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UC Diversidade Biológica - organismos fotossintéticos (2ª parte)

Curso Biotecnologia

Docente: Teresa Mouga

Ano Letivo – 2018/2019


2º semestre

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UC Biodiversidade Biológica - curso Biotecnologia

Índice
I. Introdução ........................................................................................................................ 4
A. Diversidade de organismos fotossintéticos .................................................................... 5
B. Classificação dos organismos fotossintéticos ................................................................. 6
II. Organismos fotossintéticos como recursos marinhos ........................................................ 8
2.1. Compostos bioativos de algas marinhas ..................................................................... 9
2.2. APLICAÇÕES DAS MACRO E MICROALGAS EM BIOTECNOLOGIA ............................... 16
III. Organismos fotossintéticos úteis para a biotecnologia................................................. 20
Microalgas .......................................................................................................................... 20
3.1. DOMÍNIO EUBACTERIA, Filo Cyanobacteria .............................................................. 20
3.1.1. Morfologia e ultraestrutura ................................................................................. 20
3.1.2. Ecologia ............................................................................................................... 21
3.1.3. Aplicações em biotecnologia ................................................................................ 22
3.2. DOMÍNIO EUKARIA .................................................................................................. 23
3.2.1. Reino Chromalveolata, Alveolata, Divisão Dinoflagellata ...................................... 24
3.2.1.1. Morfologia e ultraestrutura.............................................................................. 24
3.2.1.2. Ecologia ........................................................................................................... 24
3.2.2. Reino Chromalveolata, Divisão Haptophyta ......................................................... 25
3.2.2.1. Morfologia e ultraestrutura.............................................................................. 25
3.2.2.2. Ecologia ........................................................................................................... 25
3.2.2.3. Aplicações em biotecnologia ............................................................................ 26
3.2.3. Reino Chromalveolata, Divisão Heterokontophyta, classe Bacillariophyceae ........ 26
3.2.3.1. Morfologia e ultraestrutura ............................................................................. 26
3.2.3.2. Ecologia ........................................................................................................... 26
3.2.3.3. Aplicações em biotecnologia ............................................................................ 27
3.2.4. Reino Chromalveolata, Divisão Heterokontophyta, classe Labyrinthulomycota .... 27
3.2.4.1. Morfologia e ultraestrutura ............................................................................. 27
3.2.4.2. Aplicações em biotecnologia ............................................................................ 28
3.2.5. Reino Chromalveolata, Divisão Heterokontophyta, classe Phaeophyceae ............ 29
3.2.5.1. Morfologia e ultraestrutura ............................................................................. 29

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3.2.5.2. Ecologia ........................................................................................................... 30


3.2.5.3. Aplicações em biotecnologia ............................................................................ 30
3.2.6. Reino Archaeplastida (Plantae), Divisão Rhodophyta ........................................... 31
3.2.6.1. Morfologia e ultraestrutura.............................................................................. 31
3.2.6.2. Ecologia ........................................................................................................... 31
3.2.6.3. Aplicações em biotecnologia ............................................................................ 32
3.2.7. Reino Archaeplastida (Plantae), Divisão Chlorophyta ........................................... 33
3.2.7.1. Morfologia e ultraestrutura.............................................................................. 33
3.2.7.2. Ecologia ........................................................................................................... 33
3.2.7.3. Aplicações em biotecnologia ............................................................................ 33
3.2.8. Reino Archaeplastida (Plantae), Divisão Tracheophyta ......................................... 34
3.2.8.1. Aplicações em biotecnologia ............................................................................ 36

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I. Introdução

As primeiras células terão surgido na terra há cerca de 3,8 mil milhões de anos. Estas eram
células procariotas heterotróficas anaeróbias. Estes organismos são, ainda hoje, dependentes
de moléculas orgânicas para obter a sua energia. Por isso, à medida que o número de
organismos heterotróficos aumentou, as moléculas orgânicas das quais dependiam começaram
a diminuir, pelo que principiou a competição, por alimento, entre os organismos heterotróficos.
Assim, ao longo do tempo as células que conseguiam utilizar eficientemente fontes de energia
limitadas tornaram-se mais vantajosas. Algumas terão adquirido a capacidade de produzir
moléculas ricas em energia a partir de compostos inorgânicos simples; estes organismos são os
autotróficos. Sem o aparecimento destes organismos a vida na terra teria desaparecido
rapidamente.

Os autotróficos mais eficientes foram aqueles que adquiriram a capacidade de utilizar a energia
do sol, através de um processo designado fotossíntese. Os organismos fotossintéticos primitivos
eram muito mais complexos do que os heterotróficos, uma vez que a utilização da luz do sol
requer um sistema de pigmentos para captação de fotões e, associado a este, um mecanismo
específico de armazenamento de energia, na forma de moléculas orgânicas.

Os primeiros vestígios fósseis de tais organismos, cianobactérias primitivas designadas


estromatólitos, datam de há cerca de 3,4 mil milhões de anos.

Estes autotróficos alteraram significativamente a atmosfera, uma vez a fotossíntese envolve a


hidrólise de uma molécula de água e a produção de oxigénio, como produto acessório.

Inicialmente, o oxigénio produzido era totalmente absorvido pelo oceano e pelos fundos
marinhos. Mas a concentração crescente de oxigénio determinou a sua libertação para a
atmosfera, tendo a atmosfera terrestre sido sucessivamente enriquecida em oxigénio.

Há cerca de 2,5 a 1,6 mil milhões de anos, a concertação de oxigénio na água do mar era
suficiente para suportar a existência de organismos aeróbios. Este momento coincide, portanto,
com o aparecimento dos organismos eucariotas aeróbios, há cerca de 1,8 mil milhões de anos.

Este acontecimento teve duas consequências profundas, como é sabido:

•O aumento da concentração de oxigénio abriu caminho para a evolução de um


mecanismo muito mais eficiente de utilização das moléculas orgânicas produzidas pela
fotossíntese, utilizando simultaneamente o oxigénio produzido na fotossíntese. Este
mecanismo é conhecido como respiração aeróbia.
• Algumas moléculas, na camada mais externa da atmosfera, converteram-se em ozono
(O3). O aumento da concentração de ozono começou a absorver os raios ultravioleta,
altamente destrutivos para os organismos vivos. Há cerca de 450 milhões de anos, a
concentração de ozono foi suficiente para permitir a sobrevivência dos organismos nas
camadas superiores do oceano e em terra.
A origem dos organismos eucariotas terá surgido, como sabemos, através da hipertrofia da
membrana e da endossimbiose.

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De acordo com este mecanismo as mitocôndrias e os plastídeos teriam sido em tempos


pequenos procariotas que efetuaram uma associação simbiótica com uma célula rudimentar
fagotrófica, com revestimento flexível. Aqueles procariotas tornaram-se, ao longo do tempo,
organelos.

A. Diversidade de organismos fotossintéticos

Os organismos fotossintéticos, tanto procariotas como eucariotas, utilizam a fotossíntese para


produzir energia. Para tal usam a clorofila a e outros pigmentos acessórios, para captar fotões,
complexos proteicos que formam os fotossistema I e fotossistema II, bem como toda a
“maquinaria” enzimática existente para produzir o ciclo de Calvin.

Porém, os organismos fotossintéticos são muito diversos e filogeneticamente muito distintos.

Ao longo do tempo várias têm sido as designações utilizadas para classificar os organismos vivos,
e, em particular, os organismos fotossintéticos.

Desde logo as designações de algas, “plantas não vasculares” ou “talófitas”, englobam uma
grande variedade de organismos autotróficos que se distinguem dos outros vegetais
principalmente pela sua simplicidade, em particular dos seus órgãos reprodutores. De forma
geral, estes órgãos não apresentam revestimento protetor formado por células somáticas e não
produzem embriões protegidos no seio materno; na maioria das espécies verifica-se também
que a diferenciação celular é nula ou muito reduzida. Isto significa que, ao contrário das plantas
terrestres, as algas não possuem muitas células especializadas em funções distintas, nem
formam tecidos diferenciados.

Mas esta definição tão simples esconde a grande diversidade filogenética de organismos, desde
as cianobactérias, organismos procariotas, incluídos nas Eubacteria, até organismos muito mais
complexos como sejam as Charophyceae (Chlorophyta), cujas estruturas reprodutoras exibem
já, pela primeira vez, um revestimento constituído por células somáticas. Assim, constituem
claramente um grupo polifilético, não exibindo um antepassado comum. A classificação destes
organismos em “algas” é, pois, uma classificação incoerente e muito artificial.

Porém, informalmente designam-se como algas os organismos eucariotas fotossintéticos


simples, indiferenciados e com estruturas reprodutoras simples.

Nas algas incluem-se ainda, informalmente, dois grandes grupos. As microalgas, que são
organismos unicelulares ou coloniais (raramente pluricelulares), indiferenciados e
microscópicos. Quase todos os grupos taxonómicos incluem, ou são formados por microalgas:
Cyanobacteria, Chlorophyta, Rhodophyta, Glaucophyta, Cryptophyta, Haptophyta,
Dinoflagellata, Bacillariophyceae, ... As macroalgas que constituem organismos pluricelulares,
macroscópicos, com algum grau de diferenciação, nem que seja para desenvolverem um órgão
de fixação. Neste grupo incluem-se todas as Phaeophyceae (algas castanhas), a maioria das
Rhodophyta (algas vermelhas) e muitas Chlorophyta (algas verdes).

Já as plantas terrestres exibem uma filogenia bem clara, monofilética. Os primeiros


colonizadores da terra terão sido algas verdes, já extintas, pertencentes às Chlorophyta (classe
Charophyceae). Estas, que apresentam muitas semelhanças com as briófitas atuais e com as

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plantas vasculares, terão conseguido ultrapassar problemas de obtenção e retenção de água


através de várias estruturas, nomeadamente a raiz que faz absorção de água, as folhas que
otimizam a fotossíntese, a cutícula que impermeabiliza a epiderme, a reprodução independente
da água, entre outras.

B. Classificação dos organismos fotossintéticos

Atualmente, reconhece-se o sistema de classificação em 3 grandes domínios de Woese


(1987) dos organismos celulares com base nas sequências de aminoácidos em proteínas
homólogas, nas sequências de ácidos nucleicos, e de outras características moleculares dos
organismos:

• Domínio Bacteria ou Eubacteria, são consideradas as verdadeiras bactérias; é


provável que a fotossíntese tenha evoluído muito cedo nos Eubacteria porque o
mecanismo de fotossíntese é idêntico para todas as espécies fotossintéticas,
assim como os pigmentos envolvidos (clorofila a). Os estromatólitos são
agregados de partículas carbonatadas fixadas por ação de cianobactérias e certas
algas e que formaram imensas colónias de células. Consolidaram-se ao
converterem-se em rochas. São testemunhos das mais antigas formas de vida do
planeta e hoje crescem em poucos locais, como a baía dos Tubarões na Austrália.
A maioria encontra-se fossilizada.

• Domínio Archaea1, são organismos procariotas que vivem em ambientes extremos;


Exemplos: metanogenes anaeróbios do Mar Negro; halófitas do Mar Morto e
termófilas das nascentes hidrotermais, surgem no lago vulcânico Champagne pool
(Nova Zelândia) onde resistem a temperatura constante de 74ºC, geiseres da
Islândia, organismos resistem à temperatura de ebulição nas Salinas Guerrero Negro
(México).

