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RELATÓRIO FINAL
(Período no qual esteve vinculado ao Programa 08/2018 a 10/2019)
CURITIBA
2019
RESUMO
INTRODUÇÃO
DESENVOLVIMENTO
2 Termo criado por Francis Galton (1883) que consistia na tentativa do melhoramento genético
humano. No entanto esse termo passou a ser manipulado a partir de variadas ideologias. No Brasil,
durante o século XX, acreditava-se que os negros eram responsáveis pela proliferação de inúmeros
problemas de saúde e pragas. O governo então iniciou uma série de políticas de higienização, na
tentativa de tentar embranquecer a população brasileira, mas o grande índice de mestiçagem tornara
inalcançável para o Brasil ser lido como uma nação, de fato.
separação pudesse inabilitar a possibilidade de comunicação entre os africanos, o que
poderia resultar em rebeliões ou fugas em alguma língua inelegível para os senhores.
Por parte de Weimer (2014) há dúvidas quanto a efetividade deste tipo de
precaução, uma vez que a existência de línguas veiculares entre os cativos não os
impedia de se comunicar por completo. Ele diz que: “a única forma efetiva de evitar a
troca de informações entre os cativados seria impedir o contato mútuo, o que –
comprovadamente - não existiu” (Weimer, 2014, p. 158).3 A convivência entre os
cativos era constante em quase todas as atividades e tarefas diárias. Mesmo que
careça de fundamentos este argumento, ainda sim a comunicação entre o dominador
e o dominado teria de acontecer em algum idioma, e mesmo que não falantes da
língua do dominador (ou seja, boçais) uma hora ou outra seria necessário que os
escravos compreendessem esse idioma (se tornassem ladinos), e a partir disso nada
impediria que formassem grupos para arquitetar fugas, rebeliões ou qualquer ato de
repúdio.
O problema que assombra estudos como estes é a precariedade de
referências. Essa precariedade deve-se em parte as autoridades da época, e cita-se
o fato de que Ruy Barbosa, no posto de ministro, tenha mandado destruir a
documentação referente a registros de cativos para evitar indenizações por parte dos
escravocratas que saíram perdendo com a abolição em ação. Mesmo assim, essas
atitudes não seriam as razões principais dessa precariedade. Através da Lei Euzébio
de Queiroz, de 1850, o comércio transoceânico de escravos foi proibido, mas não
impediu o contrabando. O crime durou até o governo inglês perceber e apreender os
navios negreiros, reconduzindo-os até os portos de embarque e adicionando os navios
capturados à marinha inglesa. No entanto, a objetificação imposta sobre os
escravizados é uma das principais razões citadas pelo autor para a falta de
informações sobre os principais afetados dessa história: “não haveria a necessidade
premente de procedimentos burocráticos mais sofisticados: um escravo vinha para
trabalhar até a exaustão de suas forças, quando então era simplesmente substituído
por outro igualmente anônimo e ao qual estava reservado o mesmo inexorável fim”
(Weimer, 2014, p. 159)4.
6 Mapas introdutórios por David Eltis e David Richardson, Universidade de Yale, 2010.
Figura 1 - Mapa do comércio transatlântico
7
Idem, ibidem.
8 Foi observado duas formas de escrita (kraal e krall), porém ambas têm o mesmo significado.
9 No norte e nordeste de Angola, prefere-se a cerca viva de minguengue e mulemba, enquanto no
centro e sul prioriza-se a paliçada. As estacas podem ser simplesmente fincadas no chão ou receber
um reforço com a amarração superior num pau transversal ou, ainda, ser vergadas e presas sob
pressão entre três galhos horizontais. Essas três formas podem ser facilmente encontradas no sertão
nordestino do Brasil. Entre os Bienos, essas paliçadas se transformam em fortaleza, e os Chunhamas
se defendem construindo verdadeiros labirintos. (WEIMER, 2014, p.113).
também conter apenas uma entrada em todo o perímetro cercado, uma construção
principal pertencente ao “chefe” da família, a existência de áreas para plantação,
arvores frutíferas e de sombra (morada dos orixás), além de curral para os animais,
etc. Há certa diferença entre os kraals bantos e sudaneses, principalmente devido a
questão geográfica/climática.
