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Curso Contador de Histó rias

por Professor Felipe de Souza | Curso Contador de Histórias, Curso Grátis


Olá amigos!
Estamos iniciando agora um Novo Curso Online Grátis em nosso site sobre como contar
histórias. Em alguns locais, fala-se em de Curso de Contação de Histórias. Bem, o objetivo é o
mesmo: aprender como contar uma história que prenda o leitor ou o ouvinte, seja ele criança,
adulto ou idoso.
Se formos parar para pensar, todos nós somos fascinados por historias. As histórias estão por
todos os lugares: nos melhores romances, nos melhores filmes, séries, novelas…e mais:
podemos dizer também que a nossa vida, a vida de cada um de nós, é também uma história!
Em meu mestrado, estudei profundamente a relação entre a identidade (quem somos) e a
narrativa. Um currículo profissional, um primeiro encontro, um rancor, uma felicidade, enfim,
quase tudo o que vivenciamos se transforma em uma história e conta quem nós somos.
Deste modo, explicamos o interesse que psicólogos podem ter por um Curso como esse. Mas
não só os psicólogos podem se beneficiar: educadores, pais, administradores, líderes,
vendedores, enfim, todo profissional pode vir a se beneficiar da habilidade de passar a sua
mensagem através de um “causo”, de um conto, de uma narrativa. Pouco importa se for uma
história inventada ou uma história verdadeira.
Objetivo do Curso de Contador de História Grátis: ensinar todas as ferramentas de como
contar uma história. Esse objetivo geral pode ser dividido em dois objetivos menores, ou seja,
como você pode criar suas próprias histórias e como você pode contar as histórias das outras
pessoas e culturas.
Em cada lição, traremos diversos exemplos, da contação de histórias oral e escrita e durante
todo o curso também daremos ferramentas para que você possa ir treinando e se exercitando
para ser um excelente contador ou contadora de histórias.
Lições 1: O que é uma história?
Lições 2: Como prender a atenção do ouvinte?
Lições 3: Sentindo o que o protagonista sente
Lições 4: Os objetivos do personagem
Lições 5: Desvendando as motivações internas
Lição 6: Toda história deve ser específica
Lição 7: Suspense e conflito
Lição 8: Causa e consequência
Lição 9: O que pode dar errado, acaba dando
Lição 10: Casualidades e Causalidades
Lição 11: O tempo na narrativa – passado e futuro
O que é uma história?
A importância das histórias em nossas vidas
Você consegue imaginar uma vida sem histórias? É muito difícil porque as histórias estão por
todos os lados: nas novelas, nos romances, nos filmes, nas séries, nas piadas e até nas fofocas!
Em muitos sentidos, podemos dizer que a nossa vida é uma história, e a história das outras
pessoas também faz parte das nossas vidas.
Por exemplo, se pensarmos na história da nossa família. Poderemos nos lembrar de diversas
cenas, momentos, eventos e memórias que nos influenciam. Histórias de grandes
personalidades também nos ajudam a ter referências em momentos críticos, em situações de
decisão ou podem nos guiam por toda a vida, como é o caso das histórias de vidas dos líderes
religiosos.
Se formos pensar no ensino, quantos e quantos professores são vistos pelos alunos como
tendo falta de didática, como sendo aquele professor que “sabe mas que não sabe passar”
porque, no final das contas, explica, explica, explica mas não dá exemplos, não aproxima a
teoria da vida, não mostra como isto tem relação com o mundo, com a prática, com os nossos
sentidos, não é mesmo?
Neste texto, vamos definir o que é história. Não estamos falando aqui da disciplina acadêmica
– que é estudada na faculdade de história – mas sim de um estilo de escrita e fala que envolve
personagens, cenários, desenvolvimentos e mudanças que são organizadas em forma de
narrativa. Enfim, todos nós sabemos o que é uma história. É só pensarmos na história do
Chapeuzinho Vermelho ou na história de vida de Jesus, que por sinal, ensinava por parábolas,
ou seja, histórias. Assim como Buda, Confúcio, Maomé também ensinavam por histórias.
Uma história, portanto, pode ter uma importância tão grande a ponto de mudar uma vida! E é
uma 20 formas que utilizamos no consultório para modificar o sentido de uma experiência e
ressignificar o presente para alterar o futuro.
Por exemplo, se a paciente tem como sintoma principal o ciúme, podemos contar uma história
de uma mulher igualmente ciumenta que perdeu o marido (o que a fará refletir sobre a
gravidade do seu problema), mas conseguiu reconquistá-lo depois de ter passado pela terapia
e mudado suas atitudes.
Ou seja, uma história não é só um exemplo. Uma história organiza o modo como entendemos
o mundo, dá um significado para uma experiência e pode nos guiar em muitas situações.
Ao longo do Curso, não faremos a diferença que os antigos faziam entre “estória” e história,
quer dizer, história inventada (como do Chapeuzinho Vermelho) ou história real, como a de
Napoleão Bonaparte. Até porque a questão da verdade é uma questão para a ciência, para a
disciplina da história e o que estamos querendo com o Curso Contador de Histórias Grátis é
nos aperfeiçoarmos na habilidade de contar uma historia para alguém. Com este objetivo em
mente, vemos que tanto faz se a história é real ou inventada, se o personagem é fictício, vive
ou viveu.

O que é uma história?


Antes de falarmos especificamente sobre a definição de história, temos que entender que
uma grande história não se faz com grandes personagens, com diálogos perfeitos ou pelo fato
de o contador ser um grande ator. O que faz uma história ser uma ótima história é
a curiosidade. O leitor ou ouvinte é atraído para continuar prestando atenção por causa de sua
vontade, por seu desejo intenso de saber o que vem depois, o que vai acontecer, ou seja,
“como a história termina?”
Estudos das neurociências comprovaram que o prazer sentido ao saber o final da história, seu
fechamento ou conclusão vem do neurotransmissor dopamina. É como uma recompensa
prazerosa que o cérebro nos proporciona por ter continuado a seguir os passos da narrativa e
chegado ao final.
Pare para pensar: lembre-se de um filme ou novela que você viu com muita atenção. Porque
você continuo vendo até o final?
A resposta é: curiosidade. O que será que vai acontecer? Nos perguntamos todo o momento
até que, finalmente, chega-se ao clímax e resolução. Talvez não percebamos mas há aí um
prazer, uma recompensa, um sentimento de satisfação ao ter acabado com a curiosidade.
Pare para pensar: lembre-se de quando você ouviu uma história desinteressante. Porque você
não quis continuar prestando atenção? De novo, temos a mesma resposta. A história não lhe
despertou a curiosidade.
Agora, vamos à definição. Uma história é:
1) – Como o que acontece
2) – afeta alguém
3) – na busca por um objetivo difícil
4) – e como ele ou ela muda no caminho
Em outras palavras, o que e como acontece é o enredo (1). O enredo afeta alguém ou algumas
pessoas, que são os personagens (2). O alguém mais importante é o protagonista. O objetivo
difícil é a questão da história, ou o seu motivo (3). E como o protagonista muda no caminho é
o que a história trata, o seu centro 4).

Um exemplo de uma história


Uma das histórias mais famosas de todo o mundo é Romeu e Julieta. Creio que todos já a
conhecem. Então, vamos aplicar o esquema anterior.
1) – Como o que acontece: Romeu e Julieta são filhos de duas famílias que se odeiam. Apesar
disso, os dois se apaixonam.
2) – afeta alguém: os personagens protagonistas são Romeu e Julieta.
3) – na busca por um objetivo difícil: o objetivo difícil é ficar junto, realizar o amor, apesar do
ódio existente entre as duas famílias.
4) – e como ele ou ela muda no caminho: no caminho, há todo o sofrimento e apaixonamento
dos dois personagens até o final trágico.
O esquema acima, utilizado para definir o que é uma história pode e deve ser aplicado em
todas as histórias. Em poucas palavras, podemos dizer que uma história é como o enredo afeta os
personagens internamente.

Pare um pouco e pense em um exemplo de uma história que você goste. Aplique o esquema
de definição e analise os componentes básicos. E, em seguida, utilize também o próximo
exemplo abaixo:

Chapeuzinho Vermelho
“Era uma vez uma menina chamada Chapeuzinho Vermelho, que tinha esse apelido pois desde
pequenina gostava de usar chapéus e capas desta cor.
Um dia, sua mãe pediu:
– Querida, sua avó está doente, por isso preparei aqueles doces, biscoitos, pãezinhos e frutas
que estão na cestinha. Você poderia levar à casa dela?
– Claro, mamãe. A casa da vovó é bem pertinho!
– Mas, tome muito cuidado. Não converse com estranhos, não diga para onde vai, nem pare
para nada. Vá pela estrada do rio, pois ouvi dizer que tem um lobo muito mau na estrada da
floresta, devorando quem passa por lá”.
(…)
E a história continua. Bem, vamos analisar juntos este trecho?
Veja que a primeira frase já introduziu a protagonista, Chapeuzinho Vermelho e explica uma
característica sua. Logo em seguida, temos o enredo: Chapeuzinho terá que ir até a casa de
sua avó. Porém, ela tem um objetivo difícil que é conseguir passar pela estrada da floresta,
muito perigosa pela presença de um lobo malvado.
Notou que em apenas 5 frases o leitor já fica curioso? Ele fica curioso porque, embora não
perceba conscientemente, já foi atraído pelo centro da história e provavelmente sem perceber
já começa a se questionar sobre como será a travessia pela floresta. O que será que vai
acontecer? Será que ela vai encontrar o lobo? Se encontrar, o que será que o lobo vai fazer?
Preste bem atenção como em pouquíssimo tempo a curiosidade foi criada. Especialmente
com crianças, temos que despertar rapidamente a curiosidade. De outro modo, ela não vai
querer ouvir ou ler. Mas não só com crianças, todos nós gostamos de histórias, mas de
histórias boas, interessantes, ou seja, histórias que despertam o nosso interesse, a nossa
curiosidade o mais rápido possível.

Conclusão e Exercício
Para contar uma história, nós temos que conhecer os elementos que a compõe. Podemos,
portanto, dividir uma história em seu enredo, personagens, problema (motivo ou objetivo) e
mudanças que conduzem à resolução do problema.
Digamos que nós vamos escrever uma história. Podemos pensar em um conto ou um
romance. Imagine que vamos começar sem saber o problema do personagem. Sem problema
praticamente não temos enredo.
Seria como começar a contar a história da Chapeuzinho Vermelho apenas falando da
Chapeuzinho. Sem problema e sem enredo, nada acontece. A história não existe ou no
máximo temos uma história como aqueles filmes suecos sem música e sem movimento.
Então, para sabermos como contar uma história, temos que ter consciência dos personagens,
mas não só dos personagens. Temos que saber qual problema o personagem (ele ou ela) vai
tentar solucionar e como a tentativa de solução afeta e muda internamente quem o
personagem é.
Um último exemplo rápido. Victor Frankl era um médico psiquiatra judeu. Em 1942 ele é preso
pelos nazistas e é mandado para um campo de concentração. Seu pai e sua mulher são
mortos, mas ele consegue manter-se vivo. Durante o período em que esteve no campo de
concentração, ele consegue encontrar sua tese central sobre o sentido da vida.
Quando vamos contar a história do Frankl, ficamos impressionados com o problema: estar
preso em um campo de concentração, passando por enormes torturas. Mas ficamos ainda
mais fascinados ao saber como ele mudou com este problema extremo: encontrou o seu
sentido para a vida e fundou a logoterapia.
É isso, queridos amigos, para saber como contar uma história, temos que saber o que é uma
história. Depois disso, temos que entender os elementos da história que estamos para contar
e captar rapidamente a atenção e curiosidade de quem nos ouve ou lê. E somente
conseguiremos fazê-lo se mostrarmos logo desde o começo o personagem e o problema
enfrentado por ele ou ela.
Na próxima lição (em breve), falaremos sobre como prender a atenção do leitor.
Mas ainda tem mais! Se você está querendo escrever sua própria história, certifique-se das
questões tratadas no texto. Para facilitar, faça estas 4 perguntas:
1) – O que acontece? Que eventos tem que acontecer para o protagonista superar os desafios
que está enfrentando?
2) – A quem acontece? Qual é a pessoa afetada pelos eventos? Tenha em mente, com clareza,
quem é o protagonista da história, ou seja, saiba quem é a pessoa em busca de um objetivo
difícil.
3) – Qual é o objetivo do protagonista? Todas as boas histórias apresentam desde o começo um
objetivo inevitável, que o protagonista tem que lidar.
4) – Como o protagonista muda? Quais são as mudanças que acontecem ao personagem central?
O que ela aprende com as experiências do problema central e com os objetivos que almeja?
Como prender a atenção do ouvinte
Esta é a nossa 2° Lição do Curso Contador de Histórias Grátis. Nesta lição, temos um objetivo
bem específico que é ajudar você a prender a atenção do seu ouvinte ou leitor, ao contar uma
história. E, por incrível que pareça, muitas e muitas pessoas não sabem fazer isso! Felizmente,
não é uma tarefa tão difícil. Acompanhe o nosso texto que, ao final, você saberá como captar,
atrair e manter a atenção na contação de histórias.

