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PÓS‐GRADUAÇÃO ARTE DE CONTAR ESTÓRIAS

LITERATURA PARA A INFÂNCIA E JUVENTUDE

Diário da leitura do conto “Timo”, da autora Regina


Machado, presente na sua obra Acordais (2004)

Joana Charneco
PÓS‐GRADUAÇÃO ARTE DE CONTAR ESTÓRIAS

LITERATURA PARA A INFÂNCIA E JUVENTUDE

Diário da leitura do conto “Timo”, da autora Regina Machado,


presente na sua obra Acordais (2004)

Esta análise trata-se de uma reflexão pessoal, acerca da minha leitura do conto.

Dezembro
Querido Diário

Devo confessar que não és o primeiro, já tive outros diários na


minha vida... Nunca me afeiçoei muito a eles, sempre foram “sol de
pouca dura”, como se diz na minha terra...
Nos diários que tive escrevia coisas pessoais e não me
agradava muito, ou nada, saber que alguém podia ler aqueles segredos
tão meus. Também cheguei a ter um diário em comum com uma
amiga, onde partilhávamos coisas do nosso dia à dia uma com a outra,
os nossos segredos mais preciosos, hoje em dia tão banais, naquela época pareciam coisas
do outro mundo.
Já tu, querido diário, podes ser partilhado com o mundo, ainda assim, fica prometido
que escreverei tudo o que me vai na alma sobre o Conto Timo e a minha relação com ele.
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Dia 6 de dezembro de 2020 – Quem é a Regina Machado?

Resolvi pesquisar sobre a autora no Google, pois desconhecia-a. Li um pouco sobre


a sua biografia e vi alguns dos seus vídeos. Vou registar neste diário uma frase que a autora
escreveu no site da universidade Metodista de São Paulo:

“Contar histórias e trabalhar com elas como uma atividade em si possibilita um


contato com constelações de imagens que revela para quem escuta ou lê a infinita
variedade de imagens internas que temos dentro de nós como configurações de
experiências.”

Dia 7 de dezembro de 2020 - Ler sem parar até o sono chegar

O silêncio paira cá em casa, já está tudo a dormir. É assim que adoro ler, na serenidade
da noite.
Abri o conto e comecei a ler...
As primeiras frases do texto parecem complexas, parece que falta qualquer coisa. Sem
contextualização, sem capa, sem guardas, sem ilustração.... Apesar de ter pesquisado e saber
que fazes parte de uma obra, foste-me entregue assim.… e sinto falta de contatar com a
restante obra.
Continuo a ler e o texto começa a ganhar forma e o meu pensamento também e não
consigo parar de ler. Começo a devorar página atrás de página, e quando dou conta já li mais
de metade do conto, mas os olhos começam a pesar e já passa da 1h da manhã. Está na hora
de ir dormir, o conto consumiu o meu tempo, os meus pensamentos, e eu deixei-me vaguear
na sua narrativa... Até amanhã Timo, estou a gostar de ti. Cada capítulo que li, uma lição.
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Nota: (19.12.20) Tive de vir escrever esta nota... Na aula de hoje, descobri que sinto falta do
Paratexto, esta é a definição exata, sinto falta de elementos que prolonguem e reforcem o
texto, o que não significa que a obra no seu todo não os tenha, mas eu desconheço-a.

Dia 8 de dezembro de 2020 – Acabei de ler o Conto

Hoje acabei de ler o Timo e fiquei um bocado confusa. Voltei a sentir o mesmo que
senti quando comecei a ler o conto, achei-o novamente complexo. Sinto que o nosso estado
de espírito influencia a nossa leitura, principalmente neste conto. Hoje não estava a conseguir
ver o conto com olhos de contador, não consegui virar o olho, fixei-me somente nas suas
palavras e não naveguei na narrativa.
Em breve iniciarei mais uma vez a sua leitura e posteriormente a minha análise
pessoal. Agora é tempo de fazer uma pausa e regressar mais tarde. Até Breve Timo.

