros mantêm uma forma mais ou menos constante. A captação de
alimento pode fazer-se através da superfície do corpo, pela formação de vacúolos
digestivos, ou ainda por uma abertura apropriada para esse fim. Possuem uma grande
variedade de formas e de processos de locomoção (Ameba por pseudópodes; a Paramécia
por cílios; Tripanossoma por flagelos; o Plasmódio é desprovido de estruturas
locomotoras).

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Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

De um modo geral reproduzem-se assexuadamente por bipartição, divisão múltipla ou


esporulação. No entanto, alguns apresentam ciclos sexuais com meiose e fusão de
gâmetas.

Grande número de Protozoários vive em meios aquosos, alimentando-se de outros


microrganismos de menores dimensões ou de produtos de decomposição. Alguns são
parasitas, vivendo nos líquidos corporais ou no interior das células.

Existem protozoários de vida livre, mas muitos são parasitas. Entre as mais importantes
causas de morte da espécie humana encontram-se as doenças provocadas por
protozoários que se podem desenvolver em vários órgãos do corpo humano e assim
perturbar o seu funcionamento:
• a doença do sono é provocada pelo Trypanossoma gambiense, que se encontra
nas regiões intertropicais de África;
• a malária ou paludismo é também uma parasitose provocada por um protozoário
do grupo dos esporozoários, o Plasmodium vivax;
• a toxoplasmose é uma parasitose provocada pelo Toxoplasma gondi;
• as amebíases são produzidas por certos protozoários como, por exemplo, a
Entamoeba diysenteriae, que origina a disenteria amebiana tropical.

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TRABALHO PRÁTICO
Observação de protozoários numa infusão

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5.2.2. Divisão das algas

Durante muito tempo, pelo facto de possuírem clorofila, as algas foram consideradas
plantas. Por mais complexas que possam parecer, são muito mais simples do que as
plantas mas as mais diferenciadas apresentam, por vezes, estruturas que exteriormente
fazem lembrar folhas, caules e raízes das plantas. No entanto, interiormente não
possuem qualquer diferenciação, formando um talo.

A nível reprodutor, e apesar de algumas algas terem ciclos de vida muito complexos, não
têm estruturas reprodutoras muito especializadas.

Desenvolvem uma importante atividade fotossintética e os pigmentos fotossintéticos que


possuem conferem-lhes cores características.

No Quadro 5 encontram-se algumas características dos principais grupos de algas.

Quadro 5 – Características dos diferentes grupos de algas.

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As algas apresentam também um importante valor económico para o Homem.

Dada a sua elevada capacidade fotossintética, as algas desempenham uma função


importante nos ecossistemas marinhos: representam os mais importantes produtores de
oxigénio e constituem a principal fonte de alimento de pequenos animais que vivem no
seu ambiente.

São utilizadas pelo Homem, desde há muito tempo, como adubo do solo, uma vez que
fornecem não só substâncias orgânicas como sais minerais, encontrando-se ainda na
constituição de rações.

Na culinária oriental são muito utilizadas na preparação de sopas, gelatinas e outros


alimentos; algumas algas são globalmente usadas como aditivos alimentares.

Têm uma vasta aplicação em várias indústrias como a cosmética, a panificação, a


farmacêutica e no fabrico de borracha, papel, tecidos, entre outras.

São também utilizadas para a produção de biocombustíveis e em bio remediação.

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TRABALHO PRÁTICO
Observação da espirogira

A espirogira é uma alga pluricelular, filamentosa,


verde, que vive em lagos ou charcos de água doce. Pertence ao
Protista e ao Filo Chlorophyta.

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5.3. Eucariontes - Reino Fungi

Independentemente da sua forma e do seu tamanho, os Fungos são seres eucariontes.


Existem fungos unicelulares como as leveduras mas a maioria é multicelular. Muitas vezes
as células dos fungos possuem parede celular, formada por quitina, pelo menos em alguns
estádios do seu ciclo de vida. Contrariamente às plantas, os Fungos não possuem
pigmentos fotossintéticos nem cloroplastos.

Os Fungos multicelulares são constituídos por uma rede de filamentos ramificados


chamados hifas. Estas contêm citoplasma e núcleos, e podem apresentar diferentes
formas (Figura 20).

Figura 20 – Tipos de hifas: A – Asseptadas cenocíticas; B e D – Septadas dicarióticas e C – Septadas


monocarióticas.

Em muitos Fungos as hifas possuem septos que delimitam compartimentos,


correspondentes a células. Nestas hifas septadas, o citoplasma das diferentes células
comunica entre si através de poros, por vezes largos, existentes nos septos.