• Domínio Eukaria, engloba todos os organismos eucariotas, com sistema


endomembranar, mitocôndrias e núcleo individualizado pelo invólucro nuclear.
Os organismos flagelados exibem flagelos com organização 9+2.

A dificuldade continua a existir, todavia, no Domínio Eukaria, uma vez que o antigo reino
Protista é parafilético, isto é, reunia uma grande heterogeneidade de organismos
unicelulares, coloniais e pluricelulares, muito diversificados e não aparentados uns dos
outros.

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Anteriormente conhecido como reino Monera, foi dividido nos domínios Eubacteria e Archaea, uma
vez que os dados reunidos da biologia molecular evidenciaram a existência de duas linhagens distintas
nos procariotas.

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Fig. 1.1 – Sistema de 3 domínios de Woese e reinos atualmente atribuídos ao domínio


Eukaria: os procariotas dividem-se em dois domínios distintos, uma vez que se
diferenciaram a partir de um ancestral comum. Mais tarde ter-se-ão diferenciado os
eucariotas, há cerca de 2,5 mil milhões de anos.

Estando ainda em ampla discussão, uma proposta atual de classificação dos organismos
vivos, permite definir, para o domínio Eukaria, a existência de 7 reinos, a maioria dos
quais inclui representantes fotossintéticos. Além das cianobactérias, existem
numerosos representantes fotossintéticos em 4 reinos do domínio Eukaria, os quais se
destacam em seguida:

• DOMÍNIO EUBACTERIA

1. Filo Cyanobacteria

2. DOMÍNIO EUKARIA

A. Reino Excavata
Divisão Euglenozoa (Classe Euglenoidea)

B. Supergrupo SAR
A. Reino Stramenopila, flagelos heterocônticos, quando fotossintéticos os plastídeos
têm clorofila c e são provenientes de endossimbiose secundária.

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a. Filo Ochrophyta
b. Filo Oomycota
c. Filo Labyrinthulomycetes

B. Reino Alveolata
a. Filo Dinoflagellata

C. Reino Rhizaria, organismos com pseudópodes, ciliados ou ameboides.


a. Filo Cercozoa (Classe Chloraracniophyta e Paulinella cromatophora)

C. Reino Hacrobia, organismos fotossintéticos, derivados de endossimbiose secundária com


Rhodophyta. Filogenia ainda incerta.
b. Filo Haptophyta
c. Filo Cryptophyta

D. Reino Archaeplastida, organismos exclusivamente fotossintéticos, com plastos


provenientes de endossimbiose primária
a. Sub-reino Biliphyta: filo Rhodophyta e filo Glaucophyta
b. Sub-reino Viridiplantae: filos Chlorophyta, Bryophyta e Tracheophyta.

Os organismos fotossintéticos não formam, portanto, um grupo coeso, ou seja,


constituem claramente um grupo polifilético. Todos eles, todavia, possuem clorofila a e
os complexos necessários à realização da fotossíntese.
Como veremos, os organismos fotossintéticos terão surgido em múltiplas ocasiões, ao
longo do tempo evolutivo.
Além destes reinos, existem o Reino Unikonta, constituído por organismos não fotossintéticos,
quase sempre pluricelulares, o qual inclui, além dos Amoebozoa, o grande grupo dos
Opisthokonta: os Metazoa – organismos heterotróficos, pluricelulares, complexos, vulgarmente
designados animais (este grupo será abordado na 2ª parte da UC), os Fungi – organismos
heterotróficos, com parede celular de quitina, vulgarmente designados fungos, ...

II. Organismos fotossintéticos como recursos marinhos

Os organismos fotossintéticos constituem a base da cadeia alimentar da maioria dos


ecossistemas do planeta. Os ecossistemas marinhos, em particular, são totalmente
dependentes das algas, estimando-se que cerca de 80% do oxigénio atmosférico seja produzido
pelo fitoplâncton. O fitoplâncton constitui o grupo de “microalgas”, as quais incluem numerosos
organismos unicelulares, coloniais ou mesmo filamentosos, microscópicos, com biologias muito
diversas.

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Como vimos, este grupo não tem coerência taxonómica, porém, do ponto de vista prático é fácil
distinguir este conjunto de organismos simples das macroalgas, algas macroscópicas mais
complexas.

Nas microalgas incluem-se as Cyanobacteria (domínio Eubacteria) e muitos outros organismos


fotoautotróficos simples do domínio Eukaria.

Nas macroalgas incluem-se 3 grandes grupos de organismos multicelulares, mais ou menos


complexos que criam zonas de abrigo e reprodução nas zonas litorais: as algas verdes
(Chlorophyta), as algas vermelhas (Rhodophyta) e as algas castanhas (Phaeophyceae). De referir
que os dois primeiros grupos (divisões) incluem também algumas espécies de microalgas.

2.1. Compostos bioativos de algas marinhas

As macroalgas são usadas há milénios na alimentação humana.

O interesse no cultivo de microalgas é também antigo, mas mais recentemente surge associado
ao cultivo de peixe de aquacultura, sendo usado como cultivo auxiliar nos primeiros estádios de
desenvolvimento do zooplâncton.

A descoberta de propriedades antioxidantes, da importância dos pigmentos, de polissacarídeos,


dos ácidos gordos polinsaturados, das vitaminas e minerais, entre outros, aumentou
consideravelmente o interesse na pesquisa destes compostos. Assim, para além da alimentação
humana e ração animal, estes compostos são atualmente utilizados para a produção de
biocombustíveis, já que a elevada concentração em lípidos de algumas células (até 77%) permite
a conversão em biodiesel.

Outras aplicações importantes são a indústria cosmética e a indústria farmacêutica, uma vez
que muitos compostos bioativos demonstraram ter efeito antimicrobiano, antiviral e anti
tumoral, além de efeito hidratante e antioxidante.

Outra aplicação importante é a biorremediação. Muitas algas têm capacidade de absorver do


meio envolvente os compostos poluentes, como sejam fosfatos, nitratos ou metais pesados,
sendo indicadas para o tratamento de águas residuais domésticas e industriais. De facto, a
utilização de macroalgas em sistemas de aquacultura integrada permite melhorar
significativamente a qualidade da água, favorecendo o crescimento de peixe mais saudável.

2.1.1. Lípidos

Muitas microalgas exibem elevada concentração de lípidos, constituindo um grande potencial


para a produção de biocombustíveis.
De facto, géneros como Nannochloropsis ou Botryococcus podem produzir até 77% da sua
biomassa de lípidos.

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A extração destes lípidos para a produção de biocombustíveis, porém, é ainda dispendiosa, dado
que é necessário proceder à quebra da parede celular das microalgas, não competindo, ainda,
com o preço do petróleo.

2.1.1.1. Ácidos gordos polinsaturados

As microalgas e macroalgas exibem também grandes concentrações de ácidos gordos


polinsaturados (PUFA polyunsaturated fatty acids). Estes ácidos gordos exibem várias ligações
covalentes duplas de natureza cis, o que determina a formação de dobras na estrutura
carbonatada (figura 2.1). Estas dobras tornam os ácidos gordos mais volumosos do que os ácidos
gordos saturados, os quais, por exibirem apenas ligações covalentes simples, são lineares.
Estes PUFA são considerados metabolitos de elevado valor económico dado que exibem
propriedades importantes para a saúde humana, contribuindo para a redução de risco de
doenças cardiovasculares, alguns tipos de cancro, melhoram o sistema imunitário, protegem o
organismo contra as doenças inflamatórias e reduzem o colesterol. Durante os primeiros
estádios do desenvolvimento embrionário os PUFA contribuem também para o bom
desenvolvimento do sistema nervoso e ótico, para o crescimento em geral, homeostase e bem-
estar.
São encontrados habitualmente no peixe, dado que estes têm uma dieta rica em algas marinhas.
Os PUFA eram inicialmente extraídos a partir da biomassa de peixe, sobretudo a partir de
subprodutos da pesca pelo que existia o risco de incluir outros produtos como toxinas e
poluentes. Exibem também tempo de vida curta, sofrendo rápida oxidação em ácidos gordos
saturados. Assim, a melhor forma de produção de PUFA é através da produção de microalgas. A
maioria das microalgas possui elevada concentração de PUFA, com destaque para as
diatomáceas. A diatomácea marinha Phaeodactylum tricornutum, por exemplo, é uma fonte
muito interessante de ácido eicosapentaenóico (EPA - 20:5 ω3), um ómega 3. Outras microalgas
como Schizochytrium e Cryptocodinium são produtoras de ácido docosahexaenóico (DHA – 22:6
ω3).

Figura 2.1. – Alguns ácidos gordos polinsaturados comuns

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2.1.1.1. Fitoesteróis

Algumas espécies de microalga são conhecidas em aquacultura pela sua capacidade de


promoção do crescimento de juvenis, especialmente ostras, dado o seu elevado conteúdo em
esteroides. De facto, muitas espécies de microalga possuem outros lípidos esteroides, como seja
o sitosterol (figura 2.2). O consumo de organismos ricos em fitosteróis reduz o colesterol no
organismo, exibindo, portanto, um efeito hipo-colesterolémico.

Estes fitosteróis são abundantes nalgumas macroalgas, como as algas castanhas, estando
igualmente presentes em microalgas como as diatomáceas Chaetoceros, Skeletonema
Thalassiosira e Pavlova.

Figura 2.2 - Esteroides produzidos por macroalgas: A. brassicasterol, B. capesterol, C.


stigmasterol, D. sitosterol.

2.1.2. Pigmentos

Todos os organismos fotossintéticos exibem clorofila a, o pigmento responsável pela libertação


de eletrões, por ação dos fotões, que desencadeia o primeiro passo da fotossíntese. Como
vimos, diferentes tipos taxonómicos exibem distintos pigmentos: clorofilas, carotenoides e
ficobilinas. Muitos destes pigmentos, além de um efeito na captura de fotões têm também um
efeito foto protetor, constituindo fortes antioxidantes.

De facto, apesar da importância do oxigénio para os organismos aeróbios, a vida aeróbia é


caracterizada pela constante produção de radicais livres. Esta produção é contrabalançada com
a produção de mecanismos equivalentes antioxidantes. Quando a célula produz mais radicais
livres do que aqueles que elimina, a célula entra em stress oxidativo. Os radicais livres são
átomos ou moléculas que possuem um ou mais eletrões desemparelhados, sendo capazes de
atacar qualquer biomolécula, adicionando ou removendo eletrões para ficarem mais estáveis.
Este processo desencadeia reações em cadeia na célula muito nocivas.

São exemplos de radicais livres o radical alcoxil (RO●), anião radical superóxido (O2●-), peróxido
de hidrogénio (H2O2) e o radical hidróxilo (OH●). A formação destas espécies reativas de oxigénio
(ROS) ocorre durante os processos oxidativos biológicos.

A oxidação ocorre quando a célula e exposta a concentrações de oxigénio superiores ao normal,


sobretudo através da libertação de radicais livres, os quais se formam durante a respiração, em
períodos de stress, no consumo de bebidas alcoólicas, dieta deficiente, tabaco, inflamação,
poluição, ingestão de drogas, etc. A própria respiração produz radicais livres. Há muitas
evidências da influência dos ROS em doenças degenerativas, como a catarata, enfisema, artrite,

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depressão, asma, psoríase, aterosclerose, diabetes, cancro, demência senil, Alzheimer,


Parkinson e outras doenças associadas ao envelhecimento.