Janeiro
Dia 1 de janeiro de 2021 – A Entrada no Bosque

“A única coisa certa é que estava tudo errado”

Após 23 dias sem pegar no conto e no diário, estou de volta. A primeira leitura foi
feita de forma leve, sem pensar que existe uma análise para fazer.... Li apenas e somente para
me deleitar na sua narrativa.
A narrativa do Conto “Timo” começa quando um menino entra num bosque muito
aflito, Timo a personagem da história adora brincar com as palavras e tem um livro onde
escreve os seus poemas secretos. Esse livro é roubado pelos colegas, e os mesmos acabam
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por ler os poemas e gozar com o Timo. Isto mostra-nos que todos somos diferentes, nem
sempre gostamos do mesmo, mas é importante que haja respeito. Infelizmente nem sempre
os nossos gostos são compreendidos pelos outros.
Quando Timo entra na floresta questiona-se acerca da sua paixão pela leitura, pela
escrita, pelas palavras…. Enquanto futura contadora percebo que é necessário assumir a
minha paixão, sem medos, sem receio... Na verdade, na vida temos de assumir o que
gostamos, o que queremos e quem somos, isso é meio caminho para a felicidade, dito assim
parece fácil, mas todos sabemos que é um caminho árduo, mas que vale a pena.
Para ser contador é necessário uma grande exposição, o que nem sempre é fácil, essa
exposição deixa-nos mais suscetíveis às nossas fraquezas, é importante aprender a lidar com
isso, enfrentar os nossos medos e ser corajoso o suficiente para enfrentar as nossas lacunas,
as nossas frestas e tornarmo-nos mais fortes. Tenho muito trabalho pela frente, nem sempre
gosto de me expor.
Ao entrar na floresta a personagem entra dentro de si próprio e faz uma introspetiva
até que ouve uma voz inesperada. Essa voz explica-lhe questões importantes, particularmente
o que é a aprendizagem. Para aprendermos temos de estar abertos para isso, olhar para o
mundo com olhos de ver, por vezes estamos tão concentrados no óbvio que não vemos o
mundo ao nosso redor. Temos de deixar fluir, sair da nossa zona de conforto, claro que
implica esforço e dedicação, como tudo na vida… E a vida é feita de momentos bons, menos
bons e maus, mas é isso que nos faz crescer e ter histórias para contar. Para atingirmos um
objetivo o caminho é muitas vezes atribulado.

Dia 2 de Janeiro de 2020, 10h14m – A lenda das Areias

Sair da Zona de Conforto e Arriscar

Através da lenda das areias percebemos que para nos tornarmos contadores, ou outra
coisa qualquer, é necessário tempo, experiência, ou seja, é todo um processo que está sempre
em construção, e nunca tem fim. E o mais importante é o caminho percorrido e todas as cosias
que aprendemos/conquistamos durante o caminho.
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Na nossa vida, por muito difícil que o seja, é necessário arriscar, não aprendemos
quando ficamos na nossa zona de conforto, quando fazemos sempre o mesmo, ano após ano.
Quando iniciei a pós-graduação pensei em desistir, muitas questões passaram pela
minha cabeça: “Onde é que me fui meter? Será que tenho capacidade para isto? Será que
tenho tempo? Já não estudo há tanto tempo...”, mas através da leitura do conto reencontrei a
coragem, e voltei a perceber que o caminho faz-se caminhando, mandei o medo embora e
continuei a caminhar com a coragem ao lado. Obrigada Timo, por me teres virado o olho.
Em tempos já precisei de virar o olho e não consegui, escolhi o caminho mais fácil,
desistir, e ficou uma promessa desses tempos que já lá vão, tentar sempre até ao fim, por
muito difícil que pareça o caminho.
Quem quer ser contador tem de ter algo muito saliente, não há uma receita, na verdade
a vida não vem com receitas, cada um de nós traça o seu próprio caminho, é importante existir
um esforço pessoal, refletir, pesquisar, estudar e experimentar… e se errar, já sei o que tenho
a fazer, levantar-me e a seguir em frente, o tempo e a persistência são grandes aliados.

Dia 3 de janeiro de 2021 – Mas afinal quem é a Bruxa Bromélia?