História Escrita – O título


Vamos começar falando sobre histórias escritas. Um livro ou um texto (como este) começa a
chamar a atenção pelo título. Um título bem construído poderá despertar a atenção do leitor
para começar a leitura.
Vejamos alguns exemplos de livros famosos:
– Como fazer amigos e influenciar pessoas
– Pai rico e pai pobre
– A interpretação dos sonhos
– Os 7 hábitos das pessoas realmente eficazes
– O mito da liberdade
Todos estes livros são best-sellers da psicologia e da literatura chamada de Auto-Ajuda.
Independente do conteúdo – poderíamos utilizar exemplos de outras áreas – vemos que
existe um certo padrão para despertar o interesse do leitor. No primeiro livro, “Como fazer
amigos e influenciar pessoas” temos um problema e o título já insinua que, após a leitura,
você conseguirá fazer mais amigos. É semelhante ao título do texto que você está lendo agora
– “Como prender a atenção do ouvinte” – a palavra como traz a ideia de método. O título é
então uma proposta cujo centro é a promessa de resolver um problema.
No segundo livro, nós estabelecemos dois tipos de pais, um que é rico e outro que é pobre. É
semelhante à colocar uma numeração (veremos no quarto livro). O título também cria uma
dicotomia, uma polaridade entre ser rico e ser pobre e imediatamente nos chama a atenção
sobre como seria ser criado por cada um dos personagens.
O terceiro título, A Interpretação dos Sonhos, apresenta uma proposta de resolução de um
problema que é elíptica, ou seja, é escondida. Pelo título, já podemos ver que o autor defende
a tese de que os sonhos podem ser interpretados. Também desperta a nossa curiosidade para
saber como interpretar os sonhos.
O quarto livro – “7 hábitos das pessoas realmente eficazes” – é um clássico exemplo de listas.
As pessoas adoram listas como top 5 ou top 10. O número 7 também é considerado por
muitos um número importante e ficamos já curiosos para saber quais destes 7 hábitos nós
temos ou podemos adquirir.
E o Mito da Liberdade, de Skinner, também é um excelente exemplo da psicologia
comportamental sobre um problema específico, a liberdade. A palavra mito remete à uma
dúvida. Será a liberdade um mito? Será que estamos presos? Será que somos condicionados?
Será que o mundo exterior nos limita em nossas decisões?
O que temos em comum em todos estes títulos é a tentativa de despertar o interesse, a
atenção, a curiosidade dos leitores. Os livros de Autoajuda são melhores na criação da
curiosidade, não é mesmo? A necessidade de atrair a atenção rápido fica clara, tanto nos
títulos como nos textos, artigos, matérias.
Bem, o título é apenas o começo. Até aqui estávamos falando da história escrita, ok? O
próximo passo é igual tanto para a história oral como para a história escrita, que são as
primeiras frases, que devem despertar o quanto antes a curiosidade. A primeira impressão é a
que fica.

Atraia a atenção imediatamente


Toda boa história já começa a mostrar desde o início como alguém (o protagonista) tem que
lidar com um problema que não pode afastar. Como não pode afastar o problema, a pessoa
tem que lidar com ele e neste processo ela muda, se transforma e aprende.
Por exemplo, no Memórias Póstumas de Brás Cubas, após uma breve introdução, o capítulo 1
começa do seguinte modo:
“Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria
em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar
pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que
eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi
outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que
também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo; diferença radical entre este
livro e o Pentateuco.
Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na
minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era
solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos.
Onze amigos!” (…)
Temos então logo de começo uma situação inusitada que o protagonista, Brás Cubas, terá que
lidar: a própria morte! Ficamos atraídos imediatamente para saber mais, curiosos sobre como
a história continua.
Se estamos escrevendo uma história ou contando oralmente temos que instigar o nosso
ouvinte ou leitor logo, com a seguinte questão em mente: “Com qual problema o protagonista
terá que lidar?”
Temos que passar a história com elementos surpresas (falaremos mais em Lições posteriores),
mas sempre mantendo a coerência e a lógica interna, ainda que a história possa ser fantástica.
Com isso, temos que levar em conta três regras básicas:
– De quem é a história? Ou seja, sobre quem estamos falando?
– O que está acontecendo? Também pode ser, em certos tipos, porque isto está acontecendo?
– O que está em jogo?

De quem estamos falando?


A tendência de todos nós ao ouvir uma história é nos ligarmos ao protagonista. Podemos
sentir simpatia pelo herói ou pela heroína ou podemos sentir antipatia pelo vilão ou vilã. Seja
por aproximação ou afastamento, vamos nos atentar instantaneamente para o protagonista
ou para os personagens centrais da trama.
Veremos em uma Lição posterior que a tendência do leitor e do ouvinte é sentir o que o
protagonista sente. Ainda que a experiência seja totalmente estranha para nós, vamos nos
ligando à história através do personagem.
Pense em um filme de terror em que o protagonista vai para uma casa mal assombrada.
Embora a experiência possa nunca ter acontecido, ou seja, ver fantasmas, poltergeists,
assombrações, vamos sendo conduzidos e sem que percebamos estamos dentro do filme,
sentindo tanto medo como o personagem que está para abrir uma porta…
Também é interessante observar como filmes e romances constroem o personagem
apresentando elementos específicos. Assim, a história pode começar com o personagem em
uma sala de aula, ou conversando com sua família, ou vestindo uma roupa que nos vai guiar
para saber quem é quem na narrativa.

O que está acontecendo?


Para ficarmos querendo saber o que vai acontecer a seguir, temos que saber o que está
acontecendo agora. O tempo é fundamental na narrativa e a criatividade humana é sem limite
para colocar em ordens alternativas o passado, o presente e o futuro.
Por exemplo, a Odisseia de Homero conta a história da volta de Ulisses da Guerra de Troia
para sua casa e como esta volta é conturbada e cheia de aventuras. O começo da história não
é linear, não começa pelo começo. Mostra Ulisses já no meio do caminho, na ilha de
Calipso. O que está acontecendo é já o meio da história… mas isto não importa: está
acontecendo algo! Algo que vai captar a nossa atenção. Nada pior do que uma história em que
nada acontece, não é mesmo?
Um outro exemplo magnífico é o de Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Marquez:
“MUITOS anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia
de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era
então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas
diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos
pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para
mencioná-las se precisava apontar com o dedo. Todos os anos, pelo mês de março, uma
família de ciganos esfarrapados plantava a sua tenda perto a aldeia e, com um grande
alvoroço de apitos e tambores,dava a conhecer os novos inventos. Primeiro trouxeram o imã.
Um cigano corpulento, de barba rude e mãos de pardal, que se apresentou com o nome de
Melquíades, fez uma truculenta demonstração pública daquilo que ele mesmo chamava de a
oitava maravilha dos sábios alquimistas da Macedônia. Foi de casa em casa arrastando dois
lingotes metálicos, e todo o mundo se espantou ao ver que os caldeirões, os tachos, as
tenazes e os fogareiros caíam do lugar, e as madeiras estalavam com o desespero dos pregos
e dos parafusos tentando se desencravar, e até os objetos perdidos há muito tempo
apareciam onde mais tinham sido procurados, e se arrastavam em debandada turbulenta
atrás dos ferros mágicos de Melquíades. “As coisas têm vida própria”, apregoava o cigano com
áspero sotaque, “tudo é questão de despertar a sua alma.” José Arcadio Buendía, cuja
desatada imaginação ia sempre mais longe que o engenho da natureza, e até mesmo além do
milagre e da magia, pensou que era possível se servir daquela invenção inútil para
desentranhar o ouro da terra” (…)(
Logo no começo do romance, um dos mais fantásticos livros já escritos, vemos que Gabriel
Garcia Marquez mostra que muita coisa está acontecendo ao personagem Aureliano Buendía
e seu pai José Arcadio Buendía. Tanto o que vai acontecer anos depois (estar diante do pilotão
de fuzilamento) como acontecimentos remotos do passado como conhecer o gelo e ver seu
pai tentar encontrar ouro com o imã.

– O que está em jogo?


Há muitos anos atrás, eu estava inventando uma história do zero para uma prima de nove
anos. Estava já estudando estas questões da narrativa na faculdade, porém, tudo era novo
para mim. Na minha nova história infantil, fui improvisando e cometi um erro fatal: na história
tudo dava certo, tudo se encaixava e não havia um problema a ser resolvido. Isto fez com que
a minha prima ficasse não tão interessada em continuar me ouvindo.
Este erro que cometi não pode acontecer! Uma história tem que ter um problema, uma
dificuldade, um risco, um elemento que atrapalhe. Se formos analisar todos os filmes de
comédia romântica que já foram lançados sem sombra de dúvida veremos o seguinte
progresso:
1) O casal se conhece
2) O casal se apaixona
3) Há um problema que dificulta a relação como ter que mudar de cidade, aparecer uma
terceira pessoa, uma doença
E é neste ponto 3 que podemos compreender que o que está em jogo é o risco de o casal não
continuar junto.
4) Na maior parte das vezes, o casal consegue resolver o problema e viver feliz para sempre
Agora, imagine uma história que não tenha um problema. Isto vai fazer com que nada
aconteça. Ou no mínimo fará com que nada de interessante aconteça.
Conclusão e Exercício
Todas as histórias possuem um objetivo, um sentido, um ponto (como se diz em inglês, “What
is your point?). Com isso, se você deseja escrever uma nova história ou se você que recontar
uma história, você deve saber desde já o para quê, a finalidade, o objetivo. Deste modo, você
consegue colocar as coisas de um modo que o seu objetivo já apareça desde o começo.
Digamos que estamos conversando sobre animais selvagens e você começa a contar uma
história relacionada. Logo de começo você já pode captar a atenção do ouvinte dizendo: “Vi
na TV ontem uma história que se passou no norte dos Estados Unidos, nas montanhas. Um
urso encontrou o pai e a filha e os atacou”. Em poucas palavras, menores que um tweet, você
consegue mostrar o seu ponto, a história de um ataque de ursos.
Com certeza, surge a questão: “Mas o que aconteceu com o pai e a filha?”
Nunca é demais repetir: para captar a atenção de seu ouvinte ou leitor você tem que
despertar a curiosidade. Se puder despertar a curiosidade logo nas primeiras frases, melhor,
muito melhor. Deste modo, você não correrá o risco do desinteresse. Saiba muito bem qual é
o objetivo da história, porque, senão, você estará passando apenas um tanto de cenas e
eventos desconectados.
Exercício:
Saiba qual é o seu tema.
Que aspectos da natureza humana a história trata? Qual é o tom da
história? É uma tragédia? Uma comédia? Uma história romântica?
Saiba qual é a questão interna que o personagem está vivenciando. Que tipo de desafio o
protagonista tem que enfrentar para atingir o seu objetivo?
Saiba qual é o enredo. Que
eventos externos afetam o personagem? Qual é a sequência de
eventos? O que acontece antes e o que acontece depois?
No exemplo da história do ataque, o tema é a sobrevivência em um ambiente selvagem. A
questão que os dois estão vivenciando é como enfrentar um perigo real, que pode acabar com
suas vidas ou deixar sequelas permanentes. O enredo é o seguinte: Pai e filha vão para as
montanhas realizar um passeio. No meio do caminho, encontram um urso gigante. O urso os
ataca. Eles lutam por sua sobrevivência. Durante a luta, pai e filha caem em um penhasco de
mais de sessenta metros. Apesar dos ferimentos serem graves, eles são resgatados. A história
do urso acaba bem. Pai e filha são atacados, mas sobrevivem.
Como podemos ver é um tema trágico, embora o final seja positivo.
Para aproveitar melhor esta Lição de nosso Curso, tente:
1) criar uma nova história,
2)contar uma história que você já conheça (oralmente ou por escrito),
3) observe sempre as narrativas nos romances, filmes, séries, novelas e pessoas que são
excelentes em prender a atenção do ouvinte como palestrantes.
Sentindo o que o protagonista sente
Hoje vamos dar sequência ao nosso Curso de Contador de Histórias Grátis. Como já
mencionamos na Lição anterior –Como prender a atenção do ouvinte? – temos sempre uma grande
tendência de nos identificar com o protagonista ou com os personagens centrais das histórias,
ou seja, normalmente vamos sentindo o que o personagem sente, muitas vezes até sem
perceber.
Assim, é comum sentir raiva quando há uma contrariedade ou tristeza quando há um
sofrimento ou medo em um filme de terror ou alegria em um romance, não é mesmo?
Por isso, podemos pensar que uma história é uma criação que visa trazer para o leitor o
mundo do personagem central (e dos personagens ao seu redor). O objetivo é o de que os
sentimentos vivenciados pelo protagonista sejam compartilhados pelo leitor ou pelo ouvinte.
Neste sentido, quem mais importa em uma história não é o autor, não são os personagens,
quem dá vida a uma história é quem está participando dela, como leitor, como ouvinte! É o
que nós chamamos na teoria da literatura de teoria da recepção. Quem está recepcionando,
quem está atento aos acontecimentos e participando internamente da história e quem dá vida
à história é o foco. Afinal, sem leitor, sem ouvinte, não há história.
Pois bem: hoje vamos falar sobre a identificação do leitor/ouvinte com o protagonista. O
intuito é explicar o que acontece para haver esta identificação. Mas, mais importante – em um
Curso para formar Contadores de Histórias – é saber como provocar esta identificação. Como
fazer com que o leitor “vista” a pele do personagem? Como fazer com que o ouvinte entre na
narrativa ao ponto de esquecer até sua própria vida?
Se pararmos para pensar um pouco, isto é o que acontece quando nós entramos na história.
Quando as histórias são fascinantes, em qualquer uma das artes (literatura, cinema, teatro),
nós deixamos de lado o nosso mundo particular, para adentrar o mundo de um outro. E, neste
processo, aprendemos e evoluímos.