Os sudaneses são essenciais na formação cultural brasileira e sua arquitetura,
(ênfase para os povos Iorubá) e apesar da variedade cultural a compreensão da mão
de obra cativa vinda dali, precisa ser vista de maneira geral. Ocupam uma estreita
faixa de terra entre o Golfo e o Saara, e seguem desde o atlântico até próximo das
regiões dos Grandes Lagos. Essa região (países periféricos ao Golfo da Guiné, entre
Senegal e Cabo Verde, até Nigéria e Camarões) foi de suma importância no “envio”
de mão de obra cativa para o Brasil, e consequentemente importante também na
formação cultural do país. Também foi uma região de muita disputa por potências
coloniais e por isso trocou-se inúmeras vezes de “donos”, e à Portugal restaram
apenas 3 regiões de ponto de embarque: Guiné-Bissau (antiga Guiné Portuguesa); as
ilhas São Tomé e Príncipe (na latitude do que hoje seria o Gabão); o arquipélago de
Cabo Verde (em frente a Senegal). Hoje os sudaneses ocupam uma área que se
divide em 20 países com população e extensão bem diferentes entre si 10.
Devido à grande variação de ecossistemas desenvolveu-se tipologias
arquitetônicas mais variadas. Quanto mais ao Norte mais altos eram os muros para
se protegerem dos fortes ventos quentes vindos do deserto (as chamadas “casas-
castelo”), e as cubatas seguiam um padrão mais cilíndrico devido ao uso da argila
encontrada no solo, além do uso de materiais como palha e sapê, normalmente
usados como cobertura11. Nas áreas intermediárias, região das savanas, o clima mais
ameno permite kraals com muros mais baixos e menos compactos, trivialmente
chamados de casas-pátio (WEIMER, 2005). A região fornece a madeira que serve na
aplicação de taipas para que as paredes sejam apiloadas, técnica conhecida no Brasil
como taipa de pilão (razão pelas quais algumas construções são retangulares ou
10 Informações mais detalhadas sobre populações, superfícies e composições étnicas podem ser
encontradas em Almanaque Abril Mundo 2000. Rio de Janeiro: Abril, 2000. Segundo Weimer as
informações são bastante incompletas e as etnias que formam as diversas nações são bem mais
numerosas.
11 Construções em palha são extremamente eficazes em regiões secas ou desérticas. A palha tem
propriedade de isolamento, absorve o calor do sol, permitindo que o calor interior seja
eliminado porque o material é capaz de respirar. O mesmo acontece nas paredes de barro. As
paredes absorvem o calor durante o dia e irradiam o calor durante a noite tornando o interior mais
quente do que o ar exterior noturno. (Jon Stojkowski, 2015, ArchDaily).
quadradas), e a cobertura recebe folhas de palmeira entrelaçadas, formando uma
estrutura de fibras secas tecidas. Essa forma de organizar o espaço faz com que haja
ampla circulação do ar e evita efeitos causados pela radiação solar e excesso de
umidade. Nas regiões mais litorâneas (super úmidas e de florestas densas) os kraals
são mais abertos. As tipologias de casa de planta quadrada ou retangular são em
número maior que a dos Bantos (WEIMER, 2005), e ao contrário da cultura banta, os
sudaneses preferem deixar a porta do lado direito da casa. Como esta região tem
muitos mangues, lagunas e lagos, foi necessário que aprendessem a construir
também acima das águas, em palafitas, onde a temperatura ambiente era mais baixa,
e isso fez com que em alguns aldeamentos a população quase não pisasse em solo
firme. De fato, na região da grande floresta equatorial, casas com planta retangular,
chamadas cubatas de mocambo (mocambo = construção com duas águas12), já se
faziam presentes antes mesmo da influência islâmica e da colonização europeia,
embora a presença desse tipo de construção tenha sido deixada de lado no imaginário
europeu (consequentemente do resto do mundo), e tenha-se criado uma associação
direta entre África e cabanas redondas.
Segundo Weimer (2005), os mocambos são influenciadores nas construções
populares no Brasil. Ele afirma que os telhados “duas águas” eram comuns nas casas
mais simples por influência dessa arquitetura que ele afirma ter sido desenvolvido no
Noroeste de Angola e costa de Guiné Bissau. Também afirma que há semelhança
entre as varandas brasileiras e as encontradas em Moçambique e Angola, o que indica
que as técnicas foram importadas dos respectivos países. Entretanto, Roberto
Conduru (2013), diz que só é possível afirmar a gênese de uma construção quando
ela é vista em apenas um lugar. No caso da varanda e principalmente do telhado “V”,
são característicos em diversas outras civilizações, inclusive na Grécia Antiga.