Todos os antioxidantes contrariam esta tendência natural para um composto sofrer oxidação;
possuem, na sua estrutura molecular, grupos que transformam o antioxidante num radical livre
menos reativo (scavanger) ou neutralizam completamente o radical livre através da absorção
de toda a energia de excitação (quencher). Por exemplo, a catalase existente nos peroxissomas
é um antioxidante quencher, catalisando a reação de conversão do peróxido de hidrogénio em
água. Além das enzimas, existem muitos outros compostos com capacidade antioxidante, como
seja o ácido ascórbico.

Muitas espécies de microalga, assim como as macroalgas, estão expostas ao sol dado que
precisam captar fotões. A luz, porém, exibe um forte poder de oxidação, o qual é combatido
pela produção de compostos antioxidantes. Muitos destes compostos são, entre outros, os
pigmentos carotenoides que protegem a célula. Outros antioxidantes são, designadamente,
alguns PUFA, compostos fenólicos, esteroides, terpenoides, quinonas, azoto heterocíclico, entre
muitos outros. A maioria dos pigmentos exibe ação antioxidante, com destaque para a xantofila
astaxantina.

2.1.2.1. Carotenoides

Os carotenoides incluem moléculas com oxigénios (xantofilas) e sem oxigénios (carotenoides


propriamente ditos).
Os carotenoides são amplamente utilizados na indústria alimentar, com destaque para o -
caroteno (figura 2.3) pela cor laranja e pelas propriedades antioxidantes. A maioria é extraída
da microalga Dunaliella salina, uma espécie hipersalina produzida sobretudo na Austrália.
A gema de ovo e a carne de salmão são habitualmente coradas com -caroteno. Na maioria dos
casos, a ração dada aos animais é rica em -caroteno ou em microalgas, permitindo intensificar
a cor. Este processo pode ser feito também diretamente na carne.

Figura 2.3 – Pigmentos carotenoides

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Outro pigmento importante é a astaxantina, uma xantofila vermelha presente sobretudo na


Chlorophyta Haematococcus pluvialis. Este pigmento é um fortíssimo antioxidante, que previne
algumas patologias como a foto-oxidação da pele pelos raios UV os processos inflamatórios e
mesmo o cancro.
Outra xantofila particularmente interessante é a fucoxantina, produzida pelas algas castanhas
(Phaeophyceae), a qual confere cor acastanhada/dourada às células. Tal como nos restantes
carotenoides, a capacidade antioxidante é notável. O efeito anti tumoral (apoptose de células
tumorais) parece ser um efeito particularmente importante deste pigmento.

2.1.2.2. Ficobilinas

As ficobiliproteinas são moléculas que surgem tanto nas Cianobactérias como nas Rhodophyta,
sendo construídas por uma porção proteica e uma porção que capta luz de diversos
comprimentos de onda. As Cianobacteria exibem sobretudo o pigmento ficocianina, azul e as
Rhodophyta sobretudo o pigmento rosa ficoeritrina (figura 2.4).

Tanto a ficocianina como a ficoeritrina são produzidos em aquacultura, o primeiro a partir de


Arthrospira e o segundo a partir de Porphyridium, em substituição de pigmentos sintéticos, para
utilização tanto em cosmética como na indústria alimentar.
Exibem ainda propriedades fluorescentes, pelo que se utilizam em testes imunológicos e em
investigação científica.

Figura 2.4 – Ficocianina e ficoeritrina

2.1.2.3. Clorofilas

Além da clorofila a, os organismos fotossintéticos produzem outras clorofilas. A extração destes


pigmentos pode ser particularmente importante na industrial alimentar, para eliminar a
utilização de pigmentos químicos (artificiais) na alimentação humana.

2.1.3. Outros macronutrientes

Todas as macroalgas e microalgas exibem elevado conteúdo em água, entre os 60 e o 94% da


biomassa fresca.

Além dos lípidos, os polissacarídeos são também um constituinte fundamental tanto das
macroalgas como das microalgas, produzindo-os tanto como substância de reserva (amido,
laminarina, amido florídeo) como na constituição da parede celular. Os ficocolóides, que
abordaremos na secção seguinte, são também polissacarídeos constituintes da parede celular.

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A composição química desta parede celular condiciona grandemente o coeficiente de


digestibilidade das macro e microalgas e a capacidade de absorção dos nutrientes. Mesmo
existindo nutrientes úteis, nem sempre estes são absorvidos pelo organismo humano.

O conteúdo proteico é, também, muito variável. As cianobactérias do género Arthrospira exibem


concentrações elevadíssimas de proteína (até cerca de 70%), possuindo todos os aminoácidos
essenciais, isto é, aqueles que o organismo humano não consegue digerir. Também o género
Chlorella pode exibir elevado conteúdo em proteína (cerca de 60%).

Nas macroalgas, as algas verdes exibem até 47% peso seco, enquanto que as castanhas apenas
possuem até 16%. As algas vermelhas Porphyra exibe até 47% e a Palmaria e Gracillaria até
cerca de 30% de conteúdo proteico, valores bem superiores aos observados nos vegetais
terrestres. Exibem também todos os aminoácidos essenciais.

2.1.4. Ficocolóides

Os ficocolóides ou hidrocolóides são polissacarídeos lineares, frequentemente sulfatados,


presentes na parede celular das macroalgas. São compostos muito higroscópicos, isto é, têm
grande afinidade pela água, pelo que mantêm a macroalga hidratada, mesmo quando exposta
ao ar. Desta forma, em contacto com a água, formam géis à superfície da macroalga, os quais
são extraídos e usados sobretudo na indústria alimentar.
Nas algas vermelhas estes polissacarídeos são compostos fundamentalmente por galactanos,
como o agar, a carragenina e outras carragenanas.
O agar é conhecido sobretudo como meio de cultura para microbiologia e possui propriedades
gelificantes. É extraído fundamentalmente dos géneros Gelidium, Pterocladiella, Gelidiella e
Gracilaria. As carragenanas formam géis de consistências diferentes, atuando como agente
espessante. Atualmente a maioria das carragenanas é obtida a partir do cultivo das espécies
carraginófilas Kappaphycus alvarezii e Eucheuma spp., cultivadas sobretudo nos países asiáticos.
Em Portugal as principais carraginófilas são os géneros Chondrus e Mastocarpus. Estas são ainda
hoje colhidas, secas e armazenadas, sendo exportadas para a Galiza, já que em Portugal já não
existe nenhuma unidade de transformação de carragenanas.
Também as algas castanhas exibem ficocolóides, mas de natureza diferente, designados
alginatos. Estes são extraídos sobretudo a partir dos géneros Macrocystis, Sargassum,
Cystoseira, Ascophyllum, Laminaria e Fucus, entre outras, nenhum dos quais cultivado. Estes
últimos, além de serem usados na indústria alimentar exibem propriedades anti tumorais e
outras aplicações.
Além da alimentação, os ficocolóides são amplamente utilizados na indústria farmacêutica e
cosmética, sendo usados como espessantes, emulsionantes e gelificantes2 (tabela I).

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Os aditivos alimentares E407 - carragenana, E406 - agar e E400 – alginato, são extraídos a
partir de macroalgas castanhas e vermelhas.

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Estes ficocolóides têm também vindo a ser estudados pelas suas propriedades terapêuticas,
tendo sido identificadas atividade anticoagulante, antitrombótica, antidiabética e antivírica,
incluindo contra os vírus HIV, hepatite e herpes.
Outros ficocolóides não alimentares importantes são os fucanos (em especial fucoidano) e a
laminarina. Ambos são extraídos a partir de algas castanhas. O primeiro é extraído facilmente a
partir de Fucus vesiculosus e o segundo a partir das laminárias, são usados como nutracêuticos,
já que exibem efeitos anticoagulante, anti trombótico, anti-inflamatório e anti proliferativo,
além de antioxidante.

Tabela I – Aplicações dos ficocolóides extraídos de macroalgas marinhas

Ficocolóide Função
ADITIVO ALIMENTAR
Bolos ou pão cozidos Agar Aumenta a qualidade e controla a humidade
Carragenana
Cerveja e vinho Carragenana Promove a floculação e a sedimentação de
Alginato sólidos em suspensão
Carne enlatada Carragenana Texturiza a mistura
Alginato
Queijo Carragenana Texturiza
Leite com chocolate Carragenana Mantém o chocolate em suspensão
Leite condensado Carragenana Emulsiona
Pudins Carragenana Espessante e gelificante
Peixe congelado Alginato Retenção humidade e adesão
Gomas Carragenana Gelificante
Sumos Carragenana Viscosidade, emulsionante
Batidos Carragenana Estabiliza a emulsão
COSMETICOS
Shampoo Alginato Vitalização da interface
Pasta de dentes Carragenana Aumenta viscosidade
Batom Alginato Elasticidade, viscosidade
USOS TERAPEUTICOS E FARMACEUTICOS
Moldes dentários Alginato Retenção
Laxante Carragenana Lubrificante
Alginato
Comprimidos Carragenana Encapsulamento
Alginato
Envenenamento com Carragenana Adere ao metal
metal
USOS INDUSTRIAIS E LABORATORIAIS
Tintas Alginato Viscosidade, suspensão, brilho
Meio bacteriológico Agar Gelificante
Gel eletroforese Agar Gelificante
Carragenana

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2.1.5. Micronutrientes – minerais e vitaminas

Muitas macroalgas são muito ricas em ferro, zinco, iodo, cálcio, sódio, potássio, magnésio, cobre
e selénio. A concentração destes minerais é habitualmente muito mais concentrada daquela
encontrada nos vegetais terrestres. São particularmente relevantes o ferro e o iodo, este último
particularmente abundante nas algas castanhas, dada a sua deficiência na dieta humana.
As macro e microalgas são também uma excelente fonte de vitaminas, em especial vitamina A,
E, C e vitaminas B.
Outros microelementos relevantes incluem polifenóis, nomeadamente os florataninos,
extremamente importantes como antioxidantes. Estes são especialmente abundantes nas
macroalgas castanhas.