Sentindo o que o personagem sente


No plano das histórias – e na vida, como vem demonstrando as neurociências – as emoções
tem primazia sobre a razão. O que sentimos, as nossas emoções, vem primeiro do que a
lógica, do que a cognição. Por este motivo, qualquer processo de mudança deve partir das
emoções, dos complexos afetivos, e não (só) do conhecimento ou da conscientização sobre o
problema.
Em outras palavras, vemos que se a mudança é só consciente, se afeta só a razão, mas não
toca as emoções, a mudança é pequena e provavelmente terá vida curta. Um exemplo simples
é: um fumante pode saber conscientemente que fumar é prejudicial, mas somente no
momento em que sentir a dor das consequências ou presenciar casos de doença próximos e
sentir a necessidade profunda de parar, é que conseguirá parar de vez.
Enfim, as emoções correspondem a uma grande parte das nossas experiências. Se vamos ao
cinema e não entramos no filme, é provável que não estejamos sentindo o que os
personagens estão sentindo. Tudo pode parecer distante, alheio, sem ligação com a nossa
realidade.
Um outro exemplo que já vi acontecer diversas vezes são os documentários que retratam as
mortes de animais para a alimentação humana. Quando vemos uma vaca sendo assassinada
para que possamos comer, se sentimos a sua dor extrema, o medo e o terror, provavelmente
vamos nos ligar ao sentimento do animal e vamos querer parar de comer carne.
Este é um exemplo da ligação afetiva que podemos criar. Por outro lado, podemos ver um
filme sobre a máfia japonesa e tudo isto ser tão distante que não nos afeta em nada.
Enfim, o ponto aqui é que para sabermos contar uma história, bem contada, temos que
despertar a curiosidade e criar uma forte ligação afetiva e emocional com quem está disposto
a nos ouvir ou a ler.
Voltando ao nosso tema, regra geral: tudo o que acontece na história deve afetar o
protagonista. Na verdade, é a partir do olhar do protagonista que sentiremos como um evento
externo afeta as suas emoções. E, através das emoções do protagonista que sentiremos com
ele (ou ela).
Um exemplo fantástico é o filme Melinda e Melinda, do Woody Allen. Se você ainda não viu,
sugiro que veja. Na história, temos uma mesma protagonista que vivencia os mesmos
eventos. Porém, enquanto uma Melinda sente tudo como uma tragédia, a outra Melinda
sente tudo como se fosse uma comédia. Com isto, o filme torna-se interessantíssimo sobre o
tema que estamos tratando aqui, pois os eventos externos são até certo ponto indiferentes. O
que realmente importa é como o protagonista reage.
Deste modo, a reação do protagonista deve ser:
– Específica;
– Ser pessoal;
– Afetar o seu objetivo
Também devemos distinguir entre reações que são externas (quando o protagonista faz algo)
e reações que são internas (quando o protagonista pensa, sente, lembra, crê, etc).
Um exemplo dos sentimentos expressos pelo protagonista são facilmente visíveis no romance
de Goethe, Os sofrimentos do jovem Werther. É um livro belíssimo, em alemão. Tão bonito na
língua original que eu recomendaria a vocês que aprender alemão só para ler Goethe já
valeria a pena. No começo do livro, temos (a tradução é minha):
“Como eu estou contente, por haver partido! Meu melhor amigo, o que é o coração do
homem? Afastar-me de você, de quem eu tanto gosto, de quem eu era inseparável, e estar
feliz! Eu sei, você me perdoa. Não foram todas as minhas relações arranjadas pelo destino
para angustiar um coração como o meu? Pobre Leonore! Eu fui, talvez, imperdoável. Tenho
alguma culpa se a paixão nasceu no coração de sua irmã, enquanto eu procurava distrair-me
com suas faceirices?”
Evidente que este exemplo, do livro que inaugura o romantismo, mostra os sentimentos do
personagem central, Werther, de um ponto de vista interior. Em suas cartas, ele vai contando
o que está sentindo, o que está lhe acontecendo e de que modo ele está mudando e sendo
afetado pelas relações com os outros personagens, em especial, Charlotte, por quem se
apaixona.
O livro é brilhantemente construído. Tanto foi que, no decorrer da história que se torna
trágica, muitos jovens leitores da época sentiram tanto o que Werther sentia que houve uma
onda de suicídios na Europa. Claro que este é um exemplo extremo de identificação. Mas
dadas as consequências trágicas podemos ver como o que acontece ao personagem central –
um romance não correspondido – também era sentido por muitas pessoas na época. A
identificação foi tanta que eles fizeram o que personagem faz no final.
Voltando ao nosso tema de hoje, como podemos criar esta identificação? Vejamos as
diferenças entre a narração em primeira e em terceira pessoa

Narração em primeira pessoa


Na narração em primeira pessoa, é o próprio protagonista quem conta a história. É ele ou ela
que vai nos introduzir em seu mundo e como as circunstâncias estão afetando as suas
expectativas, sonhos e objetivos. É o mesmo caso do Werther e de muitos outros romances.
Na Lição anterior, falamos já do Memórias Póstumas de Brás Cubas, que – ao contrário do livro de
Goethe – já enquadra-se em um movimento literário posterior, o realismo.
Uma das cenas mais fantásticas do livro narra esta situação vivenciada por Brás Cubas
(também em primeira pessoa). Apesar de grande, gostaria de trazer para que, quem não
conhece, conheça:
“Que me conste, ainda ninguém relatou o seu próprio delírio; faço-o eu, e a ciência mo
agradecerá. Se o leitor não é dado à contemplação destes fenômenos mentais, pode saltar o
capítulo; vá direito à narração. Mas, por menos curioso que seja, sempre lhe digo que é
interessante saber o que se passou na minha cabeça durante uns vinte a trinta minutos.
(…)
Isto dizendo, [A Natureza] arrebatou-me ao alto de uma montanha. Inclinei os olhos a uma
das vertentes, e contemplei, durante um tempo largo, ao longe, através de um nevoeiro, uma
coisa única. Imagina tu, leitor, uma redução dos séculos, e um desfilar de todos eles, as raças
todas, todas as paixões, o tumulto dos Impérios, a guerra dos apetites e dos ódios, a
destruição recíproca dos seres e das coisas. Tal era o espetáculo, acerbo e curioso espetáculo.
A história do homem e da Terra tinha assim uma intensidade que lhe não podiam dar nem a
imaginação nem a ciência, porque a ciência é mais lenta e a imaginação mais vaga, enquanto
que o que eu ali via era a condensação viva de todos os tempos. Para descrevê-la seria preciso
fixar o relâmpago. Os séculos desfilavam num turbilhão, e, não obstante, porque os olhos do
delírio são outros, eu via tudo o que passava diante de mim,— flagelos e delícias, — desde
essa coisa que se chama glória até essa outra que se chama miséria, e via o amor
multiplicando a miséria, e via a miséria agravando a debilidade. Aí vinham a cobiça que
devora, a cólera que inflama, a inveja que baba, e a enxada e a pena, úmidas de suor, e a
ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o amor, e todos agitavam o homem,
como um chocalho, até destruí-lo, como um farrapo. Eram as formas várias de um mal, que
ora mordia a víscera, ora mordia o pensamento, e passeava eternamente as suas vestes de
arlequim, em derredor da espécie humana. A dor cedia alguma vez, mas cedia à indiferença,
que era um sono sem sonhos, ou ao prazer, que era ma dor bastarda. Então o homem,
flagelado e rebelde, corria diante da fatalidade das coisas, atrás de uma figura nebulosa e
esquiva, feita de retalhos, um retalho de impalpável, outro de improvável, outro de invisível,
cosidos todos a ponto precário, com a agulha da imaginação; e essa figura, — nada menos que
a quimera da felicidade, — ou lhe fugia perpetuamente, ou deixava-se apanhar pela fralda, e o
homem a cingia ao peito, e então ela ria, como um escárnio, e sumia-se, como uma ilusão.
Ao contemplar tanta calamidade, não pude reter um grito de angústia, que Natureza ou
Pandora escutou sem protestar nem rir; e não sei por que lei de transtorno cerebral, fui eu
que me pus a rir, — de um riso descompassado e idiota. — Tens razão, disse eu, a coisa é
divertida e vale a pena, — talvez monótona — mas vale a pena. Quando Jó amaldiçoava o dia
em que fora concebido, é porque lhe davam ganas de ver cá de cima o espetáculo. Vamos lá,
Pandora, abre o ventre, e digere-me; a coisa é divertida, mas digere-me.
A resposta foi compelir-me fortemente a olhar para baixo, e a ver os séculos que continuavam
a passar, velozes e turbulentos, as gerações que se superpunham às gerações, umas tristes,
como os Hebreus do cativeiro, outras alegres, como os devassos de Cômodo, e todas elas
pontuais na sepultura. Quis fugir, mas uma força misteriosa me retinha os pés; então disse
comigo: — “Bem, os séculos vão passando, chegará o meu, e passará também, até o último,
que me dará a decifração da eternidade.” E fixei os olhos, e continuei a ver as idades, que
vinham chegando e passando, já então tranqüilo e resoluto, não sei até se alegre. Talvez
alegre. Cada século trazia a sua porção de sombra e de luz, de apatia e de combate, de
verdade e de erro, e o seu cortejo de sistemas, de idéias novas, de novas ilusões; cada um
deles rebentavam as verduras de uma primavera, e amareleciam depois, para remoçar mais
tarde. Ao passo que a vida tinha assim uma regularidade de calendário, fazia-se a história e a
civilização, e o homem, nu e desarmado, armava-se e vestia-se, construía o tugúrio e o
palácio, a rude aldeia e Tebas de cem portas, criava a ciência, que perscruta, e a arte que
enleva, fazia-se orador, mecânico, filósofo, corria a face do globo, descia ao ventre da Terra,
subia à esfera das nuvens, colaborando assim na obra misteriosa, com que entretinha a
necessidade da vida e a melancolia do desamparo. Meu olhar, enfarado e distraído, viu enfim
chegar o século presente, e atrás deles os futuros. Aquele vinha ágil, destro, vibrante, cheio de
si, um pouco difuso, audaz, sabedor, mas ao cabo tão miserável como os primeiros, e assim
passou e assim passaram os outros, com a mesma rapidez e igual monotonia. Redobrei de
atenção; fitei a vista; ia enfim ver o último, — o último!; mas então já a rapidez da marcha era
tal, que escapava a toda a compreensão; ao pé dela o relâmpago seria um século. Talvez por
isso entraram os objetos a trocarem-se; uns cresceram, outros minguaram, outros perderam-
se no ambiente; um nevoeiro cobriu tudo, — menos o hipopótamo que ali me trouxera, e que
aliás começou a diminuir, a diminuir, a diminuir, até ficar do tamanho de um gato. Era
efetivamente um gato. Encarei-o bem; era o meu gato Sultão, que brincava à porta da alcova,
com uma bola de papel…”
É simplesmente genial a descrição do que acontece ao personagem Braz Cubas e como esta
alucinação no capítulo VII (O delírio) do Memórias Póstumas nos faz entrar na história. Podemos
ver claramente como ele descreve com detalhes o que lhe aparece aos cinco sentidos, mas
não só: ele também compartilha conosco o que ele pensa e suas expectativas.