Os aldeamentos sudaneses são conhecidos como tabancas, e são formados
por um agrupamento de kraals. Esse aldeamento é mais complexo do que a dos
bantos, primeiramente por serem mais antigos, e isso implica uma maior
experimentação em sua organização, e sua disposição assemelha-se ao conceito de
“zoneamento de usos” dos europeus. A forma de organizar os espaços internos da
aldeia, em geral, acontece mais espacialmente do que fisicamente, sendo assim é
possível identificar as individualidades de cada kraal. Além disso, os sudaneses
12Telhados duas águas são telhados com dois caimentos, ou seja, dois lados por onde a água
escorre.
cultivavam bosques sagrados (conhecidos no Brasil como “terreiros”) para suas
práticas religiosas.
Os bantos13 são a maior população africana, e seus domínios se estendem
desde as florestas tropicais centrais e a área centro-oriental, até o extremo sul do
continente (WEIMER, 2014) e de uma forma geral, é um território com vasta riqueza
mineral. São povos de pele relativamente clara, mesmo que classificados como
escuros no Brasil. Todavia, a maior parte de sua população vive do pastoreio e da
agricultura, onde a divisão social do trabalho é definida por gênero – homens são
encarregados do pastoreio enquanto mulheres cuidam da agricultura. Como a fauna
é rica, muitas tribos vivem da caça e recoleta, e nesse âmbito os homens são
responsáveis pela caça e as mulheres pela coleta de fruto e raízes. As organizações
familiares são complexas, e a estrutura matrilinear é dominante nas comunidades
agrícola-pastoril (a menos nas comunidades de pastoreio nômade e de recoleta, onde
a estrutura é patrilinear), e vale dizer que nessas sociedades é o marido quem deixa
seus familiares para se juntas aos da esposa, onde o kraal é construído nas
mediações do kraal da sogra.
As formas mais comuns utilizadas pelos bantos são as cubatas em planta
circular, redondas, e com o telhado cilíndrico, mas que casam com uma grande
variabilidade de coberturas também. Há evidências de que as cúpulas são os formatos
de origem das cubatas, visto que os Koisans (ou Khoinsans) empregam esse tipo de
cobertura tradicionalmente, e eles se constituem como os povos mais antigos a
ocuparem a região. É possível identificas diversos outros formatos de construções. Na
fronteira entre Angola e Namíbia há cubatas mais recentes que vêm dando preferência
para formatos que lembram tronco, e nesse caso a estrutura é fincada no chão e
podem ter apoio central. Já a cubata dos Lundas, no nordeste de Angola, e também
dos Ganguelas, no sudoeste de Angola, as paredes verticais formam um cilíndrico, e
recebem uma cúpula que cria um minúsculo beirado. Já as cubatas de mocambo eram
pouco comuns entre os bantos, e característico apenas no Norte de Angola e na ilha
de Madagascar, mesmo hoje havendo uso maior, utilizando blocos de adobe
assentados com terra e cobertura de palha seca. A junção desses kraals formam
aldeamentos são conhecidos como quilombos. (kilombo) palavra Quimbundo que
13O nome foi dado pelo linguista alemão Wilhelm Bleek (1827-1875), pois em diversas línguas bantas
a palavra bantu significa “gente”, “povo” ou “pessoas”, segundo Hans Joachim Störing, op. cit. p. 219.
significa “vila”, “aldeia” ou “cidade”. No Brasil o termo tomou outro significado, mais
voltado para um agrupamento de escravos fugidos /rebeldes. Outra forma de
aldeamento, mais raras, mas não menos importante são as sanzalas. Esse método,
embora endêmico em regiões de Angola, Camarões e Gabão, se adaptou muito bem
as condições no Brasil.
14 AMANTINO, Márcia. Sobre os quilombos do sudeste brasileiro nos séculos XVII e XIX. In:
FLORENTINO, Manolo; MACHADO, Cacilda (Org.). Ensaios sobre a escravidão. Belo Horizonte:
EdUFMG, 2003, p. 235-262.
15 O Palenque foi dado como território livre pelo rei Carlos V, em 1713, quase sem anos após sua
16 Ganga (sacerdote africano, pai de santo). Zumba (do trovão, equivalente a Xangô). Seu sucessor
foi seu sobrinho, Francisco Nzumbi (do quimbundo “alma iluminada”), conhecido como Zumbi dos
Palmares.
