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Antes de começar, é preciso destacar previamente alguns aspectos gerais

sobre a série e em seguida a análise sobre o episódio escolhido. Dessa forma,


Glee (2009) é uma série adolescente norte americana, escrita por Ryan Murphy.
O enredo é focado nos dramas vividos pelos integrantes do clube coral no
Mckynley High School e isso foi o suficiente pra cativar o público não só nos EUA,
mas em todo o mundo. A série se destaca por conseguir juntar diferentes
personalidades em um único lugar, desde líderes de torcida – que em sua maioria
ocupam o padrão inalcançável da hierarquia escolar – aos alunos mais excluídos.
Marcada por abordar questões sociais de forma única no horário nobre da
televisão, Glee sempre fez questão de apontar na nossa cara que esses
problemas existem e estão ali, muitas vezes através do humor com uma pitada de
acidez, mas nunca deixando de lado um pouco de verdade por trás do seu texto.
Escolher um episódio dessa série tão rica é uma tarefa complicada — costumo
dizer que ela tem um episódio específico para cada situação vivida no dia a dia —
no entanto, entre as variadas discussões colocadas em pauta e que foi bem
recorrente nos últimos dias, é a violência nas escolas.
Apresentado na 4ª temporada, no episódio 18 percebe-se a série saindo
da zona de conforto da qual ela mesma e o público estavam acostumados a
acompanhar, um episódio em que não precisou sair de Ohio, nem performances
mirabolantes, participações especiais ou a trama paralela em Nova York
acompanhando a jornada da Rachel Barry (Lea Michele) na Nyiada, mas que se
tornou marcante pela seu texto sólido e o talento do elenco – dessa vez, não
relacionado a dança ou capacidade vocal – mas, de transmitir emoções
precisando apenas do roteiro para dar um show.
O episódio intitulado shooting star, começa como qualquer outro em Glee
com mais uma atividade da semana proposta pelo Sr. Will Shuster referente a um
tema para o clube do coral — devido a uma questão colocada pela Brittany
(Heather Morris) sobre um meteoro vindo em direção a terra, então eles deveriam
escolher uma música e cantarem como se fosse a última vez — os alunos devem
pensar em uma letra que se enquadre na proposta, normalmente esse é o padrão
dos episódios com 3 a 4 covers. aqui só pela proposta do tema, nota-se o roteiro
preparando um tipo de alicerce para algo que estaria por vir.
A primeira questão a se pensar é que nunca sabemos o que nos espera ao
sair de casa, quando vai ser a última vez fazendo alguma coisa ou que o dia pode
mudar nossas vidas começa completamente normal como qualquer outro. Até
então, o episodio estava seguindo o padrão estabelecido pela série, até que
disparos de um revolver vindos de algum lugar na escola mudam completamente
essa narrativa.
Nesse momento, nota-se a leveza da série indo embora. O desespero
pelos corredores, gritos, portas se fechando rapidamente, a sensação de
incerteza e o medo tomaram conta do Mckynley como nunca antes,
especialmente da sala do clube do coral que é o ambiente que recebe o foco. Os
professores que ali estavam souberam proceder com segurança rapidamente,
infelizmente acredito que seja pela frequência dos acontecimentos violentos nas
escolas dos EUA, mas também porque a série tenta alertar de maneira
pedagógica a como lidar em momentos assim.

São raras as vezes que uma obra consegue envolver o telespectador para
dentro da história, Glee conseguiu fazer isso. Em uma sequência tensa, os
personagens agora agachados tentam não fazer nenhum barulho, mas lembram
daqueles que não estão na sala com eles. Brittany (Heather Morris) chorando no
banheiro apavorada, a mãe da Marley (Melissa Benoist) na cantina em silêncio ao
som da panela de pressão e as bandejas jogadas ao chão como os alunos
deixaram, Tina (jenna ushkowitz) fora da escola tentando entrar na tentativa de
encontrar os seus colegas, um momento em que a emoção falou mais alto que a
razão e aqueles que tem vínculos com estes que não estavam ali até cogitam
procura-los, o que poderia colocar todos em risco todo o restante.
Pela incerteza se sairiam dali vivos, os personagens começam a fazer
confissões uns aos outros a procura de perdão pelo que já fizeram, com a carga
dramática dessa cena fica impossível não se colocar no lugar deles naquele
momento, na figura de aluno e professor também, ainda mais devido aos últimos
acontecimentos violentos nas escolas. Algumas dessas confissões foram feitas
através de um vídeo, passado de mão em mão, vemos os personagens
fragilizados, um lado emocional que os atores conseguiram repassar de forma
muito sensivel. Mostrando que Glee não é feita apenas de personagens cantando
do nada, ela mostra nesse episódio o que sempre se dispôs a retratar.

Esse episodio causa controvérsias não só pelo assunto abordado, mas


também pelo seu desfecho. Após conseguirem sair da escola salvos, é citado em
um dos diálogos que já se passaram dias desde o tiroteio, os alunos tentam lidar
com o esse momento traumático e com isso é adotado sistemas de segurança no
Mckynley, as buscas pela arma que saíram os disparos não param, o receio era
enorme pois a qualquer momento supôs-se que era de um aluno e ele poderia
retornar para finalizar o que começou, e realmente era de um aluno, mas Sue
(Jena Lynch) nunca deixaria que algo acontecesse a Becky (Lauren Potter) a qual
ela tem como uma filha e espelha muito da sua irmã na personagem. Assim, Sue,
uma das professoras, assume a culpa para proteger Becky das consequências.
Dessa forma, Becky é colocada pelo roteiro sempre no patamar de igualdade
em relação aos outros, assim como qualquer outra minoria que o Ryan Murphy
represente em suas séries, as incluindo, a personagem se mostra assustada e
com medo de enfrentar o futuro fora da escola em uma das cenas no começo do
episódio e que pra ela é um lugar seguro, é nesse contexto em que ela ver a arma
do seu pai como algo que lhe trouxesse segurança. Nesse momento, ela mostra a
arma a Sue que tenta acalma-la, e acidentalmente acontecem os disparos. A
sequência é mostrada em forma de flashback, enquanto Sue assume a culpa e
vai embora do Mckynley.

Felizmente ninguém saiu ferido nessa historia e poderia terminar de


maneira trágica, por mais que o tiroteio não fosse aquilo que imaginamos ser,
todas as emoções despertadas por eles foram reais na sala do Glee Club. Com
tiroteios não se brinca, por mais que em Glee não tenha acontecido, até que se
fosse revelado quem estava por trás dos disparos, tudo ali vivenciado naquele
momento foi real. É compreensível que o Ryan tenha optado por não apresentar
cenas frias e violentas em Glee, por mais que ele pudesse, como foi visto no
episódio “Piggy Piggy” de American Horror Story (2011) na primeira temporada,
em que o Tate Langdon (Evan Peters) acaba matando 15 alunos na biblioteca,
inclusive inspirado no famoso massacre de columbine ocorrido em 1999. Ter feito
essa história por outro caminho de fato não apaga o problema, mas nos alerta
que a violência nas escolas existe. E para finalizar colocando um band-aid nessa
ferida, os alunos performam juntos no auditório a música "Say" de John Mayer
que casa perfeitamente com o que foi abordado no episódio. No final do dia o
Glee Club é sobre acolhimento, família e a esperança de que o dia de amanhã
pode ser melhor, apesar dos obstáculos.

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