2.2. APLICAÇÕES DAS MACRO E MICROALGAS EM BIOTECNOLOGIA

2.2.1. Sequestro de CO2

As atividades humanas, em particular a utilização de combustíveis fósseis, estão a causar um


dos maiores problemas existentes na atualidade: as alterações climáticas que decorrem,
sobretudo, da emissão de CO2 para a atmosfera, além de outros gases causadores de efeito de
estufa (GEE). De facto, desde o início da revolução industrial, cerca de 1750, até à data, a
concentração de CO2 na atmosfera aumentou já cerca de 40%. A tendência atual não é de
decréscimo de emissões, malgrado todos os esforços de implementação de políticas ambientais
que têm vindo a surgir.
A grande maioria deste gás encontra-se dissolvido nos oceanos - cerca de 90% - e todos os anos,
as massas de água oceânicas, absorvem 40% do CO2 antropogénico, exercendo, portanto, uma
ação importante na redução do efeito de estufa.
Esta redução ocorre por três fatores distintos: a dissolução do CO2 na água do mar, a produção
de carbonato de cálcio, mais denso, que origina a sedimentação do carbono e a fotossíntese
efetuada pelos organismos fotossintéticos, os quais transformam este gás em matéria orgânica.
O fitoplâncton marinho é, assim, responsável pelo sequestro (armazenamento) de 50% do CO2
de origem biológica, removendo-o da atmosfera para produzir biomassa.
A descarbonização do planeta, obrigatória nos próximos anos/décadas, passará, pois, pela
absorção do carbono pelo fitoplâncton marinho, dada a sua enorme abundância, face aos
restantes organismos fotossintéticos.
Além das microalgas também as macroalgas e as plantas vasculares são importantes produtores
primários, pelo que removem quantidades significativas de CO2, também para produzir
biomassa.
Porém, o problema subsiste, isto é, nenhum dos processos naturais existentes na terra, nem as
soluções desenhadas até à data, têm conseguido fazer face às enormes quantidades de CO2 que
são libertadas diariamente para a atmosfera.
É, portanto, necessário implementar eficientemente duas estratégias, em simultâneo: por um
lado a diminuição das emissões de CO2, por outro, aumentar o sequestro do CO2 produzido.

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A utilização de organismos fotossintéticos parece constituir uma das formas mais simples para
implementar a descarbonização da atmosfera. Porém, a utilização de plantas agrícolas para
efetuar o sequestro de CO2 não é muito eficiente, já que está estimado que estas capturam
apenas 3 a 6% das emissões, o que é manifestamente reduzido.
Porém, tanto às macroalgas como as microalgas podem fixar CO2 para produzir carbonatos
solúveis.
No que concerne as macroalgas, é sabido que o seu talo é formado por cerca de 30% de carbono,
pelo que se compreende a enorme quantidade de carbono que é sequestrado por esta via. A
biomassa produzida pode ser utilizada para consumo humano, para ração, para a indústria
alimentar, ou como fertilizante, como veremos, mas poderá também ser convertida em
biocombustíveis.
Também muitas espécies de microalgas são extremamente eficientes na fixação de CO 2,
convertendo-o no crescimento celular. Trata-se de espécies tolerantes aos gases de combustão,
até aos 40% de concentração, como é o caso da espécie Chlorococcum littorale. Outras espécies
tolerantes, como Scenedesmus obliquus e Arthrospira spp. exibem igualmente boa capacidade
de fixação de CO2 quando cultivadas em biorreatores tubulares, a temperaturas de 30ºC.
A utilização de microalgas para a mitigação de CO2 oferece várias vantagens:
1. Taxa de crescimento muito mais elevada e, portanto, capacidade de fixação de CO2
muito superior, comparativamente à das plantas terrestres.
2. Possibilidade de reciclagem do CO2 através de várias tecnologias, dado que este
pode ser convertido, pela fotossíntese, em compostos de carbono, por exemplo
para a produção de biocombustível.
3. Possibilidade de obter rendimento económico quando combinada a mitigação de
CO2 com a produção de biocombustíveis e com outros processos, como o
tratamento de águas residuais. Os processos de descarbonização associados à
produção de microalgas permitem, ainda, diminuir os seus custos de produção.
O cultivo destes organismos obriga ao fornecimento de CO2 às microalgas, o que contribui com
um custo de produção de 8 a 27%. Ora, a concentração de CO2 na atmosfera é muito reduzida
(0,03-0,06%), mas os gases industriais podem atingir concentrações de CO2 de 10-20 %. Assim,
a utilização direta de CO2 industrial no cultivo das microalgas, permite, por um lado, diminuir as
emissões nocivas para a atmosfera, por outro, reduzir os custos de fornecimento de CO2,
contribuindo diretamente para o crescimento das microalgas. Dados científicos indicam que
66% do carbono industrial utilizado é incorporado na biomassa da microalga. A utilização destes
gases industriais, pode, aliás, aumentar a concentração de ácidos gordos úteis, pigmentos e
outros compostos bioativos, dado o stress induzido nos cultivos de microalgas.
Desta forma, vários estudos têm vindo a debruçar-se sobre a possibilidade de captação de CO2
atmosférico, ou outro de origem industrial, para a produção de microalgas e de macroalgas.
Assim é possível combinar a captura de carbono com a produção de biomassa a qual, por sua
vez, tem valor comercial relevante.

2.2.2. Biorremediação

Uma aplicação das microalgas e macroalgas, frequentemente associada ao sequestro de


carbono, é a biorremediação, já que, além do CO2, muitas delas são capazes de remover do

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ambiente fosfatos, compostos azotados, metais pesados e outros poluentes do meio ambiente,
em particular, de águas residuais. De facto, a agricultura intensiva e o desenvolvimento
industrial têm causado a produção massiva de poluentes, sobretudo no que se refere à emissão
de efluentes industriais e poluição agrícola difusa para os rios e para o mar. Existem atualmente
vários processos físicos e químicos de remoção de contaminantes, como os metais pesados e os
poluentes orgânicos. Vários estudos indicam que algumas microalgas de água doce, como os
géneros Scenedesmus, Oscillatoria, Phormidium e outros, removem grandes quantidades de
nitratos e fosfatos de origem agrícola, bem como metais pesados como cobre, cobalto, zinco,
cadmio, mercúrio, chumbo, crómio, níquel, ferro, manganésio, entre outros, em percentagens
que podem atingir os 98%.

A utilização de microalgas e macroalgas no tratamento terciário de Estações de Tratamento de


Águas Residuais, em substituição do tratamento químico, é bem conhecida. Estes organismos
crescem depressa, absorvem nutrientes rapidamente e é possível recuperar a biomassa,
obtendo lucros económicos consideráveis, constituindo uma solução apropriada para responder
a problemas de excesso de poluição orgânica. Assim, são utilizadas nos modelos
ecológicos IMTA (Aquacultura Multitrófica Integrada). Estes métodos inovadores de produção
de organismos marinhos, são constituídos por uma cultura sequencial de diferentes espécies
marinhas, todas elas com potencial utilização comercial, frequentemente peixes, bivalves ou
poliquetas filtradores e, no final, microalgas/macroalgas fotossintéticas. Desta forma, os
resíduos de uma espécie são reciclados, convertendo-se em alimento ou nutrientes para a
espécie seguinte, maximizando assim a eficiência da produção e reduzindo a poluição do meio.

2.2.3. Biotecnologia Alimentar


Tradicionalmente, microalgas como a Arthrospira e a Chlorella são vendidas como suplementos
alimentares, sem qualquer processamento industrial além da secagem da biomassa.
Várias espécies de macroalga são amplamente cultivadas na Ásia para consumo humano, com
destaque da Wakame, Kombu e Nori.
Como vimos muitas outras espécies produzem elevadas concentrações de PUFA, como os
ómega 3 e ómega 6, os quais são utilizados para produzir óleo alimentar. São particularmente
relevantes os ómega 3, que surgem nos peixes gordos, como a sardinha e a cavala, em poucas
espécies de plantas e algumas espécies de alga (micro e macroalgas).

Exibem, ainda, outros compostos como pigmentos, polissacarídeos, vitaminas e fibras, os quais
constituem uma importante fonte de nutrientes para o homem e para toda a cadeia alimentar,
sendo muito úteis também enquanto ração animal. De facto, as microalgas são de grande
importância, por exemplo, para a aquacultura de peixes, rotíferos, bivalves, crustáceos e, ainda,
na alimentação de algumas fases larvares de cefalópodes. De salientar que a aquacultura visa
atualmente o cultivo fundamentalmente de peixes carnívoros os quais se alimentam, em grande
medida, do pescado selvagem capturado. A substituição do peixe selvagem por uma ração
constituída por microalgas, constituirá um passo importantíssimo para a sustentabilidade dos
oceanos.

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2.2.4. Biotecnologia farmacêutica


As microalgas e o as macroalgas, são grandes produtores de compostos antioxidantes, como os
fitosteróis, os pigmentos com destaque para os carotenoides, alguns PUFA, compostos
fenólicos, terpenóides, quinonas e muitos outros.

A explicação para a presença desta elevada concentração de compostos antioxidantes é fácil de


explicar. Os organismos fotossintéticos estão expostos ao sol dado que precisam captar fotões.
Como vimos, a luz induz uma forte oxidação celular, a qual é muito prejudicial para a célula e,
portanto, é combatida pela produção de compostos antioxidantes. Os organismos
fotossintéticos produzem, assim, compostos químicos que protegem a célula os quais podem
ser usados como agentes antioxidantes, como sejam os carotenoides.

Outros compostos bioativos extraídos a partir de organismos marinhos, com destaque para as
macroalgas e microalgas, podem, ainda, ser úteis na criação de novos antimicrobianos. De facto,
tem existido uma preocupação crescente com o aumento das estirpes de bactérias
multirresistentes, as quais não são suscetíveis aos antibióticos convencionais. A descoberta de
novas moléculas antimicrobianas constitui, portanto, uma prioridade das instituições de saúde,
provenientes por exemplo de microalgas, eficazes contra estes microrganismos.
Finalmente, o aumento do tempo de vida, a poluição e o stress, entre outros fatores, têm
aumentado significativamente os casos diagnosticados de cancro. As terapias atualmente
existentes são agressivas e pouco seletivas, exibindo, portanto, efeitos secundários severos.
Assim, está em curso investigação científica que visa, por um lado, prevenir a ocorrência de
cancro, através da utilização de micronutrientes antioxidantes, nomeadamente os carotenoides,
por outro lado, a descoberta de moléculas eficientes no tratamento das células cancerígenas,
menos agressivo e mais específico, aumentando a eficiência do tratamento e diminuindo os seus
efeitos secundários.

2.2.5. Produção de biocombustíveis


É sobejamente conhecido que os combustíveis fósseis são recursos não renováveis, pelo que a
produção de combustíveis a partir de fontes biológicas é imprescindível para garantir o
funcionamento dos motores de combustão. Assim, estuda-se atualmente a possibilidade de
converter os lípidos extraídos a partir de microalgas para produção de biocombustíveis, em
substituição dos combustíveis fósseis.

A utilização de microalgas, em vez de plantas terrestres, para a produção de biocombustíveis


tem algumas vantagens importantes. Por um lado, não compete por terreno agrícola,
fundamental para a produção de alimento para o Homem. A produção é contínua, não estando
sujeita a sazonalidade, já que as microalgas crescem durante todo o ano, podendo ser colhidas,
muitas delas, semanalmente, ao contrário do que se verifica com as plantas terrestres, com uma
única colheita por ano. Finalmente, ao contrário do que sucede com os combustíveis fósseis, a
produção das microalgas captura grandes quantidades de dióxido de carbono, pelo que a sua
libertação posterior não contribui [de forma tão clara] para o efeito de estufa.
Estão em estudo, por exemplo, os géneros Nannochloropsis e Tetraselmis, os quais produzem
40 a 77% de lípidos. A quantidade de lípido é suficiente para assegurar biocombustível de boa
qualidade, porém, há duas dificuldades subjacentes a estes processos: por um lado, a extração
do óleo exige a aplicação de métodos laboratoriais complexos para quebrar a parede celular do
organismo; por outro lado, esta complexidade encarece sobremaneira a extração, tornando os

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biocombustíveis produzidos por este método muito mais dispendiosos do que os combustíveis
fósseis.