No conto ao virar o olho, Timo, consegue perceber que a voz


que ouve era de uma flor, Bromélia, que afinal era uma Bruxa, a Bruxa
Bromélia. A Bruxa conta-lhe sobre a tristeza que o rei está a passar, e
Timo, segue pela floresta à procura de respostas e assim começa a
fazer o seu caminho sem saber por onde ir… tal como toda a gente que entra num novo
desafio.
Isso fez-me questionar acerca do meu caminho... Como é que tem sido o meu caminho?
Como é que começou a paixão pelas histórias? Para ser sincera nunca tinha pensado nisso.
As minhas avós contavam histórias maravilhosas, ainda hoje me lembro de algumas com
muita nostalgia, a minha mãe sempre teve o hábito de nos comprar livros e inúmeras cassetes
vhs dos filmes Disney, penso que foi assim que este amor nasceu. Quando cheguei ao
Politécnico de Santarém tive Literatura Infantil (LI) e apaixonei-me por completo, era assídua
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e super dedicada às aulas de LI, ia com paixão, com desejo de saber mais... E a partir daí
comecei a fazer algumas formações pontuais e a investir em livros infantis.
Mas afinal quem é a Bruxa Bromélia? Talvez, alguém mais velho e experiente. A
bruxa seria, na vida real, um professor/mestre, alguém mais experiente que nos direciona
para o caminho da sabedoria, não nos dá as respostas, apenas nos encaminha, porque as
respostas estão dentro de nós, e para as descobrirmos temos de caminhar.

Dia 16 de janeiro de 2021 – Tudo a seu tempo

Hoje tivemos a primeira aula da “Arte de contar histórias”, a professora Joaninha


Duarte abordou a análise do Conto Timo, e muitas das coisas ditas na aula vão de acordo
com o que já escrevi sobre o conto. Alguns temas que ainda não realizei a análise no diário
tornaram-se mais elucidativos, mas sinto que de forma inconsciente, a partir de agora posso-
me basear na análise da professora, perdendo assim um pouco da genuinidade do meu
pensamento.
O capítulo do Carvalho Teimoso demonstra-nos que tudo tem o seu tempo e é esse
tempo que nos faz contadores. Eu acho que isto aplica-se à arte de contar e à vida. É
necessário ser paciente, saber esperar e estar recetivo ao que a vida tem para nos oferecer.
Não me considerava uma pessoa muito paciente, mas com a vida tenho aprendido a
sê-lo e percebi que as coisas boas precisam de tempo, tempo para se transformarem em coisas
graciosas.
Quando não damos tempo ao tempo, quando não estamos abertos às aprendizagens e
não temos humildade para aprender com o outro, tornamo-nos mais impertinentes, ansiosos,
e daí só advém mágoa, tristeza e turbulência no nosso percurso.
É importante deixarmo-nos levar, sermos leves o suficiente para embarcarmos, ainda
que sempre conscientes que é importante darmos muito de nós à vida, aos nossos projetos e
colocar amor em tudo o que fazemos.
Saber sempre quem somos, o que queremos e para onde vamos.
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Dia 17 de janeiro de 2021 (10h22m) – A Árvore Guardiã

Momento de Introspeção

“À medida que avançava pelo caminho, achou o ar parado, calmo demais. Mas ao
mesmo tempo havia uma névoa esquisita, um silêncio pesado.”

SILÊNCIO
Parar e pensar....
Afinal quem sou eu agora? Onde é que estou? E onde é que quero
chegar?
Ao longo do percurso é importante parar e repensar. Procurar
respostas dentro de nós, verificar o percurso que já foi feito e caminhar...
caminhar na direção certa.

Dia 17 de janeiro de 2021 (23h17m) – A Castanheira Centenária e o Engolidor de


árvores

A Castanheira Centenária, demonstra onde podemos procurar reportório como


contadores de histórias através das nossas recordações da infância, dos nossos familiares, e
das pessoas mais velhas, tão ricas em saberes populares.
Entrar nas histórias, tornarmo-nos parte delas e elas de nós. Sentir cada história como
única. Fazermo-nos contadores.