Narração em terceira pessoa


Em princípio, pode parecer mais complicado trazer o leitor ou ouvinte para se identificar com
o personagem quando a história é narrada em terceira pessoa. Para quem não se lembra das
aulas de português, a narração em terceira pessoa é quando contamos do seguinte modo:
, estando tão ocupada, viera das compras de casa que a empregada fizera às pressas porque
cada vez mais matava serviço, embora só viesse para deixar almoço e jantar prontos, dera
vários telefonemas tomando providências, inclusive um dificílimo para chamar o bombeiro de
encanamentos de água, fora à cozinha para arrumar as compras e dispor na fruteira as maças
que eram a sua melhor comida, embora não soubesse enfeitar uma fruteira, mas Ulisses
acenara-lhe com a possibilidade futura de por exemplo embelezar uma fruteira, viu o que a
empregada deixara para jantar antes de ir embora, pois o almoço estivera péssimo, enquanto
notara que o terraço pequeno que era privilégio de seu apartamento por ser térreo precisava
ser lavado, recebera um telefonema convidando-a para um coquetel de caridade em benefício
de alguma coisa que ela não entendeu totalmente mas que se referia ao seu curso primário,
graças a Deus que estava em férias, fora ao guarda-roupa escolher que vestido usaria para se
tornar extremamente atraente para o encontro com Ulisses que já lhe dissera que ela não
tinha bom-gosto para se vestir, lembrou-se de que sendo sábado ele teria mais tempo porque
não dava nesse dia as aulas de férias na Universidade, pensou no que ele estava se
transformando para ela, no que ele parecia querer que ela soubesse, supôs que ele queria
ensinar-lhe a viver sem dor apenas, ele dissera uma vez que queria que ela, ao lhe
perguntarem seu nome, não respondesse “Lóri” mas que pudesse responder “meu nome é
eu”, pois teu nome, dissera ele, é um eu…
O modo maravilhoso como Clarice Lispector abre o seu “Uma aprendizagem ou o livro dos
prazeres – A origem da Primavera ou a A Morte Necessária em Pleno Dia” é em terceira
pessoa. Porém, ainda que a narrativa em terceira pessoa seja um pouco mais distanciada do
que a primeira, vemos como ela é brilhante ao colocar o leitor dentro das cenas. Podemos
dizer que é em terceira pessoa porque temos frases com o sujeito oculto como:
(ela) viera das compras… ela (fora) à cozinha para arrumar as compras… (ela) recebera um
telefonema convidando-a para um coquetel de caridade…pensou no que ele estava se
transformando para ela, no que ele parecia querer que ela soubesse, supôs que ele queria
ensinar-lhe a viver sem dor apenas… (e assim segue).
A narrativa é tão fluída pois retira os travessões de diálogo e retira igualmente a necessidade
de estar sempre falando (ela pensou, ela disse) e também não insere nem aspas nem itálico
para marcar uma passagem. A narrativa é igualmente fluída pois vai mesclando fatos e
eventos com sentimentos e opiniões de Lóri (a protagonista). Assim, ao invés de ser um
grande amontado de fatos (ela fez, pegou, disse) vamos sentindo com ela o que ela está
sentindo.
Se pegarmos qualquer outro livro – bem escrito – em terceira pessoa, veremos que o autor
sempre trará o que o personagem central está pensando ou sentindo, porque é no universo
interior do protagonista que a história acontece.
E para ficar ainda mais claro que, sendo em terceira pessoa ou não, o que importa é mostrar
para todos os sentimentos, sensações e opiniões do protagonista, gostaria de trazer o começo
do Retrato de um Artista quando jovem:
“Era uma vez e uma vez muito boa mesmo uma vaquinha-mu que vinha andando pela estrada
e a vaquinha-mu que vinha andando pela estrada encontrou um garotinho engrachadinho
chamado bebê tico-taco.
Seu pai lhe contava aquela história: seu pai olhava para ele através dos óculos; ele tinha um
rosto peludo.Ele era um bebê tico-taco. A vaquinha-mu vinha pela estrada onde Betty Byrne
morava: ela vendia bala de limão.
Oh, os botões de rosa selvagem
Naquele lugarzinho verde.
Ele cantava aquela canção. Aquela era a sua canção.
Oh! O verde ia chatear!
Quando a gente molha a cama primeiro é quente depois fica frio. Sua mãe punha um oleado.
Aquilo tinha um cheiro esquisito. Sua mãe tinha um cheiro mais gostoso do que o seu pai”.
Apesar de o narrador ser em terceira pessoa, vemos como o autor consegue trazer-nos para
dentro dos sentimentos e sensações do protagonista, Stephen Dedalus, desde o começo,
quando ainda um bebê!

Conclusão e Exercício
Para contarmos bem uma história não devemos apenas dizer os fatos em uma ordem
cronológica. Temos que entender o modo pelo qual estes fatos afetam o nosso personagem
central, na busca de seu objetivo ou na busca da resolução do problema. Temos que nos
lembrar que as emoções são um estado de consciência básico e comum e que nos atinge
antes (e possivelmente mais) do que a lógica, do que o pensar.
Por isso é tão importante saber o que o personagem sente e transmitir para quem está
disposto a conhecer a nossa história quais são os sentimentos e porque o protagonista sente
desse jeito em cada um dos momentos vivenciados por ele ou ela.
Devemos nos lembrar que para escrever uma nova história ou para recontar uma história já
criada, nós temos que treinar. Se você está escrevendo uma nova história, tem que ter
disposição para escrever e reescrever caso as versões primeiras não fiquem de acordo. Do
mesmo modo, se você vai contar uma história para outras pessoas, tenha em mente que
talvez você possa ir aperfeiçoando os detalhes, com o intuito de saber o que funciona e o que
não funciona.
E, finalmente, vamos às perguntas que devemos conduzir:
– O seu leitor ou ouvinte sabe o que o protagonista sente e quais são as suas expectativas?
– O que especificamente tem que acontecer para que o protagonista atinja os seus objetivos?
– Tudo (ou quase tudo) o que acontece na narrativa afeta o seu protagonista em cada um dos
momentos da trama?
– Há reação do protagonista frente às experiências que ele está vivenciando? A reação,
lembre-se, pode ser externa (um ato, um gesto, uma ação) ou interna (um sentimento, um
pensamento, uma crença, uma ideia).
– O seu leitor ou ouvinte consegue perceber a relação existente entre os eventos externos e
as reações do seu personagem central?
– Se você está criando um personagem em primeira pessoa, todas (ou quase todas) as
situações refletem o ponto de vista do protagonista?
Os objetivos do personagem
Continuando o nosso Curso de Contador de Histórias Grátis, vamos falar agora sobre a importância
de entender que cada personagem tem um objetivo, tem um propósito, tem uma missão,
assim como eu e você, assim como todos nós.
Se vamos contar uma história, seja ela fictícia ou real, nós temos que imediatamente captar o
que o personagem quer, qual o seu alvo, qual a sua meta, senão, corremos o risco de criar
uma história tão parada que não despertará o interesse do nosso ouvinte ou leitor. Em uma
história com um personagem sem objetivo nós teremos, simplesmente, uma história sem
sentido. E é até significativo observar que sentido também quer dizer direção, propósito,
mira.

O que o personagem ou protagonista quer?


Devemos começar o nosso estudo tanto na criação de uma nova história como na preparação
para contar qualquer história com a pergunta: “O que o personagem principal quer?” Temos
que deixar claro desde o início qual é o objetivo a ser alcançado, geralmente superando
obstáculos e dificuldades, até para que o nosso leitor ou ouvinte possa se identificar com o
personagem e “entrar em sua pele”.
Podemos dividir o objetivo de nosso personagem central em dois pontos:
– objetivo externo;
– objetivo interno
Em outras palavras, o objetivo externo é o que ele quer, enquanto que o objetivo interno pode
ser entendido como o porquê ele quer.
Por exemplo, temos o filme A Origem, com Leonardo Di Caprio. Para quem não conhece o
filme, vou disponibilizar a sinopse:
Sinopse – A Origem
Em um mundo onde é possível entrar na mente humana, Cobb (Leonardo DiCaprio) está entre
os melhores na arte de roubar segredos valiosos do inconsciente, durante o estado de sono.
Além disto ele é um fugitivo, pois está impedido de retornar aos Estados Unidos devido à
morte de Mal (Marion Cotillard). Desesperado para rever seus filhos, Cobb aceita a ousada
missão proposta por Saito (Ken Watanabe), um empresário japonês: entrar na mente de
Richard Fischer (Cillian Murphy), o herdeiro de um império econômico, e plantar a ideia de
desmembrá-lo. Para realizar este feito ele conta com a ajuda do parceiro Arthur (Joseph
Gordon-Levitt), a inexperiente arquiteta de sonhos Ariadne (Ellen Page) e Eames (Tom Hardy),
que consegue se disfarçar de forma precisa no mundo dos sonhos.
O filme é interessante sob diversos aspectos, inclusive por abordar a temática dos sonhos e,
mais especificamente, a temática dos sonhos lúcidos. No filme, podemos ver que o
personagem central, Cobb, junto de seus amigos, plantar uma nova ideia na mente do filho
de um bilionário para que ele desfaça o império do pai e, com isso, a concorrência possa
ganhar o mercado para si. Este é, então, o objetivo externo.
O objetivo interno vai sendo apresentado com o tempo. Inicialmente, pode-se dizer que o
objetivo interno é voltar para os EUA sem nenhuma acusação pela morte de sua esposa.
Porém, como vamos entrando na mente do personagem, podemos reconhecer que o objetivo
interno é outro: entender as suas memórias e se reconciliar com a projeção inconsciente de
sua mulher e lidar com a culpa de ter sido, possivelmente, o responsável indireto por sua
morte.
Bem, este é um exemplo que imagino que nem todos conhecem, mas fica aí mais uma dica
para um excelente filme.
Podemos entender a diferença entre o objetivo interno e o objetivo externo questionando o
que o objetivo externo, se for realizado, vai trazer para a pessoa, para o seu crescimento ou
desenvolvimento. Por exemplo, um personagem que quer encontrar um grande amor pode
com ele passar a se sentir amado ou digno de amor ou passar a ser capaz de criar empatia
com os outros ou ser altruísta.
Em outras palavras, o que a realização do objetivo externo vai trazer para a mudança do
personagem. A mudança interna, consciente ou inconscientemente, será também a realização
do objetivo interno. Esta distinção é importante porque apenas a realização do objetivo
externo é pouco para que o leitor possa se identificar com o personagem, ou melhor,
podemos ir mais fundo na provocação da identificação também mostrando ou deixando claro
qual seria o objetivo interno.
Um personagem que quer enriquecer tem apenas um objetivo interno. Mas um personagem
que quer enriquecer para superar o seu sentimento de inferioridade possui muito mais
profundidade, não é mesmo?