Adicionalmente, as microalgas podem ser usadas para produzir biocombustíveis associados a


biorremediação, em especial no tratamento de águas residuais. Isto é, como vimos na figura 3,
o cultivo de microalgas é usado para remoção de contaminantes, com produção de biomassa
algal. Os lípidos extraídos desta biomassa podem ser, então, extraídos para produção de
biocombustíveis.

III. Organismos fotossintéticos úteis para a biotecnologia

Microalgas

De seguida descrever-se-ão os diversos grupos informalmente classificados como microalgas,


incluindo os procariotas, úteis para a biotecnologia. De referir que outros grupos de organismos
fotossintéticos não serão descritos (Cryptophyta, Chlorarachniophyta, …) uma vez que não são
particularmente relevantes para esta temática.

3.1. DOMÍNIO EUBACTERIA, Filo Cyanobacteria

Estes serão os organismos vivos mais primitivos, com mais de 3,5 mil milhões de anos.

Ao contrário dos eucariotas as bactérias desenvolveram diferentes formas de obtenção de


carbono. As cianobactérias formam, porém, um grupo monofilético constituído por organismos
exclusivamente fotossintéticos. Apesar de não terem sido os primeiros organismos autotróficos,
as cianobactérias foram as primeiras células a exibir fotossistemas I e II, produzindo hidratos de
carbono e também oxigénio como produto colateral (acessório). Foram por isso, como vimos,
fundamentais no desenvolvimento da atmosfera atualmente existente na Terra.

3.1.1. Morfologia e ultraestrutura


As cianobactérias são bactérias gram-negativas, logo exibem duas membranas e uma fina
camada de peptidoglicano e não exibem núcleo individualizado nem organelos membranares.
Contudo, exibem vesículas membranares achatadas, designadas tilacoides (figura 3.1); estão
livres no citoplasma e isoladas, equidistantes uns dos outros. Estas estruturas são fundamentais
à fotossíntese já que à sua superfície dispõem-se os pigmentos fotossintéticos necessários à
captação de luz.

Estes pigmentos conferem cor verde-azulada às células (violeta, vermelho ou mesmo verde). O
verde da clorofila a é mascarado, uma vez que têm grande concentração de pigmentos

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acessórios. Estes pigmentos designam-se ficobilinas, os quais estão associados a proteínas para
formar ficobiliproteinas3. A mais abundante é a ficocianina.

Do ponto de vista morfológico as cianobactérias são muito mais evoluídas do que os restantes
grupos de bactérias, já que são as únicas que adquiriram, nalgumas espécies, a
multicelularidade. Assim, há cianobactérias unicelulares, coloniais, filamentosas, …

Fig. 3.1. – A. Esquema e B. micrografia de Cianobactéria Anabaena cylindrica – a


fotossíntese ocorre em membranas contendo clorofila (tilacoides), que se encontram no
interior da célula.

Algumas cianobactérias filamentosas exibem mesmo dois tipos de células especializadas,


diferentes das células vegetativas “normais”. Um destes tipos celulares é o heterocisto, que
surge nalgumas formas, e tem a função de fixação do azoto atmosférico. O aparecimento de
heterocistos é estimulado pela deficiência de azoto no ambiente. Quando muito abundante, a
produção de heterocistos é inibida. Apenas as cianobactérias têm a capacidade de sintetizar,
nos heterocistos, as enzimas necessárias à fixação do azoto molecular (a enzima designa-se
nitrogenase e reduz N2 a NH4+).

Tal como as restantes bactérias, muitas cianobactérias podem formar esporos quando sujeitas
a stress (ausência de nutrientes ou baixa temperatura). Designam-se acinetos e são células de
resistência. Estas células, originárias a partir de células vegetativas, possuem adaptações
distintivas que lhes permite resistir a períodos adversos – seca, frio, deficiência de nutrientes,
etc.

3.1.2. Ecologia
As cianobactérias são muito comuns, surgindo em ambientes muito diversos: marinho, de água
doce ou terrestre, mesmo em ambientes extremos como glaciares, desertos e nascentes
hidrotermais. A maioria é, contudo, de água doce, fazendo parte do fitoplâncton, em águas
doces paradas ou pouco dinâmicas. Outras espécies são bentónicas vivendo aderentes aos
fundos. Algumas, como a Scytonema, sobrevivem em meios terrestres, formando patinas negras

3
Outras formas de ficobiliproteínas surgem também nas divisões Rhodophyta, Glaucophyta e
Cryptophyta.

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na rocha húmida. Algumas espécies, ainda, são simbiontes: por exemplo a espécie Azola tem
folhas com cavidades que albergam Anabaena.

Contribuem para as comunidades biológicas de duas formas importantes: produzem compostos


orgânicos e oxigénio, constituindo importantes produtores primários dos ecossistemas
marinhos e terrestres. Por outro lado, fixam o azoto atmosférico, tornando-o disponível para
outras formas de vida. São, portanto, intervenientes diretos no ciclo do oxigénio e do azoto,
disponibilizando estes compostos químicos para os restantes seres vivos.

Em contrapartida, podem provocar blooms tóxicos em água doce designados cianoHAB4,


sobretudo em lagos eutrofizados. Espécies tóxicas produzem neurotoxinas (inibem a
transmissão do sinal de neurónio a neurónio, e neurónio ao músculo) e hepatotoxinas
(inibidores de enzimas fosfatases e causam o sangramento do fígado). Espécies como Anabaena
e Oscilatoria produzem neurotoxinas; espécies como Nodularia, Nostoc e Microcystis produzem
hepatotoxinas.

Algumas destas toxinas têm vindo a ser estudadas na expectativa de que possam vir a ser usadas
na biotecnologia médica, como compostos bioativos.

3.1.3. Aplicações em biotecnologia


Algumas cianobactérias constituem uma importante fonte de proteína, produzindo até 70% do
seu peso seco em proteína, incluindo todos os aminoácidos essenciais. Em particular o género
Arthrospira (nome comercial Spirulina), é, assim, amplamente utilizado na indústria alimentar
como suplemento proteico. Exibe também elevadas quantidades de vitaminas, minerais, …

Além da proteína, podem produzir também PUFA (ácidos gordos polinsaturados, como os
ómega 3 e ómega 6), os quais são utilizados para produzir óleo alimentar; alguma investigação
científica em curso está também a pesquisar a possibilidade de produção destes compostos para
biocombustíveis, em substituição do petróleo.

Uma outra aplicação possível é a biorremediação. De facto, a agricultura intensiva e o


desenvolvimento industrial têm causado a produção massiva de poluentes, sobretudo na
emissão de efluentes industriais e poluição agrícola difusa, para os rios e para o mar. Existem
atualmente vários processos físicos e químicos de remoção de contaminantes, como os metais
pesados e os poluentes orgânicos. Vários estudos indicam que as microalgas de água doce, entre
elas as cianobactérias, removem grandes quantidades de nitratos e fosfatos de origem agrícola,
bem como metais pesados como cobre, cobalto, zinco, cadmio, mercúrio, chumbo, crómio,
níquel, ferro, manganésio, entre outros, em percentagens que podem atingir os 98%.

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Ciano HAB – cianobacterial harmfull algal bloom; em português: florescimento de algas tóxicas

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3.2. DOMÍNIO EUKARIA

O antigo Reino Protista, proposto por Whittaker incluía mais de 64.000 espécies de organismos
unicelulares, que não exibem, entre si, ancestrais comuns, constituindo, portanto, um grupo
polifilético. De facto, os organismos foram reunidos neste reino com base em características que
não possuem: não têm organização em tecidos, como os que se observam nos Fungi,
Archaeplastida (plantas) e Metazoa (animais). Recentemente têm vindo a ser descobertos
muitos outros organismos, de tamanhos diminutos (do tamanho dos procariotas, com apenas
0,5 a 2 m), que têm aumentado o conhecimento sobre estes organismos.

Fig. 3.4 – “Protozoários”:


(A), (B), (E), (F), e (I)
Alveolata; (C) Euglenozoa;
(D) Amoebozoa;
(G) Dinoflagelado (Alveolata);
(H) Rhizaria.

São fundamentalmente organismos aeróbios, quer façam a fotossíntese (fotossistemas I e II)


quer a respiração celular (na qual recetor de eletrões é o oxigénio).

Existem, porém, algumas espécies capazes de fermentar em meio anaeróbio, como é o caso dos
parasitas do aparelho digestivo dos animais.

Alguns fotossintéticos utilizam carbono orgânico em vez de CO2.

Os organismos heterotróficos são mais diversificados: algumas espécies são saprófitas,


alimentando-se de nutrientes orgânicos solúveis que adquirem por endocitose ou por
transporte ativo (bombas proteicas). Outros organismos alimentam-se de nutrientes sólidos que
adquirem por fagocitose. Muitas espécies são mixotróficas, isto é, exibem diversos tipos de
nutrição, consoante as condições do meio.

Do ponto de vista morfológico, todos estes organismos são células eucariotas, providas de
numerosos organelos membranares e não membranares.

Exibem uma membrana plasmática, nua, ou revestida externamente por uma película (estrutura
proteica), por uma parede celular celulósica, por carbonato de cálcio, por uma frústula de sílica,
entre outros revestimentos.

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De seguida descrever-se-ão alguns grupos de organismos fotossintéticos os quais são


amplamente utilizados como fonte de compostos bioativos. De salientar, porém, como referido,
que existem outros grupos que não serão abordados neste documento (ex. Euglenozoa,
Bryophyta, etc.).

3.2.1. Reino Alveolata, Divisão Dinoflagellata

Existem mais de 4000 espécies, muitas delas extremamente abundantes e produtivas a nível do
fitoplâncton marinho. Cerca de metade das espécies não é fotossintética.

3.2.1.1. Morfologia e ultraestrutura


Os chamados dinoflagelados são, na sua maior parte, fotossintéticos unicelulares biflagelados.
A maioria das espécies possui placas celulósicas rígidas - teca - que lhes dão um aspeto de
armadura antiga (figura 3.5). Algumas espécies marinhas exibem bioluminescência, isto é,
produzem luz através da reação química de oxidação de uma macromolécula – luciferina, reação
catalisada por uma enzima – luciferase, produzindo uma molécula capaz de emitir luz.

Descobertas recentes levam a admitir a possibilidade de os dinoflagelados serem organismos


que adquiriram a fotossíntese por várias vezes, através da incorporação de algas eucariotas
autotróficas distintas (por endossimbiose secundária ou mesmo terciária). Os dinoflagelados
fotossintéticos apresentam, assim, clorofila a e outros pigmentos acessórios, consoante a
endossimbiose que sofreram, exibindo por isso cores distintas: verde, acastanhada, vermelha.

3.2.1.2. Ecologia
Os dinoflagelados fotossintéticos são organismos importantes porque fazem parte do
fitoplâncton marinho, sendo os segundos produtores marinhos mais importantes, nos climas
temperados, podendo mesmo ser os primeiros em latitudes mais quentes. Os dinoflagelados
não fotossintéticos são heterotróficos; saprófitas, parasitas, fagotróficos.