Quando nas hifas septadas existe um núcleo apenas em cada célula, as hifas dizem-se
monocarióticas; designam-se dicarióticas se existirem dois núcleos em cada

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Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

compartimento. Se não existirem septos – hifas asseptadas, o citoplasma é contínuo ao


longo do micélio, com centenas ou milhares de núcleos dispersos – hifas cenocíticas.

As hifas iniciam-se como formações tubulares a partir de esporos,


ramificando-se repetidamente até constituírem uma rede mais ou
menos densa que constitui um micélio (Figura 21).

Figura 21 – A: Micélio de um Fungo; B – Esquema de um micélio.

O aspeto filamentoso do micélio confere uma grande superfície através da qual se realiza
a absorção de nutrientes. O micélio pode estender-se rapidamente em todas as direções,
através da fonte de alimento.

No que respeita à nutrição os Fungos são, então, seres heterotróficos que obtêm o
alimento por absorção. Os diferentes processos de obtenção dos compostos orgânicos
permitem considerar três tipos diferentes de fungos:
• Saprófitos: Muitos vivem sobre matéria orgânica, onde parte do micélio cresce por
cima da fonte de alimento, originando estruturas reprodutoras. O resto do micélio
desenvolve-se no interior do substrato provocando a sua decomposição (Figura 22).
Existem no solo e crescem sobre os alimentos, como o bolor do pão.

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As hifas segregam enzimas hidrolíticas que lançam sobre o alimento, ocorrendo uma
digestão extracorporal, em que as moléculas mais complexas são decompostas em
moléculas mais simples que são absorvidas posteriormente. Após a absorção os
nutrientes passam através das hifas para todo o organismo. Apesar de se tornarem
prejudiciais ao Homem ao atacar alimentos úteis para si, são de extrema importância
nos ecossistemas, enquanto organismos decompositores.

• Parasitas: Alimentam-se à custa de outros seres vivos podendo causar doenças. Os


esporângios (estruturas reprodutoras) surgem na superfície do animal e do vegetal,
com cores características e, no Homem, uma infeção fúngica característica é “pé de
atleta” (Figura 23).

Figura 23 – “Pé de atleta”.

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• Simbiontes: Estabelecem relações com produtores, permitindo que estes possam


colonizar habitats que, isoladamente, não podiam ocupar, ou tornando-os mais
eficientes em locais com condições para a sua sobrevivência. Nas associações de
fungos com outros organismos destacam-se:
o Líquenes – resultam da relação simbiótica entre algas e fungos, numa
relação tão perfeita que podem sobreviver em diversos locais, tais como
regiões desérticas, polares, em rochas nuas, em troncos ou sobre o solo.
São constituídos por grande quantidade de hifas, que se dispõem em rede,
entre as quais se situam as algas (Figura 24). O fungo protege a alga da
falta de água, fornecendo-lhe ambiente húmido e sais minerais, e a alga
cede ao fungo o alimento produzido através da fotossíntese.

o Micorrizas – são associações simbióticas entre fungos e raízes das plantas


(Figura 25), estimando-se que cerca de 90% das grandes árvores, bem
como a maioria das plantas vasculares mais pequenas, tenham micorrizas.
Nesta relação os fungos digerem nutrientes orgânicos do solo, que
fornecem em parte às plantas, e estas cedem ao fungo, pela raiz, alimentos
produzidos na fotossíntese.

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Figura 25 – Tipos de micorrizas.

Os fungos podem reproduzir-se assexuadamente por fragmentação, gemiparidade ou


esporulação; a reprodução sexuada ocorre quando as condições do meio são pouco
favoráveis. A formação de esporos pode ocorrer quer por processos assexuados, que
sexuadamente, em hifas especializadas que os projetam para o ar.

Os esporos são levados pelo vento, pela água ou pelos animais e germinam se caírem
num meio em que exista alimento. Eles são muito importantes na dispersão dos fungos e
contribuem para a enorme área de distribuição geográfica de muitas espécies.

5.3.1. Diversidade e classificação dos fungos

Na classificação apresentada no Quadro 6 consideram-se quatro divisões de Fungos:


Zygomycota, Ascomycota, Basidiomycota e Deuteromycota (Fungos imperfeitos).

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Quadro 6 – Visão global e comparativa das quatro divisões de Fungos.

• Zygomycota
Os membros desta divisão são conhecidos por Zigomicetes e possuem hifas cenocíticas
com núcleos haploides. A maioria é saprófita mas alguns são parasitas de plantas e
animais. Um dos zigomicetes mais conhecidos é o bolor do pão da espécie Rhizopus
stolonifer (Figura 26), cujo micélio se desenvolve no pão e em outros alimentos ricos em
amido.

• Ascomycota
Este grupo é muito diversificado, contendo cerca de 30000 espécies. Dele fazem parte as
leveduras (Figura 27), muitos fungos saprófitos que decompõem os alimentos e muitos
parasitas das plantas como o míldio (Figura 28), entre outros.