Dia 18 de janeiro de 2021 (22h55) – A Entrada no Bosque (Onde tudo começou)

Jequitibá, o Rei da floresta, representa o rei dos contadores, o grande mestre. No conto,
Timo verifica que o incidente que aconteceu na escola, que é apresentado ao leitor no início
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do conto, já foi há muito tempo. Timo já fez um desmedido percurso e já se encontra junto
ao grande mestre, pronto para o ajudar.
E agora fiquei a pensar como é que cheguei aqui?! Como é que cheguei à pós-
graduação? Tal como já referi na licenciatura em Educação Básica adorei LI, e desde então
sempre gostei de ler livros e artigos sobre a temática, fiz algumas formações na área, no
Mestrado em Pré e 1º ciclo fiz um trabalho de investigação sobre a literatura para infância e
a promoção de valores e pelo caminho contei algumas histórias para grupos muito, muito
restritos. Mas, durante 2020, um ano atribulado em que foram passadas inúmeras horas em
casa os livros infantis fizeram-me companhia e ajudaram-me a manter a sanidade mental na
quarentena. Criei uma página e partilhei histórias e atividades direcionadas a crianças e como
cada vez mais pessoas ouviam as histórias que contava, senti necessidade de procurar mais
formações na área e as formações tornaram-se um hobbie, mas queria mais, já começava a
achar que as formações não me satisfaziam. Pesquisei, pesquisei, até que um dia apareceu no
Google a pós-graduação: “A arte de contar histórias” e era totalmente online, de outra forma
não conseguiria frequentar, mas... a pós-graduação já tinha começado há uma semana, enviei
email, entrei na segunda semana e foi assim que cheguei até aqui. O tempo passa tão rápido
que às vezes temos de parar para ver qual foi o percurso que já foi feito.

Dia 19 de janeiro de 2021 – Saudade da Rainha desconhecida

“Onde mora um rei, tem que existir também uma rainha”


Saudade:
Lembrança grata de pessoa ausente, de um momento passado, ou de alguma coisa de que
alguém se vê privado.

Neste capítulo surge uma descrição do caminho que o rei fez até chegar a contador.
Para realizar esse percurso conheceu outros contadores, experimentou, fracassou, duvidou,
sentiu medo, enfrentou as dúvidas. Até que encontrou a sua forma, tão própria, de contar
histórias. E quem representará a Rainha? Uma contadora? Uma mestra na arte de narrar?

“Você precisa conhecer o desejo do seu coração”


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Dia 20 de janeiro de 2021 – Quem apareceu de repente?

Timo encontra Leila. E quem é Leila? Uma companheira no sonho da narração, uma
colega. O caminho torna-se mais fácil quando temos bons colegas e os bons colegas
entreajudam-se. Espero apanhar muitas “Leilas” pelo caminho.

Dia 21 de janeiro de 2021 – A Rainha e a festa.

A rainha representa a plenitude, a tranquilidade, o contentamento. O percurso está a


chegar ao fim...
Leila e Timo recolhem o que aprenderam e armazenam no saco.
Eu armazenarei tudo o que aprendi dentro de um talego e levarei comigo vida fora.
Os talegos são sacos feitos de retalhos e tal como no primeiro dia de aulas em que
tive de escolher um objeto para me apresentar e escolhi uma manta de retalhos, como
simbologia da vida, representando cada retalho uma história, o talego para além de ser feito
de retalhos, pode levar coisas dentro de si. No meu talego levarei todo o meu espólio.

Dia 21 de janeiro de 2021 – E assim nasce o contador

“Ao entrar na floresta a personagem entra dentro de si próprio e faz uma


introspetiva ...”– Diário Timo - Dia 1 de janeiro de 2021

Ao entrarmos no conto fazemos o mesmo que o Timo quando entrou na floresta.


Agora que cheguei ao fim da minha análise do Timo percebi o porquê da
complexidade do conto, ele entra dentro de nós, ele faz-nos questionar, ir em busca de quem
somos, através dele revivemos memórias, pensamos em coisas que noutrora nunca
pensaríamos, ganhamos coragem e a verdade é que também nós somos seres complexos. E
isto deixa-me uma questão para a qual ainda não tenho resposta, será o conto complexo, ou
serei eu?
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A vida dar-me-á essa resposta, a seu tempo....


Mas, antes de encerrar este diário, devo dizer-te querido Timo que não és um conto
infantil, mas sim um conto para adultos. E o que seriam os adultos sem contos que os
levassem para sítios longínquos onde se pode sonhar acordado.
Continua a encantar e questionar os futuros narradores Timo, esse é o teu papel.

“E se as histórias para crianças passassem a ser de leitura obrigatória para os adultos?


Seriam eles capazes de aprender realmente o que há tanto tempo têm andado a ensinar?”

― José Saramago, A maior flor do mundo

Até breve Timo

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