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THAIS ALVES OLIVEIRA

Rio de Janeiro
Junho de 2021
Texto do gênero Ensaio Acadêmico para a disciplina de Português Instrumental II.
Professora: Bruna Brasil Albuquerque
Curso: Artes Plásticas – Licenciatura em Educação Artística
Período: 2021.1
Resumo: O breve ensaio a seguir traz para discussão uma das maiores
problemáticas do ensino de arte nas escolas brasileiras, tanto da rede pública
quando da privada: a forma como se faz presente o epistemicídio artístico, ou seja,
o silenciamento de conhecimentos culturais que constroem nosso povo brasileiro na
arte, como conhecimentos africanos e indígenas. O cumprimento da Lei 10.639/0,
que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas
redes de ensino é trazido como forma de manutenção desta inviabilização de outras
culturas no ensino não só da arte como também em todas as disciplinas escolares.

Palavras-chave: Arte e Cultura Afro-Brasileira. Epistemicídio, Lei n° 10.639/03.

Introdução
O ensino de arte nas escolas brasileiras limita-se a somente um tipo de ensino, que
segrega as diversas formas de saberes, dificultando assim o desenvolvimento e
interação dos alunos (junto a profissionais, professores e artistas) não só na arte
visual como na literatura, e na música, levando em conta os inúmeros tipos de
expressões artísticas dos povos miscigenados obrigatoriamente em nosso território.
O ensino de arte nas escolas públicas e particulares do Brasil acentua cada vez
mais a morte de saberes não ocidentais, que não são do homem branco europeu,
como a arte indígena, e a arte afro-brasileira.
Discutirei neste breve ensaio o conceito de “epistemicídio” e uma hierarquização de
saberes que se refletem em nosso atual cenário do ensino de arte no Brasil, tanto
na área pública quanto na privada, desde o ensino fundamental ao ensino superior,
que colaboram para um genocídio de nossa cultura, assim como o mau
cumprimento da lei Lei Federal 10.639/0 inclusa em nossa Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, que torna obrigatório o ensino da história africana, afro-
brasileira e indígena.

O “Epistemicídio” nas escolas


É certo que em nossas escolas, as grades curriculares passadas aos professores,
sejam eles da literatura, arte visual ou da música, enfim, da educação artística,
possuem uma carga de ensino limitada à arte de descendência europeia. Desde o
ensino fundamental é passado à nossas crianças uma super valorização de
conceitos e historicidades eurocêntricas, como os principais períodos da história da
arte visual branca renascentista e daí para a frente. Ao ter um ensino e um currículo
focado somente nessas disciplinas, onde períodos históricos são estudados
segundo somente um espaço físico do mundo (em sua maioria a Europa), perpetua-
se em nosso ensino escolar o racismo, dificultando à grande maioria do povo
brasileiro, de descendência de diversos povos do continente africano e de inúmeros
povos indígenas o entendimento de si mesmo em um outro espaço, espaço esse
que sofre diariamente as mazelas de um genocídio que se dá contra corpos, ideias
e falas silenciadas.
Há um termo que pode facilmente ser utilizado para resumir todo esse assassinato
contra uma(s) cultura(s) através do silenciamento de produções artísticas, sendo
elas literárias ou não, visuais ou não, a palavra “epistemicídio”. Este termo está
atrelado à invisibilidade de referências e teóricos de descendência africana,
deixando de lado a produção de conhecimento do povo negro e indígena.
O pouco que se oferece em salas de aula são histórias contadas pelo próprio povo
colonizador, como por exemplo história do Egito e guerras de libertações contra a
escravidão e exploração de povos indígenas e africanos. A história se reflete
logicamente na produção artística e cultural no espaço das escolas, já que os
conhecimentos estão facilmente relacionados, porém o mesmo pode-se dizer sobre
disciplinas como Geografia, Matemática, Português, Educação Física, Química e
outros, que apresentam todos em sua maioria teóricos ocidentais, que por mais que
tenham tido como referência filósofos e artistas de descendência do continente
africano, a história colonizadora silenciou-os.
A filósofa e escritora Sueli Carneiro é uma das pioneiras no estudo de
epistemicídio, onde debate:
“(...) pela negação aos negros da condição de sujeitos de conhecimento,
por meio da desvalorização, negação ou ocultamento das contribuições do
Continente Africano e da diáspora africana ao patrimônio cultural da
humanidade; pela imposição do embranquecimento cultural e pela
produção do fracasso e evasão escolar. A esses processos denominamos
epistemicídio” (Carneiro, 2005).