17 CARNEIRO, Edison. O quilombo dos Palmares. Rio de Janeiro: Civilizações Brasileiras, 1966, p.
25-26.
18 Termo não mais utilizado, mas que se trata de aberturas camufladas com a função de permitir a
bambus ou madeira fincadas no chão e revestidas como palhas, e eram usadas para caça de animais
de porte e como arma de guerra. Os quilombolas o aperfeiçoaram com a utilização de ferro ao invés
da madeira.
20 Covas fundas cobertas com vegetação, usadas como armadilhas tanto para animais, quanto para
invasores.
Figura 2 - Quilombo Buraco do Tatu, Itapuã, Bahia, 1763.
Há pesquisadores que dizem que o conceito pode ser aplicado a qualquer tipo
de habitação de negros, independentes ou não, individuais ou não. Para Weimer
(2015, p.174), conceitua-se senzala apenas construções habitacionais em fila
(contínua ou descontínuas), com ou sem avarandados frontais (como nas ilhas
atlânticas) quando a qualificamos “de renque”. Sendo um conjunto de habitações
geminadas, construções isoladas não se encaixam, e são denominadas de
“choupanas” ou “cabanas”. Percebe-se também que a história não fez questão de
representar essas senzalas, não há remanescentes de senzalas dos séculos XVI e
XVII, e as análises são basicamente buscadas através de engenhos preservados e
nas casas-grandes. A partir da grandeza das construções dos senhores de engenho
é possível perceber a submissão e precariedade das habitações dos negros em
contraste violento com a monumentalidade da casa-grande, e que nada tinham em
comum com à paisagem quase que paradisíaca apontada nos desenhos de Manuel
Bandeira e reproduzidos em Casa-Grande & Senzala (WEIMER, 2014). Sendo assim,
é necessário sempre recorrer a documentos históricos para compreender como eram
essas edificações e sua importância plástica na paisagem das fazendas coloniais.
Numa citação do naturalista suíço Johann J. von Tschudi em sua expedição pelo
Brasil, descreve as ações e os espaços dos negros que viviam numa fazenda em que
visitou no Rio de Janeiro:
No pátio em que se encontra a casa-grande, existem em geral dois
edifícios compridos, de construção primitiva, as chamas senzalas ou
habitações dos negros, onde os homens são alojados separadamente das
mulheres. Ao longo dessas construções as tarimbas 23 cerca de três pés (99
cm) acima do chão, e no centro um corredor bastante largo e alguns fogões
primitivos [...]. Os negros gostam de reunir-se ao cair da noite ao redor do
fogo, fumando, palestrando e gesticulando, em grande algazarra. As
tarimbas, das quais cada uma mede 2,5 a 3 pés (0,75 a 0,9 m) de largura,
são separadas umas das outras por uma divisão de madeira de 3 pés (0,9 m)
de altura, tendo na frente uma esteira ou um cobertor para tapar a entrada do
lado do corredor. Cada negro possui de 3 a 4 cobertores, que usam também
como colchão, se não preferem utilizar-se da esteira. Um pequeno travesseiro
completa a cama primitiva.
A tarimba é bastante comprida para permitir colocar em suas
extremidades um baú no qual um respectivo dono guarda seus pertences. As
senzalas possuem janelas com grades, ou então uma pequena abertura
abaixo do teto a 12 pés (3,6 m) acima do solo, que permite a ventilação e a
22 STEIN, Stanley. Vassouras: um município brasileiro do café, 1850 – 1900. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1990, p. 70-71.
23 Estrado de madeira ou cama rude de madeira.
iluminação suficiente para todo o recinto. Atrás das senzalas ficam as
privadas, que são, às vezes substituídas por bacias cheias de água até a
metade, e que, colocadas no corredor, são diariamente esvaziadas e
devidamente limpas. Os negros casados vivem em menores devidamente
separados.
As senzalas ficam abertas até as 22h da noite, havendo até lá, um
convívio misto nas mesmas. A um sinal dado por uma campainha, os homens
e as mulheres se retiram, cada qual para a sua habitação e o guarda fecha a
porta a chave, abrindo-as na manhã seguinte, uma hora antes de iniciar a
tarefa diária. As crianças dormem com as mães, as maiores possuem suas
tarimbas individuais, dormindo em geral duas crianças em cada uma 24.