Os dinoflagelados são responsáveis pelas marés vermelhas, São HABs que se devem à
acumulação de pigmentos carotenoides à superfície da água. São provocados sobretudo por
formas autotróficas, incluindo os géneros Gymnodinium, Gonyaulax, Glenodinium, Dinophysis e
Prorocentrum. Algumas espécies de dinoflagelados marinhos - cerca de 20% das espécies de
dinoflagelados - contêm substâncias altamente tóxicas, que servem de proteção contra
predadores ou para capturar presas. Estas toxinas causam a morte das espécies marinhas que
se alimentam deles, podendo igualmente originar danos significativos nos moluscos. Os
humanos, as aves e os mamíferos marinhos podem ser afetados indiretamente por estes
organismos tóxicos quando se alimentam de peixes contaminados ou de moluscos filtradores
que acumulam as toxinas. Estas toxinas são perigosas para o homem, nalguns casos por
bloquearem as sinapses neuromusculares, provocando uma paragem cardiorrespiratória que
pode ser fatal.

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As marés vermelhas surgem em consequência da existência de numerosos efetivos das espécies


causadoras da maré vermelha, assim como de condições meteorológicas e oceanográficas
propícias e da existência de quantidades apreciáveis de nutrientes. São particularmente
abundantes nos mares quentes, sendo mais frequentes próximo da costa. Algumas destas
toxinas estão a ser estudadas para produzir antimicrobianos.

3.2.2. Reino Hacrobia, Divisão Haptophyta

3.2.2.1. Morfologia e ultraestrutura


Na grande maioria a divisão é constituída por organismos unicelulares biflagelados; contudo há
algumas espécies com fases ameboides, coloniais ou filamentosas. Exibem fucoxantina
(xantofila) como pigmento acessório, o que lhes confere cor amarelada ou acastanhada.

A estrutura característica das Haptophyta é o haptonema, uma estrutura microtubular


(semelhante a um flagelo) que tem a função de capturar alimentos que estas algas fagocitam. A
fagocitose é possível porque a célula está envolvida por escamas, não tendo a parede celular.

Outra característica das Haptophyta é a presença de um revestimento externo constituído por


grânulos de material celulósico. Frequentemente, ainda, existe um revestimento de escamas
calcificadas, designadas cocólitos, característica da espécie (figura 3.6). As Haptophyta que
possuem cocólitos no seu revestimento designam-se cocolitóforos.

3.2.2.2. Ecologia
São espécies planctónicas ou bênticas, quase todas marinhas. A maioria delas é de pequenas
dimensões, pertencendo ao picoplâncton (que inclui organismos com cerca de 0,2 a 2 m de
comprimento). Surgem sobretudo nos trópicos, mas há igualmente muitas espécies dos mares
temperados e mesmo polares. São mais abundantes no mar alto, contribuindo de forma
significativa para a produção primária.

Descobriu-se recentemente que estes organismos podem ser muitíssimo abundantes (facto que
tem passado despercebido dado o tamanho diminuto destes organismos), formando blooms
esbranquiçados, nas espécies que exibem a presença de exoesqueleto de carbonato de cálcio,
visíveis em imagem de satélite. São, portanto, muito importantes como produtores nos oceanos.
Raramente os blooms são tóxicos (HABs).

Estas escamas de carbonato de cálcio mobilizam grandes quantidades de carbono. Quando o


organismo morre, as escamas depositam-se no fundo, não reentrando no ciclo do carbono, pelo
que contribuem para a diminuição do efeito de estufa.

Fruto do excesso de matéria orgânica nas zonas costeiras, algumas espécies causam HABs.

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3.2.2.3. Aplicações em biotecnologia


Espécies como Isochrysis galbana e Pavlova luetheri são amplamente cultivadas em biorreator,
para utilização em aquacultura, atendendo aos compostos químicos úteis para outros
organismos, nomeadamente PUFA (EPA e DHA). Estes compostos podem também ser utilizados
como compostos nutracêuticos e como aditivo em ração para animais (ex. ovos com ómega 3).
Exibem igualmente elevada concentração de fitoesteróis, e pigmentos.

3.2.3. Reino Stramenopila, Divisão Ochrophyta, classe Bacillariophyceae

Todos os indivíduos da divisão Ochrophyta possuem algumas características comuns:

• Todas as espécies, pelo menos nalguma fase do ciclo de vida, são unicelulares
flagelados e os flagelos são distintos morfologicamente (heterocônticos).
• A maioria das espécies é autotrófica com plastos semelhantes, ricos em fucoxantina,
um pigmento que confere a cor acastanhada ou amarelada às células. As espécies
heterotróficas são incolores.

3.2.3.1. Morfologia e ultraestrutura


São organismos muito antigos, existindo enormes quantidades de fósseis que formam a
diatomite, sedimento sólido que é amplamente utilizado em aquariofilia. Existem mais de 250
géneros e, provavelmente, mais de 100.000 espécies distintas, ocorrendo em água doce,
salgada, rochas húmidas ou mesmo no solo. São, assim, o componente principal tanto do
fitoplâncton marinho como de água doce.

Vulgarmente conhecidas como diatomáceas, são quase sempre organismos unicelulares, mas
existem algumas espécies coloniais; a cor é dourada-acastanhada, fruto da fucoxantina.

A célula encontra-se encerrada numa parede característica, designada frústula, constituída por
sílica e formando duas valvas transparentes, sólidas e extensamente perfuradas, que encaixam
uma na outra. As valvas são sempre ornamentadas, com padrões muitas vezes característicos
da espécie (figura 3.7).

3.2.3.2. Ecologia
As diatomáceas constituem um dos componentes mais importantes do fitoplâncton, sobretudo
em águas frias e temperadas, como a da costa portuguesa. São abundantes sobretudo durante
a primavera e outono, quando os upwellings trazem à superfície a quantidade de sílica
necessária para o crescimento dos organismos. Os blooms de diatomáceas são habitualmente
benéficos uma vez que constituem a base da cadeia alimentar de muitos organismos aquáticos.

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Figura 3.5 – Dinoflagelado Figura 3.6 – Cocolitóforo Figura 3.7. - Diatomácea

Dada a sua biodiversidade, parecem ser os organismos fotossintéticos mais importantes, do


ponto de vista da produção primária (25% da produção primária dos oceanos).

Quando morrem depositam-se no fundo, não sendo, muitas vezes, digerido pelas bactérias;
desta forma o carbono que contêm não retorna ao ciclo do carbono, pelo que estes organismos
contribuem para a diminuição do efeito de estufa.

3.2.3.3. Aplicações em biotecnologia


A diatomite é utilizada como filtro em aquariofilia, dadas as propriedades físicas importante
desta rocha. Além disso é utilizada também como abrasivo, nomeadamente na pasta de dentes,
bem como usado na produção de inseticidas mecânicos.

Alguns géneros como Skeletonema e a Phaeodactylum são usados em aquacultura, para


produzir ostras e outros organismos invertebrados, dado que exibem compostos químicos úteis
para a dieta destes organismos. Phaeodactylum é particularmente rica em EPA (um ómega 3)
pelo que produz óleos muito importantes para a saúde humana.

Ricas em fitosteróis, têm sido investigadas para a produção de esteroides “saudáveis” para a
indústria biomédica.

3.2.4. Reino Stramenopila, Divisão Labyrinthulomycetes

3.2.4.1. Morfologia e ultraestrutura


A sua classificação é, ainda, algo controversa, tendo sido durante muito tempo incluídos nos
fungos, dada a ausência de plastídeos e o comportamento saprófita. Porém, a morfologia dos
zoósporos e outros estudos genéticos permitem incluí-los nos Heterokontophyta.

Classe de organismos desprovidos de plastídeos, portanto heterotróficos, simples, a maioria dos


quais marinhos. Algumas espécies são parasitas, mas a maioria são saprófitas, alimentando-se
de matéria em decomposição, como algas, plantas dos mangais, etc.

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3.2.4.2. Aplicações em biotecnologia


Algumas espécies da ordem Thraustochytriales, família Thraustochytriaceae (ex.
Auranthiochytrium, Schizochytrium) vulgarmente designados quitrídeos, são produzidos em
fermentador e utilizados em biotecnologia, já que produzem quantidades elevadas de
esqualeno (esteroide atualmente extraído a partir do tubarão, tem propriedades antioxidante a
antibacteriano, promotor do crescimento e do sistema imunitário) e PUFA, em particular ácido
docosahexanóico (C22:6n3; DHA), um ómega-3 essencial para o crescimento do cérebro e
desenvolvimento da retina, nas crianças.

Incluem-se, ainda, nas microalgas, organismos unicelulares e coloniais das divisões Rhodophyta
e Chlorophyta. Estes grupos, porém, exibem também macroalgas, pelo que serão abordados em
conjunto com as restantes macroalgas.

“Macroalgas”

A extensa costa portuguesa possui zonas de praia arenosa e zonas rochosas. Na zona entremarés
(intertidal) das áreas rochosas surgem abundantemente algas pluricelulares macroscópica, a
formar extensas cinturas horizontais, desde o topo da maré-alta até à profundidade máxima de
24 metros de profundidade (em Portugal), onde a luz tem intensidade suficiente para assegurar
a fotossíntese.

Em Portugal estão identificadas cerca de 100 espécies de macroalgas castanhas (Phaeophyceae),


250 espécies distintas de macroalgas vermelhas (Rhodophyta) e 60 espécies de macroalgas
verdes (Chlorophyta). Estas algas são também designadas macrofitobentos, dado que são
maioritariamente espécies aderentes aos fundos rochosos.

Algumas destas algas têm importância alimentar evidente, se bem que, em Portugal, já não são
utilizadas na alimentação humana. Portugal importa anualmente cerca de 1,5 toneladas de
macroalgas para utilização da cozinha chinesa e venda nas lojas de produtos naturais. Apesar do
desinteresse, as macroalgas constituem, como vimos, um alimento saudável, possuindo baixo
valor calórico, mas elevado conteúdo em minerais (cálcio e ferro), proteínas (incluindo todos os
aminoácidos essenciais) e vitaminas. Além disso, possuem baixo conteúdo lipídico (1 a 3% peso
seco) sendo que a maioria destes lípidos é constituído por ácidos gordos polinsaturados de
cadeia longa. A maioria dos polissacarídeos não é digerível pelo homem, dado que este não
possui as necessárias enzimas digestivas; assim estes polissacarídeos funcionam como fibras
alimentares (33 a 75% do total).

Uma outra utilização tradicional foi, e é ainda noutros países, a apanha para a produção de
ficocolóides. Nas rodófitas estas fibras são compostas fundamentalmente galactanos, como
agar e as carragenanas; nas feofíceas, são constituídos sobretudo por celulose e alginatos. A
indústria de ficocolóides iniciou-se, sobretudo com a extração de carragenanas a partir da
espécie Gelidium corneum, o qual era colhido nas praias, desidratado e vendido. A utilização dos
ficocolóides constitui uma indústria internacional importante, dado que muitos dos alimentos
processados incorporam estes compostos.

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Além do seu valor alimentar, as fibras baixam também os níveis de colesterol do organismo,
exibindo ainda um elevado poder antioxidante. Tal deve-se à capacidade destas fibras para
dispersar na água, reter o colesterol e inibir a sua absorção pelo trato intestinal, e também pela
capacidade antioxidante dos polissacarídeos sulfatados e dos polifenóis.

Estudos recentes indicam que muitas destas espécies exibem grande importância pela presença
de compostos bioativos, com atividade antimicrobiana, antioxidante e anti tumoral, entre
outras. Constituem, assim, recursos marinhos, importantes.