O Epistemicídio artístico
Sabe-se que a educação é a principal ferramenta para construção de um povo,
assim como também para a desconstrução de vários povos que constroem um só.
Essa ferramenta é tida como um enorme capital social que se concentra nas mãos
de quem detém poderes políticos suficientes para delegarem quais histórias serão
contadas, e quais palavras serão usadas para passarem estas narrativas, assim
como quais cores de tinta serão utilizadas para pintarem um quadro e quais serão
as paisagens e pessoas retratadas, e quais traços serão representados em uma
dada escultura.
A forma como a educação artística é reduzida em nosso ensino é evidente, e o
pouco aproveitamento dos escassos tempos em salas de aula também. É
necessário repensar formas de como desviar destes bueiros em nossa educação
para não reproduzirmos o que na maioria das vezes tanto criticamos na mesma.
Ao ignorarmos a cultura afro e indígena, e trazermos para a sala de aula somente a
história da arte europeia desde o renascimento até o modernismo, não podemos
nos questionar o que causa o desinteresse dos estudantes se os mesmos não se
identificam com o que escutam, e se não se sentem representados em falas,
quadros, modos de expressão artísticas e tons, traços faciais, cabelos, formas, e
toda a estética que a maioria dos educadores reproduzem ao passar somente o
padrão.
Há quem diga ser revolucionário levar estudantes em museus como o Museu
Nacional de Belas Artes. Não retiro aqui, a importância do ensino fora da sala de
aula e visitas a museus, mas questiono, quais museus? E o porquê de algumas
visitas parecerem não despertar o interesse na maioria dos alunos, principalmente
se esses forem de perfil de escolas estaduais, municipais e federais.
Em uma obra audiovisual da música “Apeshit” de autoria de Beyoncé e Jay Z,
artistas internacionais reconhecidos com mais de 10 Grammys cada um, os músicos
se utilizam de diversos corpos pretos em performance no Museu do Louvre, um dos
museus tidos como mais importantes do mundo e com enorme acervo de obras de
civilizações antigas e achados arqueológicos. O clipe traz à tona a ironia da
presença de corpos que foram e são apagados pela cultura ocidental em um espaço
onde esse apagamento é evidente nas obras expostas, e onde o mínimo de arte de
descendências africanas são “achados” arqueológicos tidos como posse e retirados
de seus locais de origem, como Egito e antiga mesopotâmia, ou mesmo civilizações
antigas da América do Sul ou Oriente Médio.
Os primeiros passos para mudança e a Lei nº 10.639/03
A Lei nº 10.639/03 sancionada em 2003, inclui no currículo oficial da Rede de
Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Africana".
A lei foi considerada um enorme avanço na pedagogia, porém o maior desafio tem
sido a sua implementação nos espaços para além do dia da Consciência Negra nas
escolas. A criação da lei e sua prática não pode se resumir somente a discussão de
racismo e falas somente em eventos e “feiras da cultura”, algo bastante comum em
nossas escolas, e sim a implementação de filosofias e ensinamentos de
conhecimentos ancestrais ao povo brasileiro no dia a dia dos alunos e também ao
corpo docente.
A inserção de teóricos da história da arte africana e indígena, pintores, escultores,
graffiteiros, dançarinos e músicos renomados, e a valorização da arte periférica nas
escolas e áreas de ensino são os primeiros passos para colocar em prática a
mudança que a maioria dos intelectuais acadêmicos da área de ensino questionam
tanto: a mudança de nosso modelo de ensino. A busca por museus, peças de teatro
e demais locais não acessíveis para a maioria de nossa população infantil e jovem
de periferias e favelas precisa ser selecionada com base na escolha deles, e de
narrativas próximas, assim como também espaços mais próximos de suas
residências que muitas vezes tem muito em agregar no ensino de cada um.

Conclusão
A mudança talvez para uma melhor aplicação do ensino de arte nas escolas não
tenha que partir somente do modelo de ensino e passagem de informação de
professores para alunos, ou mudança na interação em salas de aula e sim nossas
referências, inclusive em educação. O que está ultrapassado em nossa educação
artística não é somente o modelo livro-aluno, e sim nós mesmos em ignorar
conhecimentos primordiais de nossos povos originários que tem muito a nos ensinar
em todas as áreas, sejam elas consideradas científicas, ou não.
É necessário acima de tudo uma formação e esforço dos atuais professores de
artes por uma pesquisa aprofundada em descobertas de teóricos e pesquisadores
que saibam de onde partir para procurarmos referências para trazer em sala de aula
e passarmos uns para os outros assim como tem sido feito neste ensaio.

Referências Bibliográficas:
CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do outro como não-ser como
fundamento do ser. 2005. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2005. . Acesso em: 31 maio. 2021.

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