Conclusão e exercício
Para concluir, vamos pensar juntos nas questões que devemos ter em mente quando vamos
analisar como contar ou criar uma história:
Se todos os protagonistas tem que ter um objetivo, um propósito, uma meta, vamos nos
perguntar primeiro:
1) – Qual é o objetivo externo do personagem? O que ele quer mais do que tudo? O que o
motiva em sua ação?
Lembre-se que o objetivo tem que ser específico. Por exemplo, querer um amor é
inespecífico. Que tipo de amor? Uma relação amorosa? Se sentir amado pela família, pelos
amigos?
2) – Qual é o objetivo interno do personagem? Por que ele quer tanto o seu objetivo externo?
Pense no objetivo interno como o sentido da sua motivação pela busca externa. Por exemplo,
a busca pelo amor de um homem mais velho pode ser uma representação inconsciente,
edípica, para que uma mulher consiga entender e reconhecer a relação conturbada que teve e
tem com o pai ausente.
3) Para realizar ambos os objetivos o que o personagem terá que enfrentar como problema ou
obstáculo? O que ele terá que superar? O que o personagem vai sentir? Medo? Raiva?
Desespero? Vazio…?
Para criar curiosidade e interesse, temos que fazer com que quem está nos ouvindo ou lendo
consiga se identificar com o personagem. E a identificação acontece especialmente na
dimensão das emoções. Para atingir o seu grande objetivo, qual vai ser o sentimento principal
que o personagem terá que lidar ou quais serão as emoções principais?
4) Qual é a verdade ou segredo que o personagem escondeu – dos outros ou de si – e que
explica quem ele é e porque tem estes objetivos em especial?
Em uma boa história, temos que nos surpreender frequentemente. No filme utilizado aqui
como exemplo, A Origem, podemos ver como personagem central escondeu de seus amigos
uma importante verdade, que os coloca em perigo que é o da sua relação com sua mulher e o
modo como os dois viveram antes de sua morte. Esta verdade vai sendo desvelada aos poucos
durante a narrativa.
A ideia central aqui é que, ao criar ou contar uma história, você saiba qual é a história
pregressa do personagem. Mas, claro, não é necessário criar ou memorizar uma biografia
extensa e interminável. Precisamos ter em mente apenas os aspectos da vida pregressa do
nosso personagem que afetam diretamente a história que estamos contando.
Podemos ver isto claramente no filme A Origem. Ficamos sabendo sobre a verdade do
personagem apenas no que diz respeito à sua relação com sua esposa, relação passada e
anterior ao momento da narrativa mas que afeta diretamente o seu desenrolar. Não ficamos
sabendo de outros aspectos como relação com os pais ou trabalhos anteriores ou como foi a
sua vida no segundo grau.
O escritor criou a história e também criou este background anterior – da relação com a esposa
e os filhos – mas ele não criou o que era irrelevante para a narrativa do filme. Para chegarmos
neste ponto – de expandir a história mas somente até o ponto da necessidade – podemos nos
fazer ainda duas perguntas:
a) Que evento específico causou o seu problema ou o seu medo?
b) Que evento criou a necessidade do objetivo externo e interno?
As motivações internas do protagonista
Esta é a 5° Lição de nosso Curso de Contação de Histórias Grátis. Na Lição anterior, falamos da
importância de passarmos adiante os objetivos, internos e externos, dos personagens e, em
especial, do protagonista. E que, para fazê-lo, nós temos que ter em mente a história
pregressa sobre os tópicos que vão ser importantes na narrativa.
Por exemplo, se eu vou contar a história de um grande músico, será relevante saber tudo sobre
o que foi a música para o protagonista desde o início, com suas relações de amizade e de amor
moldadas e unidas à sua paixão verdadeira. Não precisamos criar ou saber tudo a respeito do
protagonista, como o seu time de futebol ou os seus programas de TV favoritos. Como o tópico
central será a música, a história pregressa vai estar ao redor desta temática também.
Certa vez vi uma pequena biografia do Villa Lobos e a história contava as exigências extremas
que tinha sido feitas por seu pai para ele estudar com toda a dedicação. Exemplos singulares
ajudam a pintar o quadro: Villa Lobos tinha que falar qual era a nota que um passarinho
estava emitindo em sua janela e, se errasse, era punido severamente.
Portanto, ao criar ou contar uma história, tenha consciência dos elementos da história do
personagem relacionados à narrativa. Em outras palavras, desenvolva a história pregressa
sempre tendo em vista o que vai afetar a própria contação.

As motivações internas do protagonista


Para facilitar, podemos nos perguntar:
– O que aconteceu no passado de nosso personagem que provocou seu medo ou problema?
– Que evento específico teve como consequência a criação de sua motivação/objetivo/habilidade?
Reunindo as duas respostas, teremos já uma pequena biografia que nos ajudará na condução
da história a partir do momento que ela começa, ou seja, o presente para o personagem que
devemos nos identificar e fazer o público se identificar.
Por exemplo, no filme A Rede Social (fictício ou não) sobre o criador do facebook, Mark Zuckenberg,
nós já sabemos desde o início sobre o facebook. Mas não sabemos quem é o personagem.
O garoto inseguro que conversa com uma garota no início do filme é o criador do facebook.
Antes de criar, ele tem que enfrentar a dificuldade de se enturmar em Harvard. Ou seja,
apesar de brilhante intelectualmente (por ter entrado com nota máxima no vestibular) e
sempre conseguir responder as perguntas dos professores, ele simplesmente não se encaixa.
Paradoxalmente, ele vai criar a maior rede social do mundo.
Entretanto, que evento específico levou a esta criação? Primeiro, o filme conta o dia em que
ele conseguiu invadir os computadores de Harvard e pegar fotos. Com as fotos, ele criou um
site simples no qual o visitante podia votar em qual das duas garotas era mais bonita em cada
nova página aberta.
Ele demonstra não só uma habilidade brilhante como também a capacidade técnica de criar um
site que desperta interesse das pessoas, inclusive chegando ao ponto de fazer sair do ar os
servidores da Universidade. E, finalmente, o que é controverso no filme e faz com que a
empresa não o tenha endossado: o evento de que Zuckenberg havia roubado a ideia de uma
rede social de dois alunos de Harvard que justamente o tinham contratado para a programação.
Temos então o background, o pano de fundo, para a criação do facebook, o tema do filme.
Para que a história fosse contada, tínhamos que responder às duas perguntas anteriores:
– Qual era o medo ou problema do protagonista? Vemos que é a sua incapacidade de criar
relações amorosas e, ao mesmo tempo, a sua capacidade de passar por cima da ética.
– Que evento específico teve como consequência a criação de sua motivação? Vemos que os
eventos foram a sua habilidade técnica e o engodo dos alunos que o tinham contratado para a
programação. Estes dois eventos acabam gerando nele o grande objetivo, a grande motivação
de criar uma rede social. Com a ajuda de outras pessoas, entre elas o criador do Napster, Sean
Parker, ele obtém financiamento e expande a ideia inicial na maior rede social do mundo, com
mais de 1 bilhão de pessoas cadastradas.
Este é evidentemente um exemplo que pode não ter tanta relação com a realidade (ou ter, não
saberemos ao certo). Porém, o que quis apontar é que para contar a história do facebook, temos
que contar a história do seu criador e os fatores que o levaram a criar o facebook. Para que a
história gere curiosidade, temos que conhecer as motivações internas que estavam presente.
Dizer que foi apenas para criar um negócio e ganhar dinheiro com isso, não prenderia a
atenção de ninguém, não é mesmo? Então os eventos específicos (traição e roubo de uma
ideia) e os problemas e medos do personagem (ser nerd e não se encaixar) são muito mais
interessantes e ajudam na condução da narrativa.

Conclusão
Uma forma de questionar as motivações internas é entender o porquê e o para quê dos
comportamentos do personagem. Como vimos no exemplo do facebook, ao nos
questionarmos sobre:
– Por que Mark Zuckenberg criou o facebook?
– Para que ele o criou?
Com as respostas nós podemos chegar às motivações internas. Ele pode ter criado para
superar as suas dificuldades de relacionamento (o filme começa com um encontro com uma
garota que dá errado), ou seja, a sua finalidade poderia ser superar o seu próprio bloqueio e
ajudar as outras pessoas a fazê-lo.
Se você pegar alguns filmes e alguns romances de qualidade verá que a história é tecida a
partir destas perguntas. Se não for um filme bom isto pode ficar escondido ou ser uma
motivação tão sem sentido que não prenderá a atenção de ninguém.
Portanto, analise as histórias que você encontra sempre e procure encontrar os objetivos
internos e externos bem como as motivações mais profundas e que afetam diretamente o que
acontece. E quando for contar uma história, criada ou não por você, considere de ter claro em
sua mente as questões que abordamos nessa lição para que você consiga criar a curiosidade
em que está té ouvindo ou lendo e, igualmente, manter a atenção até o final.
Toda história deve ser específica
Continuando o nosso Curso de Contador de Histórias Grátis, na Lição de hoje vamos falar
sobre um ponto importantíssimo para contar ou criar uma história que seja cativante para o
nosso público: a especificidade. Pessoas que sabem contar histórias sabem como entreter e
explicar utilizando detalhes que são fundamentais para a narrativa. De outro modo, tudo fica
vago, abstrato e desinteressante.
Vamos imaginar juntos uma cena cotidiana na qual alguém está nos contando algo que
aconteceu. A pessoa diz: O João não veio trabalhar. Imediatamente surge a questão: Por que
ele não veio? A resposta poderia ser: porque ele está doente. E outra pergunta: Qual é a
doença ou ele está doente de que? A resposta poderia ser: ele está gripado.
Apenas neste pequeno diálogo, notamos que o narrador não contou o mínimo necessário da
notícia. Quer dizer, no nosso cotidiano, ao contarmos algo a alguém estamos trazendo uma
narrativa para quem nos ouve – ou lê – e um aspecto fundamental e até primário é falar de
forma específica.
Voltando ao pequeno diálogo anterior. Se pessoa já falasse: João não veio trabalhar hoje
porque está doente. Pegou uma gripe forte, está com febre mas já foi ao médico e deve
retornar em quatro dias.
Dizendo desta forma, estamos sendo específicos, estamos indo direto aos detalhes e até não é
necessário para o ouvinte perguntar mais sobre o que está acontecendo. Em qualquer
história, temos que fazer o mesmo.
Perguntas básicas como:
– Porque?
– Quando?
– Onde?
– Para que?
– De quem?
– Com quem?
Ajudam-nos a elaborar todas as especificidades necessárias para contar bem uma história.
Por incrível que pareça, até autores renomados e que escrevem para a TV, para filmes ou
ficaram consagrados com seus romances podem vir a deixar passar detalhes. São os furos ou
buracos que não são propositais e prejudicam no entendimento. No caso da TV, é muito
comum vermos este tipo de falha nos finais das novelas. Por ter criado tantos personagens, o
autor se perde e não consegue especificar o que aconteceu com cada um.
A importância dos detalhes
Psicologicamente, podemos compreender que qualquer narrativa possui em si elementos de
linguagem que nos fazem imaginar ou conceber as cenas de forma concreta. Por serem
imagens, quando mais detalhes, melhor e mais fácil será a imaginação.
Imagine o começo de uma história:
“Em um belo lugar, um homem disse para um estranho que não estava se sentindo bem…”
Claro que podemos começar a imaginar a cena, mas fica difícil. É como se tivéssemos que
completar o que foi narrado com informações nossas. E embora uma grande parte da
imaginação caiba ao receptor, não é este tipo de narrativa que será considerada a melhor
prática.
Comecemos de novo:
“Na bela praia de Copacabana, um senhor de estatura baixa e gordo, disse para um sorveteiro
que estava com indigestão…”
Do mesmo modo que no outro início, cada um de nós irá imaginar a praia de um jeito (a partir
de suas lembranças) e irá criar um rosto e características para o sujeito que está passando
mal. Porém, alguns detalhes já foram apresentados e isto facilita em muito.
Para você não ter dúvidas sobre a importância dos detalhes ao contar uma história, chegue
para um grande amigo ou amiga sua e diga. Eu me apaixonei!
Quantas e quantas perguntas vão surgir, não é mesmo?
Todas as perguntas listadas anteriormente – quando, onde, por quem, de forma – irão
aparecer instantaneamente. Faça o teste e você verá.
Portanto, toda história está nos detalhes específicos que afetam uma pessoa (ou
personagem).

