Você está na página 1de 3

Módulo 

2: Introdução à Fenomenologia Existencial de Martin Heidegger e 
à Analítica Existencial
  
O projeto fenomenológico de Heidegger
A constituição ontológica da existência (Dasein)
  
Bibliografia Básica: DASTUR, F. & CABESTAN, P. (2015) “Analítica existenci
al e Daseinsanalyse”, cap.I.B., pg.34-56
   
            O livro de Heidegger, Ser e Tempo, publicado em 1927, tem como taref
a a elaboração da fenomenologia como filosofia. E filosofia é, para ele, pergunt
ar pelo SER, isto é, o que é a realidade?, quem somos nós?, tal como feito por 
toda a história ocidental. O método fenomenológico exige que se suspendam o
s pressupostos. Assim, Heidegger “coloca entre parênteses” as definições de S
ER legadas pela tradição filosófica. Precisa perguntar ao SER mesmo o que é. 
Para isso, começa seu perguntar pelo “ente que compreende ser”, que é o hom
em. Isto é, a existência é por ele assumida não como animal racional, nem com
o psiquismo, mas como abertura para coisas, si mesmo e outros serem. Somen
te o homem pergunta o que é o mundo?, o que são as coisas?, o que sou eu? 
    
A tradição filosófica também deixou definições sobre o que é o homem. As vári
as abordagens psicológicas são exemplos disso; todas elas definem o que é o 
humano. Mas a fenomenologia é obrigada a colocar todas essas definições em 
suspensão. 
  
Com isso, Heidegger pergunta ao homem pelo seu ser, que seria o primeiro pa
sso na colocação da pergunta pelo sentido de SER em geral. O livro Ser e Te
mpo torna-se, assim, uma analítica existencial. Heidegger reserva a este o ter
mo Dasein, “ser-aí”, para diferenciá-lo dos demais entes.
  
            Traduzindo ao pé da letra, Da significa aí. Sein significa Ser. Dasein é 
ser-aí.
  
            Mas, Heidegger visa descrever não os homens concretos, mas o ser do
s homens. Daí a distinção da fenomenologia existencial entre ôntico – que é do
s entes históricos, “concretos” (“existenciário”) – e ontológico, que se refere ao 
ser dos entes (“existencial”). (DASTUR & CABESTAN, 2015, p.40). 
  
A analítica do Dasein (ou “analítica existencial”) é uma descrição de aspectos e
ssenciais da existência humana. Heidegger chama esses aspectos de “existenc
iais”, para diferenciar da palavra “categorias”, usada na filosofia para descrever 
as propriedades do ser de tudo o que não é humano. 
  
            Ser e Tempo defende que o humano não é como as demais coisas do 
mundo, pois 1) seu ser está sempre em jogo (ou seja, é uma questão em abert
o) e 2) Dasein compreende ser (ou seja, é abertura para ser de coisas, outros e 
si mesmo). 
  
            Medard Boss e Ludwig Binswanger, que desenvolvem a Daseinsanalys
e, fundamentam os fenômenos encontrados na clínica nos “existenciais” descrit
os por Heidegger em Ser e Tempo.
  
A constituição ontológica da existência (Dasein)
  
 
Bibliografia Básica: DASTUR, F. & CABESTAN, P. (2015) “Analítica existenci
al e Daseinsanalyse”, cap.I.B., pg.34-56
  
             O conceito de Dasein se refere à constituição ontológica do ser que nó
s somos, costumeiramente chamados de “humanos”. Porém, Heidegger não uti
liza o termo “ser humano” ou “homem” pois são termos que carregam significad
os não fenomenológicos acumulados ao longo da história do Ocidente. “Human
o”, por exemplo, deriva de “húmus”, terra fértil, articulando-se com a tradição ju
daico-cristã de definição de homem. Por isso, Heidegger reserva o termo Dasei
n para indicar o ser que somos. (Cf. DASTUR & CABESTAN, 2015, p.34)
             No §9 de Ser e Tempo Heidegger escreve: “O ente que temos a tarefa 
de analisar somos nós mesmos. O ser deste ente é sempre cada vez meu. Em 
seu ser, isto é, sendo, este ente se comporta com o seu ser.” (1927, p.77) Isso 
significa que não há uma “essência” ou “natureza” para além dos modos concr
etos de existência. O livro Ser e Tempo é uma descrição fenomenológica – livr
e de pressupostos – da constituição ontológica do Dasein. Essa constituição é f
ormada pelos “existenciais”, que são os caracteres ontológicos do Dasein.
           Resumindo a concepção de Dasein de Ser e Tempo, podemos afirmar q
ue o homem é um ser que é aí, no mundo (ser-no-mundo). E ser no mundo sig
nifica ser sempre uma relação significativa consigo mesmo, com os outros e co
m coisas (mesmo que essas relações estejam implícitas). A analítica do Dasein 
revela que o homem é ontologicamente no-mundo e com-os-outros. Ser e Tem
po não se detém nas descrições dos diversos modos concretos em que nos rel
acionamos com os outros, pois não é essa a tarefa de Heidegger. 
             Sendo inacabado, o Dasein é ontologicamente possibilidade, ele se rea
liza em possibilidades. Isso significa que ninguém nasce pronto, mas precisa s
e realizar. Heidegger chama esse existencial de cura ou cuidado (Sorge, em al
emão). O “realizar-se” é sempre situado em relação aos demais e à significativi
dade compartilhada. Não sendo pronto e acabado, o Dasein precisa sempre re
alizar-se como uma possibilidade; ao Dasein sempre está faltando algo. Heideg
ger diz que ele é sempre culpado. 
             A palavra culpa, em alemão, é Schuld, que significa também débito. Se
ndo inacabado, a existência está sempre em dívida consigo mesma de realizar-
se. A única possibilidade que encerra a culpa e que só pode ser vivida por cad
a qual singularmente é sua própria morte. O Dasein se relaciona constantemen
te com essa sua própria possibilidade. Entretanto, essa possibilidade nunca é v
ivenciada por cada um, pois, quando acontece, não estamos mais aí para viven
ciá-la.
      
 

Você também pode gostar