Em 2014 eram produzidas, sobretudo na Ásia, cerca de 26 milhões toneladas de macroalgas,


anualmente, com um valor de 6,4 mil milhões de dólares.

3.2.5. Reino Stramenopila, Divisão Ochrophyta, classe Phaeophyceae

3.2.5.1. Morfologia e ultraestrutura


A classe contém cerca de 265 géneros e mais de 1500 espécies, algumas das quais de grandes
dimensões e de organização relativamente complexa, com pequena diferenciação de tecidos e
órgãos. Exibem assim, um talo relativamente complexo (figura 3.8) – o mais diferenciado nas
“algas” – formado por um órgão de fixação, um estipe (suporte) e lâminas (função clorofilina).

Figura 3.8 – talos de Phaeophyceae, exibindo algum grau de diferenciação.


Holfast: órgão de fixação); Stipe: estipe dá suporte e eleva as lâminas na coluna de água; Frond –
fronde, estrutura alargada, muitas vezes formando lâmina; Midrid: nervura mediana que confere
consistência à lâmina; Air bladder: vesícula gasosa que permite a flutuação das lâminas.

A parede celular é revestida por uma componente fibrilar, formada por celulose e alginatos
(polissacarídeos hidratados) formando uma mucilagem que previne a dessecação do talo quanto
exposto ao ar. Os alginatos juntamente com a celulose, fornecem a rigidez e a flexibilidade
necessárias para resistir às marés e às correntes.

A cor castanha deve-se ao predomínio das xantofilas, designadamente da fucoxantina.

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3.2.5.2. Ecologia
Quase todas são restritas ao ambiente marinho, vivendo aderentes a um substrato sólido. São
maioritariamente espécies de águas frias, constituindo um elemento dominante das águas do
Ártico e do Antártico, diminuindo a sua frequência à medida que nos aproximamos dos trópicos.

São macroalgas que apresentam uma distribuição bastante limitada devido ao facto de
necessitarem de luz abundante para realizarem a fotossíntese. Em águas cristalinas não
ultrapassam os 120 metros de profundidade. Nas zonas temperadas e frias, a baixas
profundidades, os fundos marinhos são muitas vezes dominados por algas castanha
(denominadas kelps), as quais forma complexas florestas marinhas. Nesta zona são muito
importantes para os ecossistemas marinhos, formam a base da cadeia alimentar de muitas
espécies e produzem um ambiente protegido para o crescimento de organismos de menores
dimensões, como invertebrados, zooplâncton, larva e juvenis de peixes, etc. Constituem
portanto zonas de proteção, reprodução e alimentação para uma grande variedade de espécies
animais.

As algas que constituem as florestas de kelp são, ainda, importantes produtores primários e
desempenham um papel ativo na minimização do fenómeno do aquecimento global, uma vez
que fixam carbono, que pode acumular-se nos sedimentos marinhos, reduzindo a quantidade
de CO2 presente na atmosfera.

3.2.5.3. Aplicações em biotecnologia


Algumas espécies são utilizadas na alimentação em especial nos países asiáticos. Outras são
amplamente utilizadas na biotecnologia (alimentar, farmacêutica) por exibirem propriedades
importantes. Destas algas são também extraídos ficocolóides como os alginatos utilizados na
alimentação, na cosmética e na indústria.

Espécies importantes são:

Wakame – Undaria pinnatifida – espécies originária do pacífico, foi identificada na Península


Ibérica em 1988. Tem sabor suave, sendo de fácil digestibilidade; possui elevada percentagem
de cálcio. Excelente fonte de iodo, fundamental para a regulação da tiroide.

Esparguete do mar – Himanthalia elongata. A sua distribuição abrange o Atlântico Norte e pode
atingir os 3 metros de comprimento. Com um sabor semelhante ao da lula, é usada na
alimentação por ser muito rica em potássio, fósforo, ferro e vitamina C. É uma das algas com
mais sucesso entre as espécies atlânticas e, ao mesmo tempo, uma das mais baratas, devido à
sua grande biomassa e facilidade de recolha nas zonas costeiras.

Kombu – Saccharina japonica, Laminaria ochroleuca. O kombu é originário da ásia, em especial


do Japão, sendo a espécie S. japonica cultivada há milénios. A espécie L. ochroleuca existe na
região do Atlântico e nas costas de Portugal, desde o Norte até ao centro do país. São algas ricas
em iodo, magnésio e cálcio. Além da utilização como alimentar, as duas espécies apresentam
propriedades antirreumáticas, anti-inflamatórias, reguladoras do peso corporal e da tensão
arterial.

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Bodelha – Fucus vesiculosus, Fucus spiralis. Alga mais pequena que as anteriores, até 60 cm, tem
uma ramificação dicotómica muito característica. Não tem propriedades alimentares comuns,
mas exibe elevado poder antioxidante e anti-inflamatório. Não é, atualmente, cultivada.

3.2.6. Reino Archaeplastida (Plantae), Divisão Rhodophyta

A grande maioria é pluricelular, com um baixo grau de diferenciação celular, formando talos
grandes, com dois ou três tipos celulares distintos e muito característicos do grupo (organização
pseudoparenquimatosa).
Algumas, porém, como a espécie Porphyridium cruetum, são organismos unicelulares e são
produzidas em biorreator dadas as suas importantes propriedades antialérgicas e anti-
inflamatórias.

3.2.6.1. Morfologia e ultraestrutura


As Rhodophyta ou algas vermelhas constituem um importante grupo de algas, na sua maioria
marinhas. Este é um grupo natural, uma vez que todas as 6000-8000 espécies exibem muitas
características típicas da divisão.
As algas vermelhas devem o seu nome à coloração frequentemente vermelha que o talo exibe,
a qual se deve à dominância do pigmento acessório ficobilina (ficoeritrina, de cor rosada).

Distinguem-se das restantes divisões fundamentalmente pelo facto das células reprodutivas
nunca exibirem flagelos. Para compensar a evidente baixa eficiência reprodutiva, as rodófitas
exibem um ciclo de vida próprio, muitas vezes trifásico, durante o qual ocorre a amplificação do
zigoto, isto é, o zigoto produz não apenas um, mas vários (ou muitos) organismos filhos.
Possuem parede celular celulósica e, frequentemente, ficocolóides associados à parede celular,
os quais são polissacarídeos muito higroscópicos, que hidratam facilmente na presença de água.
Esta propriedade impede a dessecação destes organismos. Inclui formas com exoesqueleto
calcário e formas encrostantes. A calcificação permite resistir à hidrodinâmica marinha, já que a
maioria das rodófitas vive na zona entremarés.

3.2.6.2. Ecologia
Apesar de haver algumas exceções de água doce (ca. 150 espécies), a grande maioria é marinha,
bentónica, vivendo fixa às rochas nas zonas litorais, até uma profundidade máxima de 100
metros (raras vezes crescem abaixo dos 30 metros no Atlântico norte). Surgem, por isso, apenas
numa estreita faixa litoral, com algumas exceções.

Nas costas rochosas, forma-se frequentemente um andar de rodófitas, na zona entremarés,


parcialmente exposta ao ar durante a maré baixa. Nestes períodos as rodófitas estão expostas
a luz intensa, à dessecação e a temperaturas mais elevadas do que quando estão submersas.
Muitas destas espécies são mais escuras, dada a presença de carotenoides que atuam como
escudos protetores (antioxidante).

31
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As espécies que vivem a maiores profundidades são, frequentemente, calcificadas para evitar a
herbivoria.

Surgem em todos os oceanos, incluindo o Ártico e o Antártico, mas o número de espécies é


limitado. Quanto maior a temperatura, isto é, à medida que nos aproximamos do Equador, a
diversidade e quantidade de rodófitas aumenta.

3.2.6.3. Aplicações em biotecnologia


A ecologia destas espécies determina o aparecimento de duas propriedades importantes. Por
um lado a capacidade antioxidante, conferida por moléculas como os pigmentos carotenoides.

Por outro lado a produção abundante de mucilagem protetora, que impede a dessecação das
células e dos talos. A mucilagem é constituída fundamentalmente por ficocolóides,
designadamente agar e as carragenanas.

Algumas espécies importantes são:

Nori – Porphyra spp. – o nori é constituído pelas lâminas da alga vermelha que revestem
externamente o sushi; é feito a partir de espécies de Porphyra cultivadas no Japão. O nori
atlântico é formado por espécies semelhantes, como P. umbilicalis. Exibe grande riqueza em
aminoácidos e de boa digestibilidade. O “nori” é excecionalmente rico em provitamina A,
superando as hortaliças e, também, os mariscos e peixes. Os valores de vitamina B12 são
também muito elevados nesta alga. Tem uma baixa percentagem em gorduras e estas são de
grande valor nutritivo pois, mais de 60% das mesmas, são ácidos gordos polinsaturados ómega
3 e ómega 6.

Musgo da Irlanda - Chondrus crispus - rico em carragenanas, possui elevado conteúdo em


proteínas (20%), é rico em vitamina A (que não desaparece na cozedura), em ácidos gordos
polinsaturados e sais minerais. Os seus efeitos contra a hipertensão devem-se aos ficocolóides
que contém.

Dulse - Palmaria palmata - Cerca de 30 % do seu peso é constituído por minerais (ferro, potássio
e iodo) e por proteínas de elevado valor nutritivo (18 %). Possui também elevados valores de
vitamina C e de ficoeritrina, pigmento vermelho percursor da vitamina A. Fortalece a visão
(vitamina A) e é aconselhada para tratamento de problemas gástricos e intestinais e para a
regeneração das mucosas.

Sphaerococcus cononopifolius – amplamente distribuída na zona litoral centro, investigação


recente indica a importância que esta espécie tem como antimicrobiano e anti tumoral. Não é,
atualmente, cultivada.

Porphyridum cruentum – esta espécie de microalga é amplamente cultivada em biorreator pela


sua elevada percentagem de lípidos, muitos dos quais PUFA. Tem, assim, elevado potencial para
a produção de biocombustíveis. Além disso tem grande concentração de exopolissacarídeos
sulfatados, com aplicações farmacêuticas. Produz, ainda pigmentos (ficoeritrina).

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3.2.7. Reino Archaeplastida (Plantae), Divisão Chlorophyta

O filo Chlorophyta inclui as clorófitas, contemplando mais de 17000 espécies muito


diversificadas morfologicamente, desde organismos unicelulares microscópicos, até organismos
filamentosos macroscópicos.

Esta é uma divisão natural, com características próprias, em particular no que se refere aos
pigmentos fotossintéticos, aos hidratos de carbono de reserva, à estrutura dos plastos
(cloroplastos) e do flagelo.

3.2.7.1. Morfologia e ultraestrutura


Vulgarmente designam-se algas verdes dada a cor verde forte preponderante, que se deve ao
predomínio das clorofilas a e b.