O que deve ser específico?


E, para não errarmos de forma alguma nos detalhes específicos, vamos ver 6 pontos que
devem ser trabalhados ao contar ou criar uma história:
1) O porquê – a razão específica que leva o personagem a fazer alguma coisa;
2) A especificidade das metáforas, ou seja, elementos que são importantes na narrativa e que
trazem a imagem de um outro significado. Por exemplo, o anel no Senhor dos Anéis não é
apenas um anel, é uma metáfora, uma imagem para um poder extraordinário que, como
esperado, é descrito de forma específica pelo autor.
3) Memórias tem que ser específicas também. Não adianta dizer que um fato lembrou o seu
personagem de um fato no passado, indistinto e vago. A lembrança tem que ser clara e
específica. Por exemplo, Alberto estava comendo batata-frita, o que o lembrava de quando
era pequeno, e sua mãe lhe dizia que deveria comer melhor mas, ao mesmo tempo,
preparava só guloseimas, não só aos domingos.
Quer dizer, não adianta dizer que Alberto se lembrava da sua mãe ao comer batata-frita.
Novamente, temos que nos perguntar o porquê e o que e ele se recordava.
4) As reações a eventos externos devem também ser específicas. Como, de que forma, o
personagem reage ao que lhe acontece?
5) As possibilidades que passam pela mente do personagem quando ele vivencia um novo fato
ou tenta descobrir o que está acontecendo também devem ser trazidos para o leitor ou
ouvinte. Como dizemos na psicologia cognitiva, para entendermos uma pessoa temos que
compreender o modo como ela interpreta o mundo e não o mundo que está disposto para
ela. Em outras palavras, quando algo acontece para o personagem – o que ele pensa? O que
ele sente? De que forma ele ou ela entende?
6) A forma específica como personagem muda. A mudança é a própria essência de uma
narrativa, de uma história. Para entrarmos na história, temos que compreender como o
personagem muda, ou seja, o que especificamente acontece para que ele mude seu jeito de
ser?
Em suma, temos que criar a história como todos os detalhes necessários para que a narrativa
seja coerente, clara e atraente. Uma outra forma de checar se estamos fazendo corretamente
é passar a utilizar cada vez mais informações sensoriais.
Por exemplo, poderíamos reelaborar um de nossos exemplos:
“Em um dia frio na praia de Copacabana, com pouquíssimas pessoas na praia e no mar,
Antônio, com seus bem vividos quarenta e quatro anos de idade pensou que podia morrer.
Desta vez, não seria como das outras vezes em que tinha sido chamado de hipocondríaco
pelos médicos de plantão, ele estava com o rosto pálido, com falta de ar e uma profunda
náusea que ia do estômago aos intestinos. Vendo um sorveteiro com cara de bom moço a
poucos passos, ele diz…”
Note que são os pequenos detalhes que dão contornos para a história e fazem dela muito
mais instigante do que dizer “Em um belo local, um homem disse…”
E estes detalhes são detalhes sensoriais, dos 5 sentidos: visão, audição, tato, paladar e olfato.
Como vimos em outras lições, um detalhe mínimo já nos ajuda a construir o personagem, por
exemplo, a Chapeuzinho Vermelho.
A partir de agora, observe as histórias que você lê e ouve e perceba como há uma grande
diferença entre uma história interessante e uma história desinteressante. O truque,
principalmente, está nos detalhes.
Suspense e Conflito
Um fato curioso que eu já observava há muito tempo em filmes era que quase todos eles
tinham um vilão. Especialmente os filmes de Hollywood, mais fáceis de assistir, sempre
apresentam o herói ou a heroína (protagonista) e o vilão ou vilã. Em alguns filmes isto é óbvio
e já vemos logo quem é quem. Em outros, a relação pode ser mais intrincada e o personagem
que aparece para criar suspense e conflito aparece no meio da narrativa.

Se em nossa vida particular, no nosso cotidiano, nós temos a grande tendência de evitar
conflitos, nas histórias os conflitos são essenciais, pois é através deles que há movimento,
mudança, transformação. Uma história sem conflito assim como uma história sem detalhes
específicos (ver Lição anterior) é uma história desinteressante.
Evidentemente, a presença do conflito não acontece apenas nos filmes. Também encontra-se
presente em romances, contos de fada, mitos e em toda narrativa que pode ser considerada
de qualidade.
Imagine Romeu e Julieta em uma nova versão em que tudo dá certo e eles não tem o grande
conflito entre suas famílias. Poderia ser até mais desejável, mas nós, como leitores, queremos
que o conflito esteja lá para que possamos sentir as dificuldades enfrentadas pelos
personagens, como no famoso conceito de catarse.
Se pegarmos o tema do Romeu e Julieta, veremos que toda comédia romântica, no cinema,
quer seja excelente quer seja por demais açucarada, tem uma estrutura que é basicamente
esta: o casal se conhece – há um conflito por algum motivo – o casal se reconcilia. E o que
aconteceria se tirássemos o conflito. Absolutamente nada, pois não teríamos uma história
para contar.
O que significa o conflito em uma história?
Conflito vem, etimologicamente, de conflictu, confligere. Fligere significa lutar, bater. Conflito é,
portanto, lutar com algo ou com alguém. Porém, apesar de utilizarmos esta palavra aqui no
nosso Curso de Contação de História, isto não significa que toda e qualquer história terá que
ter cenas violentas, brigas, discussões.
A ideia do conflito em uma história vai muito mais na direção de um impasse, de uma
dificuldade, de um problema que tem que ser resolvido. Em alguns casos, podemos pensar no
conflito como a luta do personagem principal para lidar com um inimigo ou inimiga.
Por exemplo, no famoso filme O Diabo veste Padra, vemos como a protagonista vivida nas telas
pela Anne Hathaway tem que lidar com a sua chefe, vivida por Meryl Streep. O conflito entre
as duas e o conflito entre as perspectivas da personagem da Anne entre ser ela mesma e ser o
que os outros esperam dela (a metáfora de estar na moda) é o que move toda a trama.
Conflito, portanto, não quer dizer uma gerra, literalmente falando. Conflito, em uma narrativa,
é o que podemos chamar de a luta dos opostos, a luta entre duas perspectivas díspares.
Steve Jobs, um dos criadores da Apple, é conhecido por sua habilidade de criar apresentações
persuasivas. No livro Presentation Secrets of Steve Jobs, podemos ler uma ideia bastante
curiosa sobre como, em cada apresentação, ele elaborava uma narrativa, cujo centro era a
criação de um conflito com um inimigo ou problema e, posteriormente, dava a resolução para
o problema.
Sei que este exemplo pode parecer extrapolar o nosso Curso, mas é um exemplo fantástico
para a ideia de um conflito. Por exemplo, no lançamento do Ipad 1, ele claramente coloca a
situação:
Já tínhamos os notebooks (telas grandes) e o Iphone (tela pequena). Será que seria possível
encontrar uma tela entre os dois dispositivos? Ele cita a tentativa dos netbooks. Porém, os
netbooks eram muito ruins em todos os aspectos, como um notebook péssimo. O inimigo,
então, seria os netbooks por apresentarem uma solução insatisfatória.
Entretanto, o suspense foi criado. Será que seria possível criar algo entre um notebook e um
Iphone? E, depois de vários suspenses, ele apresenta o Ipad, na época uma grande inovação.
Me lembrei desse exemplo, porque no livro Presentation Secrets of Steve Jobs, o
autor, Carmine Gallo, coloca que Steve Jobs sempre tinha um inimigo contra o qual lutar e a
partir do qual criar suas apresentações. Às vezes era a IBM, às vezes era a Microsoft e às vezes
era um produto específico como o caso dos netbooks.
Utilizando a ideia de um inimigo, de algo contra o qual lutar, ele conseguia criar história
cativantes para quem o estava ouvindo.

Tipos de Conflito em narrativas


Podemos encontrar diversos exemplos de conflitos em filmes, séries, romances, contos de
fadas e mitos. Mas existem alguns que aparecem com mais frequência:
1) Conflito entre protagonista e antagonista: é o conflito mais comum e mais fácil de perceber.
Basicamente, é o conflito entre o bom e o mau, entre a boa moça e a vilã, entre o
Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Mau.
2) Conflito entre o que se acredita ser verdade e a verdade: é um tipo de conflito mais
psicológico, mais subjetivo, mais interno. Neste caso, a descoberta da verdade e o suspense
que leva até a descoberta é o que conduz o enredo. Exemplos são os filmes e romances
policiais, nos quais a descoberta da verdade (o assassino ou culpado) é barrada
constantemente pelo que se pensa que é a verdade até que se descubra a verdade, de fato.
3) Conflito entre o querer e a realidade: a narrativa é construída a partir do desejo, da
vontade, da esperança e expectativa do protagonista que luta (conflito) com a realidade que
está a sua frente. Por exemplo, uma história sobre um sujeito que quer ser um grande
cirurgião plástico mas não tem dinheiro suficiente para estudar. Também são comuns as
histórias que tratam da diferença entre o que o personagem quer e o que os outros esperam
que o personagem queira. Romeu e Julieta também se enquadraria aqui.
4) Conflitos entre o querer e o não querer: neste tipo de história, o personagem possui um
grande conflito interno entre uma parte de si que deseja algo e uma parte de si que não
deseja ou teme as consequências. Outra possibilidade é o conflito entre o medo e o desejo de
realizar.

Conclusão e Perguntas
A fim de criar ou contar uma boa história, você deve estar consciente dos conflitos que
movem a narrativa. Perguntas como as seguintes podem te ajudar a aclarar os suspenses e os
conflitos:
– Qual é a conflito específico entre isto e aquilo que realmente é importante?
– O seu leitor ou ouvinte consegue perceber qual é o conflito principal? Os conflitos não
precisam ser necessariamente abertos e expostos, mas se forem escondidos, há a necessidade
de dar dicas ou pistas para que se possa perceber.
– O conflito força o personagem a mudar ou buscar a mudança?
A partir de agora, você também poderá passar a perceber – como eu – que toda boa história
apresenta um conflito, um problema, uma dificuldade a ser enfrentada, talvez vencida e que
quase toda história tem um antagonista, um vilão ou vilã, um inimigo a ser combatido ou
conquistado.
Causa e efeito
Continuando o nosso Curso Contador de Histórias Grátis, hoje vamos falar sobre mais um
aspecto importante em toda e qualquer história que é a relação entre causas e efeitos.
Embora as histórias captem a nossa curiosidade pela emoção, a nossa natureza racional
também exige que a narrativa tenha lógica.
Não vamos entrar aqui em uma discussão filosófica sobre lógica, sobre causas e efeitos, pois
esta não é a nossa intenção. Para os nossos objetivos, basta saber que uma história,
basicamente, é uma concatenação de eventos internos e externos. Para que esta
concatenação nos desperte interesse, ela tem que ter coerência, tem que ter uma ordem que
faça sentido.