24 TSCHUDI, Johann Jakob. Viagem às Províncias do Rio de Janeiro e São Paulo. Belo Horizonte/
São Paulo: Itatiaia/EdUSP, 1980, p. 56-58.
25 Paróquia do Divino Espírito Santo de Lamim-MG. Livro de Óbitos n° 1 (1859-1883) e Livro de
Óbitos n° 2 (1877-1903)
de Câmara e Cadeia, onde uma escadaria imperial na fachada dá acesso ao piso de
cima que recebe a câmara municipal, e no piso térreo o recebia a cadeia pública.
Muitas das vezes eram os únicos prédios públicos nos municípios, e se localizavam
normalmente no centro, próximo ao pelourinho.
Alguns defendem que essas edificações sugiram juntamente com o período
escravocrata. Outros, como Bastide (1971), dizem que deve ter surgido juntamente
com a descoberta do ouro em Minas Gerais. Com proibição das migrações forçadas
as senzalas se transferiram aos poucos para dentro da casa-grande. Os porões eram
as novas moradias dos cativos, e dali tinham acesso a um pátio central onde recebiam
vigilância vinda das varandas postas no segundo piso da casa do senhoril. O pátio era
fechado por muros altos e pela edificação, e os escravos (na regra) só passavam
pelos portões para ir trabalhar no garimpo e voltar.
Com a abolição da escravatura e a industrialização ainda engatinhando no
Brasil, os negros e negras agora livres viam a oportunidade nos estabelecimentos
fabris. Mesmo com salários miseráveis e sem nenhum tipo de ressarcimento pelas
centenas de anos de calamidade e sofrimento ao qual foram expostos, a necessidade
de morar ainda existia. Uma onda migratória saindo das zonas rurais às cidades a
procura de trabalho e moradia. Os cortiços então tornaram-se moradia e se
proliferaram nos quintais das casas urbana. Até a virada do século XIX era comum o
licenciamento para construções de cortiços, mesmo em áreas mais valorizadas
(WIEMER, 2014). Com a chegada do republicanismo os cortiços foram proibidos, e o
direito à moradia também.
Com a desculpa de ser necessário acabar com os cortiços e fazer uma limpeza
da cidade, foi que a reforma urbana do Rio de Janeiro aconteceu, e ficou conhecido
como “abertura da Avenida Central”. Através da reforma do Prefeito Passos, onde
foram abertas novas vias e artérias que “limparam” o centro da cidade de pobres, eles,
de fato, saíram do centro da cidade, mas ao destruir os quarteirões onde essa
população habitava, e sem opções de se estabeleceram em outros lugares na cidade,
essas pessoas viram nas encostas dos morros a única saída. “[...]. Eles (cortiços)
deixaram de ser construídos no século XX parcialmente pelo decreto do controle de
aluguéis por Getúlio Vargas e, enfim, pela proibição legal de construí-los, baseado nas
teorias sanitaristas do miasma e na crença de que as doenças que surgiam eram
inerentes à sua forma construtiva. A proibição dos cortiços está intimamente ligada
ao surgimento das favelas no Brasil, pois criava uma barreira legal para a construção
de moradias populares, excluindo grande parte da população à autoconstrução da
favela” (LING, 2013). As políticas de “higiene” de Osvaldo Cruz transformaram o
“problema cortiço” num problema urbano gigantesco. Ao expulsar a população pobre
de suas moradias sem pensar numa solução adequada de habitação para os mesmos,
ele basicamente deu início a tragédia urbana que se estabelece no Rio de Janeiro até
hoje, e segue sendo varrida para de baixo do tapete. Problemas específicos do Rio
de Janeiro tomaram proporções, segundo Weimer, criminosas, como a ocupação de
encostas de morros com terrenos propícios a deslizamentos que não acontecem por
um “milagre”. Nas letras de “Eu Sou Favela” (2004), o sambista “embaixador das
favelas”, Bezerra da Silva, faz uma análise do perfil das condições dessa população,
a partir da perspectiva de quem vivência a experiência de habitar nos morros:
Sim, mas eu sou favela, e posso falar de cadeira. Minha gente é
trabalhadeira e nunca teve assistência social. Ela só vive lá, porque para o
pobre não tem outro jeito, apenas só tem o direito a um salário de fome e uma
vida normal. A favela é um problema social [...].
CONCLUSÃO
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