Morfologicamente são muito diversas, existindo espécies unicelulares móveis por flagelos,
unicelulares imóveis (cocóides), coloniais com ou sem forma fixa, com organização cenocítica
(sem divisão celular, multinucleados) filamentosos ramificados ou não, …

Apesar de a divisão incluir espécies claramente distintas das restantes divisões de algas, é muito
mais difícil separar esta divisão das plantas terrestres, uma vez muitas das suas características
são comuns também a estas plantas: os pigmentos fotossintéticos – clorofila a e b, o
polissacarídeo de reserva - amido, a constituição da parede celular - celulose, as células
reprodutivas e outros detalhes bioquímicos, o que indica que existem um relacionamento
estreito entre estes grupos. Assim, acredita-se que a divisão Chlorophyta é o grupo de algas a
partir do qual terão evoluído as plantas terrestres.

3.2.7.2. Ecologia
São quase todas espécies de ambientes aquáticos (marinhos ou água doce), constituindo um
importante componente do fitoplâncton, existindo também em ambientes terrestres, muito
diversos, como por exemplo à superfície da neve, em rochas e troncos de árvore, no solo, e em
associação simbiótica com fungos, esponjas, protozoários, celenterados, etc.

Existe uma classe de macroalgas marinhas (Ulvophyceae), formando, com as rodófitas e


feofíceas uma faixa litoral, com importância ecológica relevante, como vimos.

3.2.7.3. Aplicações em biotecnologia


Diversas espécies de microalgas são cultivadas em biorreator, atendendo à sua importância:

Chlorella sp. – Microalga unicelular cocóide. O género é conhecido como sendo muito eficiente
na remoção de contaminantes, como azoto, fosfato, e iões metálicos como alumínio, cálcio,
ferro, magnésio e manganésio. É também comercializada como suplemento alimentar dado o

33
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elevado conteúdo em proteína (até 45%) e um conteúdo lipídico elevado na ordem dos 16,5%.
Exibe ainda cerca de 10% de minerais e vitaminas, constituindo também um género importante
do ponto de vista alimentar. Exibem, finalmente, pigmentos (xantofilas) com reconhecidas
propriedades antioxidantes. A alga tem um valor comercial de cerca de 15000€ a tonelada (peso
seco).

Haematococcus pluvialis – Espécie de microalga biflagelada. É uma alga verde que, em altura de
stress (luz forte, elevada salinidade e baixo teor em nutrientes) forma células de resistência
vermelhas – cistos – os quais produzem grandes quantidades da xantofila astaxantina (figura
3.9). O género é, pois, cultivado dado que a astaxantina é um forte antioxidante, um ingrediente
fundamental em aquacultura, cosmética e como nutracêutico.

Aonori ou alface-do-mar (Monostroma spp., e Enteromorpha spp.) – Macroalga filamentosa;


cultivada em regime aberto, em águas paradas e rasas, como alimentar dado o seu elevado
conteúdo proteico (20%); exibe ainda vitaminas e minerais (Ca e Fe); concentração elevada de
fibra e baixo conteúdo em lípidos.

3.9 – Desenvolvimento da sequência das células de Haematococcus pluvialis para a produção de


pigmento: célula vegetativa verde biflagelada (A), acumulação de astaxantina e aumento do tamanho
celular (B), formação do cisto vermelho (C).

3.2.8. Reino Archaeplastida (Plantae), Divisão Tracheophyta

As primeiras plantas terrestres terão surgido há cerca de 440 milhões de anos. Os primeiros
colonizadores da terra terão sido algas verdes de água doce, já extintas. Estas, terão conseguido
ultrapassar problemas de obtenção e de retenção de água, bem como proteção contra a
radiação solar direta, através de várias estruturas, as quais se foram diferenciando ao longo do
tempo evolutivo, formando uma sequência bem definida de organismos fotossintéticos. As mais
primitivas são as briófitas (musgos e hepáticas), ainda sem tecido vascular), pteridófitas (fetos e
hepáticas) que já possuem tecido vascular mas ainda sem flor, as gimnospérmicas (pinheiros,
cedros, …) plantas com flor mas sem perianto, e com semente, mas sem fruto. Finalmente as
angiospérmicas, as plantas mais evoluídas e que dominam o ambiente terrestre, que
diferenciaram a flor com perianto em simultâneo com os insetos, e o fruto carnudo.

34
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A estrutura morfológica das plantas terrestres é muito característica, formada por tecidos e
órgãos. O sistema vegetativo é formado por folhas, raízes e caules. Estas estruturas têm funções
críticas na planta:

1. Raiz – absorção de água do solo, onde esta se encontra disponível. A raiz é uma
estrutura complexa que tem duas funções complementares – a ancoragem ao solo e a
absorção de água. Esta estrutura não surge em nenhuma alga marinha, mesmo aquelas
de maior porte.
2. Folha – órgão responsável pela captação de luz; é constituído fundamentalmente por
parênquima clorofilino, onde abundam os plastídeos, organelo onde decorre a
fotossíntese.
3. Caule – é o órgão de sustentação da planta, fundamental quando a planta se encontra
exposta ao ar; esta sustentação é assegurada por tecidos mecânicos como o colênquima
e o esclerênquima.

A diferenciação de alguns tecidos foi, ainda, fundamental para a colonização do ambiente


terrestre:
4. Tecido condutor – depois de absorvida a água é distribuição através deste tecido; o
único nutriente que não é absorvido pelas raízes é o dióxido de carbono; todos os outros
são absorvidos pela raiz e canalizados para todas as partes da planta pelo xilema.
5. Cutícula/Súber – a conservação de água é fundamental para a sobrevivência da planta
assim substâncias impermeabilizantes como a cutina, a cera e o súber asseguram um
equilíbrio osmótico que impede a evaporação excessiva de água e, portanto, favorecem
a retenção de água.
6. Estomas – as trocas gasosas com o meio ambiente fazem-se através de células
especializadas, uma vez que a maioria da superfície da planta é impermeável. Estes
apresentam mecanismos fisiológicos que controlam a sua abertura e encerramento.
7. Tecido de reserva – tecidos de acumulação de substâncias de reservas, fundamentais
para prover a planta de nutrientes em alturas desfavoráveis; o parênquima pode ser de
natureza diversa consoante o tipo de reserva que armazena.
8. Metabolitos secundários - Em altura de abundância a planta produz mais compostos
orgânicos do que aqueles que necessita. Produz, assim, compostos orgânicos
designados metabolitos secundários, muito diversificados, os quais são acumulados nos
tecidos de reserva para serem consumidos pela planta em épocas de escassez.

Finalmente, do ponto de vista reprodutivo, a plantas terrestres desenvolveram algumas


estratégias independentes da água, que as tornaram particularmente eficientes.

9. Polinização – a diferenciação de grãos de pólen permite a dispersão dos esporos e dos


gâmetas masculinos pelo vento, pelos animais, … de forma independente da água.
10. Semente – a produção de uma semente, na qual fica retido o embrião resistente à
dessecação, através da síntese de camadas externas impermeáveis e da acumulação de
tecido de reserva produz estruturas muito resistentes, que podem estar anos sem
germinar. Por outro lado estas sementes são dispersas pelo vento, pelos animais, … de
forma independente da água.

35
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3.2.8.1. Aplicações em biotecnologia


Muitas das estruturas acima referidas são utilizadas do ponto de vista alimentar: de entre raízes,
flores, frutos, caules, folhas, são consumidas centenas de espécies, em todo o planeta. As
propriedades alimentares são reconhecidas também há muito tempo. A presença de gorduras
em baixa concentração e insaturadas, os minerais (em especial cálcio e ferro), as vitaminas, o
elevado teor em fibra e muitos outros, constituem vantagens evidentes para o consumo destes
alimentos.

Além da parte alimentar, são utilizados centenas ou mesmo milhares de moléculas como
medicamento, na cosmética, na perfumaria, como condimento ou como conservante, a maioria
dos quais são metabolitos secundários das plantas.

Existem registos de há milhares de anos, da utilização das plantas. Até meados do século XX,
início da indústria farmacêutica a partir da síntese de compostos químicos, as plantas aromáticas
e medicinais constituíram os principais agentes farmacêuticos. Ainda assim, muitos princípios
ativos não são ainda sintetizados ou a sua produção industrial é extremamente cara. Desta
forma, muitas plantas são ainda cultivadas com o fim de serem utlizadas no fabrico de
medicamentos.

3.10 – Plantas alimentares

Recentemente a procura de medicamentos à base de extratos vegetais, tem vindo a aumentar,


levando a um maior investimento em estudos científicos, que envolvem a investigação das
propriedades terapêuticas das plantas. O conhecimento existente, porém, é ainda claramente
insuficiente e a utilização destes produtos está muitas vezes ligado a medicina alternativa, ou a
uma certa linha de regresso à natureza.

A medicina tradicional tem utilizado estas plantas, durante milénios, reunindo um conjunto de
dados empíricos importantíssimos, muitos dos quais corretos. Desta forma as plantas são
eficientes no tratamento de muitas doenças. Assim, por exemplo, um chá de menta antes de ir
dormir pode ser um remédio muito mais eficaz contra a insónia do que os barbitúricos químicos.

36
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Tal deve-se à presença de uma certa quantidade de um ou mais químicos nas plantas que
produzem aquele efeito.

Outras doenças, contudo, carecem de medicação química (ou outra) muito mais forte do que
aquela que as plantas podem fornecer.

As plantas são utilizadas de diversas formas: compressas, cozimentos, extratos, gargarejos,


banhos, chás, irrigações, infusões, tisanas, óleos, sumos, pós … Virtualmente todas as partes das
plantas podem ser usadas, uma vez que dependendo da espécie, diferentes órgãos exibem
propriedades distintas.

As plantas podem, então, ser usadas com fins terapêuticos (plantas medicinais), aromáticos
(plantas aromáticas) e dietéticos ou gastronómicos (plantas aromáticas e condimentares).

As propriedades devem-se à presença de princípios ativos específicos de cada espécie, sendo de


destacar os seguintes:

Alcaloides – compostos químicos orgânicos azotados, com efeito sobre o sistema nervoso
central. Alguns dos mais conhecidos são: cafeína, morfina, estricnina, quinina, etc. Alguns são
drogas muito poderosas, formando os venenos mais fortes de origem vegetal.

Óleos essenciais – produzidos por células ou pelos glandulares especiais, ou por vasos secretores
existentes na folha (muitas vezes), flor, fruto, raiz ou semente. São óleos voláteis,
frequentemente aromáticos, solúveis em álcool e noutros solventes orgânicos. Até à data foram
identificados mais de 600 compostos diferentes (terpenos, cetonas, fenóis, ésteres, aldeídos,
…).

Flavonoides – quimicamente pertencem aos fenóis; as antocianinas pertencem a este grupo, a


qual é responsável pela cor azul e vermelha de muitas flores.

Taninos – substância capaz de precipitar proteínas; por esta razão são usados na indústria de
curtumes, para remover a proteína da pele dos animais. Com muitas propriedades medicinais
reconhecidas, são também carcinogénicos.

Glucósidos – formam um grupo importante de drogas, juntamente com os alcaloides,


constituindo venenos naturais fortes.

Saponinas – glucósidos de elevado peso molecular. Possui ação detergente, tendo sido usado
como sabão durante séculos.

Muitas das propriedades das plantas são aproveitadas simultaneamente para vários fins. Plantas
aromáticas, com importantes propriedades medicinais, são usadas na culinária, como
aromatizantes: tanto especiarias como plantas aromáticas exibem propriedades medicinais
reconhecidas.

A indústria de cosmética e perfumaria usa também extensivamente plantas aromáticas.

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