Causa e efeito nas histórias


Para que não tenhamos que ir mais a fundo em questões de conhecimento, da filosofia e da
psicologia sobre como ocorrem as relações causais, vamos descrever as relações de causa e
efeito do seguinte modo:
1) Se
2) Então
3) Portanto
Estas três palavras nos ajudam a criar e a verificar se a condução da narrativa tem sentido,
coerência e lógica. Podemos começar por uma narrativa completamente sem lógica, como
dizemos por aqui, “sem pé, nem cabeça”:
1) Se eu for para os Estados Unidos
2) Então, encontrarei alienígenas
3) Portanto, não devo ir ao supermercado
Como podemos ver facilmente, estas três frases – juntas, unidas – não fazem sentido algum.
Claro que este é um exemplo bizarro e extremo da falta de coerência. Porém, em algumas
narrativas, podemos vir a encontrar alguns problemas nesse aspecto da história. Problemas
menos graves, é verdade, porém a diferença é apenas de grau.
No outro extremo, podemos encontrar uma relação que faça sentido, que tenha uma ligação
entre as três frases e que são inteligíveis:
1) Se eu for para os Estados Unidos
2) Então, encontrarei pessoas que falam inglês
3) Portanto, devo estudar inglês para conseguir conversar com eles
Faz muito mais sentido, não é mesmo?
Um ponto interessante a ser observado é que as relações de causa e efeito continuam tendo
validade mesmo em histórias fantásticas, de ficção científica, futuristas, desenhos animados.
Ou seja, uma história, em um filme ou romance, não tem que ser realista para possuir lógica.
Uma regra de ouro para quem está fazendo o nosso Curso também para criar histórias é a de
Jorge Luis Borges. O grande autor do realismo fantástico dizia que uma boa história fantástica
tinha que ter apenas um elemento fantástico. O restante deveria ser normal.
Por exemplo, no maravilhoso livro de contos Aleph, temos duas histórias magníficas. O Aleph
conta a história de um ponto no espaço no qual as pessoas poderiam ver todo o espaço, quer
dizer, olhando através dele todo o universo se tornava visível. Em outro conto, Imortais, o
protagonista busca e encontra a fonte da imortalidade e os imortais, seres com todo o tempo.
São duas histórias, cada qual com um toque de fantástico. Ou seja, ele não criou uma história
que unia um ponto através do qual todo o espaço estava ali e, ao mesmo tempo, existiam
seres imortais. A regra dele é que cada história deveria ter apenas um dado de fantasia além
da realidade.
E, portanto, em cada história de Borges podemos ver como este elemento inusitado une-se a
uma narrativa coerente, com detalhes minuciosos e que nos instigam a continuar a leitura e
saber o que ocorrerá.
Em outras palavras, podemos ir ao cinema para ver um filme sobre alienígenas. O fato de o
filme contar com a presença de alienígenas não quer dizer que o filme não tenha que ter
lógica. Alguns aspectos podem ficar inexplicados (como o fato dos alienígenas falarem a nossa
língua), mas no que diz respeito à construção da história, o autor terá que fazer as pontes
entre os três elementos:
1) Se os alienígenas estão entre nós e estão escondidos
2) Então, cabe aos protagonistas encontrar os maus e puní-los
3) Portanto, toda a humanidade estará a salvo
O que é importante notar aqui é que, embora seja surreal e até bizarro, há uma lógica entre as
frases. Podemos ver todos os outros conteúdos que trabalhamos nas lições anteriores:
objetivo dos personagens, detalhes específicos, protagonistas e antagonistas e assim por
diante.

Causas e efeitos – Dentro e fora


Podemos encontrar as relações de causa e efeito em duas dimensões: a dimensão interna e a
dimensão externa. Assim como já estudamos na lição sobre objetivos internos e externos, faz-
se necessário compreender que o que tem mais peso para prender a curiosidade do leitor ou
ouvinte são as relações de causa e efeito internas. Mas vamos por partes.
Primeiro, precisamos descrever exatamente o que é uma causa de dentro ou interna e o que é
uma causa de fora ou externa.
Uma causa e um efeito externo é o que acontece no mundo ou através da ligação com os
demais personagens, enquanto que uma causa e efeito interno é o porque o que acontece
externamente tem relevância.
Por exemplo:
Em uma cena, vemos a esposa apaixonada esperando pelo marido. Porém, os minutos, as
horas vão passando e nada dele chegar. Então, ela começa a ficar preocupada e nervosa.
Portanto, ela liga para todos os seus conhecidos atrás de notícias. (Isto é o que acontece
externamente).
O nosso protagonista, o marido, porém, poderia não ter chegado por uma série de causas, não
é mesmo?
Se ele encontra no caminho de casa um grande acidente, envolvendo um caminhão e um
ônibus escolar, então ele para tudo o que está fazendo e tenta ajudar ao máximo. Portanto,
com a situação trágica, ele esquece de ligar para casa.
Outra possibilidade poderia ser menos nobre.
Se ele encontra a sua amante ao parar para comprar algumas coisas no supermercado, então
ele sente desejo e vai até a casa dela. Portanto, ele não liga para a esposa e no caminho de
volta fica pensando em uma desculpa razoável.
Todas as duas alternativas tem lógica, tem coerência. Porém, o que acontece externamente
tem menos importância do o porquê de acontecer.
E, para concluirmos, também temos que considerar que ao contarmos uma história ou criar
uma completamente nova, temos que analisar se as relações de causa e efeito que estão
presentes tem importância, tem relevância, tem valia para a continuidade da história.
De outro modo, ao inserir relações de causa e feito sem precisar, estaremos entrando em
digressões. Para checar se estamos ou não entrando em uma digressão, é só perguntar:
E dai?
Isto afeta a continuidade da história?
O leitor ou ouvinte precisa saber disso?
Se cortar esta parte, fará diferença?
O que pode dar errado, vai dar errado
Vocês já notaram que uma história bem contada sempre possui uma dinâmica de que o pode
dar errado, acaba dando? Eu já tinha observado este fato e pesquisando para escrever mais
uma Lição aqui do nosso Curso de Contador de Histórias Grátis eu me fiz esta pergunta: Será
que toda história necessariamente tem que ter esta dinâmica?
Em outras Lições, nós já falamos que o protagonista tem que ter um objetivo (interno e
externo) que a narrativa conduz o leitor ou ouvinte nesta busca pela realização mas, no
caminho da realização, o protagonista vai enfrentar problemas, dificuldade e terá que lutar ou
lidar com o antagonista.
Isto não quer dizer que toda história será pessimista ou então como aqueles típicos filmes
americanos em que tudo dá errado, absolutamente tudo, somente para causar um efeito
cômico, engraçado, divertido.
Este aspecto – de que o pode dar errado, vai dar errado – tem uma outra concepção.
Vejamos:

O que pode dar errado, vai dar errado


Um dado curioso da neurociência é que nós, como espécie, aprendemos muito observando o
comportamento das outras pessoas. Assim como acontece na vida real, também podemos
aprender pela ficção: em filmes, histórias em quadrinhos, desenhos animados, documentários,
romances de todos os tipos. Observar o comportamento alheio (além de qualquer
consideração moral sobre a fofoca), nos ensina a viver melhor.
Em outras palavras, se vemos um filme no qual um personagem se transforma totalmente
após passar por uma experiência difícil (o ponto de que muitas coisas dão errado para ele), é
como se nós vestíssemos a pele do personagem e entrássemos tanto na história que vivemos
o que ele vive. Deste modo, saímos da história com uma experiência a mais e este fator seria
benéfico para a nossa evolução enquanto espécie.
Teorias à parte, esta curiosidade “natural” do ser humano pela vida dos outros (reais ou
fictícios) conduziria-nos a prestar atenção e a aprender com a experiência que, portanto, não
precisa ser vivenciada diretamente. Assim, aprendemos com a experiência que se cria com os
erros não nossos, dos outros.
De toda forma, o importante aqui é perceber que ao contar ou criar uma nova história é
preciso elaborar uma dinâmica na qual o personagem passe por transformações a partir de
situações difíceis ou complicadas que o levam a mudar. A mudança (ou até a incapacidade
para a mudança) só pode aparecer no momento em que é inevitável enfrentar os medos, os
problemas, os monstros internos ou externos.
A diferença que pode residir entre o que personagem admite e o que ele tem como segredo
mais bem guardado, vai aparecer justamente através das condições adversas.
As dificuldades surgem aos poucos
Outro aspecto que é frequente encontrarmos em boas narrativas é que os erros, dificuldades,
problemas vão surgindo aos poucos para que o personagem central possa ir crescendo com o
tempo e, lentamente, ganhando a admiração ou conquistando o status de ser o herói ou
heroína da trama. (Em inglês, hero, herói, é um sinônimo para protagonista).
Do mesmo modo que acontece na vida real, o personagem geralmente apresenta como que
uma zona de conforto, ou seja, uma tendência a permanecer estático, imóvel em sua própria
identidade. São os pequenos problemas que vão conduzindo-o para a mudança ou para o
conflito que, talvez, o leve a mudar.
Nesse sentido, é como se o protagonista esperasse que as coisas mudassem por si mesmas,
através do destino ou da vontade de Deus. Porém, em uma boa narrativa, “o que pode dar
errado, vai dar errado”, quer dizer, problemas vão acontecer até que ele ou ela seja forçado a
tomar uma atitude.
Como disse, a história acontece no que pode ser considerado uma luta de opostos, entre o
protagonista e seu antagonista, entre o objetivo e a realidade, entre o querer e o não querer.
Essa força contra a qual o protagonista tem que lugar – seja interna ou externa – terá que ser
apresentada de forma gradual, aos poucos.
Um bom exemplo para o tema que estamos tratando aqui é a história do Ulisses, na Odisseia
de Homero. Ulisses quer voltar para casa, depois de ter lutado na Guerra de Troia. Porém, o
seu querer é contraposto com todo o tipo de dificuldade, divina e humana, de oposição. Toda
a história centra-se nessa dificuldade, e as dificuldades vão se sucedendo durante longos vinte
anos de exílio.
Em princípio, poderíamos ver a história do Ulisses e de praticamente qualquer protagonista
em uma boa história e pensarmos: Ora, por que isto não acaba logo e todo o conflito é logo
resolvido? Porque se for resolvido, a história acaba.
Se Ulisses conseguisse voltar direto de Troia para Ítaca não teríamos todas as aventuras com
sereias, deusas, gigantes. As dificuldades que vão surgindo podem ser, portanto, consideradas
a própria história. Sem a ideia de que “o que pode dar errado, dará errado” não teríamos nada
para contar. (E esta questão daria até ensejo para um novo texto, sobre as razões que levam
as pessoas a se interessarem tanto pelas tragédias, por exemplo, nas notícias dos jornais).
Mas voltando: com isso, podemos concluir que um protagonista, um herói, só será um herói
se for digno e merecedor do título. Em outras palavras, o protagonista (em geral o mocinho ou
a mocinha) terá que sofrer até superar o que quer que tenha que superar. E aqui entra um
aspecto bastante surpreendente. Um bom mocinho ou uma boa mocinha – do ponto de vista
de causar identificação – não precisa ser um personagem sem erros, sem falhas, sem o mal.
Um mocinho ou mocinha que seja apenas bonzinho e não sofra, não tenha culpa, não seja
intenso ao seu modo, será provavelmente um personagem muito chato. E, nós como
contadores ou como criadores de histórias, temos que nos atentar para este ponto. Se
pudermos mostras as falhas, inseguranças, medos e temores dos nossos personagens,
devemos fazê-lo, porque através destas características é que conseguiremos captar e manter
a atenção do nosso público.