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• Basidiomycota
Esta divisão inclui os Fungos vulgarmente conhecidos por cogumelos. Grande parte deles
é saprófita mas também existem alguns parasitas. A parte visível destes Fungos é
constituída por um conjunto compacto de hifas que forma uma estrutura reprodutora
complexa denominada basidiocarpo (Figura 29). A parte subterrânea do micélio não é
visível, sendo constituída por hifas septadas e é a partir dela que se forma a parte aérea,
na altura da reprodução.

• Deuteromycota (Fungos imperfeitos)


Esta divisão inclui Fungos semelhantes a Ascomicetes ou a Basidiomicetes mas nos quais
não ocorre, ou nunca foi observada, reprodução sexuada no seu ciclo de vida. Se estudos
futuros revelarem a existência de um estádio sexuado, em alguma espécie, então será
incluída numa das divisões acima referidas.

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Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

TRABALHO PRÁTICO
Observação do bolor do pão

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Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

5.3.2. Fungos – importância ecológica e económica

Os Fungos podem estabelecer diferentes relações ecológicas, desempenhando um papel


primordial no funcionamento e equilíbrio dos ecossistemas. Muitos são decompositores
indispensáveis, outros estabelecem relações simbióticas com diferentes organismos mas
também os há parasitas, que causam doenças variadas em plantas e animais.

Os Fungos saprófitos decompõem cadáveres, as folhas mortas, as fezes e outros


materiais orgânicos, reciclando assim elementos químicos como o carbono, o azoto e o
fósforo, sob a forma de compostos minerais que podem ser utilizados por outros
organismos. Muitos destes seres decompõem materiais orgânicos importantes para o
Homem (pão, frutos e outros alimentos, papel, estruturas de madeira, tecidos, entre
outros), causando prejuízos consideráveis.

Alguns são comestíveis, mas muitas espécies de Fungos são venenosas, podendo
causar a morte. Existem numerosos Fungos que têm importante valor económico devido
às suas aplicações industriais. São disso exemplo as leveduras usadas no fabrico de
cerveja, do vinho e pão, por exemplo; alguns Fungos usados no fabrico de queijos como o
Roquefort, Camembert e Brie; fungos que atuam na fermentação de uma mistura de
grãos de soja e trigo, essencial para a produção de óleo de soja; e na indústria
farmacêutica, por exemplo, na produção de antibióticos.

No entanto, pode dizer-se que os fungos tanto podem beneficiar os outros organismos
como constituir verdadeiras pragas.

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Anexo 1 – Guia de atividades de campo

Planeamento da saída de campo

O sucesso do trabalho de campo depende de um planeamento cuidado e meticuloso das


tarefas que se vão realizar no campo. Assim, considere os seguintes cuidados:
1. marcar a data de realização da saída de campo e consultar os serviços
meteorológicos sobre a previsão do estado do tempo;
2. determinar os trabalhos de campo a realizar;
3. distribuir as tarefas a realizar por grupos de trabalho;
4. conhecer pormenorizadamente as técnicas que vão ser aplicadas;
5. selecionar criteriosamente o material necessário;
6. certificar-se do estado e do bom funcionamento do equipamento;
7. proceder à calibração do equipamento (ex.: sensores);
8. usar roupa e calçado confortável, chapéu ou impermeável, de acordo com a
necessidade;
9. preparar um pequeno lanche e água em quantidades suficientes de acordo com o
tempo previsto para a duração da saída de campo;
10. levar sacos para guardar o lixo.

Atitude no campo
Para que o trabalho de campo possa ser levado a cabo com sucesso, é importante que os
alunos/formandos tenham em atenção alguns conselhos:
− ouvir as instruções do professor/formador ou do guia;
− realizar todas as tarefas com serenidade e precaução;
− deslocar-se sem pressas de forma a precaver-se de eventuais irregularidades de
terreno;
− as intervenções no terreno devem ser suficientes para recolher dados de
qualidade, devendo evitar prejudicar o ecossistema (por exemplo, pisar ninhos,

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destruir tocas, pisotear a comunidade vegetal, recolher espécimes de forma


indiscriminada, matar ou perturbar animais, etc.).

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Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

Bibliografia/Outros recursos

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MARQUES, E. et. al. (2001), Técnicas Laboratoriais de Biologia – Bloco III. Porto: Porto Editora.

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OLIVEIRA, O; RIBEIRO, E.; SILVA, J. (2007), Desafios – Biologia Vol.2, 10º/11º Ano. Porto: Edições
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Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$sistematica>.

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Módulo 2 – Sistemática dos seres vivos

Microalgas, Aplicações e Futuro: http://www.cm-


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