Conclusão
Ao contar, recontar, criar ou recriar uma história tenha em mente que as dificuldades são
inerentes à narrativa. Uma história de felicidade eterna não será nada interessante. Afinal,
estamos falando de narrativas e não de um comercial de margarina.
Em nossas histórias, a dinâmica do que “o que pode dar errado, vai dar errado” tem que estar
presente, pois só assim nossos personagens conseguirão superar os obstáculos que tem que
enfrentar para conseguir obter o que querem ou precisam.
Em suma, sem problemas não há nenhuma história.
Casualidades e causalidades
Quando passamos a analisar o modo como uma história é construída e contada, vamos ver que
toda boa história tem que ter uma relação entre casualidades e causalidades. Estas duas palavras,
embora parecidas no som e na grafia, significam questões muito diferentes em uma narrativa.
Neste texto, vamos analisar as diferenças e entender os motivos que levam à construção pela
autor ou contador de histórias de pistas casuais, escondidas e camufladas, que vão se revelando
com o tempo como causas relevantes para as consequências enfrentadas pelos protagonistas e
outros personagens, a fim de provocar a curiosidade quem está lendo ou ouvindo.
Esta é mais uma Lição de nosso Curso de Contador de Histórias Grátis.

Casualidade e causalidade
Para não confundir as duas palavras, fica mais fácil se associarmos casualidade com acaso
e causalidade com causa (e consequência). Se encontramos um velho amigo em uma esquina por
acaso, sem querem estamos falando de uma casualidade. Se a causa do encontro foi uma ligação
prévia, vamos dizer que a causa do encontro foi uma ligação, portanto, uma causalidade.
Em uma história, como já vimos em uma lição anterior, tudo tem que ter nexo: os eventos
tem que estar enquadrados em uma dinâmica de causa e efeito, em uma lógica causal. Porém,
ainda que isso seja verdadeiro em todos os casos, ao contar ou criar uma nova história, muitos
elementos tem que parecer como se fossem por acaso.
Por exemplo, esses dias estava vendo um filme com a seguinte sinopse:
Uma bem sucedida mulher está chegando perto dos quarenta anos. Apesar de todo o seu sucesso
profissional, ela está solteira e sentindo que o tempo está curto para engravidar.Em um dia – por
acaso – sua irmã diz que estava lendo uma reportagem em uma revista sobre mulheres que se
dispunham a ser barrigas de aluguel. A ideia é mencionada e esquecida por um tempo, mas
depois retorna como uma alternativa para a falta de parceiro e dificuldade de adotar.
Contudo, é por causa dessa menção da irmã que ela vai em busca da realização de seu sonho
e, na verdade, a história gira em torno da relação da protagonista que quer ser mãe e a garota
que aceita ser barriga de aluguel.
O que é importante notarmos aqui nessa lição é que todo e qualquer evento em uma história
tem sentido, ou seja, é inserido por uma razão, por uma causa. Mas não precisa parecer uma
casualidade, melhor, se parecer como se fosse um acaso, uma casualidade.
Se a possibilidade de encontrar uma barriga de aluguel não fosse importante na narrativa, o
autor não teria colocado na história, porque se tivéssemos um elemento estranho ficaríamos
esperando algo mais daquele elemento. Se fosse um elemento sem sentido, teríamos uma
digressão, o que poderia prejudicar a qualidade da trama.
É como esse texto que você está lendo. Se eu começar a falar sobre pensão alimentícia
durante dois ou três parágrafos, você vai começar a pensar – “Uai, mas que isso tem a ver com
uma lição sobre contação de histórias?” A coesão e a coerência devem estar presentes não só
em textos dissertativos ou argumentativos, mas também nos textos narrativos.
Portanto, um bom contador de histórias é aquele que consegue passar para o seu leitor ou
ouvinte os eventos que vão causar consequências como se fossem por um acaso, como se
fossem aleatórios, a fim de trazer suspense e surpresa.

Pistas casuais
Podemos entender melhor a casualidade, o acaso, através do conceito de pistas. Imagine um
romance policial no qual há uma assassinato e o detetive – junto de você – tem que descobrir
quem é o culpado. Quem vai criar a história terá que dar pistas para que as pessoas
descubram quem é o assassino, como ele cometeu o assassinato e porque.
As pistas, entretanto, ficam sem graça se estiverem muito na cara, se forem óbvias demais,
porque deste modo poderíamos descobrir sem esforço. Com isso, quem vai criar ou contar a
história policial terá que dar pistas casuais, pistas que estão na cena do crime como que por
um acaso e, na maioria das vezes, passam até despercebidas se não estivermos alertas.
Com isso, podemos ver a dinâmica de qualquer história – não apenas da história policial –
através de um esquema simples:
– Pistas casuais – outros eventos – desvelamento das pistas como importantes causas
Na nossa terminologia:
– Casualidades – outros eventos – revelação das casualidades

Conclusão e perguntas
– Analise se existe algum evento em sua história que não seja importante de uma forma ou de
outra para a concatenação dos fatos. Se você analisar tudo e encontrar algo que seja mais
prolixidade e digressão do que relevante, simplesmente corte o trecho e foque no que afetar
de modo direto a condução da narrativa.
– Veja se as relações entre causas e efeitos não são imediatas, quer dizer, o leitor quer e
aguenta um pouco de suspense entre os acontecimentos: este é um dos fatores que vai
prender a sua atenção.
– Reveja as pistas e se coloque na posição de quem está do outro lado. Será que as pistas são
suficientes para eliciar a imaginação e até permitir que o leitor ou ouvinte descubra a
verdade? Afinal, um leitor ou ouvinte atento pode antever o que está para acontecer e isso
não significa que a história estará mal contada. O ponto a ser observado, aqui, é que mesmo
leitor ou ouvinte menos atento tem que reconhecer – ainda que não tenha total consciência
disso – as pistas que estão sendo dadas.
Na última lição, antes da conclusão, vamos falar sobre flashbacks e forewards, dois termos em
inglês que são consagrados na área, especialmente do cinema, e que são também muito
importantes para que as digressões não sejam digressões de fato.
O tempo na narrativa
Finalizando o nosso Curso de Contador de Histórias Grátis, hoje, na última Lição, vamos falar
sobre o Tempo na Narrativa. Existe um livro excelente do filósofo Paul Ricoeur chamado Tempo
e Narrativa. Eu o estudei em meu mestrado e gostaria de deixar aqui como uma indicação para
leituras complementares ao nosso Curso. O capítulo mais interessante, em minha opinião, é o
último capítulo, quando Ricoeur fala do conceito de identidade narrativa.
Quando nós vamos responder à pergunta – quem sou – (ou quem é o nosso personagem
principal), vamos ter que contar uma história, estabelecer uma narrativa que será,
inevitavelmente, ligada ao tempo. Em suma, toda narrativa desenrola-se no tempo e tem uma
dinâmica própria de estabelecer o tempo.
Assim, é comum que a história seja contada no ritmo do passado, presente e futuro, mas nem
sempre. Algumas histórias terão o que vamos chamar de Flashbacks e Foreshadowing, além
dos chamados sub-plots. Não temos uma tradução correta ou exata para estes termos em
inglês, tanto é que é comum vermos as pessoas falando de Flashbacks em filmes, novelas e
séries ao invés de um termo qualquer traduzido.
A seguir, vamos explicar cada um destes termos e vamos entender como estes elementos
podem vir a ser importantes na nossa criação ou contação de histórias quando a narrativa não
é linear (passado – presente – futuro) ou quando precisamos voltar no tempo para informar
sobre algum aspecto relevante na trama ou até antever um acontecimento futuro, a fim de
despertar a curiosidade de nosso leitor ou ouvinte.

Definição de Flashbacks e Foreshadowning


Para facilitar o nosso entendimento, vamos dizer que flashback (literalmente um flash do
passaddo, “olhar para trás) relaciona-se portanto com o passado e foreshadowing relaciona-se
com o futuro. Então, se estamos contando um evento que aconteceu no presente, em nossa
história, e temos que contar um outro evento que aconteceu no passado, vamos criar um
flashback. Enquanto que, se pularmos do presente para o futuro, estaremos criando um
foreshadowing.
O autor ou o contador de histórias irá criar um flashback quando houver uma causa, ou seja,
quando o que estiver para ser contado depois não fizer nenhum sentido desde que voltemos
ao passado. É diferente de uma digressão que só volta ao passado através de uma associação
sem sentido.
Um flashback tem que ser inserido na narrativa quando a nova informação for afetar o modo
como se compreende o que está acontecendo ou quando o conceito sobre um personagem
deve ser alterado.
Por exemplo, digamos que a história que vamos contar possua uma dinâmica de conflito entre
o protagonista e o antagonista. Vamos acompanhando o desenrolar dos acontecimentos e
vamos ficando cada vez com um sentimento a favor do protagonista e contrário ao
antagonista até que na cena de climax final, o autor insere um flashaback, um episódio de
infância, que nos faz entender (mas não concordar) com as atitudes malignas daquele
indivíduo.
Ou seja, o flashback é inserido sempre quando não há outra forma de continuar contando a
história, a não ser voltando no tempo. De igual modo, temos que entender o foreshadowing,
quer dizer, quando vamos ter um lampejo do futuro, temos que ter este lampejo quando é
totalmente necessário ou, se for uma forma de antecipar algum evento, esta antecipação tem
que instigar a curiosidade e prender a atenção.
Em alguns casos, podemos notar que os criadores de histórias, em filmes, romances, peças de
teatro conseguem fazer uso do foreshadowing de forma brilhante. Em outros casos, vemos
que a antecipação de um fato que só vai acontecer no futuro da história é desastroso, pois, ao
invés de criar o sentimento de suspense e interesse acaba criando uma antecipação que faz
com que a história perca a graça, justamente porque já vamos saber o que está para ocorrer.
Por exemplo, se a história começa dizendo algo como: “Naquela noite, ele ia acabar com o seu
casamento, logo depois de perder o emprego. Tudo começou quando…”
Podemos ver que há aqui um foreshadowing, um antecipação do que o personagem central
vai ver. Porém, antes que cheguemos a este ponto (naquela noite), vamos passar por todos os
eventos que o levaram a romper a sua relação e, também, a perder o seu emprego.
Ora, o foreshadowing, ainda mais do que o flashback, tem que ser utilizado de uma forma
muito criteriosa, porque os nossos leitores e ouvintes vão saber já a partir dali o que está por
vir. Contudo, como disse, o foreshadowing às vezes acaba sendo um problema (e deveria ser
evitado), enquanto que para quem sabe utilizar, é uma ferramenta excepcional. Em outra
lição, já citamos o começo do livro Cem anos de solidão:
“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de
recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo”…
Então, desde o começo do livro, vamos saber o que o Coronel Aureliano Buendía iria enfrentar
um pelotão de fuzilamento. Entretanto, este episódio futuro foi construído de forma tão
magistral que ficamos pensando o que vai acontecer para que ele tenha que viver aquilo (será
um crime? será uma vingança? um problema político?) e, também, o que vai acontecer (será
que vão mesmo matá-lo fuzilado? será que ele vai conseguir escapar?) e logo na sequência a
narrativa acaba descrevendo um flashback, “aquela tarde remota em que seu pai o levou para
conhecer o gelo”…
Portanto, em uma mesma frase, o gênio de Gabriel Garcia Marquez consegue unir um
foreshadowing com um flashback. Embora, o flashback seja nesse caso não propriamente um
flashback se pensarmos que o tempo passado acaba sendo teoricamente mais longo do que
um flashback comum. De toda forma, o que vemos é que a dinâmica normalmente simples de
passado, presente e futuro, em bons contos, em boas histórias é rompida para dar lugar a
todo tipo de construção de tempo.
Em alguns casos, é a inserção de um flashback, em outros casos, é a inserção de um
foreshadowing e em outros – como também encontramos na Odisseia, de Homero – um
episódio do meio da história é o começo, o meio é o início e assim vai.
O que importante notarmos em todos os casos é conexão, o nexo, a ligação entre estes
períodos de tempo, ou seja, não podemos nos perder ao contar ou criar uma história em
digressões ou antecipações inúteis no que temos que contar.
Finalizamos aqui o Nosso Curso de Contação de Histórias.

Professor Felipe de Souza

Psicólogo Clínico e Online (CRP 04/25443), Mestre (UFSJ), Doutor (UFJF), Instrutor de
Mindfulness (Unifesp), Coach e Presidente do Instituto Felipe de Souza. Como Professor no site
Psicologia MSN venho ministrando dezenas de Cursos de Psicologia, através de textos e
Vídeos em HD. Faça como centenas de alunos e aprenda psicologia através de Vídeos e
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